Brasil
Através de uma perspectiva queer, este estudo tem por objetivo investigar as representações das personagens LGBT nos documentários produzidos na região Sul do Brasil, entre 2000 e 2014. Ao compreender a sexualidade como um dispositivo histórico de regulação e ordem social, problematizamos como estes filmes figuram as representações de gênero, corpo e sexualidades dos “sujeitos abjetos” e como assumem ou não uma estética contraprodutiva e de resistência as normas sexuadas e generificadas. As representações, enquanto âncoras narrativas, contribuem para compreender os processos de imaginar e reconhecer o outro, pois todo filme produz representações submetidas ao ponto de vista de um eu enunciador, isto é, como o outro nos vê e nos projeta em retratos fílmicos. Postulado esse horizonte, a intenção desse trabalho se desdobra em:
(1) investigar as posturas éticas das obras para articular o universo fílmico, conduzindo as significações dadas às personagens LGBT; (2) analisar como os dispositivos técnicos e estilísticos utilizados no documentário contribuem ou não para as subversões de retratos fílmicos discriminatórios; e (3) compreender quais são as representações que este cinema tem figurado para estabelecer (e se estabelece) seu discurso e estética queer. A escolha do espaço temporal justifica-se, primeiramente, por demarcar a pós retomada do cinema brasileiro (NAGIB, 2002). Em segundo lugar, pelo despontar de um maior número de filmes nacionais comprometidos com representações mais diversas das pessoas LGBT (GARCIA, 2012). Em terceiro lugar, é a partir do ano de 2002 que há um maior aquecimento da produção de documentários nacionais (MARUNO, 2008). E em quarto lugar, pela configuração do movimento LGBT nesta última década, o qual luta por espaços midiáticos – entre eles o cinema – para dar existência social aos seus discursos contra-hegemônicos (SIMÕES;
FACHINI, 2009). Com 19 filmes mapeados, os procedimentos de análise perpassam pela pesquisa bibliográfica prévia e pelo método de análise fílmica da representação das personagens LGBT que compõe os enredos fílmicos. Ao final, pôde-se aferir que, de modo geral, os filmes mapeados e analisados compartilham de um comprometimento orgânico em representar esses sujeitos de maneira diversa, elaborando um discurso alternativo e de contraposição às representações negativas e estereotipadas, humanizando os sujeitos que antes estavam fora de uma “humanidade possível”. Ao representar estas contraposições e resistências aos discursos de ordem preconceituosa, as representações fílmicas avançam, em alguns momentos, para atualizações e (re)significações de um lugar que serviria apenas para reforçar uma estratégia de controle e exclusão. No entanto, ao buscar constantemente se opor aos discursos de ordem preconceituosa, alguns desses filmes recaem na armadilha de ressignificar as representações dessas pessoas personagens em termos hegemônicos, valorizando discursos e estéticas higienizadas e assépticas (em vez reinventar e burlar o próprio regime discursivo que elege e define como as LGBT devem se comportar para alcançarem um status de “vida viável”). Já outros apostam em uma reificação identitária e pouco se abrem para visões da homossexualidade, travestilidade, transexualidade ou bissexualidade como reais terrenos críticos de desconstrução do sexo/gênero, representando estes sujeitos através de um modelo étnico e identitário. No entanto, há aqueles filmes que não estão preocupados apenas em se opor aos retratos estereotipados, em elaborar uma representação positiva das LGBT ou reduzir sua criatividade a uma reificação identitária. Para além disso, apostam em uma representação de resistência que também é contraprodutiva, contrassexual e queer.
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