O processo de mundialização em curso, se propiciou a expansão das fronteiras do conhecimento, apresentou um lado perverso que foi a homogeneização do homem e aquilo que Hans Jonas chamou de vazio ético, expresso no predomínio do mercado que rompe com os laços de solidariedade e faz aumentar vertiginosamente a violência nas suas mais diversas facetas, simbólica, psíquica, física e nos mais diversos âmbitos que vão do privado ao público.
Além disso, o conceito de nação que sustentava os laços sociais até meados do século XX entra em crise e se vê substituído pela ausência de laços sociais. Infelizmente, uma das formas perversas de reação a isso tem sido a criação de laços sociais não-solidários e calcados na intolerância típica dos diversos tipos de fundamentalismo religioso espalhados pelo mundo.
A concepção de cidadania sofre, nesse quadro de desmoronamento das culturas nacionais, um forte golpe, especialmente em países ditos periféricos, nos quais ela sequer chegou e se instalar em seus moldes iluministas clássicos. Em um mundo de exclusão o cidadão passou a ser aquele que consome, e como tal, tem direito e acesso a certos serviços e conhecimentos. O mundo do cidadão-consumidor.
A democracia segue tendo nesses paises um caráter mais formal do que substantivo.
É aí que algumas matrizes do pensamento político do século XX se mostram importantes porque contêm os germes de uma visão integral do cidadão, de sua dimensão ética, de sua raiz comum - não obstante a singularidade de cada qual expressa em culturas, nacionalidades e religiões diferentes - enquanto um ser portador de uma humanidade comum.
Gandhi e Václav Havel, introduziram práticas e idéias políticas nas quais o predomínio da não-violência e da ética - a ética aqui não a ética formal e neutra, mas uma ética que possa servir de guia à ação - ensejam a criação de uma nova cidadania, de uma nova forma de inserção e de ação na esfera pública, na qual o homem se inscreve como portador de uma unicidade com o todo.
Especialmente Václav Havel, objeto deste trabalho, aponta pra concepções de cidadania e de democracia fortemente marcadas pela ética. Ser cidadão é ter uma responsabilidade moral, estar aberto a uma responsabilidade coletiva maior, admitir a co-responsabilidade pelo destino do conjunto, comprometer-se.
Ora essa perspectiva pressupõe a crença no que ele chama de Horizonte Absoluto, a crença no Ser, enfim, a crença no Transcendente. É a noção de transcendentalidade que irá abrigar a exigência ética de uma revolução individual precedendo a revolução política.
A caminhada em direção ao indivíduo concreto é para Havel um ato fundamentalmente mais profundo que deve preceder a construção da democracia e de suas instituições.
Tanto a reflexão como a trajetória política de Havel, apontam para a necessidade urgente de se fazer o debate sobre ética e política ser aprofundado pela sociologia política, que é a proposta deste ensaio.
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