Gustavo Madeiro, Cristina Amélia Carvalho
O Brasil é mundialmente conhecido por seu carnaval. Junto com o futebol, a Festa Nacional ajudou a construir e definir a imagem do povo brasileiro, desde a época de Carmem Miranda até à atualidade de fama e esplendor do Carnaval do Rio e da Bahia. Malandragem - também conhecida como "jeitinho" - liberdade, e igualdade ainda que fugaz entre as classes sociais, são características associadas a esta manifestação da cultura brasileira. Suas origens remontam ao tempo em que a Festa marcava os últimos dias de fausto e mundanidade antes do período de jejum e oração da quaresma. Apesar de não ter o mesmo formato, símbolos, ritmos e efígies em todas as regiões em que é festejado, o Carnaval preserva a imagem consensual de uma relativa permissividade e de quebra das regras. Entretanto, na era moderna, a difusão das grandes organizações de caráter empresarial, a dominação da lógica de mercado, a atomização da sociedade e a difusão de uma cultura massificada afetaram a Festa.
Ao partir deste contexto este trabalho analisa as mudanças ocorridas no carnaval desde sua origem até os dias atuais na região Nordeste do Brasil, observando com particular atenção o campo social do carnaval e o surgimento de novos atores sociais na cidade de Maceió capital do Estado de Alagoas. A pesquisa mostra que a festa atravessou as fronteiras temporais a que estava presa e, na década de 90, se espalhou ao longo dos doze meses do ano com as chamadas micaretas (carnavais fora de época). Nesses eventos, milhões de pessoas se aglomeram em torno de grandes trios elétricos que, ao som de uma música pasteurizada, animam camarotes e blocos pagos, ao tempo em que o carnaval tradicional, que antecede a quaresma, desaparece lentamente.
A análise qualitativa e o perfil histórico interpretativo do trabalho permitiram compreender as origens e os desdobramentos dessas transformações a partir de uma perspectiva na qual, as lutas pelo poder e pela definição de novos valores representam os eixos que conduziram a ação transformadora. A sociologia de Pierre Bourdieu sobre campos sociais ofereceu subsídios para analisar as conseqüências das lutas de poder entre os atores sociais, indivíduos e organizações, pelo controle da Festa. A sociedade é percebida como um mercado em que os atores têm interesses, estratégias e capitais, e no qual o prêmio máximo é a possibilidade de imposição da própria interpretação da realidade. A investigação indicou que a valorização de uma lógica do interesse no campo social do carnaval foi, simultaneamente, causa e efeito da emergência de novos atores. A aparência de desinteresse, a entrega e o amor à Festa transformaram-se em estratégias de exceção, e o esforço ela inserção no sistema econômico dominante apoiado por um modelo empresarial de organização, constituiu a regra. A própria estruturação administrativa transforma-se em um capital nas lutas pelo poder, denominado, neste trabalho, "capital empresarial". Não obstante, esta não foi uma mudança inevitável, nem representa "o fim da história".
Em suas conclusões os autores defendem que, mais do que um instrumento para aperfeiçoar a eficiência, o modelo empresarial mostrou-se, na situação dada, o melhor meio de garantir distinção social aos atores sociais que souberam usar seus recursos de poder nessa direção. Mostrou ser um meio de garantir a continuidade da festa de rua mas, com blocos e camarotes pagos, excludentes para a imensa maioria da população; espaços formalmente públicos mas privatizados em seu uso, reservados às classes dominantes. Apesar de manter a aparência da quebra de regras, hoje como no passado, o espírito do carnaval é o da reafirmação da ordem e das diferenças entre os homens.
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