Shamanism, Colonialism and the Wild Man de Michael Taussig (1986) é antes de tudo um belo livro e deve ser lido como tal. O leitor seduzido saberá percorrer com alguma destreza os tortuosos caminhos discursivos que Taussig trilha na rota do terror e da cura xamânica no sudeste colombiano. Ao contrário, o leitor que, como Ulisses, resistir ao canto das sereias, arrisca a perder-se no meio do caminho. O autor nos convida a um duplo mergulho - mergulho na lama da floresta e nas visões produzidas sob o efeito alucinógeno do yagé. Duas rotas alternativas, embora complementares, que constituem partes distintas do livro - este mosaico inacabado onde os pedaços e fragmentos dialogam entre si numa polifonia generalizada. Dupla linguagem também: o discurso brutal do terror e o discurso finamente nuançado do xamanismo. No meio deles e por meio deles, o discurso do antropólogo busca uma forma de existir na própria impossibilidade de atingir plenamente seu objeto: “um modo de explanação que solapa seu ponto de partida, enquanto o ponto de partida leva inelutavelmente a seu solapamento” (:465). Para compor esta colagem épica que é Shamanism, Colonialism, and the Wild Man, Taussig recusa a preeminência da mão direita; é com a mão esquerda que ele recorta os pedaços e fragmentos para montar urna das mais bem-sucedidas monografias no conjunto das experiências renovadoras que vem caracterizando certa antropologia americana.
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