NARRATIVAS IMAGÉTICAS,
DIVERSIDADE E
TECNOLOGIAS
DIGITAIS
Denis Porto Renó
Marcos “Tuca” Américo
Antonio Francisco Magnoni
Fernando Irigaray
(Orgs.)
2016
Organização
Prof. Dr. Denis Porto Renó (UNESP)
Prof. Dr. Antonio Francisco Magnoni (UNESP)
Prof. Dr. Marcos Américo (UNESP)
Prof. Ms. Fernando Irigaray (UNR)
Comitê Científico
Prof. Ms. Jerónimo Rivera (Universidade La Sabana - Colombia)
Prof. Dr. Denis Porto Renó (UNESP - Brasil)
Prof. Dr. Marcos Américo (UNESP - Brasil)
Prof. Dr. Antonio Francisco Magnoni (UNESP - Brasil)
Prof. Dr. Vicente Gosciola (Universidade Anhembi Morumbi - Brasil)
Prof. Ms. Alfredo Caminos (Universidade Nacional de Cordoba - Argentina)
Prof. Ms. Fernando Irigaray (UNR) – Direção Editorial
Prof. Dr. Octavio Islas (Universidade de Los Hemisferios - Equador)
Prof. Dr. Lorenzo Vilches (Universidade Autônoma de Barcelona - Espanha)
Prof. Ms. Carolina Campalans (Universidade do Rosario - Colômbia)
Prof. Dr. Lionel Brossi (Universidade do Chile - Chile)
Prof. Dr. Francisco Rolfsen Belda (UNESP - Brasil)
Prof. Dr. Juliano Maurício de Carvalho (UNESP - Brasil)
Prof. Dr. Mauro Ventura (UNESP - Brasil)
Profa. Dra. Angela Grossi de Carvalho (UNESP - Brasil)
Profa. Dra. Elena Galán (Universidade Carlos III - Espanha)
Profa. Dra. Jenny Yaguache (UTPL - Equador)
Profa. Dra. Loriza Lacerda de Almeida (UNESP)
Profa. Dra. Manuela Penafria (Universidade da Beira Interior - Portugal)
Profa. Dra. Maria Eugenia Porém (UNESP - Brasil)
Prof. Dr. Angelo Sottovia Aranha (UNESP - Brasil)
Prof. Dr. José Carlos Marques (UNESP - Brasil)
Comissão Editorial
Prof. Dr. Denis Porto Renó (UNESP) – Direção Editorial
Prof. Ms. Fernando Irigaray (UNR) – Direção Editorial
Prof. Dr. Marcos “Tuca” Américo (UNESP) – Direção de Arte
Janaina Leite de Azevedo – Projeto Editorial & Diagramação
Danilo Leme Bressan – Projeto Gráfico
Narrativas imagéticas, diversidade e tecnologias digitais / Denis Porto Renó...
[et al.]. - 1a ed . –
Rosario: UNR Editora. Editorial de la Universidad Nacional de Rosario, 2016.
Libro digital, PDF
Archivo Digital: descarga y online
ISBN 978-987-702-197-4
1. Medios Audiovisuales. I. Porto Renó, Denis
CDD 776
Fecha de catalogación: 22/11/2016
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NARRATIVAS FOTOGRÁFICAS
A Mágica entre os Fios
Mariana Bento Benetti - PUC- Campinas
2
A Convergência entre o Desenho e a Fotografia na Criação
do Autor-modelo em O Fotógrafo
Monique dos Santos Nascimento - UNESP
Eliza Bachega Casadei - ESPM
17
ETNIA, GÊNERO E DIVERSIDADE
Amores enredados, el lenguaje postmoderno del amor
Alfonso Vázquez Atochero - Universidade Americana de
Europa / Universidade de Extremadura
32
Identidade de Gênero: O cenário Transexual e Travesti na
Sociedade
Amanda Costa - UNESP
Isabel Silva - UNESP
Isadora de Oliveira - UNESP
Naiara Teixeira - UNESP
Thais Viana - UNESP
48
Família Baté: contos e encantos em Tibiriçá
Ana Beatriz Pereira de Andrade - UNESP
Henrique Perazzi de Aquino - UNESP
Maria Cristina Gobbi - UNESP
66
Quem somos, como nos vemos e como nos identificamos.
As questões de identidade, cultura nacional e diversidade
na TV paga no contexto da Globalização
Ana Heloiza Vita Pessotto - UNESP
77
Representação da culinária tradicional no MasterChef
Daira Martins Botelho - UNESP
95
La representación de las mujeres inmigrantes en el cine
documental español. Estudio de casos
Inmaculada Gordillo - Universidade de Sevilla
Irene Liberia Vayá - Universidade de Sevilla / Universidade
de Valencia
111
Exoesqueleto digital afrodescendente no enfretamento ao
genocídio de jovens negros, pobres e das periferias
Juarez Tadeu de Paula Xavier – UNESP
127
O cinema documentário como argumento político dos
povos indígenas
Juliano José de Araújo– UNIR
142
Mulheres na Disney: representações e mudanças ao longo
do tempo
Cecília Soares de Paiva - UNESP
Daira Martins Botelho - UNESP
Maria Cristina Gobbi - UNESP
160
A telenovela e o merchandising social: um estudo sobre a
violência contra a mulher abordado na novela A Regra do
Jogo
Maria Aparecida Baccega – ESPM
Maria Amélia Paiva Abrão – ESPM
176
A representação feminina do livro para o cinema: A
inserção de Tauriel na trilogia “O Hobbit”
Sara Moralejo da Costa - UFRGS
Paula Coruja - UFRGS
Graziela Bassetti de Leon - UFRGS
191
Interações entre a cultura afro-brasileira e a música
popular: análise de um show de Itamar Assumpção
Vinícius Becker de Souza - UNESP
207
CINEMA E ARTES VISUAIS
Desenvolvimento de um protótipo de revista
hipermidiática para tablet: um estudo experimental com
a “UNESP Ciência”
Danilo Leme Bressan - UNESP
Francisco Rolfsen Belda – UNESP
217
Estudo de imersão nas narrativas dos jogos eletrônicos
The Last of Us e Heavy Rain
Fabiana Guerra - Universidade Anhembi Morumbi
Genio Nascimento - Universidade Anhembi Morumbi
231
As astúcias enunciativas dos jogos digitais
Felipe de Brito Lima - UFPE
Yvana Fechine - UFPE
Thiago José Moreira Lins – UFPE
246
A Comunicação Hiperlocal Como Arena Pública:
Aproximações Conceituais
Giovani Vieira Miranda – UNESP
263
Apontamentos sobre narrativas transmídias no portal
folha.uol
Rogerio Bazi – PUC Campinas
282
Linked data como plataforma auxiliadora na mediação da
informação
Isabela Pereira do Rego - UNESP
Oswaldo Almeida Junior - UNESP
Ângela Maria Grossi de Carvalho - UNESP
292
A direção de atores no processo de transmidialidade:
como se dá essa relação na passagem do texto teatral à
obra fílmica nele baseada?
Álvaro Dyogo Pereira - UFJF
303
O audiovisual como linguagem fundamental para o
jornalismo multiplataforma
Luciana Renó - Universidade Complutense de Madri
Denis Renó - UNESP
Jesus Vivar Flores - Universidad Complutense de Madrid
316
Cenários midiáticos: a juventude tecnológica e sua cultura
convergente-digital na cidade de Bauru (SP-Brasil)
Juliano Ferreira de Sousa – UNESP
Maria Cristina Gobbi – UNESP
332
Apontamentos sobre jornalismo de dados e a importância
da transparência
Lucas Vieira de Araujo - UMESP
350
Narrativas audiovisuais na reportagem digital: informar,
interagir e reter a atenção
Liliane de Lucena Ito – UNESP
366
Participação, deliberação online e internet: o potencial do
VotenaWeb
Lucas Arantes Zanetti - UNESP
Caroline Kraus Luvizotto - UNESP
384
Web Colaborativa, Políticas Públicas de Informação e
Mídias Sociais: um caminho para a democracia
participativa no âmbito da convergência digital
Jéssica Amorim do Nascimento – UNESP
Ângela Maria Grossi de Carvalho – UNESP
399
Onde estão as celebridades? A (falta de) conformação
entre a internet e os meios de comunicação tradicionais
Marina Darcie - UNESP
Maria Cristina Gobbi – UNESP
415
La influencia del streaming y la interactividad en redes
sociales en los nuevos formatos radiofónicos en España
Paloma López Villafranca - Universidade de Málaga /
Andalucia Tech
427
O jornalismo de desacontecimentos no ambiente digital:
uma análise das colunas de Eliane Brum para o portal El
País Brasil no ano de 2015
Tayane Aidar Abib – UNESP
442
O Profissional da Informação e as contribuições sob o
ciclo de vida políticas públicas de Informação e
Tecnologia
Thabyta Giraldelli Marsulo – UNESP
Ângela Maria Grossi de Carvalho – UNESP
459
NARRATIVAS
FOTOGRÁFICAS
Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
A Mágica entre os Fios
Mariana Bento Benetti - PUC- Campinas
Introdução
Para a realização deste trabalho houve a necessidade de se fazer uma
pesquisa prévia de teorias fotográficas e a demonstração de histórias através
de narrativa sem palavras. O estudo das técnicas e o uso da máquina
fotográfica semi profissional foram apresentados e desenvolvidos apoiados
nas leituras do livro “Fotojornalismo”, de Jorge Pedro Sousa, lançado em
2002, pela editora Porto. Mais de 170 fotos foram tiradas para poder fazer
uma sequência de somente 10 fotos que conseguissem transmitir o processo
de criação de fios, trabalho realizado pelas fiandeiras, e não a história
particular de cada uma.
Mesmo assim, foi necessário um estudo da produção dos fios através
da máquina de fiar e das mãos das fiandeiras, essas em questão, trabalham
no Museu Histórico de Jataí – GO. Portanto, para poder compreender
melhor o mundo em que as senhoras fiandeiras vivem, o artigo de 2008 “As
Fiandeiras de Jataí: Uma memória se perdendo no tempo”, escrito pelos
autores: Simone Aparecida Borges Dantas e Adriano Freitas Silva, foi
extremamente importante para a contextualização do trabalho.
As fotografias em si não tem como objetivo mostrar a vida dessas
fiandeiras, mas sim, o processo de criação dos tecidos (coloridos ou não)
realizados pelas mãos dessas trabalhadoras. As fotos serão demonstradas pela
ordem correta de transformação do algodão em tecido para a melhor
compreensão desse processo mágico e antigo que ainda existe no mundo
atual tão moderno.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Realização do Trabalho
A narrativa fotográfica tem como objetivo contar uma história com
um número limitado de imagens e uma pequena legenda em baixo que
explique o que não conseguimos ver. Foi assim que o trabalho teve início, a
necessidade jornalística de transmitir informação para um público que não
tem conhecimento de uma área de trabalho – o das fiandeiras.
Pode parecer estranho para alguns entenderem que o fotojornalismo
transmite informação por si só, sem a necessidade de uma matéria
acompanhando as fotografias. Muito pelo contrário desse pensamento, o
fotojornalismo está dentro dos meios de comunicação e se comunica
sozinho, também.
1.1 Fotojornalismo em Histórias Fotográficas
A fotografia se desenvolveu muito através dos tempos, o que antes
era digno de um evento em que as famílias se arrumavam para tirar somente
uma foto, com um fotógrafo especializado, agora se tornou simples.
Qualquer um que tenha um celular, uma câmera tira uma foto ou faz uma
sequencia delas. Mas não nos é interessante, neste momento, o processo de
desenvolvimento das câmeras fotográficas e da fotografia em si, devemos
somente compreender como a criação de uma sequência de fotos podem
transmitir uma mensagem e contar uma história.
Mais do que frequentemente, uma única foto consegue sozinha
contar uma história enorme. Tirando de lado a velha ideia de que a fotografia
é a verdade objetiva, podemos também encontrar muitos significados em
uma única imagem, repassamos sentimentos e compreendemos culturas.
Uma sequencia de fotos, portanto, pode passar ainda mais informação do
que uma única – não uma sequência qualquer, porém.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
As histórias em fotografias são um gênero do fotojornalismo em que uma
série de imagens se integram num conjunto que procura constituir um
relato compreensivo e desenvolvido de um tema. Nesse relato, as imagens
devem mostrar as diversas facetas do assunto a que se reportam. [...] As
histórias em fotografias são, de alguma forma, o género nobre do
fotojornalismo (SOUSA, 2002, p. 127).
As “foto histórias” precisam de tempo para serem realizadas, elas
pedem uma pesquisa prévia sobre o que será retratado, seja um
acontecimento, uma causa, um grupo social ou até mesmo o comportamento
de um animal. Logo após a escolha do tema, o fotógrafo (fotojornalista ou
não) deve estar por dentro de todos os estudos feitos para esse trabalho,
pesquisas, artigos, livros, entre outros. É também o momento de saber se
alguma outra reportagem ou outra história em fotografia já foi feita sobre
esse tema, para não haver repetições.
O segundo passo é tentar estabelecer alguma relação com o objeto ou
as pessoas que serão fotografadas. Conhecer o local antes de tirar as fotos é
importante, se isso for possível, para poder analisar todos os pontos de luz e
da falta desta. Sebastião Salgado, um fotojornalista internacionalmente
renomado e conhecido, costumava passar dias e meses convivendo com o
grupo social que iria fotografar antes de fazê-lo, pois somente assim as
pessoas estariam a vontade para sair nas fotografias e essas seriam cada vez
mais naturais.
Finalmente, depois desses passos, pode-se tirar as fotos. O fotógrafo
deve ficar atento para tentar não transpassar seu ponto de vista para as
imagens, ou então deixa de ser uma história e passa a ser um foto ensaio.
O foto-ensaio é uma história em fotografias que procura analisar a
realidade e opinar sobre ela (fotografia com ponto de vista). Muitas vezes,
nos foto-ensaios o texto é tão importante quanto a imagem, ocupando
uma extensa superfície do espaço onde está inserida a peça.
Inclusivamente, é frequente encontrar fotógrafos ensaístas que preferem
as exposições e os fotolivros à imprensa como suportes de difusão para a
sua obra. Uma das diferenças mais significativas e comuns entre as foto
reportagens e os foto-ensaios na actualidade reside na abertura destes
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
últimos a formas alternativas de expressão. Por exemplo, em alguns fotoensaios (a própria denominação do género é relevante) os fotógrafos não
hesitam em recorrer à encenação fotográfica; noutros, recorrem à
truncagem e à combinação de imagens (que não necessitam de ser
exclusivamente fotográficas); noutros ainda, manipulam digitalmente a
fotografia (SOUSA, 2002, p. 131).
1.2 A história das Fiandeiras
De acordo com o Wikipédia, “A Fiação pode ser definida como uma
sucessão de operações através das quais se transforma uma massa de fibras
têxteis inicialmente desordenadas (flocos) em um conjunto de grande
comprimento”. Tal descrição, apesar de verídica, não podia ser mais sólida e
fria para as pessoas que realmente trabalham nesse ramo, seja como hobby
ou não.
Treinadas desde crianças, com as mães trabalhando dia após dia na
mesma área, as fiandeiras fazem mais do que somente “organizar uma massa
de fibras têxteis”, também encontram a paz e a felicidade no trabalho. Sim, a
maioria delas são mulheres, não porque é um tipo de ação feminina, mas
porque esse conjunto social cresceu dessa forma e aprendeu assim.
A arte de fiar era uma atividade praticada desde cedo pelas mulheres da
família, isto é, um trabalho feminino, desenvolvido de geração em
geração. Assim, as mulheres que a exerciam passavam para as suas filhas
desde os primeiros anos de vida. Esta atividade era utilizada como fonte
de renda para o sustento da família (DANTAS; SILVA,. 2008 p. 3).
Inicialmente, as mulheres que fiavam criavam seus tecidos para
consumo familiar, tecendo roupas e fronhas para camas, tudo para utilização
pessoal. O máximo que era produzido para fora, era no caso de enxovais para
casamentos das próprias filhas. Havia quase sempre uma reunião das
fiandeiras, para todas fiarem juntas e conversarem ao mesmo tempo, como
uma prática inteiramente familiar e de amigos.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Além disso, na confecção de roupas e principalmente de cobertores, as
fiandeiras utilizavam além do algodão a lã, sendo que em algumas
fazendas além do plantio de algodão, havia a criação de ovelhas.
(DANTAS; SILVA. 2008, p. 4).
A arte de fiar, portanto, não era somente tida como lazer, mas
também um trabalho verdadeiro. É esse espírito antigo que as fiandeiras,
senhoras de hoje em dia, pretendem resgatar quando se reúnem no Museu
de História de Jataí, ao menos uma vez por semana. O que contribuiu para o
quase desaparecimento dessa arte foi o processo de urbanização na cidade,
mesmo assim, elas se encontram na posse de objetos próprios para ajudar a
fiar e criar seus tecidos.
O MHJ – Museu Histórico de Jataí Francisco Honório Campos – na
tentativa de preservação desse saber, promove há dez anos a Semana das
Fiandeiras. A idéia de criação deste mutirão foi fruto dos esforços do Setor
de Ação Educativa do Museu juntamente com a Direção deste. Conforme
a direção do Museu o Mutirão foi divulgado na mídia e teve boa aceitação
entre as fiandeiras. A partir da primeira edição do evento o Museu
montou um cadastro com o nome das fiandeiras da Cidade, que passaram
a participar nos anos posteriores. (DANTAS; SILVA. 2008. p. 7).
Assim, essa arte histórica não se perde na cidade do interior de Goiás,
e as mulheres podem continuar trabalhando no que tanto amam, sem perder
essa tradição no meio de um mundo tão moderno.
As fotografias
Depois de uma pesquisa inicial, foi necessário uma visita ao Museu
Histórico de Jataí Francisco Honório Campos, para o conhecimento das
máquinas e das fiandeiras que as usam. Assim, em uma segunda visita, as
fotos foram tiradas e foi possível compreender o passo a passo da criação dos
tecidos.
As fotos a seguir estão em ordem de produção; desde o algodão até o
tecido pronto algumas explicações serão feitas para compreender o passo a
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
passo com mais clareza. Elas foram todas tiradas no museu em questão, com
fiandeiras que estavam trabalhando no dia.
Na primeira foto mostra o algodão, depois da primeira limpeza, que
é colocado nos cestos.
Foto 01: Descaroçador de algodão
Fonte: Foto tirada pelo pesquisador, criador da matéria, com permissão das fiandeiras
A seguir, o algodão, matéria prima, é descaroçado na máquina
denominada de “descaroçador”, que separa a semente do algodão. Tudo feito
de forma manual.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Foto 02: Peneira e arco
Fonte: Foto tirada pelo pesquisador, criador da matéria, com permissão das fiandeiras
A peneira e o arco servem para limpar e amaciar o algodão: os
pedaços algodão ficam presos no fio do arco e são delicadamente tirados e
separados.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Foto 03: Par de carda
Fonte: Foto tirada pelo pesquisador, criador da matéria, com permissão das fiandeiras
O “Par de Carda” faz o trabalho de amaciar e alisar a fibra do algodão,
formando pastas ou chumaços. Depois de esfregar uma escova na outra,
continuamente, as pastas se formam sedosas e com fios alisados.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Foto 04: Formas do algodão
Fonte: Foto tirada pelo pesquisador, criador da matéria, com permissão das fiandeiras
A semente, o algodão, separados e peneirados pelo arco, e o algodão
com as fibras alisadas no par de carda. É a ultima vez que a matéria prima
aparece antes de virar fio.
Foto 05: Rodas de fiar
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Fonte: tirada pelo pesquisador, criador da matéria, com permissão das fiandeiras
A pasta de algodão vai para a roda de fiar, que roda muitas vezes até
que um fio rústico e fino se enrola no fuso, que fica em um lado da máquina.
Foto 06: A linha
Fonte: Foto tirada pelo pesquisador, criador da matéria, com permissão das fiandeiras
A linha é retirada da canelinha e enrolada, formando os novelos que servirão
para tecer. A linha pode ficar branca (alvejada), natural ou colorida (tingida).
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Foto: 07. Urdideira
Fonte: Foto tirada pelo pesquisador, criador da matéria, com permissão das fiandeiras
A urdideira tem a função de esticar e separar os fios para serem
levados para o tear. A trama do tecido é definida na urdideira.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Foto 08 : O tear
Fonte: Foto tirada pelo pesquisador, criador da matéria, com permissão das fiandeiras
A ultima máquina é o Tear, que junta todos os fios para formar o
tecido em si. Esse é o exemplo do Tear grande e antigo.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Foto 09: Finalização
Fonte: Foto tirada pelo pesquisador, criador da matéria, com permissão das fiandeiras
Sentadas em um pequeno banco, as tecedeiras manuseiam os fios e
fabricam o tecido, completando a mágica. Nesse tear, elas usam pedais e as
mãos.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Foto 10: O tecido
Fonte: Foto tirada pelo pesquisador, criador da matéria, com permissão das fiandeiras
A tecedeira separa os fios e vai formando a trama, colorida ou não.
Assim, o tecido é feito.
Conclusão
Seja para vender, para usar em casa ou mesmo somente para se
divertir, as fiandeiras ainda fazem seu trabalho e criam tecidos maravilhosos.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Orgulhosas e respeitadas, se encontram toda semana para continuar o
trabalho que era de sua mãe, e da mãe de sua mãe, e antes dessa, também.
Bibliografia
DANTAS, S. A. Borges; SILVA, A. Freitas. As fiandeiras de jataí: uma memória se perdendo no tempo.
Publicado no congresso Internacional de História de Jataí – GO, em 2008.
SOUSA, Jorge Pedro. Fotojornalismo. Publicado pela Editora Porto, em 2002.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
A Convergência entre o Desenho e a Fotografia
na Criação do Autor-modelo em O Fotógrafo
Monique dos Santos Nascimento - UNESP
Eliza Bachega Casadei - ESPM
Sobra a obra
O Fotógrafo: Uma História no Afeganistão, objeto desse artigo, é uma
coletânea de três volumes produzida a partir das fotografias de Didier
Lefèvre, com os desenhos de Emmanuel Guibert e diagramação de Frédéric
Lemercier. A obra reconstitui uma viagem realizada por Lefèvre em 1986
para acompanhar uma missão humanitária da ONG Médicos Sem Fronteiras
no Afeganistão durante a invasão soviética no país. Didier Lefèvre, que
trabalhava como fotojornalista, viajou ao lado de médicos e enfermeiras,
sendo guiado por uma caravana de mujahidin, os combatentes afegãos, desde
o Paquistão, onde a viagem se iniciou rumo ao Afeganistão.
No caminho, a equipe passou por caminhos perigosos e inóspitos
como trilhas nas montanhas da região e planaltos onde as caravanas de
viajantes constantemente sofriam ataques das forças soviéticas, fazendo o
trajeto quase todo a pé e carregando os medicamentos e equipamentos no
lombo de burros de cavalos. Por três meses, Didier documentou suas
atividades, as da equipe de médicos e fotografou o cotidiano do povo afegão
durante o conflito, capturando traços genuínos de sua cultura e costumes,
tudo isso narrado em primeira pessoa.
Na época, seis fotos, de quatro mil, foram publicadas no jornal
francês Liberation. Idealizado no final da década de 1990, o primeiro volume
foi lançado em 2003 e o terceiro, em 2006 na França. Este último foi
premiado como obra essencial no tradicional Festival d'Angoulême de 2007,
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
um dos maiores e mais prestigiados festivais de quadrinhos do mundo. Além
disso, foi traduzido para 10 línguas: alemão, inglês, italiano, holandês,
norueguês, dinamarquês, espanhol, coreano, croata e português. O primeiro
volume foi lançado no Brasil em 2006.
O Fotógrafo mescla a linguagem dos quadrinhos e da fotografia,
utilizando os desenhos de Guibert, com a introdução de diálogos e
recordatórios e reproduzindo as fotos de Lefèvre durante a narrativa. As
fotografias são inseridas em meio aos traços, criando uma simbiose
imagética, dando um novo ritmo à leitura e fazendo o leitor imergir no
universo capturado pelas lentes da câmera fotográfica.
Segundo Paim (2013) há três formas de perceber a relação entre
fotografia e narrativa: temática, estilística e técnica. A temática diz respeito
àquelas obras em que a fotografia ou o fotógrafo são tema principal ou tópico
coadjuvante. A relação estilística se refere às obras que se apropriam de
elementos da técnica fotográfica como base e a partir dela criam uma técnica
narrativa correspondente. Tais apropriações de novos elementos estéticos é
um fenômeno comum que sempre decorre quando uma nova técnica dá a
luz a uma nova linguagem artística. A terceira relação é aquela que percebe a
fotografia como recurso técnico, fazendo parte das estratégias narrativas, isto
é, inserida em meio ao texto "como imagem que interrompe ou alterna a
cadência do fluxo verbal" (PAIM, 2013, p.370).
No caso de O Fotógrafo, uma graphic novel, ou seja, uma narrativa
em quadrinhos, a obra é constituída por uma linguagem que
"já tem o hibridismo como elemento intrínseco da sua composição e que
vem ganhando cada vez mais complexidade com a absorção de novas
técnicas e linguagens, bem como com o desenvolvimento das suas
próprias características". (PAIM, 2013, p.371)
Em linhas gerais, os quadrinhos são tidos como uma mistura do
visual (imagens) com o textual. Apesar disso, Eisner afirma que
as histórias em quadrinhos são, essencialmente, um meio visual composto
de imagens. Apesar das palavras serem um componente vital, a maior
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
dependência para descrição e narração está em imagens entendidas
universalmente, moldadas com a intenção de imitar ou exagerar a
realidade. (2005, p.5)
Tendo isso em vista, o uso de fotografias nas histórias em quadrinhos
é uma tática inteligente, especialmente se utilizada em HQ's não ficcionais e
de conteúdo jornalístico. Elas são inseridas em um ambiente já criado para
com base em imagens, sejam elas desenhadas ou de outra origem. A imagem,
segundo Eisner, é a "memória de um objeto ou experiência gravada pelo
narrador fazendo uso de um meio mecânico (fotografia) ou manual
(desenho)". (2005, p.19)
O autor ainda afirma que nos quadrinhos as imagens são usualmente
representadas de maneira simplista na intenção de facilitar sua utilidade
como uma linguagem. Os quadrinhos lidam com reproduções facilmente
reconhecíveis da conduta humana. Logo, os desenhos dependem de
experiências armazenadas na memória do leitor, para que este processe
rapidamente a ideia e visualize o que a história está contando. A arte dos
quadrinhos, portanto, torna necessária a simplificação das imagens,
transformando-as em ícones que são usados como parte da linguagem
narrativa. Portanto, "como a experiência precede a análise, o processo
digestivo intelectual é acelerado pela imagem fornecida nos quadrinhos".
(EISNER, 2005, p.19)
Quanto mais simplista, ou como McCloud define, mais cartunizada
é a imagem, mais fácil ela será lida: "quanto mais cartunizado é um rosto,
mais pessoas ele pode descrever" (MCCLOUD , 1995, p. 31) e, portanto, mais
icônico será esse rosto. Nos quadrinhos, quanto mais icônico for o desenho,
mais identificação o leitor vai gerar com ele. Essa interação, esse processo de
identificar-se nos desenhos, é a engrenagem fundamental do processo de
leitura dos quadrinhos. É a partir dessa identificação que o leitor reconhece
o que esté sendo comunicado.
Um processo parecido ocorre com a leitura da fotografia. De acordo
com Sontag,
- 19 -
Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
(... ) quando se trata de recordar, a fotografia fere mais fundo. A memória
congela o quadro; sua unidade básica é a imagem isolada. Numa era
sobrecarregada de informação, a fotografia oferece um modo rápido de
apreender algo e uma forma compacta de memorizá-la. A foto é como
uma citação ou uma máxima ou provérbio. (SONTAG, 2003, p.23)
Guran (1992) explica esse fenômeno, pois considera a linguagem
fotográfica notavelmente sensorial, mesmo existindo em seu processo certa
racionalidade em seu processo de construção e leitura. Por isso, mais do que
o texto, a fotografia é rápida em levar ao leitor uma ideia ou sentimento
referente à informação que foi apresentada.
Ao contrário do relato escrito que se dirige a um número de leitores
que varia dependendo de sua complexidade de pensamento e de vocabulário,
"uma foto só tem uma língua e se destina potencialmente a todos."
(SONTAG, 2003, p. 21), traço que lhe confere, até certo ponto, um caráter de
universalidade.
Acrescido a essa característica da fotografia, a autora reflete que nem
todas as imagens de ordem técnica causam esse impacto no leitor
comparando-a à televisão;
fotos podem ser mais memoráveis do que imagens em movimento porque
são uma nítida fatia do tempo, e não um fluxo. A televisão é um fluxo de
imagens pouco selecionadas, em que cada imagem cancela a precedente.
Cada foto é um momento privilegiado (...). (SONTAG, 2004, p. 29)
A, talvez, mais notável diferença entre o desenho e a fotografia seja
sua relação com a realidade. Enquanto o primeiro nos remete à uma noção
de subjetivo mais marcante, a segunda chega até nós como um retrato do
real, ou pelo menos, de um real. Sontag ilustra esse pensamento ao dizer que
"imagens fotografadas não parecem manifestações a respeito do mundo, mas
sim pedações dele (...)" (SONTAG, 2004, p. 15)
A subjetividade da fotografia, contudo, não deve ser deixada de lado.
Atrás da máquina fotográfica ainda há o olho e mão humana comandando a
exposição, enquadrando e escolhendo o momento decisivo de dar o clique.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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A fotografia é uma forma artística, portanto também sujeita a decisões
estéticas impregnadas de subjetividade e "mesmo quando os fotógrafos estão
muito mais preocupados em espelhar a realidade, ainda são assediados por
imperativos de gosto e de consciência". (SONTAG, 2004, p. 17)
O que Paim (2013) argumenta é que no caso do desenho, essa
interferência no processo de produção da imagem é mais presente. O
desenhista exerce sua imaginação ao utilizar seu repertório visual com muito
mais intesidade. Mesmo tendo como base uma paisagem ou objeto real, um
rascunho será feito, um traço e estilo estético serão escolhidos,
ocasionalmente terá adição de cor e, por fim, será a feita a arte-final. Já as
escolhas do fotógrafo são mais limitadas, passando por enquadramento, os
ajustes das variáveis da câmera e obviamente, a escolha daquilo a ser
fotografado, por exemplo. Apesar de ferramentas de edição de imagem serem
amplamente utilizadas atualmente e poderem ser aplicadas na pós-produção
modificando radicalmente uma imagem, de modo geral, os processos de
decisão do fotográfo estão antes do clique e é a câmera que captura a imagem.
Especialmente tratando-se do fotojornalismo e de fotografias de cunho
informativo, onde o tratamento das imagens é o mínimo possível.
Diante desse cenário, a consideração de Sontag parece resumir bem
a questão:
fotos fornecem um testemunho. Algo de que ouvimos falar mas de que
duvidamos parece comprovado quando nos mostram uma foto. (... ) A
foto pode distorcer, mas sempre existe o pressuposto de que algo existe,
ou existiu, e era semelhante ao que está na imagem. Quaisquer que sejam
as limitações (por amadorismo) ou as pretensões (por talento artístico) do
fotógrafo individual, uma foto - qualquer foto - parece ter uma relação
mais inocente, e portanto mais acurada, com a realidade visível do que
objetos miméticos. (SONTAG, 2004, p.16)
Em O Fotógrafo, essas noções de realidade, passadas pelo desenho e
pela foto, se misturam e não se mantém estáticas ou endurecidas, pois a
sequencialidade dos quadrinhos ajuda a reconfigurar o conteúdo dos
quadros ao passo que a leitura é feita, sendo aquela noção de realidade móvel
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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e fluída. Groensteen evidencia que "o leitor de HQ, ao pressupor que existe
um sentido, procura descobrir no que o quadro que ele "lê" se relaciona aos
outros, e como ele é relido em função dos outros". (GROENSTEEN, 2015, p.
120)
Em sua obra, O Sistema dos Quadrinhos, Thierry Groensteen traz
uma consideração do pensador de histórias em quadrinhos, Fresnault
Deruelle, sobre a leitura das HQ's:
(... ) o fascínio que os quadrinhos podem provocar no leitor é baseado,
entre outros elementos, na sua capacidade de nos fazer imaginar além de
tudo o que nos é realmente mostrado: tem-se um sussurrar de sinais
inaudíveis (assim como há um movimento intenso de coisas imóveis) por
trás dessas caixas alinhadas com perfeição. (apud, GROENSTEEN, 2015,
p. 20)
Esse discurso entra em convergência com o que Sontag aponta sobre
a fotografia:
a sabedoria suprema da imagem fotográfica é dizer: "Aí está a superfície.
Agora, imagine - ou, antes, sinta, intua - o que está além, o que deve ser a
realidade, se ela tem este aspecto". Fotos, que em si mesmas nada podem
explicar, são convites inesgotáveis à dedução, à especulação e à fantasia.
(SONTAG, 2004, p.33)
A construção do leitor e do autor-modelo na narrativa. Voltemos às
três formas de relação entre fotografia e narrativa descritas por Paim. Na obra
O Fotógrafo é possível identificar a primeira e a terceira a primeira vista. O
segundo tipo de relação descrita é um pouco mais complexa, mas também se
faz presente. Para explicar de que forma isso se dá, é preciso buscar em
Umberto Eco o conceito de leitor-modelo e autor-modelo.
Para Eco (1993), um texto demanda o destinatário como condição
indispensável não apenas dá própria capacidade efetiva da comunicação, mas
também da própria potencialidade significativa. "Em outros termos, um
texto é emitido por alguém que o atualize - embora não se espere que esse
alguém exista concreta e empiricamente". (ECO, 1993, p.77). Ele também
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
reforça que a presença do leitor no texto deve ser buscada: "prever o próprio
leitor-modelo não significa somente "esperar" que exista, mas significa
também mover o texto de modo a construí-lo" (ECO, 1993, p.81). Há,
naturalmente, uma dependência na competência do leitor-modelo para que
a cooperação textual ocorra, pois a noção de interpretação sempre envolve
uma diálogo entre o autor, por meio de suas estratégias, e o leitor, por meio
de sua resposta ao ler o texto.
Em um processo de comunicação, tal como imaginamos em sua
representação mais simples, envolve um emissor, uma mensagem e um
destinatário ou receptor. O autor, a partir disso, argumenta que quando um
texto é considerado texto, tanto emissor quanto destinatário se fazem
presentes no texto não apenas como polos de enunciação, distantes, cada um
em uma ponta do processo, mas como papéis actanciais do enunciado. Ou
seja, personagens que constroem aquela mensagem: "fica claro, portanto,
que, doravante, toda vez que usamos termos como autor e leitor-modelo,
sempre entenderemos, em ambos os casos, tipos de estratégia textual" (1993,
p.89)
Eco complementa expondo as consequências do autor e do leitormodelo como duas estratégias textuais. Ele expõe duas situações: de um lado,
o autor empírico, enquanto sujeito da enunciação textual,
formula uma hipótese de leitor-modelo e, ao traduzi-la em termos da
própria estratégia, configura a si mesmo autor na qualidade de sujeito do
enunciado, em termos igualmente "estratégicos", como modo de operação
textual". (...) do outro lado, o leitor empírico, como sujeito concreto dos
atos de cooperação, deve configurar para si uma hipótese de autor,
deduzindo-a justamente dos dados de estratégia textual. (ECO, 1993,
p.89)
Uma das estratégias de construção do autor-modelo em O Fotógrafo
se traduz, justamente, na reprodução do olhar do fotógrafo em todas as
imagens presentes na obra, não apenas nas fotografias como é esperado. A
obra é narrada em primeira pessoa e tem como mote justamente transportar
o leitor para uma realidade distante de seu mundo. Nela, o leitor é construído
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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como aquele que desconhece o país, seus costumes e sua população, aquele
período histórico retratado, o que é viver em uma região sob conflito, assim
como o trabalho da equipe de médicos sob condições precárias, longe dos
hospitais higienizados do mundo ocidental contemporâneo, e o ofício do
próprio fotojornalista inserido nesse cenário incomum. O leitor é guiado a
conhecer tudo isso sob a lente de um forasteiro como ele, que está
vivenciando aquela realidade pela primeira vez, com todas suas surpresas e
novidades, mas que ao mesmo tempo é um jornalista e tem um compromisso
com a verdade. Isso leva o leitor também a encarar a obra como um retrato
fiel da realidade, não penas pela fotos inseridas nela, que servem como uma
espécie de comprovação, mas pelo ethos de relato verídico estruturado em
torno da graphic novel.
Esse autor tanto se apresenta como estratégia narrativa nas imagens
que apenas as fotos são de autoria empírica de Lefèvre, mas os desenhos de
Guibert com diagramação de Lemercier são transmitidos como a tradução
do olhar do fotojornalista narrando sua viagem.
Composição Fotográfica
Antes de tudo, é preciso esclarecer que não serão aplicadas a essa
análise todas as técnicas de composição, mas especialmente aquelas que
dizem respeito ao posicionamento da câmera enquanto delator da disposição
do próprio fotógrafo diante da cena. Será abordada a influência dos planos
de enquadramento, distância focal e tipo de objetivas, profundidade de
campo e iluminação.
Segundo Mascelli (2010, p. 227), "uma boa composição é a disposição
de elemento visuais para formar um todo unificado e harmonioso". Mas para
além disso, as regras de composição são sempre sujeitas ao efeito de sentido
que o fotógrafo pretende transmitir.
Comecemos pelo enquadramento. Segundo Souza (2002), ele
"corresponde ao espaço da realidade visível representado na fotografia", e
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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"concretiza-se no plano" (2002, p. 78). O autor considera, essencialmente,
quatro tipos de planos:
Plano geral: plano aberto, de função informativa. Situa o leitor,
dando visão do ambiente. Utilizado para fotografar paisagens e
eventos de massa
Plano de conjunto: um plano geral "mais fechado". Nele, é
possível distinguir os indivíduos de uma ação ao mesmo tempo
em que se vê a cena por inteiro.
Plano médio: utilizado para aproximar-se uma visão "objetiva" da
realidade, relaciona objetos e sujeitos na foto. É conhecido
também como plano americano.
• Grande plano: dá ênfase à expressividade, registrando elementos
com mais proximidade. É mais regularmente chamado de
primeiro plano e com uma versão mais fechada, chamada de
plano detalhe. (SOUZA, 2002)
Nos enquadramentos dos desenhos é possível, além dos planos,
percerber a reprodução da distância focal de uma objetiva.
Na figura 1, mais do que uma mera aproximação física do motivo da
cena, no caso, uma pessoa, há uma demonstração de aproximação focal que
pode ser obtida por meio de uma objetiva zoom. No primeiro quadro, uma
lente de distância focal menor (de grande angular a normal) e nos próximos
dois, distâncias focais maiores (de normal a teleobjetiva). Falaremos mais das
objetivas adiante, o importante nesse momento é perceber que esse
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
movimento pode ser produzido pelo zoom na lente. Não o zoom digital da
marioria das câmeras, mas o zoom ótico. Já a escolha do ângulo plano é
muito comum, especialmente na prática do fotojornalismo, pois se aproxima
mais do ângulo de visão normal das pessoas.
A distância focal da objetiva não penas permite aproximar-se ou
afastar-se da cena, mas leva a outro elemento da fotografia que podemos
perceber nas páginas da obra: a profundidade de campo.
A profundidade de campo é "a zona nítida da imagem, em termos de
profundidade" (SOUZA, 2002, p.92) e depende de três fatores: a abertura do
diafragma, a distância focal da objetiva utilizada e a proximidade do objeto
focado. Uma baixa profundidade de campo gera imagens com o "fundo
embaçado". No caso da figura 2, ocorre o contrário, há nitidez em toda a
imagem, indicando uma abertura pequena e a utilização de uma grande
angular. Esse tipo de objetiva é utlizada, principalmente, para planos gerais e
paisagens, e são inferiores a 50mm, considerada a distência focal "normal",
pois é a que mais se aproxima da visão humana. Todos os detalhes dos
quadros acima, a textura das folhas das árvores, a grama e os tijolos da casa
representam a alta profundidade de campo, que deixa os detalhes da cena
nítidos.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Já na figura 3 e 4, percebemos um fundo sem texturas ou detalhes. O
foco está apenas nos personagens. A profundidade de campo aqui é baixa e
"desfoca" o fundo das imagens. Na obra, esse efeito é principalmente visto
em planos mais fechados e quando o cenário e a ambientação não eram uma
informação relevante ao autor, apenas os personagens que participavam da
ação no momento. As obetivas aqui utilizadas podem ser a normal (50mm)
e a teleobjetiva, superiores a 50 mm. Esse tipo de objetiva, especialmente
aquelas entre 70mm e 130mm, são muito utilizadas para retratos. (SOUZA,
2002)
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Por fim, falaremos da iluminação. Nas figuras 5, 6 e 7, percebemos
diversas características da iluminação ou da falta dela. A qualidade da luz,
que se refere ao tipo de sombra que os objetos iluminados produzem também
é percebida. Nos exemplos, nota-se uma luz dura, vinda do sol, nos dois
primeiros cassos, e de um lampião no terceiro caso, produzindo sombras
bem marcadas e fortes (SOUZA,
2002). Nas duas primeiras imagens, o que ocorre é algo comum
quando se fotografa dentro de um ambiente sem ou com pouca iluminação
durante o dia: os elementos ficam escuros se a fotometria é feita com base na
iluminação de fora. Os personagens estão quase completamente engolidos
pelas sombras, formando silhuetas. No desenho, tradicionalmente, isso
poderia ser evitado, já que há um controle total do tipo de iluminação
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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aplicada e todos os personagens poderiam estar iluminados. Na fotografia,
por outro lado, o autor está à mercê da iluminação disponível, especialmente
se a luz é natural e não há uso de flash.
Na terceira imagem, a sombra produzida coincide com a direção da
luz, criando texturas no chão e criando um contra-luz, iluminando os
personagens apenas frontalmente, deixando sombras as suas costas e formas
bem definidas.
Considerações Finais
As diferenças entre os dois tipos de imagem contidos na graphic
novel, o desenho e a fotografia, são elementos relevantes que os definem,
especilamente no que diz respeito à relação com o real, como exposto
anteriormente. Inclusive, são essas diferenças que estabelecerem um jogo de
referencialidade interessante na obra. Porém, mostramos aqui que também
há pontos de convergência entre essas imagens.
As fotografias, de fato, possuem um claro lugar de importância
dentro da obra, ocupando um espaço na narrativa com tanto e até mais
destaque que os quadrinhos, que é pertinente questionar se não é o
quadrinho o "intruso em uma linguagem sequencial comandada pela
fotografia" (PAIM, 2013, p. 385).
Observou-se que por meio da composição fotográfica nos desenhos
da obra analisada, um ponto de intersecção entre elementos distintos,
delineia-se o autor-modelo da narrativa. Obviamente, essa estratégia é
construída por uma gama complexa de enunciados, mais do que foi possível
explorar neste artigo. Entretanto, com os efeitos de sentido transmitidos na
obra e explorados aqui já é possível identificar a construção de um autormodelo específico, o mesmo que dá nome à obra: o fotógrafo.
Referências Bibliográficas
ECO, U. Lector in Fabula, La Cooperacion interpretativa en El texto narrativo. Trad:
Ricardo Pochtor. Barcelona: Editora Lumen, 1993.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
EISNER, W. Narrativas Gráficas. Trad. Leandro Luigi Del Manto. São Paulo: Devir, 2005.
GUIBERT, E.; LEFÈVRE, D.; LEMERCIER, F.. O fotógrafo: vol 1. Trad: Dorotheé de Bruchard. São
Paulo: Conrad Editora do Brasil. 2006.
. O fotógrafo: vol 2. Trad: Dorotheé de Bruchard. São Paulo: Conrad
Editora do Brasil. 2008.
. O fotógrafo: vol 3. Trad: Dorotheé de Bruchard. São Paulo: Conrad
Editora do Brasil. 2010.
GROENSTEEN, T. O Sistema dos Quadrinhos. Trad. Érico Assis. Nova Iguaçu, RJ: Marsupial Editora,
2015
GURAN, M. Linguagem fotográfica e informação. Rio de Janeiro: Rio Fundo. 1992.
MASCELLI, J. V. Os Cinco Cs da cinematografia. São Paulo: Summus, 2010
MCCLOUD, S. Desvendando os quadrinhos. Trad. Hélio de Carvalho e Marisa do Nascimento Paro.
São Paulo: M. Books, 1995.
PAIM, A. M. A fotografia na história em quadrinhos. Revista Letrônica, Porto Alegre,
jan/jun 2013. Disponível em:
<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/letronica/article/viewArticle/13391>. Acesso em:
fev/2015
SONTAG, S. Diante da dor dos outros. Trad: Rubens Figueiredo. São Paulo: Compania das Letras,
2003.
. Sobre Fotografia. Trad: Rubens Figueiredo. São Paulo: Compania das
Letras, 2004.
SOUZA, J. P. Fotojornalismo: uma introdução è história, às técnicas e à linguagem da fotografia na
imprensa. Porto. 2002. Disponível :
<http://www.bocc.ubi.pt/_listas/tematica.php?codtema=31>. Acesso em: fev/2016.
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ETNIA, GÊNERO E
DIVERSIDADE
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Amores enredados, el lenguaje postmoderno
del amor
Alfonso Vázquez Atochero - Universidade Americana de Europa /
Universidade de Extremadura
A modo de introducción y aclaración metodológica
Decía Erich Fromm en 1959 que “El amor es una actividad, no un
efecto pasivo; es un estar continuado, no un súbito arranque”. Si bien en
aquellos tiempos ya se venía vislumbrando los inicios de una sociedad
informatizada, la filosofía europea no sospechaba cómo la invasión de chips
modificaría nuestra forma de relacionarnos. No perderemos tiempo en
análisis semánticos ni en debatir qué es amor y qué no. Independientemente
de los matices que queramos dar al vocablo, interpretaremos en este ensayo
el amor como la atracción y la necesidad de contacto y afectividad entre las
personas.
Y como hablamos de personas, daremos prioridad en este sondeo
etnográfico a la fuente primaria, al informante, al usuario al enamorado y al
desenamorado. No buscaremos tanto una bibliografía extensa, si no que
daremos prioridad al discurso humano. Con ello, pretendemos ofrecer una
visión holística donde encuentren el equilibrio las visiones emic y etic del
proceso de investigación. Por ello, en este texto veremos citas anónimas
regaladas por los informantes que participaron desinteresadamente en esta
investigación. Sin duda, un punto de partida para entender el amor en
tiempos de Facebook.
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El amor en tiempos de Facebook
El amor en tiempos de Facebook es diferente en cierta medida como
este sentimiento se interpretaba a prioiri. Al menos en su dimensión estética.
La gran alcahueta digital en que se convierte la red es capaz de generar
contenidos (esperanzas/decepciones) en uno y otro sentido. El enamorado
puede saber todo de su media naranja sin tener que preguntar nada. Y el
coqueto podrá exhibir todo su potencial de manera premeditada sin la
presión de la inmediatez. Así, la red, la pantalla, se convierte en la mejor
celestina que podemos encontrar. El efecto interfaz, la comunicación
asincrónica a salvaguardo de la pantalla, abre un nuevo espacio a tímidos y
fóbicos. Pero también magnifica y abre nuevos mundos a amantes
insaciables. En los últimos quince años Internet ha vivido una expansión
tanto en innovaciones técnicas como en el número de usuarios. En sus
inicios, era un espacio reservado a una reducida elite, y en la actualidad es
posible encontrar internautas en cualquier país del mundo. Hoy en día, en
Estados Unidos y algunos países con economía de mercado casi no se concibe
un hogar sin ordenador ni Internet. Esta migración masiva de ciudadanos
reales a ciudadanos virtuales ha hecho que también migren sus hábitos de un
escenario a otro, y el amor y el sexo no podían escapar a este fenómeno. La
red permite encuentros y romances entre conocidos y desconocidos, entre
sinceros y entre suplantadores de identidad, entre convencidos y los que
entraban a conocer. Muchas relaciones quedan en el terreno virtual, pero
otras muchas traspasan la frontera del bit y, en una lógica negropontiana,
llegan al átomo. Desde salas de chat, foros portales de contactos o espacios
de trabajo, las relaciones personales han conocido una nueva dimensión.
En estas relaciones, los interlocutores pueden llegar a un nivel de
intimidad y confianza que hace que se cuenten cosas que no compartan con
su propia pareja o familiares más cercanos, un compartir que no implica
necesariamente compromiso afectivo, ni verdadera exposición. Personas sin
presencia física real con quienes se genera o no un vínculo afectivo sostenido
a través de la pantalla. La pantalla es una membrana entre nosotros y el otro,
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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entre el hogar y el mundo. Una membrana osmótica que permite una
interacción sosegada, sesgada y controlada con el mundo. A fin de cuentas,
un interfaz con que nos ocultamos en la fiesta digital.
Efecto interfaz
Conducir un coche transforma al conductor. Quien en la calle es una
persona tranquila y sosegada, en frecuentes ocasiones al volante se convierte
en alguien irritable y violento en cierta medida. Lo mismo ocurre con
Internet. El teclado y la pantalla nos permiten comunicarnos con el mundo
exterior desde el confort de nuestro hogar. Podemos acceder a otros foros de
comunicación sin la barrera que en algunos casos puede suponer la presencia
física. Es lo que podemos denominar efecto interfaz. En algunos casos, la
persona más tímida en la calle, puede convertirse en un descarado en la red.
Pero, lejos de los extremos, la pantalla nos permite mostrar exactamente lo
que queremos de nosotros, al tiempo que nos ayuda a encontrar una imagen
idealizada de lo que estamos buscando. Todo ello, como comentábamos
anteriormente, desde la tranquilidad del hogar. En el caso de una persona
tímida, con dificultades para enfrentarse a gente desconocida o ante grandes
auditorios, esconderse tras la pantalla puede ayudarle a dar el primer paso
hacia una interacción que trascienda, o no, a la dimensión digital, porque
dentro de Internet no tienes vergüenza [informante 284, chica, 14 años].¿Sirve
Internet como una nueva vía de contacto? ¿Es un complemento? El hecho es
que cada vez más gente amplía sus relaciones, o incluso sale de una soledad
espacial gracias a la red. Tal vez se presente como un escenario más atractivo.
Tal vez la timidez no sea obstáculo en este mundo virtual. En los espacios
tradicionales de contactos, los personajes que trascendían respondían a
perfiles determinados. El anonimato de la pantalla permite también que esas
personas “no trascendentes”, esas personas que encontraban más dificultades
en el mundo real, ahora tengan a su alcance una vía que les permita
relacionarse.
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El ser y el deber ser, el cómo soy y como me ven, el cómo soy y como
me veo... son planteamientos presentes en el ser humano. Hemos visto que
la materialización de las amistades virtuales, a día de hoy, no está
generalizada, a pesar de que se produzcan. Sin embargo, gran parte de los
usuarios investigados reconoce que es posible encontrar buenos amigos a
través de estos canales, hasta tal punto que este verano he hecho uno de mis
mejores amigos y lo conocí a través del tuenti de un amigo [CG, chica, 16 años,
en grupo de discusión]. Otros dan valor a la sinceridad y a la coherencia entre
el yo virtual y el yo real: depende de cada persona y si se muestra realmente
como es tanto en Internet como en la vida real. Asimismo es importante
tener en cuenta que cuando conocemos a alguien en la red, la pantalla se
convierte en un filtro que depura los prejuicios: debiera ser por esa razón de
no ver y que te lleva a "no juzgar" a no sentirse vigilado, lo virtual tiene como
objetivo idealizar por eso debiera ser que se conozcan personas de forma más
sencilla y por ende cuando se haga contacto cara a cara sea más sencillo.
Y no podemos dejar de lado la posibilidad de reflexión que deja la
atemporalidad de la que antes hablábamos. A tiempo real hay personas que
tienen más problemas al mantener una conversación fluida, al menos las
primeras veces, y el ágora digital diluye esta barrera, al dejar turno en la
reflexión del mensaje porque es más fácil escribir que hablar. Por otro lado
también hay personas que piensan que no es el canal idóneo, precisamente
para evitar ese efecto interfaz que tamiza la personalidad de los
interlocutores: para mí es básico conocer en persona a alguien para llegar a
tener un nivel de confianza grande [NS, chica, 18 años, en grupo de
discusión]. En palabras de Diego Levis “a veces, esa pantalla que comunica el
mundo real con el virtual, el mundo del átomo con el del bit, es una falsa
ventana, que actúa como filtro entre nosotros y la realidad, como un biombo,
que en demasiadas ocasiones, nos impide percibir lo que nos rodea.
Acostumbrados a ver el mundo a través de una pantalla, cada vez nos cuesta
más ver a nuestro lado, mirar a nuestros semejantes. En la pantalla, como si
fuera el espejo de la bruja de Blancanieves, buscamos respuestas sobre
aquello que somos y deseamos ser, sin darnos cuenta que lo que nos devuelve
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es una imagen deformante que sólo nos dice lo que creemos ser. Nos
conmueven los refugiados de todas las guerras y hambrunas que nos
muestran las pantallas, pero le damos la espalda al sufrimiento que tenemos
en nuestro entorno inmediato. Las pantallas nos asedian y nos atrapan, y hay
a quienes les sirven de refugio ante una vida que les resulta poco atractiva y,
a
veces
también,
amenazante
(http://diegolevis.com.ar/secciones/Articulos/adiccion_5-00.pdf)”
Barrera perceptiva
EFECTO INTERFAZ
Es
posible
generar
diferentes
identidades al resguardo
de la pantalla
Cómo
nos
vemos
(Autopercepción)
-Producto de nuestra
autoestima
(maximizados
o
minimizados)
IMAGEN DIGITAL
IMAGEN ANALÓGICA
Cómo nos ven.
- Absorción de los datos
expuestos por el usuario
- Tendencia a la
idealización
o
degradación
de
la
alteridad digital
Cómo nos ven
- Influencia de la imagen
física
- Impacto de la primera
impresión
- Importancia de la
interacción inmediata
Barrera perceptiva
Cómo nos
vemos
(Autopercepción)
posibilidad
de
construir la identidad a
base de imágenes y
pautas reflexionadas
Puntos de encuentro y desencuentro
Al igual que la calle, la red social es un lugar amplio y diverso. A pesar
de haber espacios específicos de encuentros, estos contactos pueden surgir
en entornos no diseñados con tal fin. Así, una plataforma de juegos con
mensajería entre usuarios puede ser el lugar donde surja la chispa que de pie
a una relación: No buscaba pareja en la red, buscaba personas para compartir
o platicar, fueran hombres o mujeres [informante 15, mujer, 29 años]. El azar
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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puede ser el responsable de que un contacto fortuito se convierta en una
relación más o menos estable: nunca busqué pareja, fue casualidad
[informante 15, mujer, 29 años] Y a veces, esta casualidad se convierte en
matrimonio: no buscaba parejas, solo conocer más gente en general hombres
y mujeres. A mi esposo actual lo conocí en las redes, duramos un mes
escribiendo y luego nos conocimos físicamente [informante 15, mujer, 29
años]. Puede ser que el amor llegue de manera subsidiaria. Se accede por otro
motivo y se encuentra pareja de improviso: la soledad me llevó a esa situación
(entrar en medios sociales). Fue algo casual, no había intención de conocer a
alguien en internet para mantener ese tipo de relación [informante 17, mujer,
30 años]. A veces este enamoramiento es sosegado y paulatino. Dentro de
una serie de contactos virtuales, poco a poco alguno de ellos se puede ir
convirtiendo en algo especial: generalmente uno anda en busca de charlar, sin
embargo, sin darte cuenta ya estás hablando mucho con cierta persona y de
forma un tanto improvista te das cuenta que estas sintiendo cosas por alguien
que no conoces, quizá porque ese alguien te está proporcionando ese cariño que
estuvo faltando, y te hace sentir bien. Por lo que fue más improvisto que
premeditando, pues al charlar tras una pantalla uno piensa en algo serio, solo
divertirse [informante 16, mujer, 19 años].
Al contrario, hay quien encuentra la red como un buen lugar para
buscar pareja y accede con plena intención: Lo hice como un intento de buscar
pareja estable [Informante 3, hombre, 43 años]: Conociendo la sintaxis
propia del código digital, podemos acceder con más facilidades a
comunidades concretas: (entré por) las dificultades para encontrar pareja en
la vida real, pues hay menos gente homosexual. Más bien fue premeditado. En
la vida real se hace muy difícil [Informante 34, hombre, 44 años]. Al igual que
en otros escenarios convencionales, la red ofrece un abanico de opciones de
comunicación: no sé por qué entraba, quizá el saber que allí podía establecer
contacto con mujeres que no conocía de antemano [Informante 4, hombre, 37
años]. Dadas las dimensiones de la red, las opciones de encontrar lo buscado
son más amplias: entré con intención de encontrar el amor porque en mi
entorno no me gustaba nadie desde hacía muchísimo tiempo. Fue premeditado
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el buscar el amor a través de la red [Informante 5, hombre, 35 años]. También
entra en juego el efecto interfaz que hemos descrito anteriormente: Entraba
a buscar pareja por la soledad y quizá también la comodidad. A mi edad, me
da pereza comenzar a alternar con alguien en un bar o discoteca. Podría
decirse que sí fue premeditado... busqué y surgió [Informante 8, hombre, 43
años].
El encuentro físico a veces es rápido, pero otras veces se demora en
el tiempo: Aunque no conozco en persona a mi pareja... sí hemos chateado
muchísimo, pero como digo aún no nos conocemos físicamente. Imagino que
será igual de satisfactorio. Llevamos 3 meses de "noviazgo virtual" [Informante
8, hombre, 43 años]. La cautela es una de las razones que mantiene la
distancia: estuve 3 meses en contacto por internet pues no me gusta
precipitarme ni ilusionarme [Informante 5, hombre, 35 años]. Una vez
pasado el periodo de noviazgo virtual, el encuentro suele ser satisfactorio:
pasó un mes desde que empecé a hablar con él hasta que lo conocí en persona.
Fue mucho más satisfactorio de lo que esperaba [Informante 7, mujer, 29
años]. Pero no siempre se llega a tener un encuentro físico. Unas veces
porque simplemente no prospera, sin que ello sea un inconveniente para
seguir conociendo personas en la red: nunca busqué y no creía que fuera
posible enamorarse de alguien de esta manera hasta que me pasó a mí misma.
Sí conocí a otros chicos, un par, por facebook. Y con alguno tuve un affair
[Informante 7, mujer, 29 años].
El hecho de localizar un amor en la red hace que el uso del ordenador
sea algo compulsivo: se convirtió en algo obsesivo. No puedo vivir sin estar
conectado y saber de esta persona. Aún no nos hemos conocido físicamente
[Informante 8, hombre, 43 años]. Sin embargo, cuando se consigue pareja,
se suele abandonar este tipo de páginas: Cuando conocí a mi pareja dejé de
usar ese tipo de páginas [Informante 12, mujer, 29 años]. Una vez que
empezamos a salir, el uso de dichas plataformas disminuyó drásticamente
[Informante 10, mujer, 29 años].
En otros casos, la red se nos presenta como un lugar hostil para
conocer nuevas personas, pero idóneo para mantener el contacto con quien
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
ya conocemos: se me hacen relaciones medio vacías, pero probablemente sea
un buen medio para continuar relaciones que han surgido personalmente
[Informante 18, hombre, 32 años].
Pero en un escenario desterritorializado ¿dónde se establecen estos
contactos? Los portales específicos para hacer amigos cambian y
evolucionan. Los clásicos Hi5 y Tagged se han unido bajo una misma entidad
e imagen, centrando su actividad como buscador de personas (Millones de
personas se están divirtiendo y conociendo nuevos amigos en Tagged/Hi5
todos los días. ¡Tú también puedes!, es el lema de entrada en ambas web).
Con un funcionamiento similar encontramos Badoo (Haz contactos nuevos.
Con más de 299 millones de usuarios, Badoo es el mejor lugar para chatear,
hacer nuevos contactos, compartir intereses y tener una cita.), un portal
fremium en el que se ofrece un servicio inicialmente gratuito pero con ciertos
servicios de pago si se desea tener una navegabilidad más eficaz. En esta
categoría, también encontramos el Planazo. El funcionamiento es similar en
todos ellos: tras un alta en el que se crea una ficha de usuario y se pueden
colocar una o varias fotos, la descripción y las aficiones, se pueden realizar
búsquedas entre el resto de usuarios siguiendo una serie de criterios. Se
establece los parámetros de búsqueda (chico busca chica, chica busca chico y
todas sus combinaciones), el rango de edad, la demarcación geográfica y la
web ofrece perfiles que podemos valorar para intentar establecer un posterior
contacto. Sin embargo, a pesar de la publicidad y de los elementos de pago,
estos espacios no dejan de ser plataformas más o menos horizontales, con
usuarios reales con sus intereses determinados. Una nueva forma de
entender las relaciones personales, donde se cambia el ruido y el humo de la
discoteca por la comodidad del propio hogar. Se busca, se ofrece, se anhela…
Y esto no deja de ser un apetitoso mercado que ha hecho que proliferen una
nada despreciable cantidad de páginas que vienen a ser la continuidad en el
ciberespacio de las clásicas agencias matrimoniales
Agencias matrimoniales en internet
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
A veces el encuentro no es fortuito. Hay lugares específicos para
encontrar contactos. Numerosos portales ofrecen contactos sentimentales. A
veces son empresas, agencias matrimoniales al uso, que han sabido ver el
potencial de la red para extender su negocio, aunque en la mayoría de los
casos no es una agencia física que abre una agencia virtual, sino una empresa
que nace en el seno de Internet desde el primer momento. Como norma
general juegan con la inscripción gratuita, limitada a una serie de servicios
recortados, para una vez registrado ofrecer el coste de sus servicios.
Normalmente, el usuario no registrado no puede realizar peticiones para
conocer a otros miembros de la comunidad, aunque sí que puede “recibir
solicitudes” de contactos por parte de miembros registrados. Las condiciones
de pago suelen ser asimétricas: como la habitual práctica de las discotecas,
los hombres pagan las mujeres entran gratis. Y con esta premisa de partida,
la mujer se convierte en mercancía es estos espacios
Pantalla de inicio de
Meetic. Una ”agencia”
donde el hombre es un
cliente al que sacar dinero
y la mujer un objeto de
consumo, un elemento
más de su mercado
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Se suele pensar que la mayoría de los usuarios son masculinos, pero
según los datos de Parship, el 51% de sus usuarios son hombre y el 49%
mujeres. Y es que la soledad o la búsqueda de nuevas vías sentimentales no
es cosa de hombre exclusivamente. No obstante, las empresas punteras,
distribuidas internacionalmente, suelen ofrecer cebos para captar al público
masculino. Casi todas las publicidades suelen mostrar fotos de parejas felices.
En cambio, Meetic muestra exclusivamente fotos de modelos femeninas y
jóvenes, con reclamos como ¿no nos hemos visto antes en meetic? o ¿cuál es
tu excusa para no venir a buscarme? Cada una intenta llamar la atención a su
manera: Match saca pecho y exhibe sus cifras, 15.000.000 millones de
usuarios y medio millón de parejas formadas al año. Parship coloca en su
web historias de amor de usuarios que afirman haber encontrado pareja
estable a través del portal y el asesoramiento de una single coatching, que
viene a ser una entrenadora de solteros (mejor dicho, para dejar de ser
solteros). Además, son los únicos que se atreven con imágenes de usuarios
no “tan jóvenes y guapos”. B2, que se acerca a los 370.000 usuarios, permite
hacer un test online gratuito, que arroja un posible abanico de candidatas.
También cuenta con su rincón de historias felices. En este portal la relación
es 57% de mujeres / 43 % de hombres.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Vemos como este tipo de empresas se basan en modelo de negocio
orientado al público masculino. El mensaje subliminal que subyace bajo todo
el código visual y escrito es que se ofrecen chicas y el hombre elige. Pero la
realidad no es tan sencilla y el harén digital no es una apartada orilla donde
la luna más pura brilla. En muchas ocasiones, las chicas no existen, y si el
usuario masculino no pica el cebo o ni siquiera comienza a generar actividad,
el sistema actúa de manera automatizada y le ofrece los flechazos ofrecidos
por las usuarias. Incluso si no ha completado el perfil y no ha añadido ni fotos
ni intereses.
Cuando el usuario paraliza su
inscripción o, habiendo hecho una
cuenta gratuita, no comienza a comprar
servicios adicionales, como el de
mensajería, el sistema envía mensajes
cebo para recuperarlo.
A medida que la demanda aumenta y que todos los espacios ofrecen
aproximadamente lo mismo, es necesario ir más allá, diferenciarse de la
competencia, eliminar sutilizas y exhibir un lenguaje visual explicito, con el
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
fin de captar a aquellos usuarios que no ha triunfado en el nivel soft (meetic,
be2, match o parship) o que aún permanecen indecisos. Los mensajes
comienzan a tener un lenguaje y una iconografía más directos, como ocurre
con easyflirt, y las páginas de encuentros comienzan a parecer un burdel
digital.
Los burdeles digitales
El siguiente nivel son los espacios que sin prolegómenos ni cortejos
ofertan sexo rápido y sencillo. SecondLove, Ashley Madison, Flirtafair,
AdulFriendFinder funcionan igual que las páginas comentadas en el
apartado anterior: exponen mercancía femenina, anuncian registro gratuito
y una vez registrado, antes de poder realizar cualquier contacto se abre la
lanzadera de pago para poder enviar mensajes a las supuestas usuarias.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Para atraer a los digital lovers, los portales vuelven a recurrir a los
mensajes de las usuarias satisfechas, como este de SecondLove
Totalmente asombroso, gracias! Me fue muy bien, tuve muy buenos
contactos y seguiré teniendo más jajaja...Muy bueno, ya se lo recomendé a
mis amigas!. Mariana, 32 años - Córdoba Capital
Por otra parte, no podemos soslayar la oferta de la red como
elemento sustitutorio: la industria pornográfica en la red mueve millones.
Adolescentes, solitarios y un público de lo más variopinto rastrea la red en
busca de pornografía. Esto podría quedar fuera de nuestro estudio si nos
limitáramos a su consumo en entornos digitales como simple proceso de
migración de soportes analógicos, sin embargo queremos incidir en ello por
la aparición de “herbívoros" (soshoku-kei danshi), un concepto popularizado
en Japón en los últimos años y que designa a "jóvenes que no tienen una
actitud positiva para el amor y para el sexo", según el sociólogo nipón
Masahiro Morioka. Con este concepto se describe a un cuarto de la población
japonesa que prescinde de las relaciones cara a cara y exclusiviza el consumo
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
de pornográfica como elemento sustitutorio. Y es un fenómeno social
preocupante en un país con un alto porcentaje de adultos solitarios y una tasa
de natalidad excesivamente baja.
Apps Generation, cuando el móvil es una forma de vida
Y si hemos comenzado hablando de páginas web, hay que destacar
el papel imprescindible de las apps. En la época de la hiperconectividad
ubicua, donde los dispositivos móviles permanecen conectados en todo
momento, la aplicaciones nos ponen en alerta constante: recibimos avisos a
tiempo real cuando entra un correo electrónico en nuestra bandeja, nos
llegan ofertas del super, mensajes de WhatsApp… Las páginas citadas
anteriormente también tienen su presencia en forma de aplicación. Sin
embargo, queremos hacer referencia a aplicaciones puras, es decir, que no
proceden de una página web de la era pc
Grinder y Tinder son quizás las más populares, el último peldaño de
lo que comenzaron a ofrecer los chats y que continuaron desarrollando Hi5
o Tagged. El coqueteo se reduce a una serie de interacciones digitales y a la
elección/clasificación de las artes amatorias de los candidatos en unas pocas
categorías con las que los algoritmos de emparejamiento harán su trabajo. La
app se ocupará del resto y nos ofrecerá perfiles que estén cerca para que,
como era habitual, se puedan valorar y poner en contacto a usuarios. Grinder
llega más lejos y, teniendo en cuenta nuestras preferencias de búsqueda, nos
avisará cuando se aproxime a nosotros - o a nuestro dispositivo móvil- otro
usuario cuyo perfil se aproxime a lo que nosotros establecimos como
elementos de interés. Es decir, ya no sólo se elimina el coqueteo sino que el
teléfono móvil actúa como secretario sentimental ocupándose de localizar a
nuestro objetivo y avisándonos cuando se encuentre a pocos metros
El amor llega al libro, el libro llega a la red
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Las comunicaciones en la Red han creado modos insospechados de
relaciones afectivas y contactos entre las personas. El ciberespacio se ha
transformado en una dimensión más de nuestra vida social. Diego Levis es
un autor que se ha ocupado desde hace tiempo de este fenómeno. Si La
Pantalla Ubicua (1999) nos permitía adentrarnos en la aventura de las
comunidades virtuales en general, Amores en Red. Relaciones afectivas en la
era Internet (2005) y Amor nada [en la ciberpantalla] (2007) son obras que
pueden ayudarnos a comprender mejor este mundo de las relaciones a través
del ordenador. ¿Qué nos lleva a franquear estas nuevas fronteras para
convertir la barrera de la distancia en la posibilidad del contacto a través del
anonimato de la pantalla? ¿Dónde se deja de ser un nick en una sala de chat
para entrar a formar parte de la vida de la otra persona?
Del primero, el autor nos dice que “la Red del amor recorre de un
modo lúdico diferentes tipos de relaciones afectivas y sexuales que se
establecen y se desarrollan a través de la Red y en sus alrededores, ofreciendo
al mismo tiempo una mirada analítica de las características fundamentales
de estas relaciones y de su significación en la vida privada y social
contemporánea (http://www.diegolevis.com.ar)”.
El segundo es un intercambio de emails ordenados
cronológicamente que va mostrando como una relación a través de la
pantalla puede ir armando un complejo entramado de sentimientos al igual
que ocurre fuera de esta.
Otro texto que se ocupa de como la red ha cambiado nuestros hábitos
es Lovebook, de Simona Sparaco. En el texto, una joven recuerda como de
niña estaba enamorada de un adolescente. Decide buscar su nombre en
Facebook y allí lo encuentra. La pantalla le da fuerzas para iniciar la relación
que no pudo conseguir en su infancia
Por su parte, y cambiando de temática, la psiquiatra Esther Gwinnell
nos ofrece El amor en Internet: intimar con desconocidos a través del
ciberespacio. Un libro para comprender los procesos que se produce en
nuestros comportamiento y que nos llevan a intimar por alguien a quien ni
vemos ni conocemos.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
A modo de conclusión
Internet nos ha facilitado una serie de herramientas que nos han
cambiado la vida. Hemos cambiado la manera de comprar, de trabajar, de
estudiar, de disfrutar, de vivir… Una parcela tan humana y cotidiana como
es el amor no podría quedar excluida de este nuevo paradigma que nos
acecha y espera. La red nos ofrece nuevos canales de comunicación que han
hecho que el planeta nos quede pequeño. Las distancias cada día se hacen
más cortas y ponen el mundo al alcance de nuestro teclado. Conocer nuevas
personas o establecer nuevos vínculos con viejos conocidos es algo que de
manera fortuita puede ocurrir en nuestras vidas. En este aspecto, la máquina
se hace más humana y nos acerca.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Identidade de Gênero: O cenário Transexual e
Travesti na Sociedade
Amanda Costa - UNESP
Isabel Silva - UNESP
Isadora de Oliveira - UNESP
Naiara Teixeira - UNESP
Thais Viana - UNESP
Introdução
Os termos transexuais, transgêneros e travestis serão recorrentes
neste artigo. Transgênero se resigna alguém que sente pertencer ao sexo
oposto, a ambos ou nenhum dos gêneros tradicionais binários. Logo
transexual e travestis se enquadram nessa categoria, a principal diferença
entre os dois termos está no estereótipo social e na estigmatização, maior
detalhada ao longo do artigo.
O Movimento Social LGBTTT tem contribuído na reflexão sobre as
vivências da sexualidade nos âmbitos privado e público, tanto como prática
individual, como prática social e política, questionando e desconstruindo
binarismos rígidos presentes nas categorias de gênero tradicionais:
homem/mulher, masculino/feminino, heterossexual/homossexual (Bourcier
e Moliner, 2008; Newton, 2008; Steinberg, 2006; Butler, 2006; Rebreyend,
2005; Preciado, 2004; Pellegrin e Bard, 1999) e, entre suas ações, denunciam
a violência e a violação dos direitos humanos desses grupos sociais,
reivindicando a igualdade de direitos, tanto na cena mundial como no Brasil
(ÁVILA,2010)
As discussões geradas pelo movimento LGBTT são trazidas para o
documentário Transexuais e Travestis: Uma análise da vida (2014),
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
desenvolvido como produto de pesquisa, onde retratamos os entrevistados
nas esferas sociais mais críticas e influenciadoras da formação pessoal:
família, trabalho, vida pública e individual.
Para a produção do documentário, todas as transexuais e travestis se
tornaram protagonistas de uma pesquisa participante, fundamentando uma
perspectiva humana e não somente caracterizadas como objetos de pesquisa.
Desvendar o cenário brasileiro do preconceito e transfobia é o ponto
central do artigo que emprega de maneira didática os aspectos que formam
a teia de preconceito que recai sobre a comunidade trans e travesti.
Descontruindo Generalizações
Um dos objetivos principais do documentário é desmitificar alguns
conceitos e definições acerca do tema da transexualidade. Logo no começo
da coleta de informações, para iniciar a produção do trabalho, pessoas
comuns foram questionadas sobre a diferença entre travesti e transexual. A
grande maioria não sabia como distinguir as duas definições. Esse fato
preocupa e escancara a realidade para a falta de informações que permeiam
a sociedade.
A escassez de informações e a forma como o assunto é abordado,
principalmente, pela mídia tradicional, resulta no preconceito e
discriminação. A abordagem e esclarecimento de conceitos essenciais para a
compreensão do tema deve ser o primeiro passo para a desconstrução de
pensamentos preconceituosos.
Antes de compreender o que é ser travesti ou transexual, é essencial
entender conceitos que criem subsídios para a total compreensão.
Primeiramente, vamos tratar dos termos orientação sexual e identidade de
gênero. A orientação sexual pode ser definida como a forma como nos
sentimos em relação a nossa afetividade e sexualidade. Ou seja, é a orientação
afetivo-sexual. Existem quatro tipos de orientações afetivo-sexuais
predefinidas socialmente: os heterossexuais (atraídos pelo gênero oposto), os
homossexuais (atraídos pelo mesmo gênero), bissexuais (atraídos por ambos
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
os gêneros) e os assexuados (não possuem atração sexual e/ou afetiva por
nenhum gênero).
Ao contrário do que é abordado pelo senso comum, o termo
identidade de gênero pode ou não ter relação com a orientação sexual. A
identidade de gênero faz menção à forma como nos reconhecemos em
relação aos padrões de gênero preestabelecidos socialmente. A identidade
pode ou não ter relação com o sexo biológico da pessoa. Por exemplo, alguém
que nasceu com o sexo biológico masculino pode se reconhecer como parte
do gênero feminino e se sentir atraído por mulheres. Ou seja, seria, portanto,
uma mulher transexual lésbica.
Por conclusão, os conceitos de orientação sexual e identidade de
gênero são termologias completamente independentes. A confusão que se
estabeleceu devido à comparação entre os papeis sociais, de gênero,
orientação sexual e identidade de gênero, é justificada devido, infelizmente,
ao padrão binário de classificação típico de nossa sociedade.
Biologicamente falando, o principal fator que classifica o sexo de
uma pessoa são suas células reprodutivas. Espermatozoides determinam
machos e óvulos determinam fêmeas. Porém, diante dessa concepção, deixa
de ser considerado que não são apenas os cromossomos ou a formação da
genitália característica que delimita o sexo de uma pessoa. É importante não
esquecer que a auto percepção, seja ela compatível ou não com o que é
socialmente esperado, deve ser respeitada e é dessa forma que o indivíduo
deve ser tratado socialmente.
"Este núcleo de nossa identidade de gênero se constrói em nossa
socialização a partir do momento da rotulação do bebê como menina ou
menino. Isto se dá no momento de nascer ou mesmo antes, com as novas
tecnologias de detectar o sexo do bebê, quando se atribui um nome à
criança e esta passa a ser tratada imediatamente como menino ou
menina." (GROSSI, 1998, p.8)
A partir da exposição de importantes conceitos, podemos então
compreender as termologias travestis e transexuais.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
De inicio, vamos tratar das considerações diante dos termos
transexualismo e transexualidade. No primeiro termo, o sufixo "ismo" é
referente à caracterização de patologias. Sendo transexualidade a
nomenclatura mais condizente com e mais respeitosa. Contudo,
infelizmente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o
transexualismo ainda é considerado uma patologia psíquica. O dia 28 de
outubro ficou marcado como o dia da luta contra a despatoligização da
transexualidade. Em 2010, a França foi o primeiro país a não mais considerar
transexualidade como uma doença de ordem psíquica.
Após a compreensão de considerações primordiais, para a produção
do documentário, entrevistamos travestis e mulheres transexuais. Como foi
abordado anteriormente, uma pesquisa simples, realizada mostrou que a
maioria das pessoas não sabe distinguir uma travesti de uma mulher
transexual.
Bem, tecnicamente falando, as travestis são pessoas que passam a
vivenciar papéis de gênero feminino, predeterminados socialmente.
Contudo, não se identificam como integrante do gênero masculino ou
feminino. São como membros de um terceiro gênero ou de um não gênero.
Quando abordamos o termo travesti, devemos sempre utilizar o artigo a
como forma de tratamento.
Diferentemente do termo travesti, a questão da transexualidade é um
pouco mais complexa e faz referência diretamente ao conceito de identidade
de gênero. A palavra transexual remete à pessoa que de alguma maneira não
se identifica com o gênero que lhe foi atribuído biologicamente. Ou seja, a
pessoa possui uma identidade de gênero diferente do gênero que nasceu.
Logo, a transexualidade é uma questão de identidade de cada individuo.
"Cada pessoa transexual age de acordo com o que reconhece como próprio
de seu gênero: mulheres transexuais adotam nome, aparência e
comportamentos femininos, querem e precisam ser tratadas como
quaisquer outras mulheres. Homens transexuais adotam nome, aparência
e comportamentos masculinos, querem e precisam ser tratados como
quaisquer outros homens. Pessoas transexuais geralmente sentem que seu
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
corpo não está adequado à forma como pensam e se sentem, e querem
"corrigir" isso adequando seu corpo à imagem de gênero que têm de si.
Isso pode se dar de várias formas, desde uso de roupas, passando por
tratamentos
hormonais
e
até
procedimentos
cirúrgicos."
(JESUS,2012,p.15)
Transexuais são, portanto, indivíduos que não encontram
compatibilidade entre seus corpos e a sua auto definição de gênero. Assim, a
mulher transexual reivindica ser reconhecida socialmente e legalmente como
uma mulher, independente de fatores predefinidos biologicamente. Da
mesma forma, um homem transexual também reivindica ser reconhecido
socialmente e legalmente como um homem.
É essencial, para um individuo transexual, expor tanto interiormente
como exteriormente a forma como se identifica no convívio social. Esse fator
é extremamente importante para a consolidação de sua identidade e até
mesmo auto aceitação.
Legislação a favor da causa Trans e Travesti
A legislação que protege a comunidade transexual e travesti ainda é
escassa e precária. As maiores conquistas recentes estão ligadas ao Projeto de
Lei João Nery, ao decreto em função da utilização do nome social em
instituições de ensino e a promoção de políticas públicas de incentivo ao
mercado de trabalho.
Devidamente justificada a causa transexual e travesti deu-se início na
Europa e América do Norte com maior atuação a partir da década de 70 de
80. Os movimentos em prol de políticas públicas e reconhecimento social
traçaram as atuais conquistas legislativas.
As organizações transexuais fundadas no final dos anos 1970 e 1980 foram
mais focadas no apoio pessoal e socialização do que em protesto e ativismo
militante. Porém, desde a década de 1990, particularmente, a organização
política das comunidades transgêneros tem se expandido e diversificado.
A proliferação de grupos locais em todo os Estados Unidos levou ao
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
desenvolvimento de diversas organizações nacionais, ao crescimento dos
movimentos pelos direitos dos transexuais e pelo fim da violência contra
pessoas transgêneros (Beemyn, 2008). (ÁVILA,2010)
Tratar de questões ligadas à igualdade de gênero perante a lei é ainda
assunto de pouca difusão social. As bases que garantem segundo a
constituição brasileira direito a todos em igualdades estão fundamentadas no
Art.5° da Lei.
Considerando o Art.5° da Constituição Federal que estabelece a igualdade
de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza- entendendose aqui inclusive as diferenças quanto a sexo, orientação sexual e
identidade de gênero. (RESOLUÇÃO 12, 2015)
Utilizando de base a própria constituição federal, atualizações e
inclusões tem sido feitas para a garantia dos direitos a comunidade trans e
travesti. O decreto N. 55.588 de 2010, do Estado de São Paulo, implantado
em 15 de Janeiro de 2015, estabelece o respeito e uso do nome social em
instituições, o respeito à identidade de gênero nesses locais e a autonomia de
solicitação do nome por menores de idade.
Estabelece parâmetros para a garantia das condições de acesso e
permanência de pessoas travestis e transexuais - e todas aquelas que
tenham sua identidade de gênero não reconhecida em diferentes espaços
sociais - nos sistemas e instituições de ensino, formulando orientações
quanto ao reconhecimento institucional da identidade de gênero e sua
operalização. (RESOLUÇÃO 12, 2015)
Os avanços e mudanças na lei têm alcançados grandes resultados,
aumentou em 172% o número de participantes do Exame Nacional do
Ensino Médio (Enem) que solicitaram nome social em 2015, segundo o
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep). Medidas contra a violência de gênero também agregam transexuais e
travestis. A Lei Maria da Pena, n° 11.340, passou a proteger mulheres
transexuais vítimas de violência domésticas. O Tribunal, pautado nos Art.2
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
e 5 da Lei, entende que a identidade de gênero da mulher trans em nada se
distingue da identidade de gênero de uma mulher cis . Declaradas como
mulheres, são protegidas pela Lei, destinada a toda e qualquer mulher.
Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação
sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as
oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde
física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. [...]
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar
contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe
cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral
ou patrimonial. (LEI MARIA DA PENHA, 2010 - grifos meus)
Outra medida essencial para a garantia da igualdade em questões de
identidade de gênero é o projeto de Lei João Nery, que facilita os trâmites
legais para a troca de documentos oficiais e reconhecimento legítimo do
gênero pretendido. Propõe uma alteração no artigo 58 da Lei 6.015 de 1973,
incluindo de maneira clara o respeito à identidade de gênero e a definição do
termo.
Artigo 1° - Toda pessoa tem direito:
I- ao reconhecimento de sua identidade de gênero;
- ao livre desenvolvimento de sua pessoa conforme sua identidade de
gênero;
- a ser tratada de acordo com sua identidade de gênero e, em particular, a
ser identificada dessa maneira nos instrumentos que acreditem sua
identidade pessoal a respeito do/s prenome/s, da imagem e do sexo com
que é registrada neles.
Artigo 2° - Entende-se por identidade de gênero a vivência interna e
individual do gênero tal como cada pessoa o sente, a qual pode
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
corresponder ou não com o sexo atribuído após o nascimento, incluindo
a vivência pessoal do corpo. (LEI JOÃO W. NERY, 2013)
O projeto de lei ainda aguarda aprovação nas instâncias legislativas
desde sua criação e perpassa por diversos vetos de caráter conservador ou
religioso.
Quanto à segurança e proteção contra a transfobia - entende-se
transfobia como constrangimento, discriminação ou qualquer caráter de
violência a uma pessoa por ser julgada transexual, transgênero ou travesti;
não importando se condiz ou não com sua identificação de gênero - as leis
que são aplicadas nesses casos são derivadas das políticas e legislações da
comunidade LGBT, porém faltam centralizações que de fato tratem trans e
travestis por perspectivas diferentes dos gays e lésbicas , entendendo-se a
diferença entre identidade de gênero e orientação sexual, não
necessariamente correlatas.
Preconceito: A transexualidade ainda está inclusa no CID como
transtorno de identidade
Por consequência do preconceito que transexuais e travestis sofrem,
elas acabam sempre a margem da sociedade porque não conseguem ter
acesso a educação, a oportunidades dignas no mercado de trabalho e,
portanto, ficam marginalizadas. Essa marginalização as deixam vulneráveis
para serem alvos de violências como assédio sexual, assédio moral, agressões
verbais, físicas e até a morte.
A transfobia é decorrente do preconceito e dos estereótipos que a
sociedade desenvolve pela população LGBT, por eles não estarem dentro da
normativa heterossexual estabelecida pela sociedade, por infringir
diretamente leis de algumas religiões que condenam a prática homossexual e
o ato de se travestir pelo sexo oposto e algumas pessoas entenderem a
transexualidade como uma doença.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Transexuais, desde 1993, pela Classificação Internacional de
Doenças (CID-10), apresentam um transtorno de Identidade Sexual.
Atualmente existem mais 100 organizações e quatro redes internacionais na
África, Ásia, Europa, América do Norte e do Sul que pedem a retirada da
transexualidade do DSM e do CID.
As mobilizações se organizam em torno de cinco pontos: 1) retirada do
Transtorno de Identidade de Gênero (TIG) do DSM-V e do CID- 11; 2)
retirada da menção de sexo dos documentos oficiais; 3) abolição dos
tratamentos de normalização binária para pessoas intersexo; 4) livre
acesso aos tratamentos hormonais e às cirurgias (sem a tutela
psiquiátrica); e 5) luta contra a transfobia, propiciando a educação e a
inserção social e laboral das pessoas transexuais. (BENTO E PELÚCIO,
2012, p.537)
No entanto, neste pedido há algo a se considerar. No Brasil, o
tratamento hormonal e cirúrgico é garantido pelo Sistema Único de Saúde
(SUS) e com a retirada do Transtorno de Identidade de Gênero do DSM-V e
do CID, isso poderia dificultar o acesso de transexuais aos procedimentos
necessários para a sua transição. É necessário, portanto, uma legislação que
contemple os direitos das transexuais sem feri-las com termos desrespeitosos
quanto a sua sexualidade.
Em pesquisas realizadas por Sampaio e Coelho em 2012, uma pessoa
transexual definiu essa situação, "não é nem um pouco confortável saber que,
para poder fazer as cirurgias e ter um alívio quanto ao seu desconforto, terá
que ser considerado como um "transtornado; isso é desrespeitoso"
(SAMPAIO E COELHO, 2012a, p.980). "
Violência: O Brasil é o país que mais mata transexuais e travestis no
mundo
A ONG Transgender Europe (TGEU), uma rede europeia de
organizações que apoiam os direitos da população transgêneros, divulgou em
novembro de 2015 que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais
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2016
no mundo. Foram registradas 604 mortes no país entre janeiro de 2008 e
março de 2014. Com isso o país é responsável por 40% dos assassinatos de
transexuais e travestis no mundo.
Segundo o Relatório sobre Violência Homotóbica no Brasil: ano de
2012, o número de denúncias de violência aumentou 166,09% em relação ao
ano de 2011 que registrou 1.159 denúncias. Em 2012, foram 3.084 denúncias
e 4.851 vítimas. 61,16% das vítimas tinham entre 15 e 29 anos. As violências
que ocorrem em casa contabilizaram 38, 63% dos casos, em seguida está a
rua, que corresponde a 30,89% dos casos. Em 83,20% dos casos, os ataques
possuem teor psicológico, seguidos por casos de discriminação (74,1%) e
violência física (32,68%). Em 0,61% dos casos as violações partem da própria
polícia militar.
O relatório identificou dentro desta relação que 1,47% das vítimas
eram travestis e 0,49% transexuais. No entanto, afirma que este número
aparentemente pequeno se deve a falta de um entendimento amplo sobre
identidade de gênero e orientação sexual que dificultam a identificação da
vítima e a crescente invisibilidade de um dos segmentos populacionais mais
vulneráveis às violências e homicídios da sociedade brasileira.
Além disso, a violência pode vir de qualquer um. O estudo afirma
que os vizinhos são responsáveis por 20,6% das violências sofridas, seguido
de familiares com 17,72%, empregador 1,4%, ex-companheiros 1,07%,
professor 0,77% e empregado 0,5%.
Em 2012, a mídia divulgou 511 violações contra a população LGBT,
sendo que 310 foram homicídios. Neste levantamento as travestis aparecem
como as maiores vítimas de violência homofóbica, representando 51,68% do
total, seguidas por gays (36,79%), lésbicas (9,78%), heterossexuais e
bissexuais (1,17% e 0,39% respectivamente).
Apesar desses altos índices de violência no país, o portal de
pornografia RedTube revelou, em fevereiro de 2016, que o Brasil é o que mais
procura por pornografia transexual. O site afirma que o tema é o quarto item
mais popular no país. O interesse por pornografia envolvendo transexuais é
89% maior que a média mundial.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Esses números tão contraditórios podem ser explicados pela cultura
machista predominante no país, em que as mulheres são objetificadas e
sexualizadas o tempo todo.
A transfobia, assim como outras manifestações de ódio relativas ao gênero
e sexualidade, relaciona-se com o machismo, sendo que a maioria dos
casos de violência contra pessoas trans é protagonizada por homens
cisgêneros. Tal intolerância dá-se pela não aceitação da expressão do
feminino em pessoas que foram designadas ao gênero masculino (no caso
de mulheres trans), bem como não se aceita a expressão do masculino em
pessoas designadas ao gênero feminino (no caso de homens trans). [...] A
intolerância à expressão do feminino em pessoas designadas ao gênero
masculino, revela o machismo quando não se aceita que um homem
(gênero designado no momento do nascimento em razão da genitália)
seja, verdadeiramente, uma mulher (real identidade de gênero da pessoa),
uma vez que tal comportamento seria uma afronta à masculinidade em
geral, uma espécie de traição do sexo masculino, considerado superior.
(ZINI, 2015)
Atual contexto do Mercado de Trabalho e Politicas Públicas de Inclusão
Social
A produção do documentário Transexuais e Travestis: Uma análise
da vida (2014) procurou discutir sobre a posição social marginalizada, a
qual, transexuais e travestis são impostas a permanecer, devido ao
preconceito que sofrem, já discutido anteriormente. Transexuais e travestis
sofrem preconceito imediato ao entrarem no mercado de trabalho, o que
dificulta sua atuação no mercado formal. Todavia o preconceito contra esse
grupo populacional se inicia muito cedo em sua vida, durante todo o período
de sua formação, tanto pessoal quanto profissional.
A garantia dos direitos de transexuais e travestis é negligenciada a
partir do momento que elas decidem assumir sua identidade de gênero. A
formação educacional possui grande importância na desconstrução de
preconceitos estruturais carregados historicamente através do cenário social.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Conceitos excludentes são carregados do âmbito familiar e
aumentam durante o processo de escolarização. Se não há uma
problematização da questão durante o processo de aprendizagem, esses
conceitos se estendem para a vida adulta refletindo em casos de violência e
violação dos direitos humanos contra essa parcela da população, um dos
âmbitos sociais em que as consequências provenientes da discriminação se
refletem é o mercado de trabalho.
A discriminação dificulta a inclusão e a permanência desses grupos
populacionais, levando à marginalização social de transexuais e travestis,
uma vez que, elas só conseguem trabalhos informais, sem garantias de
direitos trabalhistas e que estão ligados ao estereótipo imposto pelo
preconceito social.
Hoje, a maioria dos trabalhos destinados à população LGBT são de
cargos esporádicos e sem registro em carteira. Segundo a Associação
Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), apenas um pequeno
percentual da comunidade trans e travesti consegue a inserção no mercado
formal. Estima-se que 90% das transexuais e travestis trabalham com
prostituição e em salões de beleza.
No Estado de São Paulo, de acordo com Wemerson Lima,
Conselheiro Estadual do Segmento de Transexuais e Travestis, da
Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual, a cada mil pessoas
pertencentes à população LGBT, o preconceito atinge o percentual de 90%.
O Conselho Estadual dos Direitos da População LGBT busca implantar a
inclusão no mercado de trabalho e regularizar as condições trabalhistas
através da efetivação de políticas públicas que asseguram os direitos da
população LGBT no mercado profissional.
O Transcidadania é um projeto da Secretaria Municipal de Direitos
Humanos e Cidadania (SMDHC) em parceria com a Secretaria Municipal do
Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo (SDTE), desenvolvido na
cidade de São Paulo. O programa, voltado para a comunidade trans e travesti,
capacita e aciona empresas com cargos na área de atuação das pessoas
inscritas na Coordenadoria da Diversidade Sexual (CADS). A primeira
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
edição do Transcidadania foi realizada no primeiro semestre de 2015, e das
100 participantes, apenas 10% desistiram. Na edição de 2016, a Prefeitura
ampliou o número de vagas oferecidas para 200 vagas, a bolsa para quem
cumprir as 30 horas semanais obrigatórias também sofreu reajuste, passando
de R$ 827,40 para R$ 910,00.
Programa da Prefeitura de São Paulo destinado a promover os direitos
humanos e a cidadania e oferecer condições e trajetórias de recuperação
de oportunidades de vida para travestis e transexuais em situação de
vulnerabilidade social. O programa possui como dimensão estruturante a
oferta de condições de autonomia financeira, por meio da transferência de
renda condicionada à execução de atividades relacionadas à conclusão da
escolaridade básica, preparação para o mundo do trabalho e formação
profissional, formação cidadã. A essas ações soma-se um exercício de
aperfeiçoamento institucional, no que tange à preparação de serviços e
equipamentos públicos para atendimento qualificado e humanizado.
(PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2016)
Outro projeto de inserção da população trans e travesti no mercado
de trabalho formal é o site TransEmpregos, uma iniciativa não
governamental, criada por um grupo de transexuais. De acordo com a
descrição no site "essa população ainda se encontra grande parte das vezes
desempregada, precisando negar a própria identidade de gênero para
encontrar um emprego ou mesmo, sendo obrigadas a trabalhar em empregos
informais onde, via de regra, não são valorizadas", para isso a iniciativa
funciona como mediador entre o empregador e o público travesti, transexual
e crossdresser que estão a procura de emprego, mas não conseguem espaço
no mercado devido aos estereótipos e preconceitos presentes na sociedade.
Para diminuir o preconceito e assegurar o cumprimento dos direitos
da população LGBT, o Escritório Brasileiro da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) lançou o guia da Promoção dos Direitos Humanos as
Pessoas LGBT no Mundo do Trabalho. O manual apresenta casos e
sugestões de ações inspiradas em histórias reais, e tem como objetivo
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
promover a igualdade de oportunidades e de tratamento no âmbito
trabalhista.
Um trabalho decente é direito de todos os trabalhadores e trabalhadoras,
bem como daqueles ou daquelas que estão em busca de trabalho,
representando a garantia de uma atividade laboral em condições de
liberdade, equidade, segurança e dignidade humana. (GUIA DA
PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS AS PESSOAS LGBT NO
MUNDO DO TRABALHO, 2014)
Um dos apontamentos trazidos pelo guia é a obrigação da empresa
de criar politicas de não discriminação que sejam explicitadas em suas
normas de trabalho. Tal compromisso que já é previsto nas normas que
regem as condutas empresariais na legislação brasileira e na legislação
internacional de direitos humanos.
Art. 1 - Para os fins da presente convenção o termo
"discriminação" compreende:
a) toda distinção, exclusão ou preferência fundada na
raça, cor, sexo, religião, opinião política,
ascendência nacional ou origem social, que tenha
por efeito destruir ou alterar a igualdade de
oportunidade ou de tratamento em matéria de
emprego ou profissão;
b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência
que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade
de oportunidades ou tratamento em matéria de
emprego ou profissão que poderá ser especificada
pelo Membro interessado depois de consultadas as
organizações representativas de empregadores e
trabalhadores, quando estas existam, e outros
organismos adequados. [..]
Art. 2 - Qualquer Membro para o qual a presente
convenção se encontre em vigor compromete-se a
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
a)
b)
c)
d)
e)
f)
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formular e aplicar uma política nacional que tenha
por fim promover, por métodos adequados às
circunstâncias e aos usos nacionais, a igualdade de
oportunidades e de tratamento em matéria de
emprego e profissão, com o objetivo de eliminar
toda discriminação nessa matéria. Art. 3 - Qualquer
Membro para o qual a presente convenção se
encontre em vigor deve por métodos adequados às
circunstâncias e aos usos nacionais:
esforçar-se por obter a colaboração das organizações
de empregadores e trabalhadores e de outros
organismos apropriados, com o fim de favorecer a
aceitação e aplicação desta política;
promulgar leis e encorajar os programas de
educação próprios a assegurar esta aceitação e esta
aplicação;
revogar todas as disposições legislativas e modificar
todas as disposições ou práticas administrativas que
sejam incompatíveis com a referida política;
seguir a referida política no que diz respeito a
empregos dependentes do controle direto de uma
autoridade nacional;
assegurar a aplicação da referida política nas
atividades dos serviços de orientação profissional,
formação profissional e colocação dependentes do
controle de uma autoridade nacional;
indicar, nos seus relatórios anuais sobre a aplicação
da convenção, as medidas tomadas em
conformidade com esta política e os resultados
obtidos.
(DISCRIMINAÇÃO
EM
MATÉRIA
DE
EMPREGO E OCUPAÇÃO, CONVENÇÃO N.111)
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Apesar do desenvolvimento de medidas públicas de inclusão de
transexuais e travestis na sociedade, os dados apurados apontam que Brasil
ainda está distante do ideal de políticas públicas efetivas de inclusão e
informação da população a respeito da identidade de gênero.
Conclusão
A transfobia ainda é o maior obstáculo na luta transexual e travesti.
As discussões sobre gênero estão cada vez mais presentes na sociedade, mas
ainda é preciso avançar muito para romper com a discriminação.
É necessário ressaltar a importância dos movimentos sociais e
ativistas que lutam pelos direitos da comunidade trans e travestis. O
pressionamento da população trans e travestis diante dos órgãos públicos já
lhe garantiram alguns avanços na conquista por direitos básicos, que são
assegurados a todos os cidadãos pela normativa internacional dos direitos
humanos, mas que em prática não são efetivados quando aplicados a grupos
marginalizados.
Apesar dos direitos civis conquistados pelas trans e travestis, como,
por exemplo, o direito de optar por um nome social, muito ainda precisa ser
feito em relação à legislação brasileira, para garantir a segurança e o bemestar dessa parcela da sociedade. Medidas públicas de inclusão de transexuais
e -travestis na sociedade estão sendo desenvolvidas, podemos observar
resultados positivos provenientes dos programas do governo de incentivo à
inclusão da população trans e travestis no mercado de trabalho. Todavia, os
dados apurados durante a produção do trabalho apontam que a falta de
informação da população e até mesmo de órgãos do Estado a respeito da
questão da identidade de gênero e a diferenciação entre está e a orientação
sexual ainda é um problema agravante para o reconhecimento da
comunidade trans e travestis.
Referências bibliográficas
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Família Baté: contos e encantos em Tibiriçá
Ana Beatriz Pereira de Andrade - UNESP
Henrique Perazzi de Aquino - UNESP
Maria Cristina Gobbi - UNESP
Ancestralidade e resistência: breve trajetória de um grupo familiar
‘Negro é uma cor de respeito
Negro é inspiração.’
(LARA, 1982.)
Era uma vez o avô da família, descendente de africanos, que
atravessou uma cachoeira na intenção de chegar ao interior do estado de São
Paulo. Seu nome: Fortunato de Oliveira. Na época, não havia cartórios que
exigissem tanta documentação. Assim, padrinhos e madrinhas ‘batizavam’ as
crianças. Desta forma, alguns recebiam um nome que para outros virava
sobrenome.
Trata-se (...) de vivenciar a experiência imediata da dificuldade de
pretender escrever uma ‘história da memória’, objetivo que se furta
constantemente a toda definição simples e clara. (ROUSSO, 2000, p. 93)
Assim, começa a trajetória da família Cosmo, conhecida como Baté,
no distrito de Tibiriçá. Trata-se de um local com cerca de mil habitantes,
distante 20 km da cidade de Bauru.
O patriarca José Cosmo conta que o nome do padrinho era
‘Cosminho’, um cearense por quem o pai tinha muito apreço. Por que Baté?
Um dos irmãos, ao longo do trajeto até chegar a Bauru, era beque central no
time da cidade de Taubaté. A contenda esportiva levou a todos a conhecê-lo
como Baté.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
O presente artigo trata de contar um pouco desta história, colhida
em entrevistas e relatada via memória oral.
O argumento em favor de uma entrevista completamente livre em seu
fluir fica mais forte quando seu principal objetivo não é a busca de
informações ou evidência, que valham por si mesmas, mas sim fazer um
registro ‘subjetivo’ de como um homem, ou uma mulher, olha pra trás e
enxerga a própria vida, em sua totalidade, ou em uma de suas partes.
(THOMPSON, 1988, p. 258)
Irmão de 6 e nascido em Borebi no dia 2/10/1928, Seu Baté foi
registrado em Bauru 20 dias depois, por um baiano, amigo do pai que ‘sabia
ler um pouco’. Conheceu Tibiriçá em 1941, quando fazia trabalhos braçais.
Em 18/02/58 mudou-se para Val de Palma já com 7 filhos: 5 mulheres e 2
homens. Comprou três terrenos, medindo 36x44m2, e se estabeleceu em
Tibiriçá quando nasceu Ana Paula.
Depois de se aposentar na ferrovia em 1980, decidiu reviver algumas
tradições ancestrais de festas, agraciamentos e carnaval. Cabe citar a
pesquisadora Ecléa Bosi, quando diz que:
A memória dos velhos desdobra e alarga de tal maneira os horizontes da
cultura que faz crescer junto com ela o pesquisador e a sociedade em que
se insere. (BOSI, 2014, p.26)
Atores e atrizes rede em cena: a festa de Santo Antônio e a medalha
‘Zumbi dos Palmares’
‘Sacerdote ergue a taça
Convocando toda a massa
Neste evento que congraça
Gente de todas as raças
Numa mesma emoção
Esta Kizomba é nossa constituição.’
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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(VILA, 1988.)
Bruno Latour propõe a Teoria do Ator-Rede (T.A.R.), do inglês,
Actor Network Theory (A.N.T.). Pesquisas que partem deste princípio é
caminhar por caminhos alternativos. A T.A.R. é considerada mais como um
método do que como uma teoria. Trata-se de uma forma de estudar as
relações entre o ser humano e os acontecimentos, objetos e materiais com os
quais interage em constante movimento e modificação.
As redes são o resultado de relações, interações e trocas de
experiências. Segundo Latour, o ator é um alvo móvel de um enxame de
entidades que se fundem sobre ele.
O que fazer do ator-rede? ‘Interlúdio sob a forma de um diálogo’ (Latour,
2006) (...) nesta abordagem não é o pesquisador que estabelece os aspectos
éticos envolvidos na investigação - quem ‘saberia’ são os atores
envolvidos, eles seriam os ‘experts’, não o pesquisador. (ARENDT, 2008,
p.1)
Agrega-se ainda, como metodologia de pesquisa, os princípios da
cartografia, tal como propostos por Suely Rolnik.
(...) o cartógrafo serve-se de fontes as mais variadas, incluindo fontes não
só escritas e nem só teóricas. (ROLNIK, 1989, p.39)
A bisavó de Seu Baté foi ama de leite e casou com o bisavô português.
Chegaram até São Joaquim da Fortaleza que era maior que Bauru. Cabe
lembrar que o crescimento e desenvolvimento de Bauru se deram pelo fato
de ter sido o entroncamento ferroviário da Região.
Os avôs e bisavôs agradeciam a libertação da escravatura e, como
passaram fome, também o alimento no dia 13 de maio, quando tio Benedito
levava o santo na procissão. A tia Lola fazia um almoço para todos e ‘vinha
chegando gente’.
A devoção por São Benedito era também considerando que foi um
santo que sofreu e lutou. Seu Baté conta que em uma ocasião, o pai estava
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devendo dinheiro ao dono da fazenda na qual trabalhava. Um amigo, Jaime,
recomendou que fugisse. O pai pediu então ajuda para São Benedito e atribui
a este o fato de ter conseguido pagar a dívida honestamente sem fugir.
Trabalharam duro, de pé no chão, com calças e camisas feitas com saco de
farinha de trigo. Na fazenda tinha uma vaca chamada Rosa que estava com
febre ‘ftosa’ (aftosa) que o patrão mandou sacrificar. Como não tinham o que
comer, tiraram o couro da vaca e deixaram a carne salgar e secar para comer
a carne.
A vida de Dona Irene também não foi diferente. Pegavam sal para
temperar a comida já ‘lambido’ pelos bois. Não tinham arroz e comiam
amendoim cozido e moído. Diz: ‘Hoje a vida tá boa. Temos geladeira, fogão,
televisão....” Não entende como netos escolhem comida.
Embora se digam católicos fervorosos, dizem que o pai atravessou o
Rio São Francisco numa jangada de madeira, fazendo oferendas para o
Caboclo das Águas.
Mantém o almoço devotado para São Benedito, no dia de Santo
Antônio, ao qual comparecem cerca de 800 pessoas, quando levantam o
mastro e cantam o terço. O almoço é feito pelas mulheres mais velhas.
No dia 20 de novembro, instituíram uma medalha. Inicialmente era
destinada a incentivar os membros da família que obtinham conquistas nos
estudos. Faziam desfiles e batiam palmas. Ao longo do tempo, a medalha
passou a se chamar ‘Zumbi dos Palmares’ e é entregue a todos que
comparecem na festividade. Todos os que ali estão são considerados heróis e
a motivação é a de lutar contra o preconceito racial.
Contam as estórias com alegria e tranqüilidade, sem qualquer
resquício de amargura. São estórias lembradas a partir de memória oral, pois
o casal Baté foi alfabetizado já adulto.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Brilha estrela no céu: ‘Vai quem quer’ no Sambódromo de Bauru
‘Vai passar nesta avenida um samba popular (...).’
(BUARQUE, 1984.)
Em 1982 a família Baté fundou o ‘Bloco de Rua Vai quem Quer’ que
desfilava nas ruas de Tibiriçá. O primeiro ‘carro alegórico’ era um caminhão
e as fantasias feitas com folha de bananeira. Os instrumentos eram latas.
Chegaram a reunir 400 pessoas.
Bauru tem o segundo sambódromo construído em 1986 no Brasil,
logo após o do Rio de Janeiro. Porém em 2000 os desfiles foram
interrompidos, tendo sido retomados em 2010. Naquele ano a comunidade
de Tibiriçá foi convidada a desfilar no espaço.
Fundaram então o ‘Bloco Estrela do Samba de Tibiriçá’. Nas cores
preto, amarelo, azul e vermelho, aceitaram o desafio. Segundo Seu Baté e sua
filha Dulce (presidente do Bloco) pretenderam levar pra ‘avenida’ tradição,
cultura e amizade. Também tem a intenção de apresentar a singularidade da
considerada ‘zona rural’.
Em 2016 o enredo contou a história do Rio Batalha que abastece 80%
de Bauru e Região. Enredo, fantasias e samba são decididos em coletivo. Não
tem a figura do carnavalesco e nem compositores profissionais. Foram
pesquisar a história e, junto aos barqueiros que fazem a descida do Rio e em
conjunto com a ONG Pró Batalha que atue pela despoluição decidiram o
foco na ‘Educação para Preservação’.
Foram feitos 5 (cinco) ensaios na rua em frente da casa da família,
reunindo cerca de 300 pessoas,
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Imagem 1: Seu Baté no Carnaval 2016. Foto: Lucas Melara.
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Imagem 2: Dona Irene no Carnaval 2016. Foto: Lucas Melara.
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Imagem 3: Ala Piratas do Rio Batalha, composta pelos barqueiros e familiares, no
Carnaval 2016. Foto: Lucas Melara.
O ‘espírito’ ainda é o do ‘Vai quem quer’. As irmãs Rose e Ana Paula
Cosmo são as ‘puxadoras’ do samba e Seu Baté (88 anos) e Dona Irene (78
anos) são os destaques do carro abre-alas. Em todas as alas tem membros da
família. Cada um dos integrantes decide e faz as fantasias.
A maior ala do ‘Estrela do Samba de Tibiriçá’ veste camisetas e se
chama ‘Vai quem Quer’. Os primos Zuza e Antônio Carlos, que foram
membros de uma das mais antigas agremiações de Bauru (Camisa 10), fazem
eventos e vão comprando instrumentos e são responsáveis por produzir as
camisetas. Todas as contas são transparentes.
Consideram-se desorganizados, mas a idéia é a de se divertir. Ao
final de cada ensaio servem uma sopa gratuitamente para todos os presentes.
Imagem 4: Rose ‘puxando’ o samba. Foto: Lucas Melara.
Breves considerações acerca de coletivo, espaço, etnia e identidade
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Neste primeiro momento os elementos considerados são: lugar,
espaço, território e os atores e atrizes-rede.
Bruno Latour propõe não considerar o que está estabelecido
previamente, considerando as incertezas e os desafios e questões que surgem
para os quais, não necessariamente – ou talvez não tão facilmente – possuam
respostas imediatas.
Como desenrolar as controvérsias numerosas que advém das
associações, sem considerar o social como um domínio específico? Como
documentar os meios que permitem aos atores a estabilização das
controvérsias? Quais seriam os procedimentos de associação do social – não
como forma de sociedade – mas, de um COLETIVO?
Inicialmente, é preciso estabelecer quais as conexões que promovem
uma interação local relacionadas aos lugares, tempos e actantes a partir das
quais um local específico possa ser posto em ação.
Compreender o conceito de dimensões, definir noções a serem
revistas não tratará do espaço social de forma substancial, e sim propõe uma
reflexão referente ao fluido social e a construção de pontos por onde passarão
as formigas para que possam caminhar sem interferência em seus
deslocamentos.
Cabe ressaltar o valor espacial da etnicidade como importante para
afirmação de identidade do grupo. Também, a partir da apreensão do espaço
que o grupo estabelece regras e estratégias de preservação da mesma. O
aspecto espacial é fundamental Muniz Sodré aponta que a dimensão espacial,
ou a lógica do espaço, é básica em relação à estrutura dinâmica da cultura.
Colocam-se em cena articulações sócio-culturais como categorias
dinâmicas que as transformem em receptáculo de significações. Apresentase uma dimensão que conduz à produção de um pensamento de que o espaço
torne-se vetor com efeitos próprios, capas de afetar condições para que ações
humanas sejam eficazes (SODRÉ, 1988, p.15).
Neste sentido, destaca El Hajji:
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Dentre essas ações, figura a própria organização sócio,-cultural da
comunidade e, portanto, a manutenção da cultura do grupo ou a
preservação da sua identidade étnica. ‘O espaço’, como destaca Maffesoli,
‘molda coercivamente os hábitos e costumes do dia-a-dia que, por sua vez,
permitem a estruturação comunitária’. (EL HAJJI, 2002, p. 177)
A presente pesquisa encontra-se ainda em fase inicial prescindindo
ainda de entrevistas e encontros a fim de ampliar a proposta etnográfica e
cartográfica. Fica uma certeza: os Baté são apaixonantes,
REFERÊNCIAS
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Quem somos, como nos vemos e como nos
identificamos. As questões de identidade,
cultura nacional e diversidade na TV paga no
contexto da Globalização
Ana Heloiza Vita Pessotto - UNESP
Introdução
O serviço de TV paga foi introduzido no Brasil inicialmente como
forma tecnológica de melhorar o sinal das emissoras de radiodifusão por
meio de cabos e outras tecnologias, em meados da década de 1950. Foi apenas
na década de 1980, com um hiato de mais ou menos 30 anos, que as
preocupações com conteúdo diferenciado entram em pauta, com empresas
que observaram a potencialidade do serviço para a ampliação de
programação para além da exibida na TV aberta, momento em que inicia o
bombardeamento dos enlatados americanos e quando os brasileiros tem
acesso aos novos formatos classicamente americanos como as sitcoms
(comédias do cotidiano), modelo elaborada com a produção de Seinfield
(1989-1998)1, a série sobre "nada", que se torna influência tanto para a TV
fechada como para a TV aberta no Brasil.
A regulamentação ao meio surgiu em 1995 por meio de pressão da
sociedade civil e o texto concentrou seu discurso nas questões tecnológica,
com pequenas passagens sobre o conteúdo a ser exibido. Um destaque neste
1
Série sobre o cotidiano do humorista de stand-up comedy, Jerry Seinfield.
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2016
parâmetro foi a normatização dos canais e conteúdos universitários,
comunitários e governamentais (nos âmbitos municipal, estadual e federal),
com a obrigatoriedade de canais destinados a esses objetivos com fins
informativos e educativos. A norma se manteve estagnada mesmo após
mudanças consideráveis da economia, política e da sociedade brasileira,
assim como também das tecnologias e a relação dos espectadores com elas e
com os conteúdos exibidos.
Desde 1995 até os dias atuais, o número de assinantes do serviço foi
extremamente ampliado, principalmente com a ascensão das classes C e D
no quesito aquisição econômica, além dos projetos de expansão dos sinais
das empresas que projetaram pacotes a preços mais acessíveis,
principalmente por meio de inclusão de TV paga, internet, telefonia fixa e
móvel em um mesmo pacote. Segundo dados da ABTA (Associação
Brasileira de Televisão por Assinatura), no terceiro trimestre do ano de 2014
o serviço de TV paga alcançava quase 20 milhões de lares.
O ambiente regulatório, histórico, social, político e econômico muito
colaborou para o desenvolvimento do perfil de programação do serviço de
TV paga. No início do boom do serviço, que se deu na década de 90,
principalmente após a Lei do Cabo, 1995, a programação era centrada nos
conteúdos importados, levando em conta o momento econômico de
paridade cambial entre o real e o dólar. Adquirir programações prontas a
preços acessíveis se tornou uma opção vantajosa para o setor no Brasil,
principalmente por ter operadoras que pertenciam a grupos empresarias que
não necessariamente tinham serviços de comunicação ou eram vinculados a
esse setor, panorama que foi resultado da facilidade e falta de restrições para
as primeiras concessões do serviço.
Os primeiros anos de conteúdo se constituíram de tal forma: a
exibição dos canais abertos com mais qualidade de sinal, canais de filmes e
séries internacionais, canais de jornalismo e esportes internacionais. Até
2001 a Globosat era a única que desenvolvia canais nacionais (POSSEBON,
2009,p.159).
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2016
Foi a partir do arranjo destes fatores, incluindo o fator da
globalização, que a TV paga teve seu perfil inicial traçado, perfil que viria a
sofrer modificações conforme as transformações dos mesmos setores que a
definiram, mas os resquícios dos primórdios do serviço são ainda observados
não apenas nas grades por meio de programas internacionais, como na
influência desse modelo na construção das produções nacionais, seja no
formato, no ritmo da narrativa, na estética ou até mesmo nos títulos dos
programas.
Com a globalização e as transformações tecnológicas, os meios
digitais se tornaram cada vez mais importantes como meios de acesso à
informação, à cultura e à arte. As políticas públicas tem se direcionado neste
sentido para democratizar o acesso aos conteúdos e aos meios de exibição. A
Lei 12.485/11, a Lei da TV paga, destina parte de seu texto a normas que
impõe contas de exibição de conteúdo brasileiro e conteúdo brasileiro
independente, canais brasileiros de espaço qualificado - que devem exibir
doze horas de conteúdo brasileiro independente por dia - e tem estabelece
que o setor deve ser regido sob os princípios:
I- liberdade de expressão e de acesso à informação;
II - promoção da diversidade cultural e das fontes de
informação, produção e programação;
III - promoção da língua portuguesa e da cultura brasileira;
IV- estímulo à produção
independente e regional;
(BRASIL, LEI 12.485/11, 2011)
No contexto de mundo globalizado, alguns desses elementos se
tornam complexos, como a ideia de cultura brasileira que se relaciona à
concepção de identidade nacional, a diversidade e o acesso, ao considerar
principalmente o modelo de negócios da TV paga e as influências da cultura
transnacional, cada vez mais vívida nos meios digitais (CANCLINI, 1999,
p.63-64).
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
É preciso a compreensão da nova cultura nacional e das novas
identidades no mundo globalizado e a ampliação de cultura, que não pode
ser mais focada apenas nas artes cultas ou no folclore, o que também a
necessidade da desconstrução dos modelos pré-concebidos de identidades
específicas dentro do país e a sua validação como cultura. Este artigo analisa
esta situação da cultura nacional, identidade e diversidade dentro do setor de
TV paga e o papel da nova lei.
O quadro teórico é constituído com base nos legados de autores
Néstor García Canclini, Jesús Martín-Barbero, Raymond Williams no que
rege a metodologia com base na critica cultural, com ênfase para suas
discussões sobre cultura e identidade, de Stuart Hall.
A invasão dos "enlatados": A criação de um perfil
O sistema de televisão brasileiro por radiodifusão contou a presença
massiva dos seriados norte-americanos principalmente como forma de
preencher a grade de programação de um sistema ainda infante e em busca
de experiência e capacidade técnica de desenvolver uma programação
independente. O modelo seriado foi desenvolvido nos EUA no final da
década de 1950 e seu sucesso impulsionou a importação dos produtos
midiáticos deste modelo para vários países, sendo o Brasil um deles (SILVA,
2004).
Com a evolução tecnológica e o processo de legitimação das
emissoras no país, esse fenômeno foi freado, principalmente com a ascensão
da rede Globo e a sua produção nacional.
Alguns seriados continuaram a ser exibidos na TV aberta, mas sua
presença não era mais tão essencial para a manutenção do serviço como no
início da TV e poucos eram os casos em que eram veiculados em horários
nobres. A TV aberta estava se "emancipando" das séries importadas e criando
esté tica própria, momento em que aumentavam os investimentos e o crescia
o número de novelas no país. Contudo, os resquícios do modelo norte- 80 -
Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
americano ainda permeariam a radiodifusão por meio de séries nacionais
que imitavam o modelo seriado.
A chegada da TV por assinatura, com a expansão dos canais, foi o
restart do fenômeno "enlatados", mas naquele momento com dimensões
mais amplas.
Como pode se concluir, o ambiente regulatório se mostrou favorável
a abertura para os conteúdos importados no serviço de TV por assinatura, e
os contextos sociais, políticos e econômicos não foram por uma direção
diferente. Politicamente, a redemocratização do país exaltava a liberdade dos
acessos à informação. Ao mesmo tempo em que as vantagens da importação
eram tentadoras, os perigos rondavam o setor não apenas político, mas
econômico e cultural também. A TV por assinatura era uma opção que
ampliava o acesso e as fontes de informação e entretenimento, opção que
simultaneamente mudaria o perfil da TV para os brasileiros.
Fernando Henrique Cardoso, ainda como Ministro da Fazenda do
governo Collor, projetou o Plano Real, que propunha uma nova moeda para
o Brasil e com um câmbio pareado ao dólar. O plano real foi fundamental
para o futuro da TV por assinatura, que teria ali um grande impulso. O
processo foi facilitado, a paridade do real com o dólar deixava as tecnologias
mais próximas do que nunca, os investimentos rendiam e o sistema passou
por um processo de implantação e consolidação dentro do país. Mas como
produzir tanto conteúdo para esses canais, para todas essas possibilidades
que se abriam? Não eram apenas as tecnologias que valiam o investimento.
O pacote de conteúdos importados tinha muitas vantagens: produtos
prontos, sucesso garantido (conteúdos já bem sucedidos nos EUA e no resto
do mundo), produtos famosos que muitas vezes dispensavam publicidade e
atrairiam públicos específicos ao serviço de TV paga, baseado na
segmentação. Resumindo: um gasto justo em troca de pouco trabalho e
sucesso nos números de assinatura.
Foi elaborado um serviço recheado de "enlatados" americanos, que
tinham entre eles principalmente as sitcoms (séries de situação), as séries
policiais e as séries de drama médicos. Os seriados agradaram ao público
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brasileiro, que viu a TV por assinatura como uma opção para a radiodifusão.
Acostumados com a ficção televisiva no modelo telenovela, com capítulos
diários, com uma mesma narrativa de ritmo lento e prolongado, as séries
americanas inovaram com episódios semanais, com duração entre 24 e 45
minutos, em sua maioria com certa independência narrativa entre um
episódio e outro.
As séries americanas criaram um novo patamar de narrativa, estética
e qualidade a ser alcançado pelas produções. Esse conceito é o que equivaleria
nesse processo ao elemento residual de todo essa experiência. Williams
estabelece três parâmetros: o arcaico, o residual e o emergente. As referências
do modelo norte-americano são os elementos residuais dessa experiência da
invasão dos enlatados.
Identidade, cultura nacional, cultura transnacional e culturas híbridas
Por mais que concentrada e elitista, a invasão dos "enlatados" na TV
paga favoreceu a novamente a entrada desse conteúdo na TV aberta, visto
seu sucesso no serviço por assinatura. Os brasileiros agora estavam cada vez
mais familiarizados com as séries norte-americanas, a língua inglesa, as
legendas na barra inferior das telas e a cultura e os costumes de outra
realidade. Seria ingenuidade analisar tal processo sem levar em consideração
conceitos essenciais dentro das relações de poder do mundo capitalista.
Assistir ao conteúdo internacional e repudiar muitas vezes a produção
nacional trata-se de um fenômeno perigoso e corriqueiro, pelo qual o cinema
brasileiro passou durante décadas e do qual está há anos tentando se
desvencilhar. Bernardet (1979) realiza uma análise profunda sobre o Cinema
Brasileiro em sua obra de mesmo nome. o autor salienta elementos como a
qualidade dos sistemas de som das salas de cinema, o costume (programado,
condicionamento) dos espectadores de "ler" ao filme e não assisti-lo, o que
tornaria os brasileiros verdadeiros escravos da legenda, que a retira atenção
de outros elementos essenciais no sincretismo do audiovisual. Criou-se um
ideal de qualidade e estética, baseado no modelo norte-americano, com o
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2016
qual o espectador se acostumou e estabeleceu como sendo o ideal a ser
alcançado pelas produções brasileiras, qualquer coisa diferente da idealizada
é, muitas vezes, desconsiderada.
Em tempos de globalização, com os conceitos de tempo-espaço
sendo desconstruídos, a cultura nacional e a identidade tem sofrido
transformações e não são mais como eram em suas bases sólidas e fixas.
Martín-Barbero (2009, p.106) direciona suas preocupações à este
novo esquema de organização política e econômica e como influenciam o
âmbito cultural , principalmente dos países economicamente mais frágeis. A
questão da enculturação das massas para favorecer o fluxo da globalização, a
homogeneização dos idiomas em um, o fim das diferenças culturais
regionais, a construção de uma cultura nacional que se dá como um passo
para a sua própria negação e a assimilação de uma cultura supranacional ou
transnacional.
Esta, contudo, não surge do nada, e sim tem como base uma cultura
nacional de uma região que já tem poder político e econômico legitimados.
No caso, a cultura norte-americana e as referências ao modelo eurocêntrico
ainda se posiciona com mais firmeza por causa de sua legitimação.
A questão da cultura nacional esteve, por muitos anos, diretamente
vinculada à ideia de identidade. Lacan defendia que o estabelecimento da
identidade é uma dialética entre a inclusão e a exclusã o. O "eu" se estabelece
ao criar elos e se relacionar com grupo ao qual pertence, com o qual
compartilha a cultura, e o "eu" só pode se desenhado em um quadro em que
existe o "outro", o qual o "eu" não é. Os negros só se viram como negros
quando tiveram co ntato com os brancos, antes eles eram apenas homens,
divididos por meio de outras classificações, pertencentes a grupos
específicos, com base em os elementos hierárquicos e de crença dentro da sua
própria sociedade (Shohat & Stam, 2006, p. 46). Com a evolução, a ideia de
identidade deixa de ser algo fixo e nato e é compreendida como uma
contínua formação influenciada por instâncias internas e externas. A
identidade é uma construção simbólica, a identidade nacional, a forma como
os indivíduos criam a relação de pertença a uma nação, seria, portanto,
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compatível à ideia de "comunidade imaginada", conceito de Benedict
Anderson (1983) citado e analisado por Hall na obra Identidade Cultural na
Pós-modernidade (1999). A identidade nacional cria sentidos com os quais
o povo deve se conectar por meio do embasamento em elementos
compartilhados como a tradição, as memórias, o espaço, são criadas noções
com as quais os indivíduos possam se identificar. A cultura nacional é um
dos elementos de identificação de um povo. Ao se desvencilhar da cultura
nacional e dar lugar à cultura transnacional de forma incontestável gera a
crise de identidade. Contudo, a apropriação dos conteúdos, produtos e
culturas transnacionais - com destaque para os Estados Unidos, que usa seu
poder econômico como forma de reforçar sua hegemonia também cultural não se dá de forma completa e inalterada.
O conceito de hegemonia de Gramsci interpreta o processo como
uma questão de relações de poder e acordos. Não haveria, portanto, um
fenômeno de
alienação imposto e que substituiu a cultural local. Para o autor, o
poder hegemônico negocia, faz concessões e só assim ele tem a possibilidade
de ser legitimado. Esse posicionamento permite um olhar mais complexo
para a dinâmica cultural e permite compreender que a cultura produzida
pelas indústrias midiáticas também é um fórum de apropriação das
aspirações populares (BRITTOS, 2003, p.5). A própria incorporação
incompleta dos preceitos católicos nas religiões africanas pelos escravos
trazidos para a América é um indício da ausência dessa alienação e
esvaziamento completo das marcas identitárias. Há uma mudança, mas não
uma assimilação "cega", mesmo quando imposta, há a resistência e é esse jogo
de equilíbrio que constrói as novas formulações das culturas híbridas e
miscigenadas (ORTIZ, 1994, p20).
Dentro deste panorama, Néstor García Canclini (1999) defende a
concepção de culturas híbridas, em que se torna inviável o estabelecimento
das ideias de pureza cultural e identidade homogênea. "Entendo por
hibridização processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas
discretas, que existiam de formas separadas, se combinam para gerar novas
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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estruturas, objetos e práticas." (CANCLINI, 2008, p.XIX). A hibridização é
um processo dinâmico e criativo em que inter-relação entre as culturas as
transformam e criam algo novo.
Um importante tópico a ser abordado dentro dessa concepção das
culturas híbridas relacionadas à globalização e hegemonia são assimetrias de
poder e prestígio. O fato da cultura hegemônica se constituir de uma relação
com a cultura nacional e popular é um fato que
Não impede que a ação do massivo, seja por sua vez sentida como uma
operação de despossessão cultural [...] Assim se encontra de forma
esplêndida o funcionamento da hegemonia na indústria cultural: o
encaminhamento de um dispositivo de reconhecimento e da operação
dessa expropriação." (MARTÍN-BARBERO, 2009, p.115-116).
A entrada da forte influência externa à cultura local a transforma,
principalmente por se tratar a cultura de processo dinâmico. O aumento do
convívio com outros hábitos culturais influenciam as vivências de cada
região. Pode-se comprovar tal afirmação por meio de vários marcos
históricos como as invasões de territórios na Europa, a "descoberta" da África
e da América EM QUE estabeleciam-se culturas miscigenadas, como o
próprio povo brasileiro, transformando o Brasil em espaço de miscigenação
(Ortiz, 1994, p.19), da soma do índio com o negro e o branco. A questão das
distintas raças no Brasil foi um entrave ao estabelecimento de uma cultura e
identidade nacional, foi portanto, elaborada a imagem do mestiço.
A temática da mestiçagem é, neste sentido, real e simbólica,
concretamente se refere às condições sociais e históricas da amálgama
étnica que transcorre no Brasil, simbolicamente conota as aspirações
nacionalistas que se ligam à construção de uma nação brasileira. (ORTIZ,
1994, p.21).
As potências hegemônicas utilizam da cultura como forma de
"integrar' o globo. Mas nessa integração há o perigo para o qual Martín-
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Barbero desperta sua atenção: a despossessão cultural e a construção de uma
cultura transnacional no lugar das culturas regionais.
A negação da cultura popular regionalizada está diretamente ligada
com um procedimento de "apagamento dos sinais de identidade" e a criação
de novos dispositivos de identificação para controlar as massas. A relação de
identidade e identidade cultural se encontra nesse momento.
Esse processo de "despossessão" cultural, que Martín-Barbero
pressupõe, instiga o surgimento da dita "crise" cultural, que
consequentemente esbarra em uma crise de identidade. São seus hábitos,
seus grupos, seus conhecimentos específicos, sua arte que permitem a
identificação de cada um como indivíduo pertencente a certo grupo. O
esvaziamento da relação da cultura com a identidade gera a crise existencial
em produtos culturais com os quais não se relaciona mais. Os elementos de
identificação são simbólicos e compartilhados, a linguagem, a vestimenta, os
hábitos, os locais, a região, os modos de vida, os hábitos de consumo e
relação. "O próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos
em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, viável e
problemático."(HALL, 1999, p. 12).
A identidade está ligada ao espaço-tempo, e a desconstrução desse
conceito pela globalização leva a identidade a uma crise, principalmente a
identidade nacional, que é o que une as pessoas em um elo pautado na origem
e na sua cultura.
As culturas nacionais são compostas não apenas por instituições
culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional
é um discurso -um modo de construir sentidos que influencia e organiza
tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. As
culturas nacionais, ao produzir sentido sobre "a nação", sentidos com os
quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão
contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que
conectam seu presente com o passado e imagens dela são construídas. Não
há uma unanimidade de opiniões quanto à questão que envolve a identidade
nacional e a identidade global. Enquanto alguns defendem a identidade
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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globalizada e não consideram esse processo como articulador dos
apagamentos da identidade nacional, argumentando que o global incita o
fortalecimento do regional e permite uma "liberdade" deslocada e flutuante,
também ocasionando uma mudança de identidade nacional para as
identidades politizadas, que se baseiam em grupos, em lutas por causas e
grupos como o feminismo e o movimento Black, elos que não se estabelecem
dentro da concepção espaço-tempo, e não o oposto; outros formulam seus
argumentos com base na diferença da força dos vetores de poder,
considerando a defesa anterior como enraizado no conceito teórico da
globalização. Para analisar a dita "crise" de identidade e as questões do
nacional dentro do panorama da globalização, é preciso compreender a força
de cada um dentro dos arranjos culturais.
A cultura popular regionalizada tem claramente ganho um espaço,
contudo, o raio de alcance é curto e seu poder de influência também,
considerando a presença de seus conteúdos nos meios de comunicação e nos
circuitos artísticos de mais destaque, as identidades nacionais acabam tendo
um grande risco de se confundirem apenas com tradições e memórias,
embrenhando para a área do folclore, enquanto as identidades globais são
ativadas no cotidiano. As identidades nacionais se desenvolvem por meio de
compartilhamentos, não necessariamente de conteúdos e modelos culturais
unificados, mas de formas de incorporação das distintas influências. Outra
dificuldade descrita como entrave da existência e da continuidade das
identidades nacionais se dá no âmbito da natureza muitas vezes unificadora
e massiva da cultura nacional para que haja um compartilhamento, mas o
processo deve ser observado por outro prisma. Em pensar as diferenças como
sendo o elo entre as diferentes identidades dentro da própria identidade
nacional. O Brasil, por sua mestiçagem e vasto espaço geográfico, tem
caminhado nesse sentido, de unir uma nação por meio de suas diferenças. As
políticas públicas voltadas à produção audiovisual tem mantido um perfil
que indica tal deslocamento. A lei 12.485 de setembro de 2011 tem como
fundamentos a promoção da cultura nacional e da diversidade, conceitos que
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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parecem polarizados, mas que dentro da dinâmica da cultura podem fazer
muito sentido.
A Lei 12.485/11 e a Nova TV paga
É nesse contexto mundial de globalização, de culturas híbridas e o
"medo" da desposseção cultural, que a lei 12.485/11 foi elaborada. Seu texto
direcionou ações objetivas para a promoção da cultura nacional, da
diversidade cultural e de fontes de produção, produção regional e
independente, na tentativa de promover a democracia da comunicação e
fortalecer os laços de cultura nacional e de identificação com o público. Estes
elementos já constavam como princípios do setor desde a Lei do Cabo de
1995, mas não havia diretrizes de como cumprir os princípios, que são de
certa forma subjetivos e podem ser interpretados de diversas formas.
O capítulo V Do Conteúdo Brasileiro da Lei 12.485/11, Lei da TV
paga (2011) versa sobre as obrigações de veiculação de conteúdo brasileiro
nos canais desse serviço. Os canais de espaço qualificado, ou seja, os que
exibirem prioritariamente programas que:
não são conteúdos religiosos ou políticos, manifestações e eventos
esportivos, concursos, publicidade, televendas, infomerciais, jogos
eletrônicos, propaganda política obrigatória, conteúdo audiovisual
veiculado em horário eleitoral gratuito, conteúdos jornalísticos e
programas de auditório ancorados por apresentador (LEI 12.485/2011),
deverão ter 3h30 (três horas e trinta minutos) de programação
nacional semanal exibida durante o horário nobre, metade dessa cota deverá
ser produzida por produtora brasileira independente. A cada três canais de
espaço qualificado ofertado no pacote do serviço de acesso condicionado, um
deve ser brasileiro de espaço qualificado. A operadora é obrigada a cumprir
a porcentagem até um limite de 12 canais brasileiros, sendo considerados
canais brasileiros de espaço qualificados os que veicularem 12 horas de
conteúdo brasileiro independente, 03 delas no horário nobre. No caso de o
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
pacote ofertado possuir um canal gerado por programadora brasileira com
predomínio de produções jornalísticas, "deverá ser ofertado pelo menos um
canal adicional de programação com as mesmas características no mesmo
pacote ou na modalidade avulsa de programação" (Lei 12.485/2011).
Para o cumprimento das cotas obrigatórias muitos produtos
audiovisuais brasileiros foram produzidos para a TV paga, contudo entre as
produções encontram-se obras sem marcas de identificação nacional e
estratégias que não levam em conta os princípios estabelecidos em lei. Esse
processo faz com que seja necessário pensar os conceitos de globalização,
expropriação cultural, identidade nacional nos produtos audiovisuais
veiculados pela TV por assinatura.
A ideia do Conteúdo Brasileiro e suas facetas
Uma análise superficial, mas que pode trazer grandes respostas e
provas do argumento da globalização do conteúdo nacional, encontra-se nos
canais de conteúdo nacional, que se tornaram uma obrigatoriedade pela lei
da TV paga de 2011. Na classificação canal brasileiro de espaço qualificado
estão presentes 21 canais. Dentre os 23, 11 possuem nome estrangeiro. São:
PRIME BOX BRAZIL, CENNARIUM TV ,CHEF TV, FASHION TV
BRAZIL, FISHTV ,MX TV, TRAVEL BOX BRAZIL, MUSIC BOX BRAZIL,
OFF, PLAY TV, SUPERMIX. Três deles tem como nome expressões,
podendo ser canais de TV de qualquer outro país, são eles: WOOHOO, TV
RÁ TIM BUM!, ZOOMOO BRASIL.
Qual o objetivo de canais voltados à veiculação de conteúdos
nacionais, que segundo os princípios da TV paga, teriam como intenção a
promoção da língua portuguesa e da cultura brasileira, possuírem nomes em
línguas estrangeiras ou expressões que não permitem a identificação do canal
a sua localidade? O nome do país grafado com "Z" está diretamente ligado à
globalização e a busca do canal a se encaixar dentro de uma dinâmica
globalizada de conteúdo, em que o poder econômico e político indicou que
o inglês é a linguagem mundial. Não há relação do nome com sua raiz, com
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
sua origem. Os nomes são apenas uma análise simples, mas um indício forte
da influência da globalização da produção e dos resquícios da influência da
invasão dos enlatados no serviço de TV paga nos primórdios do setor.
Além dos canais de veiculação de produtos brasileiros a lei também
estabelece contas para a exibição de obras nacionais nos canais de espaço
qualificado. A obrigatoriedade iniciou em 2011. O gráfico e a tabela abaixo
mostram como se moldou a grade de programação da TV paga na
comparação entre conteúdo estrangeiro e nacional em 20142.
2
Os dados são da Ancine. A amostra de canais que é base das pesquisas aqui utilizada é constituída de
20 canais, são eles: GNT, Multishow, AXN, Sony, Warner Channel, Universal Channel, Canal Brasil,
HBO Family, HBO, HBO Plus, Cinemax, TNT, Max Prime, Telecine Fun, Telecine Premium, Telecine
Pipoca, Telecine Touch, Telecine Action, Telecine Cult e Megapix Todos estes estão inclusos no grupo
de canais de espaço qualificado, grupo que é obrigado a cumprir as contas impostas pela lei quanto
horas de exibição de conteúdo brasileiro, sendo o Canal Brasil o que a lei descreve como canal brasileiro
e é portanto deve veicular doze horas de conteúdo nacional independente, três destas no horário nobre e
ter a predominância de conteúdos nacionais em sua programação.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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A presença da produção brasileira ainda é muito baixa se comparada
a do conteúdo estrangeiro, o que é um empecilho ao processo de
identificação com as obras veiculadas pela TV paga. A promoção da cultura
nacional, da diversidade cultural e da produção regional e independente se
resumem aos poucos canais brasileiros de espaço qualificado e aos 5% de
participação nos demais canais.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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E além de ter de disputar espaço e atenção com as obras estrangeiras,
a promoção da cultura nacional e da diversidade cultural tem um conflito
constante interno: as próprias produções nacionais. Isto porque muitas das
obras brasileiras veiculadas tem uma concepção de narrativa mais
globalizada, como a série O Negócio (2012 - ), da HBO, e Quero ter um
milhão de amigos (2015), veiculada na Warner Channel e produzida por
Mira Filmes, por exemplo. Além de temáticas globalizadas e no caso do
"Quero ter [...]", ser uma réplica do seriado estadunidense "The Big Bang
Theory" (2007 - ), outra opção escolhida por alguns canais e produtoras para
cumprir a obrigatoriedade de conteúdo nacional foi a exibição de longas
metragens, elemento que enfraqueceu o ideal da diversidade cultural e
fortaleceu os conglomerados de comunicação. Dos 32 filmes mais exibidos
na TV paga no ano de 2014 - que são válidos para cumprir as cotas, ou seja
foram produzidos até sete anos antes da data de exibição - (dados da Ancine),
15 títulos são de produção ou co-produção da Globo Filmes. Totalizando 616
reprises de filmes relacionados a Globo Filmes no ano de 2014. Sendo o mais
reprisado o filme "Minha mãe é uma peça" (2013), exibido 61 vezes nos canais
Telecine Fun, Pipoca, Premium e no Megapix. E são 407 exibições de filmes
de outras produtoras.
Outra estratégia foi adaptar modelos de programas estrangeiro para
o Brasil. Mais uma vez uma opção que permanece na discussão entre o
nacional e o estrangeiro e a concepção da cultura híbrida. Em meio a uma
grande quantidade de programas que não estão muito direcionados à
realidade brasileira ou até mesmo mais focados no ideal de narrativas e
estéticas globalizadas, o reality show seriado Lucky Ladies (2015), produzido
pela Fox, com versão mexicana em que são apresentadas as vidas de
roqueiros famosos, mas sob a visão de suas esposas. A versão brasileira traz
do original o formato geral e a logo, contudo o conteúdo é todo brasileiro
com cara do país. Seis cantoras de funk convivem durante três meses em uma
cobertura em Copacabana, tudo com o sonho de produzirem um projeto
musical tutoreado com os ensinamentos e direcionamentos da mentora - e
famosa funkeira - Tati Quebra Barraco. A cultura do funk e da favela são
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exaltados no projeto, em que são as "patricinhas" que são questionadas
quanto seus talentos e empenho, já que não possuem, o que no programa
caracterizavam como, a "essência do funk". Programa em que o morar na
favela, o convívio com as diversidades culturais da comunidade e as
dificuldades financeiras são partes essenciais da construção do artista no
movimento funk. Lucky Ladies foi de extrema importante para compreensão
da possibilidade da cultura híbrida sem a desposseção cultural. Foi dado
protagonismo à atores antes coadjuvantes, sem destaque.
É possível pensar em identidade, uma identidade móvel e
constantemente em construção, em pensar em culturas nacionais e não mais
no singular e em diversidade cultural na TV paga, é possível uma busca por
uma balança mais equilibrada das culturas transnacionais com as culturas
nacionais em culturas híbridas em seu conceito de construção e inovação.
Contudo, ainda há muito que se discutir quanto a esta questão. Desde a
validade das políticas públicas, até uma desconstrução do perfil de consumo
audiovisual dos brasileiros.
Referências bibliográficas
ANCINE. Plano de Diretrizes e Metas para o Audiovisual. Rio de Janeiro, 2013. ANCINE. Relatório anual
de gestão do Fundo Setorial do Audiovisual. Rio de janeiro, 2014.
BERNADET, J.O cinema brasileiro: Propostas para uma história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
CUCHE, D. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru: EDUSC, 1999. CANCLINI, Néstor García.
Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1999.
CANCLINI, Néstor García.Culturas Híbridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2008.
SHOHAT, E., STAM, R. Crítica da imagem eurocêntrica. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
BRASIL. Lei n° 12.485, de 12 de setembro de 2011. Lei Da TV paga.
BRASIL. Lei n° 8.977, de 06 de janeiro de 1995. Lei do Cabo.
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BRITTOS, V. C. - Comunicação e cultura : o processo de recepção. Cultura e comunicação.
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2003. Disponível em: >> http://www.bocc.ubi.pt/pag/brittosvalerio-Comunicacao-cultura.pdf << HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de
Janeiro: DP&A: 1999. MARTIN-BARBERO, J. Dos Meios às mediações: Comunicação, cultura e
hegemonia. Rio de Janeiro: Editora URFJ, 2009.
ORTIZ, R. Cultura brasileira & Identidade nacional. São Paulo: Brasieliense, 1994. WILLIAMS, R. A
cultura é de todos. 1958. Tradução: Maria Elisa Cevasco, Departamento de Lestras, USP.
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Representação da culinária tradicional no
MasterChef
Daira Martins Botelho - UNESP
Introdução
Como produto cultural e uma forma de comunicação importante
para a construção das sociedades em toda a História, a culinária tem papel
significativo enquanto representante da cultura popular e sua relação com os
indivíduos, com a mídia, a economia, o turismo e o entretenimento torna-se
a base para compreender de que forma esse elemento atua e se faz presente
como patrimônio cultural de extrema relevância.
Por isso, a comida é considerada, aqui, como processo
comunicacional que atua como veículo para a disseminação de cultura e
identidade de um povo, região ou país. Assim como Montanari (2013)
entende a comida como cultura, também é possível entender a comida como
comunicação, com linguagem própria e que não possui as barreiras do
idioma, por exemplo, resultando em uma forma efetiva de comunicação.
A transformação da comunicação e da comida são elementos chave
para compreender o desenvolvimento deste artigo, que pretende observar de
que maneira é possível inserir um processo comunicativo em um veículo de
comunicação, neste caso, a televisão.
A comida diz muito sobre um povo e o que motivou esta pesquisa é
verificar de que maneira a culinária tradicional dos países está representada
em um produto pré-formatado, como os programas feitos aos moldes
daqueles que são exibidos em âmbito internacional.
O formato escolhido para análise é o programa de competição
culinária MasterChef, que tem como objetivo encontrar o melhor dos
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cozinheiros amadores do país. É a representatividade da cultura da
alimentação que o artigo pretende verificar. Para isso, serão analisadas as
edições do programa criado no Reino Unido em 1990, MasterChef, com
destaque para as franquias que foram exibidas na América Latina, nos países:
Argentina (2014 / 2015), Brasil (2014 / 2015), Chile (2014 / 2015), Colômbia
(2015) e Peru (2011).
Diferentemente de um estudo sobre recepção, o foco deste trabalho
será verificar de que maneira o programa contempla a culinária tradicional
local e / ou regional nas provas às quais submete seus competidores, ou seja,
quais e quantas foram as indicações do uso de ingredientes tipicamente
brasileiros, bem como pratos que são representativos de cada país.
O levantamento dessa questão - e seu desdobramento a partir de uma
análise qualitativa - é uma tentativa de mostrar se a culinária local é
evidenciada como uma forma de identificação e, até mesmo, disseminação
da cultura, em relação à exibição da culinária internacional.
Comunicação e culinária
Antes do advento da escrita, a oralidade contemplou grande parte da
história mundial e pode ser considerada, ainda, como uma das grandes
perpetuadoras da cultura do povo. Apesar da falta de registros "concretos", a
oralidade foi responsável por trazer costumes e tradições de tempos
longínquos e que são reproduzidas até os dias de hoje, seja pela elite ou pelas
classes subalternas. Em uma breve retrospectiva dos meios de comunicação
no Brasil, encontra-se a chegada do rádio em 1922, do cinema em 1940,
juntamente com a disseminação de material impresso (jornais, livros,
revistas), além da televisão, que foi trazida para o país na década de 1950
(ORTIZ, 1995). Com isso, mesmo com a chegada tardia dos consagrados
meios de comunicação de massa plenamente difundidos em ouros países, a
oralidade foi cedendo espaço cada vez mais para os meios de comunicação
de massa, que trouxeram consigo a cultura de massa e seus produtos.
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No entanto, em meio à massificação3, sobreviveu a oralidade e foram
criadas outras maneiras de se comunicar utilizadas por aqueles que não
estavam inseridos no sistema hegemônico comunicacional vigente. Esse tipo
de comunicação formulou-se em torno de si mesma, buscando contar a
história, em sua maioria, das classes menos favorecidas, fazendo com que
esses sujeitos também se sentissem inseridos na sociedade. Luiz Beltrão
(1980; 2004) usou o termo marginalizados para classificar aqueles que
estavam fora da hegemonia comunicacional e que, devido a isso, passaram a
criar seus próprios canais de comunicação popular. Essa comunicação foi
chamada pelo autor de Folkcomunicação.
A comunicação dos marginalizados, daqueles que não possuem
acesso ou não se sentem representados pela grande mídia massiva, cria seus
próprios mecanismos de compartilhamento de informações, contribuindo,
também, com a transmissão de elementos importantes dessa cultura do povo.
Assim, é possível afirmar que as manifestações dessa cultura popular
se configuram em processos comunicacionais essenciais para a construção
do presente, resgatando o passado por meio da história oral, adaptando e
ressignificando tais práticas de acordo com o contexto local / regional. Nesse
contexto as manifestações populares atuam como uma comunicação
primeira, pois reiteram a existência de outros tipos de expressão, como as
práticas culturais, que podem ser exemplificadas pelas danças, festas,
artesanato e a culinária.
No processo evolutivo do homem, existem vários fatores - assim
como a evolução dos processos comunicativos - capazes de representar a
maneira como a sociedade cresceu em termos de civilização, caminhando do
tempo das cavernas para o complexo ambiente tal como é conhecido hoje.
Componentes importantes e que fizeram com que essa trajetória
tivesse muitas alterações contínuas na História são os alimentos. Esses são
3
Hoje constata-se que a massificação não foi tão alienante como apontaram os estudos frankfurtianos,
pois o que foi considerado massa não poderia, de maneira nenhuma, ser tratada como tal. No entanto, a
produção comunicacional e cultural se valia dessa máxima, mas, concretamente, os receptores não
atuaram dessa maneira, tanto que continuaram a existir grupos heterogêneos em toda a sociedade.
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essenciais para a sobrevivência e a grande mudança que provocaram no
processo histórico foi o surgimento da agricultura, que fez com que os
sujeitos não precisassem mais viver o nomadismo (economia de predação) e
pudessem, a partir de então, se fixar, iniciar uma economia de produção
(MONTANARI, 2013), o que resultou na constituição das primeiras formas
de sociedades.
Essa transformação foi significativa para a humanidade. Até os anos
1700, foi referência para o que era chamado de cultura na época, ou seja, o
cuidado com o campo e com a agricultura; tudo o que estivesse relacionado
ao ato de cultivar.
O homem passa a ser protagonista da História ao transformar o
ambiente onde vive, se adaptando às intempéries geográficas e temporais,
competência que é atribuída somente a ele (BOAS, 2014), e isso diz respeito
também à forma pela qual ele passou a se alimentar. Todos os
desdobramentos em relação ao alimento são resultado de uma longa
sequência de formulação e aprimoramento de técnicas que são desenvolvidas
tanto para a produção (diferentes espécies, resistentes ao frio ou ao calor),
quanto para a transformação desses alimentos: ao usar o fogo para assar ou
juntamente com a água para fazer pratos cozidos. Nos estudos de Roberto
DaMatta (1986), o autor, referindo-se aos componentes relevantes do Brasil,
define a comida como uma das características intrínsecas do país que reforça
o caráter múltiplo cultural da sociedade. O autor afirma que, para os
brasileiros, "nem tudo que alimenta é sempre bom ou socialmente aceitável.
Do mesmo modo, nem tudo que é alimento é comida. Alimento é tudo aquilo
que pode ser ingerido para manter uma pessoa viva: comida é tudo que se come
com prazer4" (p. 46).
Desse modo, entende-se que "comida não é apenas uma substância
alimentar, mas é também um modo, um estilo e um jeito de alimentar-se. E
o jeito de comer define não só aquilo que é ingerido como também aquele
4
Grifo nosso.
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que ingere." (DAMATTA, 1986, p. 47). Comida remete, ainda, à criação da
identidade de uma pessoa ou determinado grupo.
Assim, a comida é o resultado do que é possível fazer com os
alimentos. E esse ato de fazer comida é evidenciado como prática cultural por
Montanari (2013, p. 15 - 16), pois o autor afirma que a comida é cultura:
quando é produzida (já que não se usa somente o que vem da terra de
maneira espontânea), preparada (aqui remete-se às técnicas de
transformação dos alimentos) e consumida (com base em critérios
econômicos, sociais e culturais de gosto e necessidades). Portanto, é possível
afirmar que a comida foi responsável pela transmissão de uma cultura da
alimentação, além de costumes e hábitos de tempos distantes, servindo como
comunicadora de identidades, tradições e história. "Assim como a língua
falada, o sistema alimentar contém e transporta a cultura de quem a pratica,
é depositário das tradições e da identidade de um grupo" (MONTANARI,
2013, p. 183). Montanari (2013) ainda reforça que "mais ainda que a palavra,
a comida sepresta a mediar, entre culturas diversas e abrindo os sistemas de
cozinha a todo tipo de invenções, cruzamentos e contaminações" (p. 184). A
mediação citada por Montanari remete à associação entre a comunicação e a
culinária, pois esta assume o caráter comunicacional de veículo na
disseminação de conhecimento e identidade. Assim, ter programas que
mostrem a comida pode ser entendido como um tipo de comunicação dupla,
ou seja, um processo comunicacional que dá origem aos vários formatos de
programas culinários no mundo.
A culinária na televisão
A combinação de culinária e televisão data dos anos de 1940.
Internacionalmente, o gênero tem seu início em 1948, com o programa "To
The Queen's Taste", apresentado pela inglesa Dione Lucas. Mas a
popularização desse tipo de entretenimento se deu graças à chef norteamericana Julia Child que, durante dez anos (1963 a 1973), apresentou o
programa The French Chef, ensinando técnicas francesas e se despedindo do
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público com o "bom appétif, termo que se tornou muito popular na
gastronomia5.
No Brasil, a primeira representante do gênero foi a culinarista Ofélia
Ramos Anunciato. Esse formato, da apresentadora que cozinhava com as
donas de casa, possui vários representantes na televisão brasileira, como
Palmirinha, Ana Maria Braga, sendo que os homens também passaram a
fazer parte desse universo, como apresentador Daniel Bork, que comandou
o Bem Família de 2005 a 2009, passando a apresentar o Dia a Dia até a
atualidade - os dois programas exibidos pela Bandeirantes.
O desdobramento do tradicional programa de culinária resultou em
muitas variações pelo mundo: realities com cozinheiros amadores,
profissionais, crianças, celebridades; tudo isso nos mais diferentes formatos
e com foco em diversas áreas da gastronomia: específicos de confeitaria, com
um restaurante como pano de fundo, atendendo ou não a clientes.
Existente há muito mais tempo no exterior, as diferentes vertentes
dos programas culinários chegaram ao Brasil, primeiro, na televisão por
assinatura, onde foram aumentando devido a sua potencialidade de
audiência. Assim, a TV aberta encontrou nesse nicho, que estava se
espalhando com rapidez, uma maneira eficiente de alavancar a audiência. O
que, de fato, aconteceu. Em levantamento feito pelo Ibope 6, o número de
atrações do gênero era de 49 em 2013, e, em 2014, teve aumento de 38%,
chegando a 67 programas entre as televisões aberta e fechada. Na matéria
disponível no Observatório da Imprensa7, há a referência à audiência que
5
Infomações provenientes de uma matéria online que se refere ao livro Watching what we eat, da autora
Kathleen Colins, lançado nos Estados Unidos em 2009 e sem tradução para o português. A matéria "Quais
foram
os
programas
de
culinária
pioneiros
da
televisão"
está
disponível
em:
<http://guiadoscuriosos.com.br/blog/2013710/15/quais-foram-os-programas-de-culinaria-pioneirosda-televisao/>. Acesso em jan/2016.
Dados da matéria: Grade culinária na TV aumenta 38%. Disponível em:
<http://observatoriodaimprensa.com.br/tv-em-questao/ ed815 grade de culinaria na tv aumenta 38/>.
Acesso em jan/2016.
7
Idem.
6
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esse tipo de programa possui e, por isso, a diversificação de formatos e,
consequentemente, a chegada em massa à televisão aberta no Brasil.
Anteriormente vistos somente pelo público feminino, hoje os
programas possuem caráter familiar, com um público-alvo amplo. Um
exemplo é o programa "Mais Você" apresentado por Ana Maria Braga, que
passou a exibir, desde 2008, quadros como Jogo de Panelas, Super Chef (2008)
e Super Chef Celebridades. Tal mudança foi uma reação aos baixos índices de
audiência, por esse motivo, pode-se considerar as palavras de Hall (2013) em
relação ao processo de produção para a televisão, que constitui uma via de
mão dupla, que cria e reproduz representações sociais. As restruturas de
produção "(...) tiram assuntos, tratamentos, agendas, eventos, equipes,
imagens da audiência, "definições de situação" de outras fontes e outras
formações discursivas dentro da estrutura sociocultural e política mais ampla
da qual são uma parte diferenciada." (HALL, 2013, p. 431) No Brasil,
passaram pela grade televisiva os programas Hell's Kitchen (que em sua
primeira edição teve o nome traduzido para Cozinha sob Pressão e entre o
final de 2015 e início de 2016 exibe sua segunda temporada), Bake of Brasil e
BBQ Champ - Disputa entre churrasqueiros amadores (a ser exibido), no
SBT; Batalha dos Confeiteiros Brasil, na Record; MasterChef Brasil e Júnior,
na Bandeirantes.
Essa cultura gastronômica que se forma faz parte da cultura da mídia
que "(... ) fornece o material que cria as identidades pelas quais os indivíduos
se inserem nas sociedades tecnocaptalistas contemporâneas, produzindo
uma nova forma de cultura global" (KELLNER, 2001, p. 9). A partir dessa
afirmação, enquadrando os programas culinários nessa seara e pensando
sobre os processos de produção de um programa como discutiu Hall (2013),
surge o questionamento sobre como a identidade de um povo é mostrada
nesses programas, já que essa cultura da mídia também é responsável pela
formação das identidades sociais. Dessa maneira, se faz necessária a
observação de tais programas, pois, em se tratando de formatos prontos e,
também, da questão do que é considerado alta gastronomia ser proveniente
de outros países, como a culinária latino-americana figura entre a culinária
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mundial e, sobretudo, qual tratamento é dado ao tipo de comida que se
produz e se consome no continente.
O programa MasterChef
Criado em 1990 pelo cineasta e documentarista britânico Franc
Roddam, o MasterChef é um reality show que trata de gastronomia. O
programa tem como objetivo colocar para competir cozinheiros amadores
pré-selecionados que devem passar por várias provas técnicas e mostrar suas
habilidades culinárias, a fim de conquistar um prêmio em dinheiro, a
publicação de um livro com as próprias receitas, um curso de gastronomia
em renomados centros do mundo e um troféu que contempla o cozinheiro
amador como MasterChef.
No Reino Unido é exibido desde a década de 1990, foi atualizado pela
BBC e é distribuído pelo Shine Group. Atualmente, o MasterChef é um dos
realities sobre gastronomia mais difundidos pelo mundo, com produção e
exibição em mais de 40 países.
A partir do modelo do MasterChef foram criadas novas versões como
The Professionals (com cozinheiros que possuem formação e até já trabalham
na área), Celebrity (feito com participantes famosos); All Stars (exibido na
Austrália, levou os cozinheiros à competição para angariar fundos para
caridade); Júnior (versão infantil).
A dinâmica do programa é reproduzida em todos os países, mas há
alguns que conseguem imprimir uma narrativa mais próxima do local onde
está sendo exibido. Além de trabalhar com ingredientes locais, também
foram feitas adaptações, como poderá ser visto adiante.
O conceito principal é sempre preservado, já que se trata de uma
franquia. Na versão original não existe um apresentador, elemento que pode
ser visto com frequência nas edições da América Latina. Há três jurados que
são cozinheiros, com formações variadas, e ainda é constante a presença de
chefs convidados, que ensinam aos participantes um tipo de comida, fazem
um prato que deverá ser replicado ou aprimorado, etc.
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Entre as provas que caracterizam o programa estão a Caixa
Misteriosa, que é apresentada aos participantes somente na hora de cozinhar;
as provas em equipe, formadas para realizar refeições em casamentos, para
celebridades, para as forças armadas e convidados em geral, que são
escolhidos de acordo com a especificidade de cada prova.
A seguir será possível observar as peculiaridades de cada versão do
MasterChef exibidas em países da América Latina, tanto no formato, quanto
no uso da culinária tradicional, que é o objetivo central deste artigo.
Argentina
O programa MasterChef teve duas edições na Argentina (2014,
2015), foi produzido pela Telefe em parceria com a Eyeworks - Cuatro
Cabezas, com o formato sem nenhuma alteração em relação ao "original". Os
jurados das duas edições foram o argentino German Martitegui, o italiano
Donato De Santis e o francês Christophe Krywonis; a apresentação ficou a
cargo de Mariano Peluffo. A primeira temporada exibida pela Telefe foi
composta por 17 episódios entre os quais foi identificada a solicitação de
pratos ou produtos tipicamente argentinos:
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Brasil
As duas edições (2014 e 2014) do programa foram exibidas pela
Bandeirantes, que apresentou, ainda, a versão Júnior (2015) da franquia. Em
um formato praticamente idêntico ao original, o MasterChef Brasil apresenta
a diferença encontrada também em outros países do continente, a presença
de um apresentador para o programa, neste caso, a jornalista Ana Paula
Padrão. Os jurados designados para avaliação dos candidatos foram: o
francês Erick Jacquin, a argentina Paola Carosella e o brasileiro Henrique
Fogaça. A nacionalidade e formação dos jurados tem influência sobre o
andamento do programa, já que os participantes desenvolvem provas que
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abarcam o gosto dos avaliadores ou, mesmo, são convidados a cozinhar nos
restaurantes comandados pelos chefs.
Entre os episódios exibidos no Brasil, foi possível identificar que a
culinária brasileira esteve presente em boa parte do programa. Além dos
ingredientes nativos disponíveis - como frutas, legumes - algumas das provas
às quais os competidores foram submetidos solicitavam a preparação de
pratos tipicamente brasileiros ou de determinada região do país.
Na primeira temporada - exibida em 2014, algumas provas
chamaram a atenção no quesito brasilidade:
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Chile
O Chile exibiu sua versão do MasterChef em 2014 e 2015 (sempre no
final do ano), no Canal 13. Com apresentação de Diana Bolocco, nas duas
edições participaram os jurados Yann Yvin - chef francês que possui
restaurantes na França e no Chile; Ennio Carota - de nacionalidade italiana,
Carota é conhecido do público pois apresenta programas no Chile e,
também, na Argentina; Christopher Carpentier - com trajetória reconhecida
no país, também atua em hotéis de Buenos Aires e Miami.
Apesar dos vídeos não estarem disponíveis 8, informações sobre a
competição estão no site do Canal 13 e, a partir deles, é possível encontrar
8
A emissora que exibe o programa - Canal 13 - não permite que seu conteúdo fique disponível no
YouTube, por exemplo. Os vídeos são armazenados somente na página do programa no site da
emissora. No entanto, é uma reclamação constante a impossibilidade de acessar os vídeos de outras
localidades que não seja o Chile. Tais comentários podem ser vistos em todos os vídeos disponíveis no
endereço: <http://www.13.cl/programas/masterchef-chile-t2>. Acesso em: fev/2016.
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referências à culinária chilena, tanto na primeira, quanto na segunda
temporada9.
Colômbia
A primeira edição do MasterChef Colômbia foi produzida e exibida
pelo canal RCN e contou com 18 episódios. Como jurados, o programa
contou com a presença de Nicolás de Zumbíria, natural de Cartagena Colômbia, mas que iniciou seus estudos no Canadá; Jorge Rausch, que possui
formação europeia; Paco Roncero, chef espanhol que possui restaurantes em
vários países. Os três avaliadores dos competidores possuem restaurantes na
Colômbia. Seguindo o padrão latino-americano, o reality tem um
apresentador, neste caso, a apresentadora Claudia Bahamón.
Nos 18 episódios exibidos, houve a presença da culinária tradicional
colombiana:
Uma inovação no formato produzido na Colômbia é o confinamento
dos chefes, que foram levados para uma casa e ficaram em contato o tempo
todo durante o programa. O dia a dia da casa também faz parte da atração e
mostra a interação dos participantes, a rotina e os momentos de
descontração.
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Caso o acesso ao conteúdo fosse livre, acredita-se que o número de ocorrências de pratos e
ingredientes típicos seria um pouco maior.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Peru
O MasterChef pioneiro na América Latina foi exibido no Peru em
2011, pelo Canal 21. O apresentador foi Gastón Acurio - bastante conhecido
na gastronomia peruana e mundial por ser um chef entusiasta da culinária
local e, também, por promover e divulgar as tradições do país.
Para julgar os competidores, foram convidados Astride Gutsche alemã, de formação europeia na escola Le Cordon Bleu, reconhecida por seu
talento em confeitaria; Renato Peralta - peruano e discípulo de Acurio,
formado na Le Cordon Bleu Peru; e Mitsuharu Tsumura - também peruano
e que mescla elementos do país com a culinária japonesa.
O desenvolvimento do programa peruano se dá de maneira bem
distinta dos outros Masterchef s apresentados no continente, o que pode ser
visto no discurso de Acurio logo no primeiro episódio:
Los peruanos nos sentimos orgullosos e felices con nuestra cocina,
orgullosos de los productos que nos oferecem nuestra exuberante
biodiversidad. Pero estas tradiciones, cientos de platos que nos irá hablar
de siglos por esta mestizaje que nos define como nación. Y, por supuesto,
orgulloso del momento que vive nuestra cocina que empieza a ser
reconocida en el mundo. Sin embargo, las batallas que quedan por librar
no son nada faciles: seguir reconociendo el trabajo de los campesinos,
defender nuestra biodiversidad y, por supuesto, hacer que nuestros
cocineros no solamente cocinen rico, si no que se puedan representar con
honor e profesionalismo a nuestra cocina. Gastón Acurio.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Considerações
Em meio a tantas representações mostradas nos programas de
formato internacional que invadem as televisões da América Latina está o
MasterChef. A partir desta pesquisa percebeu-se que, apesar da diversidade
gastronômica dos países citados, o número de elementos apresentados é
muito pequeno. Os programas poderiam explorar muito mais os
ingredientes e pratos nacionais, já que a culinária é tão diversa, no entanto,
há uma certa influência da formação dos chefs que são chamados para avaliar
os competidores, além da aura em relação à culinária europeia, aquela que é
considerada "alta gastronomia". O discurso também é diferente, sendo que o
Masterchef Peru foi o único que trouxe a preocupação da divulgação da
cultura local, certamente por conta do engajamento de seu apresentador.
A televisão é um veículo de comunicação de grande potência, porém,
seus recursos poderiam ser melhor utilizados para que houvesse maior
identificação e mesmo disseminação de conhecimento, já que nem sempre se
tem acesso a toda diversidade, tanto culinária quanto cultural de um país.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Referências
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reimpressão. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
La representación de las mujeres inmigrantes
en el cine documental español. Estudio de
casos
Inmaculada Gordillo - Universidade de Sevilla
Irene Liberia Vayá - Universidade de Sevilla / Universidade de Valencia
Introducción
Según Teun A. van Dijk, “los medios de comunicación no solamente
delimitan las fronteras sino que también aportan el material de construcción
para el consenso público, y de este modo, fijan las condiciones de
establecimiento y mantenimiento de una hegemonía ideológica” (VAN
DIJK, 1997, p. 15). Actualmente, de entre todos los mass media, los que
mayor influencia tienen en la conformación de las representaciones del
mundo y en la construcción de las identidades son los medios audiovisuales.
Además, el relato aliándose a la representación audiovisual potencia su
poder, no en vano, el audiovisual “afecta a nuestros mapas emocionales y
sentimentales y más influye en nuestro universo imaginario y simbólico”
(AGUILAR, 2010, p. 270). En este sentido, los relatos audiovisuales nos
proporcionan multitud de representaciones de situaciones, sujetos, objetos,
acontecimientos, etc. en los que reconocer al “yo” y al “otro” (BELMONTE
AROCHA y GUILLAMÓN CARRASCO, 2005) y, a partir de ahí, poder
crearnos una imagen de ese “otro” frente al cual (re)definir nuestra propia
identidad.
El presente trabajo se propone analizar un tipo de relato audiovisual
concreto: el cine documental. Pero antes de profundizar en las razones de
esta elección, es importante destacar que, respecto a la temática que aborda
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
esta investigación (estudios de género e interculturalidad), el cine –pero
también el resto de media y otras producciones culturales como la literatura–
ha contribuido a perpetuar históricamente visiones negativas del “otro”
(entendido como el opuesto a “nosotros” por raza, etnia, religión, cultura,
etc., pero también en el sentido del otro-mujer) (ARGOTE, 2003). Sin
embargo, para que las situaciones de desigualdad de género, nacionalidad,
raza, clase social, etc. sean superadas, hay que transformar las estructuras
simbólicas y la mentalidad de los individuos, y aquí los medios de
comunicación en general y el cine en particular adquieren gran importancia
por el papel socializador que inevitablemente cumplen, debido a su
capacidad de provocar reacciones al ofrecer visiones del mundo, movilizar
deseos e influir en las percepciones y en las posiciones de los espectadores
(NÚÑEZ DOMÍNGUEZ Y TROYANO RODRÍGUEZ, 2011).
Objeto de estudio y principales objetivos
El presente trabajo, centrado en el ámbito de producción español, se
propone como objeto de estudio la imagen que el cine documental transmite
de las mujeres “otras”, es decir, de aquellas mujeres que provienen de otros
países y culturas, que pertenecen a otras razas o etnias y que, muchas veces,
practican religiones y mantienen costumbres que no son mayoritarias en el
contexto español. Para ello y teniendo en cuenta el espacio reducido al que
debe ceñirse la investigación aquí desarrollada, se abordan dos estudios de
caso concretos:
1) Extranjeras (Helena Taberna, 2003)
2) Manzanas, pollos y quimeras (Inés París, 2013)
Con ello se quiere, en primer lugar, describir en base a estos dos casos
cómo se representa a estas mujeres en un medio que tradicionalmente se ha
considerado como el más apto para abordar temas sociales debido a su
especial relación con el mundo histórico. Asimismo, se busca comprobar si
este tipo de filmes tiende, como el cine de ficción, a reproducir estereotipos
o si, por el contrario, nos acerca en mayor medida a la visibilización y a una
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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representación más justa de las mujeres extranjeras. Por último y en un
sentido más amplio, se pretende contribuir modestamente a paliar el vacío
que existe en el campo de los estudios cinematográficos de investigaciones
que cubran la triangulación temática interculturalidad-género-documental
en el ámbito español.
Migrantes en el cine español
Hasta hace poco más de dos décadas, en España solo existían
películas “de emigración”, es decir, únicamente se tenía acceso a las
representaciones cinematográficas de los “otros” por medio de filmes que
mostraban a personajes españoles en busca de nuevos horizonte. Sin
embargo, sobre todo desde los años noventa, el cine de producción nacional,
haciéndose eco de una nueva realidad social, comienza a proyectar imágenes
de inmigrantes que llegan al territorio nacional tratando de encontrar un
trabajo y unas posibilidades de vida que en sus países de origen les son
negadas.
Este cine “de inmigración” o “de minorías étnicas”, según Isabel
Santaolalla (2005), queda inaugurado oficialmente con el estreno de Las
cartas de Alou (Montxo Armendáriz, 1990), y comenzará a ser notorio
especialmente a partir de 1996, gracias a la aparición de varias películas con
protagonistas extranjeros afincados en España 10. Desde entonces, en el cine
de producción nacional ha habido un aumento más que notable del número
de personajes que representan culturas distintas desde diferentes puntos de
vista y con tratamientos fílmicos diversos. Sin embargo, la presencia de las
mujeres no se hará visible hasta finales del siglo XX y comienzos del XXI, y
no será precisamente en pie de igualdad con sus compatriotas masculinos.
En la mayoría de los filmes de ficción, los personajes de mujeres extranjeras
10
Filmes como Bwana (Imanol Uribe), Taxi (Carlos Saura), Susanna (Antonio Chavarrías), Menos que
cero (Ernesto Tellería) o La sal de la vida (Eugenio Martín) (Santaolalla, 2005, p.23).
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suelen ocupar una posición inferior a la de los hombres inmigrantes y casi
siempre son víctimas de estereotipos culturales arraigados11.
La invisibilidad y la deficitaria representación de estas mujeres
consideradas de especial vulnerabilidad social debido a su doble alteridad de
mujeres y migrantes, ha llevado en los últimos años a analizar el papel que el
cine de ficción otorga a esas “otras”, también llamadas “las otras de las otras”
(FERNÁNDEZ SOTO, 2009) 12. Sin embargo, no ha ocurrido lo mismo en el
ámbito del cine documental, que a pesar de hacerse eco de un fenómeno de
alcance internacional como es la feminización de las migraciones (del total
de extranjeros residentes en España, el 49% son mujeres según los últimos
datos del INE)13, no ha recibido apenas atención por parte de los
investigadores al tratar este objeto de estudio14.
Por qué cine documental?
Es insuficiente investigar las representaciones estereotipadas y
deficitarias que el cine de ficción ofrece sobre las mujeres extranjeras y debe
insistirse en que los medios de comunicación asocian frecuentemente al
colectivo inmigrante con la marginalidad y el conflicto. En este contexto el
11
Algunos ejemplos de estudios que analizan personajes femeninos inmigrantes en el cine de ficción
español son: Cruzado Rodríguez, 2015; Rakaseder, 2013; Alonso Seoane, 2011; Carty, 2009; Fernández
Soto, 2009; Gordillo, 2006; Mancebo y Roncero, 2004; Argote, 2003, 2006); Villar-Hernández, 2002; etc.
12
En el contexto español se han llevado a cabo investigaciones sobre la presencia y la imagen de la
inmigración femenina en televisión, tanto en lo que respecta a series de ficción (RODRÍGUEZ BREIJO,
2009; LACALLE, 2008, GALÁN FAJARDO, 2006; etc.) como a programas informativos (MARTÍNEZ
LIROLA y OLMOS ALCARAZ, 2015; OLMOS ALCARAZ, 2013; MUÑIZ e IGARTUA, 2004, etc.), y, por
supuesto, en prensa (ROMÁN, GARCÍA y ÁLVAREZ, 2011; MASANET RIPOLL y RIPOLL ARCACIA,
2008; NASH, 2005; REIGADA OLAIZOLA, 2005; RODRÍGUEZ, 2002, etc.).
13
A pesar de la disminución de la llegada de inmigrantes en los últimos años debido a la crisis económica,
según datos oficiales del INE, el porcentaje de mujeres inmigrantes residentes en España ha crecido en
comparación al número de hombres. (INE, 2015).
14
Existen honrosas excepciones: MARÍN ESCUDERO, 2012; COMELLA DORDA, 2011; CABALLERO
WANGÜEMERT, 2009, etc.
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cine, aunque puede servir para todo lo contrario 15, se ha utilizado como un
instrumento para estigmatizar a la población extranjera y ejerce sobre ella
una violencia simbólica que se ensaña especialmente con las mujeres: estas
“otras” han pasado de ser ignoradas e infrarrepresentadas, a conquistar su
espacio en la gran pantalla como simples acompañantes de los personajes
masculinos, personajes episódicos o, cuando han logrado un rol principal,
con una imagen de mujeres sin personalidad ni criterio o como víctimas. No
obstante, en los últimos años el cine español ha comenzado a prestar más
atención a mujeres migrantes autónomas que se constituyen en agentes
activos de la narración cinematográfica, pero por desgracia, continúan
arrastrando tópicos y estereotipos. Por ello se necesitan cada vez más
estudios que aborden y pongan en valor representaciones positivas y
complejas –todavía minoritarias– de estas mujeres “otras”. Así, el presente
trabajo se basa en la intuición de que el cine documental puede visibilizar
mejor y en mayor medida a las mujeres extranjeras en toda su pluralidad y
construir una imagen de estas opuesta a la que da el modelo discursivo
dominante, ya que este tipo de producción no está sometido a la misma
presión industrial, entre otras ventajas.
Por otro lado, el cine factual construye discursos sobre lo real y
desarrolla argumentaciones que pertenecen al mundo histórico, con lo cual,
es susceptible de crear una mirada más cercana a lo que ocurre en las
sociedades que trata. Además, como los filmes de ficción y como los medios
de comunicación en general, también el cine “de lo real” influye en la
organización de los imaginarios colectivos y simbólicos y constituye un
discurso cultural fundamental en la configuración de las mentalidades.
Por último, cabe recordar que el documental tiene una gran
importancia histórica como herramienta de denuncia social y ha sido
también ampliamente utilizado por parte de la militancia feminista en sus
trabajos audiovisuales.
15
En palabras de Isabel Santaolalla, “el cine es ciertamente (re)productor de determinadas estructuras y
dinámicas de poder, pero es, a la vez, un ámbito del que pueden emanar actitudes y discursos alternativos,
que confieran una enriquecedora parcela de poder a sus receptores” (2006, en línea).
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Metodología
Para acometer los objetivos propuestos nos basaremos en el análisis de
contenido y en el estudio de casos, dos instrumentos metodológicos muy
extendidos y fuertemente consensuados en las Ciencias Sociales. “El análisis
de contenido no debe perseguir otro objetivo que el de lograr la emergencia
de aquel sentido latente que procede de las prácticas sociales y cognitivas que
instrumentalmente recurren a la comunicación para facilitar la interacción
que subyace a los actos comunicativos concretos y subtiende la superficie
material del texto” (PIÑUEL RAIGADA, 2002, p. 4). En nuestro caso
optamos por un análisis de contenido de tipo cualitativo y explicativo que,
debido a las limitaciones de esta comunicación, se centrará en un conjunto
restringido de categorías:
1. El protagonismo de las mujeres.
2. Los contextos donde desarrollan la acción.
3. Los elementos narrativos que las describen o califican
(presencia/ausencia de narrador, presentador u otros elementos
externos).
4. La relación con otros personajes (no mujeres o no inmigrantes).
5. El rastreo de la perspectiva de género.
Este análisis de contenido será sometido a dos casos concretos. El
estudio de caso es una herramienta poderosa para la investigación con una
fortaleza destacada en su capacidad de medir y registrar las características
concretas del fenómeno estudiado (MARTÍNEZ-CARAZO, 2006, p. 167). Es
cierto que también posee puntos débiles de cara a la generalización de la
investigación, ya que las conclusiones no son extensibles estadísticamente.
Sin embargo, el estudio de casos debe ser considerado como proposiciones
teórico-reflexivas, ya que permite al investigador ampliar y generalizar
teorías (la llamada generalización analítica) y no enumerar frecuencias
(generalización estadística). En este sentido, el propósito de esta herramienta
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de investigación es comprender la interacción entre las distintas partes de un
sistema y las características importantes del mismo, de manera que el análisis
pueda ser aplicado de forma genérica, incluso a partir de un único caso, en
cuanto que se logra una comprensión de la estructura, los procesos y las
fuerzas impulsoras, más que un establecimiento de correlaciones o relaciones
de causa y efecto.
Principales resultados
Tras el análisis de los dos estudios de caso, se exponen a continuación
de forma breve los resultados más relevantes.
En primer lugar se ha abordado el documental Extranjeras (2003).
Este filme, con guión y dirección de la española Helena Taberna, otorga el
protagonismo a un grupo de mujeres inmigrantes arraigadas en el centro de
Madrid y en algunos barrios y localidades de la periferia. Como una
declaración de intenciones, en la Guía Didáctica editada por la productora se
expresa:
La película muestra la cara desconocida y cotidiana de otras culturas
a través de la experiencia de mujeres inmigrantes que viven en Madrid.
Vemos el día a día de estas mujeres: su entorno familiar, cómo viven y en qué
trabajan. Tenemos ocasión de conocer qué pasa con sus sueños y cuál es su
universo afectivo. Descubrimos también los nuevos espacios de intercambio,
relación y encuentro que han creado así como el modo en que se adaptan al
nuevo entorno para mantener vivas las costumbres que han heredado de sus
respectivas culturas. (COSTA VILLAVERDE, 2006)
Al someter a análisis este documental, se han extraído los siguientes
resultados:
1. El absoluto protagonismo de las mujeres inmigrantes de orígenes
diversos (China, Rumania, Polonia, Ecuador, Colombia, Perú,
Venezuela, Siria, Irak, Bangladesh, Sudán, Senegal, Guinea Ecuatorial,
Marruecos, Argelia…), de primera o sucesivas generaciones.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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2. Los contextos de acción son situaciones cotidianas: todas las mujeres
aparecen tanto en ámbitos públicos como privados: sus lugares de
trabajo, en la escuela, en casa cocinando, viendo la televisión, en los
lugares donde se reúnen en su tiempo de ocio. De este modo los
contextos son muy distintos a las de la prensa y los informativos de
televisión, donde la inmigración siempre aparece como fuente de
conflicto y las mujeres inmigrantes apenas tienen cabida más que como
víctimas de sucesos dramáticos.
3. En ningún momento aparece ningún mediador (ni periodista que
interroga, ni narrador en off que orienta, califica o aporta más
información). Solo la presencia de las mujeres, que hablan ante la cámara
de su situación, de sus sensaciones, de sus sentimientos, o dialogan entre
ellas. La directora se diluye ante las presencias de las protagonistas.
4. Las protagonistas se relacionan con otras mujeres o algunas con sus hijas
(inmigrantes de segunda generación en algunos casos). No existe
presencia de los hombres en este documental (exceptuando fuerzas del
orden que intentan disolver venta ambulante en un parque de Madrid).
Solamente en sus relatos hablan de los hombres de su familia (novios,
maridos, etc.). También en ese terreno del relato en primera persona es
donde aparecen “los otros” de este filme: los españoles, con algunas
actitudes abiertamente racistas y xenófobas.
5. Hay una voluntad manifiesta de mostrar una perspectiva de género en
este documental. El protagonismo de las mujeres no es observado desde
visiones paternalistas, sino que su voz y su fuerza, sus ideas, su rabia a
veces, su energía y su adaptación e, incluso su desarraigo (“ya no soy
china ni española”, dice una de las protagonistas), están fuertemente
impregnados en cada secuencia del filme de Taberna.
Por su parte, Manzanas, pollos y quimeras (2013), un documental
escrito, dirigido y producido por Inés París como parte de un proyecto de la
Fundación Mujeres Por África, construye un retrato de las mujeres africanas
que viven en España, dando así voz a un colectivo fuertemente invisibilizado.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Sus protagonistas, mujeres de edades distintas y de las más diversas
profesiones (una periodista, una costurera, una cantante, una cocinera, una
intérprete, una corredora olímpica, una escritora, una camarera, una
campesina, una galerista de arte, una actriz, etc.), cuentan en primera
persona qué les trajo a este país, las dificultades que tuvieron que enfrentar a
su llegada, cuáles eran sus esperanzas, qué caminos tomaron, cómo es su vida
actual y qué esperan del futuro.
A continuación se describen brevemente los principales resultados
obtenidos tras aplicar las cinco categorías de análisis señaladas más arriba:
1. Las mujeres africanas son las protagonistas absolutas del documental.
En determinadas ocasiones aparecen junto a familiares, compañeros o
amigos, sin embargo, estos personajes secundarios, lejos de quitarles
protagonismo, sirven para reforzar sus relatos. Además, el hecho de
incluir a mujeres africanas de nacionalidades diversas (procedentes de
países como Burundi, República Democrática del Congo, Camerún,
Costa de Marfil, Gambia, Guinea Ecuatorial, etc.) contribuye a hacer
visible la complejidad y pluralidad de sus identidades, rechazando de
frente la idea de “inmigración africana” como un todo homogéneo y
estereotipado.
2. Las protagonistas del documental aparecen mayoritariamente en sus
lugares de trabajo (un aula, una cocina, un museo, una galería de arte,
un teatro, un huerto, etc.), aunque también son entrevistadas en sus
casas, en espacios públicos como un parque, o son grabadas caminando
por la calle, viajando en metro, etc. En este sentido, los lugares donde se
desarrolla la acción pertenecen tanto al espacio público como al privado,
aunque predominan los contextos de trabajo. Por otro lado, destaca la
presencia de medios de transporte como el tren, el avión o el metro, que
se utilizan en repetidas ocasiones para ilustrar los discursos sobre la
llegada de estas mujeres a España y también como recurso de transición
entre un relato y otro.
3. No existe ningún narrador que dirija el documental, ni tampoco se ve
ni se oye en ningún momento a la persona que entrevista a las
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protagonistas. Estas hablan hacia el espacio off, evidenciando la
presencia del entrevistador/a, pero no son directamente interpeladas
por él/ella. Los testimonios son narrados por las mujeres en primera
persona, que a veces adoptan la forma de bustos parlantes, otras
interactúan con familiares o amigos y en otras ocasiones se escuchan sus
relatos en off mientras se ven imágenes que ilustran sus testimonios o
las muestran en sus quehaceres cotidianos. La sensación que transmite
el documental es que no hay barreras entre las protagonistas y los
espectadores, ni tampoco entre estas y el equipo de la película. En
definitiva, se tiene la impresión de un acceso directo a las experiencias
narradas.
4. El filme está construido casi en su totalidad con testimonios de las
mujeres protagonistas en primera persona. Sin embargo, en algunas
ocasiones estas aparecen ante la cámara con sus hijos (ya de
nacionalidad española), parejas o compañeras de trabajo. A veces
interactúan entre ellos, en otras ocasiones los secundarios solo están
presentes mientras los personajes principales narran sus relatos, pero
también –sobre todo en el caso de los hijos– estos personajes
secundarios intervienen para dar información sobre las protagonistas y
sobre sus propias experiencias en relación con la inmigración. Aquí
aparecen físicamente (y no solo en los relatos de las mujeres) algunos
hombres (hijos, parejas, padres), que, en ciertas ocasiones, toman la
palabra. En cuanto a los “no inmigrantes” o representantes de la
sociedad de acogida, además de estar presentes en los testimonios sobre
las experiencias negativas de las protagonistas (situaciones de xenofobia
y racismo) o en anécdotas divertidas sobre elementos que evidencian el
“choque” cultural, también aparecen e intervienen como personas
importantes en la vida de estas mujeres, contribuyendo a mostrar así su
integración.
5. Incluso aunque se obvie el hecho de que este documental es una
iniciativa de la Fundación Mujeres Por África (que nace para la
consolidación de modelos sociales que dignifiquen la vida de las mujeres
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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y hagan posible el desarrollo sostenible del continente africano) y está
dirigido por Inés París (fundadora y presidenta de CIMA, Asociación
de Mujeres Cineastas y Medios Audiovisuales), la perspectiva de género
está presente desde la propia concepción de la película –que pretende
dar voz y poner rostro a mujeres prácticamente invisibles en la sociedad
española– hasta su planteamiento y construcción –realizada y
protagonizada en su inmensa mayoría por mujeres que toman
decisiones detrás de la cámara y llevan todo el peso de la narración
delante–, pasando por los temas que aborda –identidad de las mujeres
africanas; sus proyectos; su relación con los hombres (africanos y
españoles); el rol de la mujer en sus países de origen; algunas de sus
profesiones que están directamente relacionadas con la promoción de la
mujer, etc.
Conclusiones / Discusión
A partir de aquí se detallarán las principales conclusiones extraídas tras los
análisis de caso de las dos películas elegidas:
En ambos documentales las mujeres emigrantes son las
protagonistas absolutas. Al fin y al cabo, lo que se pretende en
ambos casos es dar voz y rostro a un colectivo (plural y
heterogéneo) que parece “no existir” en la sociedad española
más que cuando se presenta como víctima de sucesos
dramáticos (sobre todo relacionados con los malos tratos, la
prostitución y trata).
En las dos películas se demuestra que hay una inmigración
integrada que no tiene nada que ver con las situaciones de
conflicto a las que sistemáticamente los medios asocian a este
colectivo. Los entornos “normalizados” (domésticos, de
trabajo y de ocio) cumplen una función esencial dentro de las
dos películas, asumiendo la cotidianidad y la regularización
como lo más habitual. Asimismo, por la variedad de
profesiones que ejercen las protagonistas, pierde fuerza la
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imagen de mujer inmigrante limpiadora, prostituta o
cuidadora. Aunque algunos de los personajes se han dedicado
a limpiar o a cuidar, la mayoría ejercen profesiones para las
que se han formado (en España o en sus países de origen) y
tienen una amplia experiencia, muchas de ellas relacionadas
con el arte, la educación y la cultura. Hay muestras tanto de
trabajo intelectual como de trabajo manual-físico (con
formación específica).
Es importante la fuerza de los testimonios directos, sin
mediación de voz externa que organice y puntualice las
vivencias, declaraciones y momentos protagonizados por las
mujeres inmigrantes. La ocultación de esa mirada externa (que
por supuesto está, pero de forma respetuosa y discreta) permite
ampliar el espacio y la presencia de las auténticas
protagonistas, que parecen sentirse libres para expresarse y
desarrollar su universo desde la autenticidad.
Existe un territorio común dentro de las temáticas de los
documentales analizados que recorren elementos relacionados
con la identidad, la lengua (aprendizaje de la lengua de la
sociedad de acogida // papel que juega la lengua materna con
respecto a la integración, etc.), la religión, las costumbres y la
cultura, la formación-educación, los motivos para emigrar, las
dificultades de integración, las posibilidades o deseos del
regreso, la maternidad, la comparación entre la situación de las
mujeres en España y en sus países de origen, el multiempleo,
los afectos, etc.
En los dos discursos elegidos “los otros” están representados
por la población autóctona (los españoles). Esta mirada resulta
enriquecedora y novedosa, al cambiar radicalmente la
perspectiva de focalización. Coinciden ambas películas en
mostrar que hay sectores de la población española que son
xenófobos y racistas: varias mujeres cuentan experiencias
negativas relacionadas con insultos, exclusiones, desprecios,
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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abusos de la policía, detenciones, discriminaciones laborales,
provocaciones, etc.
Se observan también, desde esta perspectiva, testimonios sobre
los estereotipos, ideas preconcebidas e idealizaciones que
tenían las mujeres inmigrantes sobre España antes de llegar. El
choque cultural y la extrañeza es narrada en primera persona,
por lo que se empuja a la identificación secundaria (y
acercamiento cognitivo) y se invita a la reflexión sobre las
propias extrañezas culturales hacia “los otros”.
Por tanto, los documentales analizados aquí ejercen una labor social
y de compromiso que permite orientar discusiones y líneas de investigación
en relación a temas de identidad - como proceso, en cambio continuo y
diverso cambio-, de normalidad e integración, sin olvidar los espacios
negativos de soledad, dificultades, ausencias, choque cultural o falta de
oportunidades.
Para concluir, puede afirmarse que tras una primera etapa en la que
las investigaciones sobre cine y migraciones (con o sin perspectiva de género)
incidiendo en las visiones negativas transmitidas desde el modelo de
representación dominante, es indispensable dar prioridad a los discursos
alternativos que, sin realizarse necesaria o explícitamente desde sectores de
la militancia feminista, se esfuerzan por ofrecer una imagen plural e
independiente de las mujeres en tanto que sujetos activos de su propia
historia y del relato que protagonizan.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Exoesqueleto digital afrodescendente no
enfretamento ao genocídio de jovens negros,
pobres e das periferias
Juarez Tadeu de Paula Xavier - UNESP
ApliC - afrodescendente no enfretamento ao racismo
Os arranjos produtivos locais intensos de cultura [ApliC]
arquitetados pelo movimento social de jovens afrodescendentes
apropriaram-se do exoesqueleto digital16, formado pelas redes virtuais, para
o enfrentamento do preconceito, da discriminação e do racismo, neste início
do século 21.
Nas áreas de concentração tecnológica, as organizações acêntricas
encontram as condições ambientais favorecedoras para essas iniciativas
políticas.
Os pontos de cultura17 (TURINO, 2010) disseminaram pelo
território chassi digital, que acelerou o fluxo de produção de conteúdo,
agrupou agentes criativos hábeis na captação, edição e difusão de
informações, e conectou os insumos tangíveis e intangíveis, necessários à
ação ampliada para as intervenções políticas de oposição.
As publicações do mapa da violência (WAISELFISZ, 2015), das
informações da Comissão Parlamentar de Inquérito 18 do Congresso
16
Neste artigo, o termo é usado como infraestrutura para a produção, veiculação e distribuição de
conteúdos.
17
Disponível em http://www.cultura.gov.br/pontos-de-cultura1. Acesso em 20 de fev. 2016, às 18h30.
18
Disponível em - http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS-HUMANOS/492351CPI-DA-VIOLENCIA-CONTRA-JOVENS-NEGROS-APROVA-RELATORIO-FINAL.html. Acesso
em 19. fev. 2016, às 3h21.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Nacional e da Anistia Internacional 19 incitaram o fórum da campanha contra
o extermínio da população jovem, negra e pobre.
A campanha intercedeu no debate da necessidade de reversão desse
cenário, impulsionou à adoção de políticas públicas, e despertou setores da
sociedade para a magnitude do problema, que ceifa a vida de milhares de
jovens, com o silêncio conivente dos meios de comunicação monopolistas 20.
A apropriação dos recursos digitais pelos ApliC é um ponto de inflexão na
luta e enfrentamento ao racismo e à violência sistêmica.
Critérios de Noticiabilidade: componentes técnicos e políticos
As notícias veiculadas são o resultado final de um longo processo de
combate pelo conteúdo. O fluxo da informação é constituído por diversos
mecanismos que filtram a informação. Os critérios de noticiabilidade não são
os únicos vetores que determinam o conteúdo. Há aspectos técnicos, éticos,
editoriais, ideológicos e políticos (MORAES; SERRANO; RAMONET,
2013).
A redação é o palco dessa disputa. Com a substituição do valor de
uso pelo valor de troca da notícia (MARCONDES FILHO, 2000), esse
lócus/logos do processo produtivo converteu-se em área de disputa política
e simbólica das narrativas modernas.
A disputa pela pauta é o início de um longo processo de
enfrentamentos (ROSSI, 1980). A observação do fato, a negociação entre os
grupos culturais que constituem a redação, a convergência/divergência com
a política editorial do veículo, as cadeias de comando horizontais e verticais,
e os interesses comerciais das empresas transformam a pauta, muitas vezes,
em mera referência burocrática, para a produção do conteúdo.
O processo industrial da informação afeta as condições de trabalho
dos jornalistas e contribui com a transformação do conteúdo (RIBEIRO,
19
Disponível em https://anistia.org.br/campanhas/jovemnegrovivo/. Acesso em 13 de fev. 2016, às
12h01.
20
Disponível em http://www.donosdamidia.com.br/. Acesso em 25 de fev. 2016, às 11h33.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
1994). As contradições na e da redação dão bases concretas ao aliciamento e
coerção, que estruturam as relações de trabalho. A busca pelo prestígio
profissional e social leva à flexibilidade de condutas. O reconhecimento
interno e externo é o mecanismo invisível dessa ação, como as regras e
normas editoriais do veículo. Com o jornalista enquadrado, enquadra-se o
resultado do trabalho profissional, que se afasta dos critérios de
noticiabilidade, para se aproximar dos interesses da publicação.
O fenômeno está presente na cobertura de temas complexos, com
múltiplos interesses em disputa (SERVA, 2001). As categorias que regulam o
fluxo da informação são a omissão, a submissão e a distorção da cobertura.
O que não entra na pauta não é notícia. Omitir foco de cobertura nem sempre
é um processo consciente e proposital. A omissão pode se dar por diversas
razões, porém o resultado priva a esfera pública do debate de temas de
interesse social. O procedimento de empacotamento do conteúdo é
condicionado por critérios que impõe a submissão de um tema em relação a
outro. O relevo, a proximidade, o impacto da notícia submetem outros
tópicos de interesse, e articulam uma narrativa única das notícias, com a
inclusão/exclusão de assuntos de relevância pública. A discordância desses
temas com a realidade factual provoca distorção na informação.
Esse artifício tira da esfera pública de debate teses fundamentais para
a compreensão da realidade social, e reduz a capacidade da cidadania de
superá-los. O diagnóstico foi feito há alguns anos por jornalistas norteamericanos, ao identificarem que as principais empresas de comunicação
estavam associadas a grandes empresas que não tinham seu foco central na
produção de notícias (KOVACH; ROSENSTIEL, 2003).
A omissão, submissão e distorção da informação fraturam a
objetividade do relato jornalístico, e paralisam o debate na esfera pública de
opiniões.
Há distinção entre os aspectos cognitivos da objetividade e os
aspectos subjetivos da isenção, imparcialidade e neutralidade. Do ponto de
vista do procedimento jornalístico, não é possível aos jornalistas manteremse isentos, imparciais e neutros diante da realidade social. Os fatos
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
jornalísticos impactam sua percepção e condicionam o seu relato. Porém, a
objetividade ligada a aspectos cognitivos é possível e desejável. A adoção
crítica do método jornalístico assegura a objetividade do relato (ABRAMO,
2003).
A realidade é cognoscível e apreensível. O relato crível e factual pode
ser realizado, como na ciência. A narrativa singular produz um
conhecimento com validade social para a apreensão e compreensão do fato
jornalístico (GENRO FILHO, 1987).
O ethos da atividade profissional desenvolveu metódicas para a
produção do relato factual - as regras da objetividade: atribuição de fonte,
proporcionalidade, versões contraditórias e acesso às informações editadas.
A adoção desse conjunto de normas assevera a elaboração de versões críveis,
próximas da objetividade observável e compreensível para sociedade
(MEYER, 1987). As notícias são frutos de enfrentamentos no processo de
coordenação do fluxo de informação. Esses enfrentamentos são técnicos,
políticos e ideológicos. A veiculação é o resultado final de um complexo
sistema de contradições antagônicas e não antagônicas na redação. A
cobertura de temas estratégicos sofre múltiplas de pressões. Tópicos ligados
às questões estruturais têm suas coberturas condicionadas por ações
políticas, que omitem, submetem e distorcem as notícias veiculadas. O
racismo é um desses assuntos. As contradições e violências provocadas pelo
preconceito, discriminação racial e racismo não são abordadas em
profundidade pela mídia brasileira. (MUNANGA, 2001). É nesse ponto de
invisibilidade que se encontra a campanha nacional contra o extermínio da
população jovem, negra e pobre brasileira.
Para desatar com essa amarra que enclausura a informação, arranjos
de jovens afrodescendentes apropriaram-se do exoesqueleto tecnológico,
para o enfrentamento do racismo e elaboração de políticas públicas que
possam reverter o cenário de genocídio.
Percepção percebida versus percepção real
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Os meios de comunicação têm papel crucial na construção da
imagem dos afrodescendentes (XAVIER; XAVIER, 2002). A modelagem se
dá de forma pendular. Ao longo do suporte, alternam-se as imagens dos não
brancos, conforme as narrativas das editorias. Nas consideradas nobres, a
presença dos afrodescendentes é concisa e tópica. Ela se resume a fragmentos
noticiosos secundários, sem contextualização. A presença dos não brancos
exacerba-se na editoria de esporte. Em razão da intensa e extensa cobertura
de futebol, amplia-se a cobertura da imagem dos afrodescendentes, com
todos os estereótipos sociais. A figura projetada é arquitetada pelo
mecanismo pendular de invisibilidade/visibilidade. Consolida-se a
percepção percebida da suposta incapacidade de reflexão política e racional
desse grupo social. Ele é retratado como apto para as ações físicas, mas não
para as intelectuais e políticas. A percepção percebida se sobrepõe a
percepção real.
Esse juízo é retroalimentado pela "rede de factibilidade" (KUCINSKI,
1998), favorecido pela concentração dos meios de comunicação e pela
propriedade cruzada de veículos noticiosos. A informação circula em
diversas plataformas, diversas vezes para diversos segmentos.
A fórmula imprime um "simulacro" de realidade (CHAUÍ, 2006). A
população é bombardeada por uma massa de dados que simula o real. Os
elementos observáveis são substituídos por versões, sem o contraditório e a
informação contextualizada. A variante da informação substitui a notícia
informada, e põe à disposição da sociedade uma simulação, que não coincide
com o factual. Esse processo instala a tirania da comunicação (RAMONET,
2007). A mercantilização da notícia não dá espaço para o enfrentamento de
versões. Esse despotismo midiático subverte a democracia e o espaço público.
As novas tecnologias digitais possibilitam o enfrentamento a esse
caudilhismo midiático. Nas manifestações de 2013, as articulações sociais
apropriaram-se dos dispositivos digitais e usinaram conteúdos de
contrainformação (XAVIER; XAVIER, 2015). Esses conteúdos
confrontaram os dos meios hegemônicos e, nos auges exasperados das
manifestações, pautaram esses veículos e fragilizaram as narrativas dos
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
órgãos corporativos. As mídias radicais romperam em vários momentos o
cerco da mídia comercial. A disputa de narrativas sobre os acontecimentos
restauraram em determinado momentos a esfera pública de debate, e arejou
as discussões políticas (LIMA, 2013).
Em frações de espaço e tempo, a percepção real se impôs à percepção
percebida. Nessas frestas, foram observados os interesses em conflitos, a
disputa das narrativas e a manipulação noticiosa patrocinada pelos meios de
comunicação comerciais.
Exoesqueleto: infraestrutura tecnológica
O processo de expropriação da mais-valia tornou-se global.
Amplificaram-se as contradições. Os conflitos, as segregações e as violências
simbólicas e físicas tornaram-se agudas. Evidenciaram-se as contradições
sociais e os conflitos inerentes a essas contradições. Os fenômenos tornaramse mais complexos e em escala ampliada. Insurge um cenário novo. São a
familiaridade técnica, o motor único, a convergência de momentos e a
cognoscibilidade do planeta os vetores que permitem a compreensão dessa
cadeia de eventos. (SANTOS, 2000). A realidade torna-se complexa,
multidimensional e comporta versões distintas, para grupos sociais
instalados em posições distintas na sociedade, em relação aos meios de
produção e a apropriação da riqueza produzida (MARX, 1974). As narrativas
deixam de ser únicas e lineares. Elas ganham dimensões observáveis distintas
(SANTOS, 2000): a fábula [a realidade como os segmentos hegemônicos
querem fazer crer], a perversidade [a realidade como ela é para a maior parte
dos segmentos sociais fragilizados] e a possibilidade [a realidade desejada
pelos segmentos sociais acêntricos]. A possibilidade é o estimulo para
enfrentamentos dos segmentos sociais em condições vulneráveis. Eles se
apropriaram dos dispositivos digitais, para a produção de conteúdo contra
hegemônicos: os exoesqueletos tecnológicos, compostos por ateliês criativos,
cadeias de produção de conteúdo e conexões locais, regionais e globais.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Mídias radicais contra hegemônicas
Sociedades sem liberdade de informação provocam narrativas de
oposição (GINZBURGO, 1987; BRIGGS; BURKE, 2004; KUCINSKI, 1991).
Os sistemas políticos fechados cujos meios de comunicação se encontram
tutelados pelos poderes políticos e econômicos estimulam a mídia radical.
Segmentos sociais acêntricos sem acesso ao sistema de produção de conteúdo
e à esfera pública articulam suas mídias, pautas e espaços de veiculação. No
período em que proliferaram as ditaduras civil/militar na América Latina,
sindicatos, organizações da sociedade civil, movimentos de jovens,
indígenas, negros, mulheres e partidos políticos submetidos à
clandestinidade editaram veículos, que suscitaram uma esfera pública
acanhada, persistente e contribuíram com a redemocratização da região.
Plataformas analógicas, digitais, tradicionais e alternativas se
revezam na disputa de narrativas com os órgãos oficiais. Elas formam, pela
diversidade, tapeçarias de mídias radicais (DOWNING, 2002): suportes com
diversas configurações [impressos, eletrônicos, digitais, analógicos,
vestuários, danças populares, poemas, teatro de rua, penteados, bottons,
pichações, cartazes, performances, discursos, piadas, ditados populares],
mídias com sistemas complexos de comunicação [emissores, canais,
conteúdos e públicas ativos] e reivindicações radicais [narrativas políticas
sem isenção, neutralidade e imparcialidade e posicionado].
O arranjo dessas mídias depende do estado e do sistema de governo
(DOWNING, 2002): clandestina [quando vige um sistema policial de
repressão] e anarquista [em momentos de liberdade política]. O primeiro é
vertical, espelhada na mídia bolchevique, que sustentou a ação política
revolucionária na Rússia pré-revolucionária, em 1917. A segunda é
horizontal, espelhada nos movimentos sociais que varreram o ano de 1968.
O vetor da mídia radical é a oposição política, a aversão ao governo
ou ao estado. Seu conteúdo confronta-se com o distribuído pelas mídias
hegemônicas. As pessoas envolvidas nessa mídia compartilham leituras
políticas e concordam com as estratégias de superação do estado/governo.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Os recursos para assegurar a eficácia da ação estão submetidos ao controle
dos proponentes dessa modalidade de mídia.
Essas condições afiançam à mídia radical capacidade de ação política
autônoma e independente dos segmentos sociais dirigentes. Livres dos
constrangimentos econômicos e políticos, essa mídia pode garantir a
efetividade política de sua atuação.
As mídias digitais ampliaram as possibilidades de ação política das
mídias radicais, alcançaram dimensões globais (DOWNING, 2002). A
política de universalização do acesso à rede mundial de computadores
favoreceu a instauração dessas mídias. Os Pontos de Cultura [junções de
articulação das redes e conexões na produção de informação] formaram
ateliês de produção, com equipamentos e programas de códigos livres,
estimularam as conexões entre os coletivos culturais [diversas linguagens,
expressões e visões de mundo] e propiciaram mobilizações para a
reivindicação de políticas públicas pontuais [focadas nos interesses de cada
grupo] e universais [em atenção aos diversos grupos sociais mobilizados].
A capilaridade desses ateliês e as suas conexões pelo território
ofereceram as bases técnicas e operacionais para a formação da infraestrutura
de comunicação dos grupos acêntricos, a articulação do exoesqueleto de
veiculação de conteúdo, a denúncia e as ações reversivas, aderentes às
demandas dos grupos sociais mobilizados.
Esse exoesqueleto foi apropriado pela juventude negra, pobre e
moradora da periferia, para as denúncias da violência que se abate sobre esse
segmento. Ele deu base à formação do Fórum Nacional da Juventude Negra,
promotora da Campanha Contra o Extermínio da Juventude Negra.
Mapa da violência e viés étnico-racial
Os dados sobre violência contra a juventude apontaram o caráter
racial dos homicídios. O perfil das vítimas evidencia esse fenômeno: jovem,
negro, morador na periferia das cidades [pequenas, médias e grandes], sem
passagem pelo sistema penal e morto com armas de fogo. Esses homicídios
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
se dão de forma generalizada no território, em linha ascendente nas regiões
de concentração de população negra, e sem a identificação dos autores.
Segundo os dados, entre os anos de 2002 e 2010, com base no Sistema
de Informações de Mortalidade, foram assassinados 272.422
afrodescendentes. Média de 30.269 por ano. Em 2010 foram 34.983. Nos
estados de Alagoas, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, Mato Grosso,
Distrito Federal, Bahia e Pará, o número ultrapassou os 100 homicídios para
cada 100 mil jovens negros. Emalguns estados, ocorrem 20 homicídios de
jovens negros para cada jovem branco assassinado21.
O alto índice de homicídios que atinge a população jovem e negra
sinaliza a existência de focos extremos de violência racial, conforme análise
dos estudos sobre o tema (WAISELFISZ, 2015; SOARES, 2015).
A tendência não se alterou no mapa da violência de 2015: "Mortes
matadas por armas de fogo". O documento aponta a perversidade crescente
da seletividade racial dos homicídios. As taxas de brancos caíram entre 2003
(14,5%) e 2012 (11,8%). A taxa de negros cresceu 14,1%: de 24,9% para
28,5%. A vitimização negra no país duplicou: em 2003 era de 72,5%. Em 2012
foi de 142%: morrem 2,5 vezes mais negros que brancos vitimados por arma
de fogo. O fenômeno se encaixa nos critérios de noticiabilidade: magnitude,
impacto social, perversidade crescente, foco em um grupo social específico
vítima de racismo, segmento social em condições vulneráveis [jovens, pobres
e moradores das periferias]. Não houve, porém, repercussão no maior jornal
em circulação no país, na semana de divulgação do mapa da violência 22.
A divulgação e a repercussão ampliada dos dados foram feitas pela
Coordenação do Fórum Nacional de Juventude Negra (FONAJUNE). Ela é
21
Disponível em http://www.mapadaviolencia.org.br/. Acesso em 23 de fev. 2016, às 13h47.
Pesquisas de mapeamento dos arranjos produtivos locais intensos de cultura [ApliC] no
enfrentamento ao racismo. "Patrimônio imaterial e diversidade: a transculturalidade dentro do território
criativo de Bauru", de Stella Sanches e "Relações para e com os públicos plurais: a emergência do público
afrodescendente e da gestão da diversidade nas sociedades multiculturais, de Maria Eduarda Gomes". A
primeira concluída em dezembro/2015. A segunda, em março/2016.
22
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
o espaço de articulação, interação e aglutinação de grupos e organizações de
juventude negra, interessados na ação política nacional23.
O fórum é o centro das ações políticas de denúncia do extermínio da
juventude negra. O foco das suas ações é a campanha contra a violência, o
fenômeno maissignificativo que atinge a população negra, sem a cobertura
sistemática dos meios de comunicação hegemônicos.
A campanha nacional contra o extermínio objetiva dialogar com a
sociedade, sobre as consequências históricas do racismo, e suas implicações
nas condições de vida da juventude negra. O fenômeno culmina com a morte
programada de milhares de jovens afrodescendentes, em todas as regiões do
país, com o registro das violências de gênero, religiosas e todas as demais
formas de discriminações correlatas, definidas pela Organização das Nações
Unidas (ONU) para a Década do Afrodescendente (2015-2024)24.
A ação contra a morte de jovens afrodescendentes tem três décadas.
Ela tomou corpo nacional nos anos de 1980, quando o Centro de Articulação
de Populações Marginalizadas 25 (Ceap) lançou a campanha "Não Matem
Nossas Crianças". A iniciativa repercutiu em âmbito internacional. Foram
aprovadas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), para investigar o
fenômeno e apontar mecanismos de superação. As mobilizações
impulsionaram políticas públicas reversivas, nos períodos posteriores. No
23
A divulgação foi feita no dia 13 de maio [Dia Nacional de Denúncia do Racismo]. A pesquisa foi
realizada nos dias anteriores e posteriores a divulgação. O estudo contatou que a notícia não repercutiu
no jornal "Folha de S. Paulo". O fato é relevante, pois este é o jornal de maior circulação no país e,
segundo pesquisa do órgão, o mais lido no Congresso Nacional, por deputados federais e senadores. A
amostra focou todas as edições da semana, todas as editorias e todos os formatos jornalísticos
informativos [notas, notícias, entrevistas e reportagens] e opinativos [editoriais e articulistas]. A
metódica de observação baseou-se no conceito de "unidades informativas", adaptadas às necessidades da
pesquisa, identificadas nas páginas do veículo impresso. Processou-se a fase da pesquisa quantitativa,
com a identificação do número de unidades encontradas. Na fase qualitativa os dados preliminares
foram submetidos à análise e interlocução com especialistas das áreas do jornalismo e das questões
raciais. Pesquisa sobre os jornais mais lidos no Congresso Nacional:
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/08/1667021-folha-e-o-jornal-mais-lido-entre-deputados-dizpesquisa.shtml: acesso 1° de fev. 2016, às 10h02.
24
Disponível em http://decada-afro-onu.org/. Acesso em 02 de fev. 2016, às 12h33.
25
Disponível - http://ceaprj.org.br/. Acesso em 21 de fev. 2016, às 8h31.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
entanto, à época, a divulgação da campanha dependia da cobertura feita por
órgãos de comunicação comerciais, com repercussão restrita. A esfera
pública do debate era restrita à militância negra e segmentos democráticos
próximos.
O Fórum Nacional de Juventude Negra articula-se apoiado nas redes
sociais. Nas cidades e estados, os coletivos contam com dispositivos que
permitem o acesso à rede mundial de computadores. Suas articulações se
estendem para além das fronteiras nacionais. A campanha contra o
extermínio é acompanhada por diversos núcleos espalhados pelo território
virtual das redes sociais. As organizações trocam informações, dados,
entrevistas, pesquisas e estratégias pelas vias digitais. Esses arranjos
transformaram-se em pontos de cultura e difusão. São polos aglutinadores
de coletivos culturais, como a Rede Nacional das Casas do Hip Hop 26, com
diversas linguagens [música, dança, grafite, teatro], formas de organização
[espaços tradicionais da cultura negra, partidos políticos, organizações
culturais], segmentos sociais [estudantes, trabalhadores fabris, artistas] e
objetivos políticos [movimentos negros, feministas, LGBTT, direitos
humanos].
Dispostas de forma horizontal e disseminadas pelo território
nacional, essas articulações reivindicam liberdade política nas cidades
(HARVEY, 2013). Elas são as bases de sustentação do exoesqueleto
tecnológico para a produção de conteúdo, em diversas linguagens e
plataformas. Seu sistema de articulação prescinde dos meios de comunicação
social hegemônico. A campanha contra o extermínio mobiliza, debate, cria
demandas institucionais, provoca a ação dos poderes institucionais
[legislativo, judiciário e executivo] nas três esferas políticas [município,
estado e federal], reivindica políticas públicas, denuncia a violência e duela
com as formas correlatas de racismo.
26
Disponível em https://www.facebook.com/Rede-Nacional-das-Casas-da-Cultura-Hip-Hop-
841069562655270/. Acesso em 20 de fev. 2016, às 14h.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
O sistema de veiculação de conteúdo desenhado para campanha
forma uma esfera pública radical [reivindica mudanças estruturais nas
condições de vida da juventude negra], precária [contra hegemônica e
subalterna], ativa [mobilizada e propositiva] e pública [articulada com os
demais segmentos sociais interessados na superação da violência]. Ele é o
ambiente de inovação de linguagem, formatos, plataformas e estratégias de
ação política. Nos momentos agudos de conflitos específicos [contra o
extermínio] e gerais [contra as políticas neoliberais de corte de direitos], sua
capacidade de produção de conteúdo rompe o cerco da mídia empresarial e,
ao pautar essa mídia, atinge a esfera pública de debate, com sua defesa do
direito à vida.
Assim, a paisagem das organizações da juventude negra caracterizase pela apropriação dos dispositivos digitais, organizados em ateliês criativos,
com conexão internas e externas e a constituição de um exoesqueleto de
produção, distribuição e fruição de teor político no enfrentamento ao
preconceito, à discriminação, ao racismo e ao extermínio da população
negra, jovem, pobre e moradora das periferias brasileiras.
Considerações Finais
O extermínio de jovens negros, pobres e moradores das periferias
dilaceram as famílias afrodescendentes. A execução dessa juventude
desarticula o núcleo familiar, impede a possibilidade de mobilidade vertical
e congela esse segmento social no porão da desigualdade, que caracteriza a
sociedade brasileira, à despeito dos avanços dos últimos anos. A morte de
jovens negros, fenômeno em escala ascendente, não tem a atenção requerida,
pela gravidade da situação, dos veículos de informação. Os dados não
repercutem nos meios de comunicação mercadológicos e hegemônicos na
sociedade. Nesse vazio informativo articula-se o sistema de comunicação,
baseado nos ateliês criativos da juventude negra, e nas conexões formadas
por esses arranjos. Essas organizações apropriaram-se do exoesqueleto
digital para a produção de conteúdo contra hegemônico. A campanha contra
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
o extermínio da juventude negra é veiculada pelo exoesqueleto digital,
desafia a invisibilidade imposta pelos meios corporativos, rompe com o
"cordão sanitário" montado pelas mídias do mercado, pauta o debate público
entre os segmentos sociais envolvidos e formula políticas públicas reversivas.
Pelas redes digitais, a juventude negra veicula informações e ações estratégias
para o enfrentamento do preconceito, da discriminação, do racismo, desafia
a omissão da mídia comercial, e aponta alternativa para a transposição do
cenário de violência.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
O cinema documentário como argumento
político dos povos indígenas
Juliano José de Araújo (Universidade Federal de Rondônia – UNIR)
Nosso objetivo neste artigo é analisar de que forma o cinema
documentário pode atuar como argumento político dos povos indígenas.
Para tanto, propomos a análise fílmica (AUMONT e MARIE, 2009) dos
documentários Desterro Guarani (2011), Duas aldeias, uma caminhada
(2008) e Os Kuikuro se apresentam (2007), todos realizados no âmbito do
projeto Vídeo nas Aldeias (VNA). O VNA é uma iniciativa pioneira no Brasil
na formação de cineastas indígenas e objetiva fortalecer identidades,
patrimônios culturais e territoriais dos povos indígenas através dos recursos
audiovisuais. Atua como uma escola de cinema indígena oferecendo oficinas
de formação em audiovisual e desempenha papel fundamental como
entidade responsável pela captação de recursos, produção e distribuição dos
filmes27.
Os três documentários que escolhemos para a presente análise têm
em comum o fato de se dirigirem aos espectadores não-indígenas, seus
enunciatários, como se fossem uma resposta que lhes é destinada. Esses
filmes, como sugere Ruben Caixeta de Queiroz, permitem-nos pensar em
uma espécie de retorno do olhar dos indígenas para os não-indígenas: “um
olhar dos índios para o nosso mundo (dos ocidentais, ou dos brasileiros) e
para o que o nosso mundo fez do mundo deles, e o que eles gostariam de
fazer do nosso mundo” (CAIXETA DE QUEIROZ, 2008, p. 115-116).
27
Para um histórico do projeto VNA, ver Juliano José de Araújo (2015, p. 75-110), notadamente o capítulo
“O audiovisual em comunidades indígenas: das experiências pioneiras ao projeto Vídeo nas Aldeias” .
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Consideramos essa resposta ou retorno do olhar dos indígenas nos
documentários do projeto VNA como uma manifestação daquilo que
Manuela Carneiro da Cunha (2014, p. 373) denominou por “cultura” – lê-se
“cultura com aspas” –, ou seja, “o metadiscurso reflexivo sobre a cultura”,
“como recurso e como arma para afirmar identidade, dignidade e poder
diante de Estados nacionais ou da comunidade internacional”. A categoria
de “cultura” proposta pela antropóloga diferencia-se da cultura. A cultura
sem aspas, como ela aponta, segundo o consenso contemporâneo na
antropologia, seria “um complexo unitário de pressupostos, modos de
pensamento, hábitos e estilos que interagem entre si, conectados por
caminhos secretos e explícitos com os arranjos práticos de uma sociedade”
(TRILLING citado por CARNEIRO DA CUNHA, 2014, p. 357).
A cultura com aspas, por sua vez, remete a um “sistema interétnico”,
proveniente, no caso em questão, do contato entre indígenas e nãoindígenas. A cultura dos não-indígenas seria, então, “adotada e renovada”
pelos indígenas, assumindo “um novo papel como argumento político” e
servindo de “arma dos fracos” (CARNEIRO DA CUNHA, 2014, p. 312,
grifos meus). É nessa perspectiva que entendemos ser pertinente uma
aproximação dos documentários que analisaremos com o pensamento da
autora. É interessante observar os povos indígenas apropriando-se da escrita,
do direito, da matemática, da medicina etc., em um movimento que se faz,
inclusive, na ida deles à universidade para realizar um curso superior,
apropriar-se do conhecimento não-indígena e, posteriormente, retornar
com a bagagem adquirida em prol de suas comunidades.
Processo semelhante ocorre com os recursos audiovisuais que
podem também desempenhar uma importante ação política. Nessa
perspectiva, pretendemos discutir três aspectos políticos presentes nos
documentários elencados para este estudo: como processos discursivos
alternativos para a representação da história dos povos indígenas; como
instrumento de afirmação da identidade e cultura indígenas; ou ainda como
instrumento de denúncia, reivindicação e visibilidade dos povos indígenas.
Vejamos as análises desses documentários.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Desterro Guarani é um filme no qual o cineasta indígena Ariel
Ortega faz uma reflexão sobre o processo histórico de contato dos MbyaGuarani com os colonizadores, tentando entender como seu povo foi
destituído de suas terras. O filme é conduzido por um comentário em voz
over de Ariel que, além de realizador, é também um dos personagens presente
em várias sequências, seja conversando com os entrevistados seja filmando.
Na sequência inicial, a câmera acompanha de perto dois anciãos Guarani,
Mariano Aguirre e sua esposa, que caminham em uma estrada de chão, nas
proximidades da aldeia em que moram até um ponto de ônibus.
Depois, em uma espécie de mise en abyme, onde uma câmera que
está fora de campo filma a outra que está em cena – gesto que será repetido
várias outras vezes no documentário –, vê-se, na imagem, Ariel filmando-os,
momento em que Mariano diz bom dia. Sem mais nada dizer, eles são
observados pela câmera que, em uma das tomadas seguintes, enquadra
Mariano no primeiro plano e à direita da tela, sendo gradativamente
desfocado até que se vê, em segundo plano e no centro do quadro, uma placa
na qual está escrito “Aldeia Guarani” com uma seta apontando para a
esquerda. Ouve-se, então, um comentário em voz over, narrado em Guarani
e na primeira pessoa, explicar o porquê do filme, enquanto se acompanha,
na imagem, a viagem de ônibus dos dois anciãos até as ruínas de São Miguel
das Missões, no Rio Grande do Sul:
Quando os brancos veem essa placa, será que eles pensam que a gente
sempre esteve aqui, neste mesmo lugar? Ou será que eles entendem que
muito antes dos avós deles chegarem nós andávamos por este vasto
território enquanto ele ainda era floresta? É que os brancos chegaram há
muito tempo. E esses templos, as Tavas, são ruínas que se confundem com
a nossa história. Hoje, a gente vem até essa ruína pra vender artesanato, já
que não temos terra para plantar e praticamente não existem matas. (...) o
que eu queria entender neste filme é por que quase não temos terra se nós
andávamos por esse território todo antes dos brancos chegarem e já que
fomos nós que construímos essa Tava.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
O documentário estrutura-se em quatro grandes blocos temáticos
que revelam ao espectador uma forte ligação dos Guarani com as ruínas da
antiga redução jesuítica de São Miguel, denominada na língua deles por
“Tava”, e que foram tombadas como Patrimônio Histórico da Humanidade.
A historiografia tradicional, entretanto, como explica Carlos Eduardo Neves
de Moraes (2010, p. 6), nega essa relação dos atuais indígenas com os Guarani
do período das missões, alegando que a presença deles remete ao início do
século XX. Desterro Guarani, em contrapartida, procurará desconstruir essa
visão oficial da história, na medida em que o documentário preocupa-se
justamente em valorizar as dimensões pessoais e familiares de sujeitos que
não tem voz por pertenceram a grupos minoritários.
O primeiro bloco do filme evoca a história da etnia a partir de
entrevistas e depoimentos dos anciãos indígenas Francisco da Silva, Adolfo
Silveira e Santiago Franco que meditam sobre a história da comunidade.
Cada um dos indígenas conta para Ariel e Patrícia as suas versões sobre a
“Tava” que, na verdade, revelam inúmeros pontos comuns e vão sendo
apresentadas ao espectador que pode, assim, ter acesso à uma outra face da
história, pouco discutida e que pode ser sintetizada nos seguintes pontos: a
antiga redução jesuítica ou “Tava” foi, de fato, ao contrário do que afirma a
história oficial, construída pelos antepassados dos Guarani; a Guerra
Guaranítica, diferentemente do que é afirmado pelos brancos, não dizimou
todos os indígenas, pelo contrário, o guerreiro Sepé, líder dos Guarani, na
verdade fingiu que morreu para enganar os não-indígenas, notadamente os
espanhóis; após esse confronto, os Mbya-Guarani, guiados por Sepé,
seguiram caminhando pela região enquanto fazendas foram crescendo e se
espalhando pelos territórios tradicionais dos indígenas.
O segundo bloco apresenta depoimentos e entrevistas de
participantes mais recentes da história Guarani. O primeiro deles é Olívio
Dutra, ex-governador do Rio Grande do Sul que afirma ter sangue indígena
e comprou terras para os Guarani durante seu mandato, tendo em vista a
demora para a demarcação, e ressalta que praticamente todo o território do
Rio Grande do Sul pertencia aos Guarani no passado. O segundo é Emílio
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Correa, funcionário do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional de São Miguel, que explica que os Guarani nunca abandonaram a
região, como alguns insistem em argumentar, mas que sempre estiveram ali
caminhando de um local para outro em função das necessidades de
sobrevivência, como a busca por alimentos, fontes de água etc. O terceiro é
Inácio Kunkel, filho de colonos alemães da região missionária, que prestou
serviços de apoio à saúde indígena e explica que era muito comum uma
aldeia ser atendida e, dias depois, não haver mais ninguém ali. Kunkel afirma
que, nesse sentido, a própria Fundação Nacional do Índio considerou por
certo tempo os Guarani como extintos.
O terceiro bloco do documentário, dando continuidade à questão
levantada por Kunkel dos deslocamentos dos Guarani, dedica-se à reflexão
sobre a ideia de retirada como uma prática de resistência à medida que,
diante de ameaças e represálias de não-indígenas, os Guarani deslocavam-se
para outro local, escondiam-se nas matas ciliares dos rios, ou simplesmente
mudavam atendendo a um sinal de Nhanderu, o seu deus, que mostrava o
melhor local para irem. Trata-se, como afirmam os depoimentos dos anciãos
indígenas do primeiro bloco, da “caminhada sagrada”, fundamental para os
Guarani. É nesse contexto que merece destaque o comentário em voz over de
Ariel que explica a relação dos Mbya-Guarani com a terra, a qual é
radicalmente diferente da sociedade não-indígena, visto que eles não têm a
noção de propriedade privada:
Nós, os Guarani, nunca dizemos que a terra é nossa. Por isso que sempre
caminhávamos e, em alguns lugares, ficávamos 5 ou 6 anos. Depois, íamos
para outro lugar. É que o lugar deixado continua sendo uma aldeia e por
isso acabamos voltando para lá algum dia. Pros nossos avós, todo esse
território é uma grande aldeia.
Embora tenham essa concepção, Ariel explica que eles começaram a
lutar por seus territórios tradicionais, notadamente a partir da Constituição
de 1988 que assegurou o direito à terra aos povos indígenas, assunto que será
discutido no quarto bloco do documentário. Nessa parte, os realizadores
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
empregam, inicialmente, imagens de arquivo de reportagens de televisão da
década de 1990 que mostram indígenas acampados às margens de rodovias
em péssimas condições de vida, pedindo esmola no centro de Porto Alegre,
ou, mais recentemente, participando junto com antropólogos e autoridades
governamentais das discussões sobre demarcações das terras indígenas, que,
como é o caso do Rio Grande do Sul, ainda precisam ser concretizadas. Após
essa breve contextualização, Ariel explica no comentário em voz over que
como estratégia eles passaram a ocupar terras e reivindicá-las. “Já que não
podemos caminhar livremente pelo território, assim podemos, pelo menos,
transitar entre essas aldeias demarcadas”, diz o cineasta, cuja narração é
ressaltada pelos depoimentos de Olívio Dutra e Emílio Correa que defendem
a demarcação.
Tem-se, em seguida, uma sequência que mostra Ariel, Emílio,
Mariano e Patrícia visitando a região da mata São Lourenço, próxima das
ruínas de São Miguel das Missões e que está sendo reivindicada pelos
indígenas. “Foi aqui nesse lugar que nós ficamos acampados. E mais pra lá
tinha gente também. Era lá que o Cipriano morava, lá na beirada do mato.
Chegamos aqui em 20 de novembro de 1999. Eu acho que foi em 2011 que a
gente se mudou (...)”, comenta Mariano enquanto é observado pela câmera
e caminha livremente pela mata admirando a natureza. “Tenho o sonho de
vir pra cá”, responde Mariano quando é questionado por Emílio se vai se
mudar caso a demarcação seja aprovada. Outras imagens de arquivo dos anos
2000 são mostradas em que várias lideranças indígenas discutem em
encontros nas aldeias a importância das demarcações de seus territórios
tradicionais e, sobretudo, denunciam a inércia do Estado em agilizar os
processos.
A sequência final de Desterro Guarani traz um grande número de
indígenas Mbya-Guarani que, guiados pelos líderes espirituais, fazem um
ritual, uma espécie de metáfora da caminhada sagrada. Reunidos, eles ouvem
atentos o velho Adolfo dizer: “Por que será que nós estamos aqui mais uma
vez? Quando Nhanderu nos levanta, ele põe em nossa mente a sabedoria (...).
Eu estou falando isso porque estou chorando por dentro vendo a nossa
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
situação. Devemos seguir em frente mesmo nas piores condições”. Após o
discurso de Adolfo, ouve-se também o de Santiago Franco: “Os Guarani
viviam felizes, havia matas boas nessa terra. Mas aí chegaram os brancos e
mataram os Guarani (...). Os brancos não podem mais nos tratar assim no
futuro”. Após esses dois discursos proferidos em um tom de crítica, desabafo
e protesto à sociedade não-indígena, vê-se, na imagem, uma anciã indígena
fazer uma espécie de ritual no qual evoca a força do sol que lhes é dada
diariamente por Nhanderu pedindo para que os Mbya-Guarani sejam
guiados por um bom caminho. O plano seguinte mostra um grupo de
indígenas, enquadrado em plano geral, que caminha e canta em uníssono
uma música típica Guarani, produzindo o efeito de sentido de que os
indígenas continuarão na luta por seus direitos.
Consideramos que o documentário Desterro Guarani apresenta uma
interessante construção narrativa para a história dos Mbya-Guarani, contada
não a partir de registros históricos oficiais, mas sob o ponto de vista da
comunidade indígena em questão, como procuramos mostrar. Destacamos
a maneira como o documentário articula vários depoimentos e entrevistas de
sujeitos ligados ao cotidiano da etnia, sejam indígenas ou não-indígenas. Isso
possibilita ao espectador justamente uma outra compreensão sobre a história
dos Guarani da qual pensamos que seja importante ressaltar duas questões.
A primeira diz respeito ao papel fundamental que a “Tava”, as ruínas da
redução jesuítica, ocupa na memória coletiva dos Guarani, como os
depoimentos dos anciãos indicam, sendo uma obra deixada por seus
antepassados, apesar da história oficial negar essa relação. A segunda trata da
dimensão mítica-cosmológica desses relatos, como a figura do guerreiro
Sepé, que emerge da fala dos anciãos.
Já Os Kuikuro se apresentam é um documentário do Coletivo
Kuikuro de Cinema que apresenta um pouco da história dessa etnia, desde
seus antepassados, passando pelos seus conflitos com os não-indígenas e,
notadamente, as mudanças de suas vidas no mundo atual. Apesar de ter a
duração de apenas sete minutos e uma montagem dinâmica, com planos
curtos que, em alguns momentos, lembram um ritmo televisivo, cremos que
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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se trata de um filme que consegue, por um lado, desconstruir a imagem
estereotipada dos povos indígenas e, por outro, mostrar, de forma didática, a
intrincada e complexa relação da identidade e cultura indígenas proveniente
do contato e convivência dos Kuikuro com a comunidade circundante.
A narrativa do documentário constrói-se com imagens em um estilo
observativo, às quais se soma a narração em primeira pessoa de Mutua
Mehinaku, um professor indígena presente em quadro na maior parte das
tomadas, seja dirigindo-se ao espectador, à medida que o interpela quando
olha diretamente para a câmera, ou com seu comentário em voz off em outros
momentos. O filme estrutura-se, basicamente, em três sequências: a
primeira, na cidade de Canarana, no Mato Grosso; a segunda, dentro de um
avião, que faz o trajeto do referido município até a aldeia Kuikuro de Ipatse,
localizada no Parque Indígena do Xingu; e a terceira, a mais longa do
documentário, na aldeia Kuikuro. Gostaríamos, nesse sentido, de apontar
alguns elementos de cada uma dessas sequências tendo em vista a análise que
estamos fazendo.
A primeira sequência de Os Kuikuro se apresentam traz imagens da
área urbana do município de Canarana. O espectador vê, inicialmente, a
tomada de uma praça da cidade, a qual tem um monumento de uma cuia de
chimarrão e uma chaleira. Em seguida, há tomadas de algumas ruas da cidade
e de um centro comercial, momento em que a imagem mostra uma garçonete
não-indígena caminhando com uma bandeja na mão, destacando-se o fato
dela ter uma pintura tipicamente indígena em seu braço direito feita com
tinta de jenipapo. Os planos seguintes trazem um jovem indígena trajando
bermuda, camiseta e tênis, além de uma mochila nas costas, que caminha no
interior do centro comercial, e duas mulheres indígenas acompanhadas de
duas crianças que fazem compras nesse mesmo local. Essa sequência de
imagens é coberta pela música “Gaúcho amigo”, de Teixeirinha, inserida na
montagem, destacando-se, notadamente, o seu refrão que diz: “Tá garoando
lá fora! Boleia a perna, gaúcho! E chegue cá pro galpão, onde tem chimarrão
não precisa ter luxo!”.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Essa primeira sequência do documentário poderia causar um
estranhamento e chocar um espectador purista. Pensamos, aqui,
particularmente nas considerações de Ella Shohat e Robert Stam (2006, p. 71)
quando afirmam que as fotografias de indígenas Kayapó usando filmadoras
“que apareceram na Time e no New York Times Magazine derivam sua
capacidade de chocar justamente da premissa de que ‘nativos’ devem ser
exóticos e simples e de que índios ‘de verdade’ não carregam câmeras de
vídeo”. É nesse sentido que uma leitura atenta dessa primeira sequência de
Os Kuikuro se apresentam revela a forte relação dos Kuikuro com o mundo
não-indígena, em particular com a cidade de Canarana, que surgiu na década
de 1970 quando se instalaram na região os primeiros agricultores recrutados
no município gaúcho de Tenente Portela pela Cooperativa Colonizadora 31
de Março Ltda.
Fotograma 1 & Fotograma 2
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Fotograma 3 & Fotograma 4
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Fotograma 5 & Fotograma 6
O documentário terá, dessa forma, como fio condutor a questão da
identidade e cultura indígenas, mostrando que os Kuikuro, como também os
não-indígenas (figurativizados na sequência notadamente pela garçonete),
estão sempre abertos às influências culturais. É importante, contudo, ter em
mente que esse processo de sincretismo, como defendem Shohat e Stam
(2006, p. 81), não ocorre de maneira pacífica e compreende, evidentemente,
uma série de relações de poder, dada a imposição, assimilação forçada,
cooptação etc. da sociedade ocidental para com os indígenas.
A segunda sequência do filme em análise marca uma espécie de
transição do espaço urbano de Canarana para a aldeia indígena dos Kuikuro,
mostrando os mesmos indígenas que estavam no centro comercial no
interior de um avião, do qual é possível ver, inicialmente, através da imagem
que enquadra uma janela, uma vasta mata e um rio e, depois, várias ocas da
aldeia, até o pouso da aeronave e a sua recepção por várias crianças que
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
correm para vê-la. A terceira sequência de os Os Kuikuro se apresentam
inicia-se com a narração do professor Mutua: “Nós somos os Kuikuro.
Temos três aldeias. Somos mais de 500 pessoas e vivemos no Alto Xingu, em
Mato Grosso”.
Queremos destacar, em particular, os fotogramas de número 1 a 6,
nos quais se vê uma interessante alternância de imagens que remetem tanto
à ideia de tradição como à de modernidade ou, como diz Caixeta de Queiroz
(2009, p. 55), respectivamente, à “permanência cultural” e à “mudança
cultural”. Acreditamos que esse conjunto de fotogramas permite uma melhor
compreensão sobre a representação da identidade e cultura indígenas
presentes nesse documentário, revelando que as comunidades indígenas,
como defende Stuart Hall (2011, p. 80), não “são lugares ‘fechados’ –
etnicamente puros, culturalmente tradicionais e intocados até ontem pelas
rupturas da modernidade”. Essa visão é, como reflete o autor, justamente
“uma fantasia ocidental sobre a ‘alteridade’: uma ‘fantasia colonial’ sobre a
periferia, mantida pelo Ocidente, que tende a gostar de seus nativos apenas
como ‘puros’ e de seus lugares exóticos apenas como ‘intocados’” (grifos do
autor).
Por fim, analisemos o documentário Duas aldeias, uma caminhada,
dirigido pelos cineastas indígenas Ariel Ortega, Jorge Morinico e Germano
Beñites. Nesse filme, os três cineastas acompanharam o cotidiano de duas
comunidades Mbya-Guarani no Rio Grande do Sul, enfocando a relação
delas com a terra, da qual foram privadas pelos não-indígenas: a primeira
chama-se Aldeia Verdadeira e fica em Porto Alegre, cercada pela cidade; a
segunda, a Aldeia Alvorecer, localiza-se em São Miguel das Missões, a cerca
de 500 quilômetros de Porto Alegre, um território que já pertenceu aos
Guarani e hoje foi transformado em local turístico para os não-indígenas.
Destacaremos três sequências desse documentário.
A primeira mostra uma jovem indígena sentada em uma calçada no
centro de Porto Alegre expondo algumas peças de artesanato que estão à
venda. Chama a atenção nas imagens o olhar perdido da moça que,
literalmente, olha para o nada, além de estar, de certa forma, invisível naquele
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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espaço estranho que é a zona urbana e diante dos pedestres que caminham
pela rua. A imagem seguinte apresenta uma senhora e uma criança indígenas,
também sentadas no chão de uma calçada vendendo artesanato. O último
plano dessa sequência, por sua vez, mostra uma criança indígena sozinha em
uma calçada pedindo esmola com uma pequena cesta de dinheiro. Destacase, da mesma forma que a imagem inicial dessa sequência, o aspecto de
invisibilidade da menina, sendo ressaltado pela câmera fixa que a observa do
outro lado da rua durante alguns segundos e retrata o ir e vir de pedestres no
centro da cidade, os quais sequer a notam ali.
A segunda sequência apresenta o cacique da aldeia Verdadeira, José
Cirilo Morinico, em um tom introspectivo, sentado e observando um carro
que se aproxima da aldeia, quando se ouve de um alto-falante de um veículo
uma voz que diz: “Olha a banana, olha a laranja, melancia, pimentão, cebola,
pepino, pimentão. Olha o moranguinho, olha a manga, olha o pêssego”. Em
seguida, têm-se imagens de uma mulher e uma criança comprando algumas
frutas, legumes e verduras – que os Mbya-Guarani, para surpresa dos
espectadores que assistem ao filme, não plantam mais –, as quais são
observadas de longe pelo cacique que diz em depoimento:
Os brancos sempre nos olham mal, mas eles mesmos nos colocaram num
chiqueiro. Estamos como bichinhos ali cercados que alguém vai e coloca
um pedaço de pão. E se ninguém der nada, a gente não come. Mas por que
isso? Por que eles mesmos tiraram tudo. Eles mesmos, com a FUNAI,
demarcaram o nosso território. Colocaram limites.
A terceira sequência que nos interessa é a parte final do
documentário, na qual é mostrada a visita de um grupo de turistas,
professores e alunos não-indígenas às ruínas da igreja de São Miguel Arcanjo,
uma das reduções fundadas na onda jesuítica na região do século XVII.
Veêm-se, em planos alternados, os indígenas chegando ao local e arrumando
seus artesanatos, à espera dos turistas, e os visitantes chegando com seus
guias, observando o material de artesanato que está sendo vendido pelos
Mbya-Guarani e, em alguns momentos, criticando os preços cobrados pelos
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
indígenas. Apontaremos, em particular, dois momentos específicos dessa
sequência, conforme descritos a seguir. No primeiro, está Mariano Aguirre,
velho indígena que é acompanhado pela câmera enquanto desabafa:
Por aqui, andaram os nossos parentes, mas os brancos tiraram tudo da
gente e se apropriaram dessas ruínas que nossos parentes fizeram. Agora,
eles não querem dar pra gente o que é nosso. Eles têm ciúmes desse espaço.
Nossos parentes construíram isso forçados pelos brancos, os padres
jesuítas. Eles forçaram os índios a trabalhar nisso.
O depoimento de Mariano é articulado, por meio da montagem, a
dois trechos em que são mostrados na imagem duas guias turísticas
explicando para os visitantes as benesses da “história oficial”, segundo a qual,
o homem branco trouxe “proteção” para os indígenas Mbya-Guarani,
associada à ocupação e exploração das terras – como se os indígenas não
soubessem fazer uso dela – e à expansão do catolicismo. As falas das guias
turísticas são permeadas por tomadas de turistas que observam os indígenas
vendendo artesanato e tecem alguns comentários, dentre os quais
destacamos:
Criança turista (em tom de espanto): Sabe quanto custa uma
flecha?
Criança turista: Dez reais!
Turista: É usado, assim, para alguma coisa?
Indígena: Só para brincar.
Turista: Só para brincar? Mesma coisa a flecha?
Indígena: Sim.
Turista: E vocês ainda caçam com flecha, assim de verdade,
ou não?
Indígena: Agora não.
O segundo momento diz respeito a uma entrevista feita pelo cineasta
indígena Ariel Ortega com um dos turistas na qual se trava o seguinte
diálogo:
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Turista: A gente vê os alunos ficarem tristes vendo,
principalmente, ali dentro do parque, a situação dos índios,
sujos, dependentes de dinheiro e até...
Ariel: Sujos?
Turista: Sujos. E até pedindo dinheiro para fotografar, né?
Para ser fotografado eles cobram. Então, é tipo um comércio
com índio.
Ariel: Você acha que os índios estão vendendo a sua
imagem? É isso?
Turista: Estão vendendo. Creio que sim. Estão aproveitando
para vender sua imagem.
Ariel: É que muitas pessoas vem, fotografam os índios, os
Guarani, até filmam, e levam essa fotografia para outros
lugares, para usar nos seus trabalhos, e ganhar dinheiro em
cima disso.
Turista: Ah, sim...
Ariel: Eu acho que é isso que acontece.
Cremos que o caráter de denúncia, reivindicação e visibilidade de
Duas aldeias, uma caminhada é certeiro uma vez que os cineastas indígenas,
por meio do documentário em análise, enquadram o olhar não-indígena.
Interpelam os espectadores de uma maneira que os provoca, desconcerta e
incomoda quando se assiste ao filme e se vê a situação de extrema dificuldade
da comunidade Mbya-Guarani, a reclamação por seus territórios
tradicionais, e a necessidade de se tornar visível diante da sociedade nãoindígena que os ignora. É nesse sentido que André Brasil (2012, p. 103)
argumenta que em Duas aldeias, uma caminhada “aquele que sempre foi
objeto do olhar, agora olha, firmemente, o olhar de que era objeto”, de certa
forma, “como se a câmera fosse uma ‘dobradiça’, que fizesse retornar o olhar
àquele que se acostumara a ser o sujeito do ponto de vista (e raramente o seu
objeto)”.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Como resultado desse retorno do olhar, observa-se que “provocado
pelo filme, o branco se vê – a si próprio – a enunciar sua visão limitada (tantas
vezes, preconceituosa) sobre os índios” (BRASIL, 2012, p. 103), notadamente
na sequência da entrevista feita por Ariel com o turista. Os espectadores nãoindígenas reconhecem-se ali no papel dos turistas “brancos” – os mesmos
“brancos” responsáveis pelo etnocídio do qual as sociedades indígenas foram
vítimas, e que solicitam modos de vida tradicionais dos Mbya-Guarani, como
a turista que pergunta se os Guarani ainda caçam, “assim de verdade”, com
flecha, ou os que simplesmente olham e observam os indígenas e tiram
inúmeras fotos com suas máquinas fotográficas e celulares.
Para finalizar nossa reflexão, gostaríamos de tecer algumas
considerações a partir das análises que apresentamos. O primeiro
documentário, Desterro Guarani, mostra o potencial que os recursos
audiovisuais têm para atuar politicamente como processos discursivos
alternativos à história oficial, nos moldes de “uma contra-História ou uma
contra-análise”, realizada em uma abordagem “de baixo para cima”,
sobretudo no caso de grupos minoritários, como os povos indígenas
(FERRO, 2010, p. 11).
Os Kuikuro se apresentam, por sua vez, revela-nos que os indígenas
como também os não-indígenas não teriam, portanto, “uma identidade fixa,
essencial ou permanente”, mas “várias identidades”, uma espécie de
“celebração móvel”, “formada e transformada continuamente em relação às
formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas
culturais que nos rodeiam” (HALL, 2011, p. 12-13). Entendemos que a
percepção desse processo é um passo fundamental para que se tenha uma
melhor compreensão da identidade e cultura indígenas, na medida em que o
filme analisado (re)elabora representações estereotipadas sobre os povos
indígenas.
Por fim, tendo em vista a função do documentário no âmbito das
políticas de representação, tal como discutida por Bill Nichols (2008, p. 201),
Duas aldeias uma caminhada constitui-se em uma importante estratégia
política de “visibilidade social a experiências antes tratadas como exclusiva
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ou principalmente pessoais”, uma vez que nos apresenta, através das
sequências analisadas, “as formas de luta necessárias para superar o
estereótipo, a discriminação e a intolerância” (Grifos meus). Entendemos
que a categoria de “cultura”, pensada em relação aos documentários do
projeto VNA aqui analisados, trata da forma como “vários povos estão mais
do que nunca celebrando sua ‘cultura’ e utilizando-a” com o intuito de “obter
reparações por danos políticos” (CARNEIRO DA CUNHA, 2014, p. 313).
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, J. J. de. Cineastas indígenas, documentário e autoetnografia: um estudo do projeto Vídeo nas
Aldeias. Tese (Doutorado em Multimeios) – Universidade Estadual de Campinas, 2015.
AUMONT, J. e MARIE, M. A análise do filme. Lisboa: Edições Textos & Grafia, 2009.
BRASIL, A. “Bicicletas de Nhanderu: lascas do extracampo”. In: Devires – Revista de Cinema e
Humanidades. Belo Horizonte, volume 9, número 1, janeiro/junho 2012.
CAIXETA DE QUEIROZ, R. “Cineastas indígenas e pensamento selvagem”. In: Devires – Revista de Cinema
e Humanidades. Belo Horizonte, volume 5, número 2, julho/dezembro 2008.
CAIXETA DE QUEIROZ, R. “Relações interétnicas e performance ritual: ensaio de antropologia fílmica
sobre os Waiwai do norte da Amazônia”. In: FREIRE, M. e LOURDOU, P. (Orgs.). Descrever o visível:
cinema documentário e antropologia fílmica. São Paulo: Estação Liberdade, 2009.
CARNEIRO DA CUNHA, M. Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
FERRO, M. Cinema e História. Tradução Flávia Nascimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu Silva e Guaraciara Lopes Louro.
11ª ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2011.
MORAES, C. E. N. de. A refiguração da Tava Miri São Miguel na memória coletiva dos Mbya-Guarani nas
Missões/RS, Brasil. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
2010.
NICHOLS, B. Introdução ao documentário. 3ª ed. Trad. Mônica Saddy Martins. Campinas, SP: Papirus,
2008.
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SHOHAT, E. e STAM, R. Crítica da imagem eurocêntrica: multiculturalismo e representação. Trad. Marcos
Soares. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
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Mulheres na Disney: representações e
mudanças ao longo do tempo
Cecília Soares de Paiva - UNESP
Daira Martins Botelho - UNESP
Maria Cristina Gobbi - UNESP
Introdução
Durante anos a Disney tem sido responsável por levar os contos de
fadas para lares em todo o mundo, mostrando tais histórias sob uma ótica
diferenciada, amenizada perante os contos "verdadeiros" escritos pelos
irmãos Grimm, Charles Perrault ou Hans Cristian Andersen. Ao fazer uma
comparação com as publicações e as animações produzidas pela Disney, é
possível notar a adequação necessária para indicar tais produtos para o
público infantil, o que resultou em imagens que povoaram o imaginário das
crianças desde 1937, com o lançamento da animação "Branca de Neve e os
sete anões". Em um movimento cíclico, pode-se perceber que a Disney enquanto produtora de conteúdo e disseminadora de produtos que chega a
milhares de pessoas no mundo - produz e reproduz, por meio de suas
personagens femininas, costumes e situações que remetem ao cotidiano. A
empresa - como qualquer conglomerado midiático - aponta diretrizes
culturais e também mostra as mudanças sócio-históricas com o objetivo de
buscar identificação e aceitação de seu público. Dentre os vários aspectos
possíveis para uma análise, optou-se por olhar para as mulheres que a Disney
construiu e suas trajetórias ao longo do tempo. O contexto histórico é
importante para entender a construção de tais personagens, assim como a
visão do papel da mulher na sociedade. Hoje é possível verificar que foi
apresentado outro tipo de adaptação acerca da representação da mulher
contemporânea, a qual não se via mais representada nas figuras femininas
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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propostas pela Disney desde a década de 1930. Além de se observar
nitidamente a inversão de foco, que passa da mocinha para a vilã, com
diferentes visões da estória.
Este trabalho delimita, para análise, as personagens femininas mais
significativas das produções, tais como Branca de Neve, Cinderela, A
Pequena Sereia e mulheres que estão ao entorno na estória, e verifica suas
características remotas e recentes, além da relação que se estabelece entre
mídia e sociedade. É preciso lembrar que essas personagens não são o objeto
de discussão deste artigo, mas sim o processo comunicacional que envolve a
mídia massiva e a cultura, em um movimento constante.
Comunicação de massa e produção cultural
A disseminação das produções culturais, como as cinematográficas,
para o maior número de pessoas contempla o uso de meios e formas
reconhecidamente acessíveis, preponderando os chamados meios de
comunicação de massa, também aqui considerados no termo mídia. Envolve
um processo comunicacional de transmissão de informações em que é
possível vislumbrar, para este estudo, dois marcos conceituais de discussão.
Um deles concentra-se nos estudos de compreensão e denúncia dos
efeitos nocivos ocasionados pela hegemonia dos meios, em uma passividade
do sujeito receptor diante da circulação de ideias das classes dominantes e
sua manutenção no poder. Nesses enfoques, discute-se uma condicionante
unilaterial da comunicação, em um fluxo de informações de caráter
dominador e manipulador para uma massa acrítica (RICCITELLI, 2008, p.
11; MENDONÇA, 2006, p. 27). Tal preocupação encontra-se, por exemplo,
nos estudos sobre o conceito de indústria cultural defendido nas referências
sobre a Teoria Crítica, especificamente por Theodor Adorno e Max
Horkheimer, os quais, no contexto das modernizações industriais dos anos
40, "analisam a produção industrial dos bens culturais como movimento
global de produção da cultura como mercadoria" (MATTELART, 2005, p.
77).
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Essa constatação impositiva dos meios ameniza-se até ser possível
distinguir outro marco ou vertente de estudos, que ressalta as diferenças
individuais, a atenção, a percepção e a seletividade dos públicos.
Por esse viés, as teorias tendem a repensar o termo massa, de
natureza amorfa, e discorrem sobre o termo público (MATTELART, 2005,
p. 25). Nisso, encontramos análises sobre públicos segmentados; processos
de recepção; meios de comunicação dirigidos; estudos de audiência; entre
outras especificidades de realização do processo de comunicação.
Mattelart cita estudos relevantes dos anos 40 e 50 sobre o "duplo
fluxo da comunicação", com pesquisas sobre a influência dos públicos sobre
os meios, em que a produção midiática estaria submetida ao comportamento
das pessoas, com práticas de "modelos que codificavam os graus
(consciência, interesse, avaliação, tentativa, adoção ou rejeição que serviram
de grade para determinar os modos de comunicação" (MATTELART, 2005,
p. 48).
Para Riccitelli (2008), assinalou-se, a partir dos anos 70, a
importância dos conhecimentos prévios e dos contatos personalizados para
a decodificação das mensagens, além da preocupação pela tarefa de distinguir
os meios de acordo com o interesse e a participação do público.
Registramos que, embora essa distinção encontre seu ápice na força
da Internet, na sua interatividade e personificação de emissor e receptor em
um único indivíduo, os meios e produções tradicionais acompanham toda a
evolução tecnológica e também são vistos como agentes de construção da
realidade (CANCLINI, 2006; RICCITELLI, 2008).
Ante as teorizações dos chamados estudos culturais, há uma
comprovada apropriação dos meios de comunicação pelos públicos, na
disposição de suas inquietudes e até na imposição de temas que lhes
interessam; na aquisição ou recusa por este ou aquele produto; entre outras
especificidades da vida social e cotidiana (CANCLINI, 2006; HALL, 2002;
MATTELART, 2005). Nesse sentido, interessa-nos quando Mattelart fala dos
estudos de gênero, especialmente nas colocações acerca de dar atenção às
expectativas do público feminino nas produções de novelas. Conta ele que
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estudos demonstram como a abordagem da novela é construída, cuidando
de dar respostas contextualizadas e associadas ao universo das espectadoras
(MATTELART, 2005, p. 149). Associamos tal abordagem ao objeto deste
estudo porque vimos, além das subjetividades individuais de escolha e de
resistência das audiências, as fundamentações dos próprios estudos teóricos
que examinam, cada vez mais, a força decisora dos consumidores do produto
cultural:
Terra incógnita, o consumidor torna-se, na verdade objeto e sujeito das
pesquisas, como demonstra o fortalecimento das técnicas de medição dos
alvos e "estilos de vida", incessantemente refinadas graças às tecnologias
informáticas de produção e armazenamento de dados sobre o indivíduo e
os grupos. (... ) O saber sobre esses movimentos e desejos informará e
alimentará a circularidade programação-produção-consumo, sempre
instável, mas que tende à integração funcional e afetiva do consumidor
como dispositivo. (CANCLINI, 2005, p. 156)
Pouco ficou do receptor passivo e da condição impositiva. Isto se
desfaz, por exemplo, quando a produção vem a ser ignorada ou refutada, de
maneira que se torna inviável produzir ou manter determinado produto ou
ação comunicacional se não há público que os aceite. Se o segmento público
ou a própria sociedade deu por encerrado o seu querer, restam às produções
culturais serem inovadoras e transformadoras da própria indústria que as
produz.
Sobre tais transformações, antes de se mostrarem revolucionárias,
partem de produtos pré-concebidos, por meio das ressignificações e
adaptações, justamente para que as mudanças necessárias sejam percebidas
e, consequentemente, ocorram as adequações e o surgimento de novas
indústrias e novos produtos. Como exemplo, é possível citar "as adaptações
literárias para o cinema (que) são, efetivamente, releituras críticas do
hipotexto e implicam produção de sentido, uma vez que a transposição das
formas de um gênero a outro nunca é inocente." (ORRÜ, 2012, p. 2), ou seja,
as adaptações são carregadas de história e cultura.
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Contos de fadas e sociedade
A partir dessas considerações, entramos no universo dos contos
existentes em várias culturas, considerando-os em uma função social muito
importante: trabalham as questões que devem ser desenvolvidas pelos
indivíduos a fim de garantir uma convivência saudável na comunidade, já
que muitas dessas estórias possuem uma lição a ser apreendida. Por isso, "A
linguagem dos contos de fadas parece ser a linguagem internacional de toda
a espécie humana - de idades, de raças e culturas." (FRANZ, 1981, p. 38).
Como retratos da sociedade onde estão inseridos, os contos são
reinventados a todo o momento para se adequarem ao tempo presente, em
uma tentativa de aproximar os enredos da atualidade, ou seja, são adaptados
de acordo com as mudanças sócio-históricas.
As sociedades estão em constante mudança. Os elementos
responsáveis pelas transformações dizem respeito ao ambiente, que sofre as
alterações climáticas -sejam essas fruto da ação do homem ou não -, a
tecnologia é um importante fator de intercâmbio, pois, "na verdade, a
mudança tecnológica foi sempre crucial na história da transmissão cultural:
ela altera a base material, bem como os meios de produção e recepção, dos
quais depende o processo de transmissão cultural." (THOMPSON, 2009, p.
266).
Na atualidade, é possível constatar que as sociedades estão cada vez
mais ligadas à tecnologia, com acesso a diferentes veículos de comunicação,
o que permite a disseminação de conhecimento e a troca de informação em
um espaço de tempo muito mais curto, além das variadas plataformas, como
as virtuais. Essa interação é questionada por conta da universalização da
cultura, deixando de lado a individualidade de cada comunidade, região ou
país.
Assim como a prensa de Gutemberg foi responsável por uma
revolução na História, a comunicação dinâmica de hoje leva a
transformações significativas em todos os âmbitos: biológico, social, cultural.
Ao fazer uma alusão à internet, Thompson (2009) indica como essa
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plataforma pode alterar a vida dos indivíduos: "Ao separar a interação social
do local físico, o desenvolvimento dos meios técnicos afeta, também, as
maneiras como, e o quanto os indivíduos são capazes de gerenciar sua autoapresentação." (p. 302).
A junção de elementos do passado e do presente é constante quando
se trata de contos de fadas, e é possível encontrar indícios dessas estórias em
diferentes produtos midiáticos. As empresas de comunicação aproveitam
essa linguagem internacional e usam as obras completas ou elementos e
personagens para alcançar variados públicos. Assim,
Ao longo dos tempos, inúmeras versões dos "contos de fadas"foram sendo
registradas e a produção que inicialmente nasceu de origem partilhada, ou
seja, composta pelos contos populares que constantemente modernizavam
a história, adicionando elementos e, muitas vezes, atenuando detalhes
intrigantes, de acordo as exigências sociais e valores de cada época, foi sendo
transposta ora de forma fechada, como no caso das versões da Disney, ora
de forma aberta, como pode-se perceber nas versões interativas. (ORRÜ,
2012, p. 1 - 2)
Tanto os acontecimentos históricos, quanto a ação dos meios de
comunicação influenciam essas mudanças nos contos de fadas, por isso a
apresentação de personagens pode se dar de maneira muito diferente da
versão "original". Assim, "essa aparente traição ao texto-fonte é uma tentativa
de preservar a significação original, não de modo especular, que seria
impossível, mas no sentido de que um interpretante gera signos culturais
diferentes ao ser transposto de um ambiente para outro (...)." (ORRÜ, 2012,
p. 15).
As adaptações feitas nos contos pela Disney desde 1937 serão
abordadas sobre a ótica do papel da mulher na trama, aliado ao contexto
sócio-histórico, com objetivode verificar de que maneira a comunicação e a
cultura atuam em um processo contínuo de retroalimentação.
Mulheres clássicas
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A própria Disney28 indica que os primeiros desenhos são
considerados clássicos, esse é um segmento que começou com o lançamento
de A branca de Neve e os sete anões, em 1937. As produções que se seguiram
foram Cinderela, no ano de 1950 e A bela adormecida, com a princesa
Aurora, lançada em 1959.29
O desenvolvimento dessas narrativas gira em torno de
acontecimentos trágicos, como a perda da mãe, disputas familiares, conflitos
de identidade e todos os desfechos são em torno do amor entre homem e
mulher que, na maioria dos casos, é apresentado como a solução para todos
os problemas e a garantia de felicidade "para sempre". Tais versões
produzidas pela Disney são compostas por uma representação princesa
como mulher submissa, que acredita que o amor é o único caminho para a
felicidade e que o casamento será a maneira de se realizar pessoalmente e,
também, fugir dos problemas que enfrenta. Existe, ainda, um forte caráter
maniqueísta nessas versões, já que os personagens são sempre posicionados
em um único universo: o bem ou o mal. Não existe meio termo.
28
No site www.disney.com.br, a empresa chama de clássicos as animações que envolvem as princesas
anteriores à Valente e Frozen, por exemplo.
29
As indicações cronológicas apresentadas neste artigo são encontradas no trabalho de DOMBROWSKI
NETTO, Jéssica. O papel da mulher nos filmes das princesas da Disney, 2014. Ver referências.
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Como representantes de uma determinada época, os contos se
adaptam de acordo com a sociedade na qual estão inseridos, assim, "cada
versão traz consigo o poder de retratar os fenômenos arquétipos de uma
cultura, com o objetivo de satisfazer, ainda que inconscientemente, o
imaginário de um povo." (ORRÜ, 2012, p. 6). Isso explica a trajetória que foi
utilizada para criar as princesas e, no caso da Branca de Neve, trata-se da
representação de mulheres da década de 1930, período anterior à Segunda
Guerra Mundial, com viés patriarcal e com grande apelo às tarefas
domésticas. A outra mulher representada na estória é a Rainha Má, que não
mede esforços para acabar com aquela que é considerada a mais bela de
todas. Uma luta do bem contra o mal.
Padrão semelhante aconteceu com Cinderela, no entanto, há uma
mudança que envolve o final da guerra - com a entrada de mulheres para o
mercado de trabalho por conta da falta de mão de obra masculina perdida
nos combates -, o auge do capitalismo norte-americano e o aumento do
padrão de vida, o que pode ser visto em Cinderela, que não se alegra em
cuidar do trabalho de casa e procura um marido que lhe proporcione
conforto (LEPINSKI, 2014, s/p). Esse aspecto também é encontrado em
outras mulheres na estória. A madrasta conseguiu casamento com o pai de
Cinderela para manter o padrão de vida e buscava o mesmo para as filhas,
que deveriam ir ao baile real para conquistar o príncipe. Já a fada madrinha
está mesmo no papel de mãe, realizando o desejo de Cinderela. Aurora é a
única das princesas que possui pai e mãe vivos, ou seja, não tem que lidar
com a madrasta má, no entanto, passa pela maldição do sono por conta de
uma fada que não foi convidada para seu batizado. Mais uma vez, é colocado
o confronto entre a mocinha e a vilã, geralmente por motivo fútil.
Rebeldia e luta contra o sistema
A partir da década de 1990, inaugurada com o lançamento da
animação A pequena sereia, em 1989, a Disney passou a retratar suas
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princesas com um enfrentamento da ordem imposta pela sociedade na qual
viviam.
Arial é adolescente, órfã de mãe, que enfrenta o pai para realizar o
sonho de ver outros mundos, conhece o seu príncipe, que é humano e a
narrativa se desenvolve na busca pela superação das adversidades para que o
casal possa ficar junto. Suas irmãs são exageradamente vaidosas e são
apresentadas em uma zona de conforto, diferente de Ariel.
Bela, em A Bela e a Fera, é a responsável por evitar que seu pai fique
preso no castelo da Fera e, em um acordo, oferece-se para trocar de lugar
com o pai e viver no castelo. A animação mostra o conflito entre o medo da
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
aparência e a descoberta da beleza interior, que levou Bela a se apaixonar por
Fera que, na verdade, era um príncipe enfeitiçado.
O enfrentamento aparece na história de Jasmine, a princesa que
enfrenta a imposição de ter que se casar com um príncipe e escolhe o plebeu
Aladdin, personagem que dá nome ao desenho de 1992.
A mulher guerreira aparece em Pocahontas (1995), que se apaixona
pelo europeu e ainda evita uma guerra entre seu povo e os colonizadores.
Outra lutadora é Mulan (1998) que, para evitar que seu pai tenha que ir à
guerra, apresenta-se em seu lugar vestida de homem. Antes da
transformação, porém, sua mãe a leva para uma escola de boas maneiras, que
deveria ensinar como se comporta uma mulher boa para casar. Criticada por
seu comportamento não feminino, a personagem é considerada por Lepinski
(2014) a primeira princesa a lutar pela igualdade de gêneros, pois busca o
reconhecimento do potencial feminino e questiona a função da mulher,
somente relacionada ao casamento.
Com as mudanças históricas desde os anos 1960 - Cinderela já
demonstrava que as mulheres estavam buscando não somente um marido,
mas uma posição na sociedade - as mulheres passaram a ser consideradas no
mercado de trabalho, em um movimento de emancipação feminina, que foi
marcado, também, pelo movimento feminista e a luta pelos direitos das
mulheres.
Mulheres da atualidade
Com a mudança do papel da mulher na sociedade, as mudanças
também ocorreram com as mulheres da Disney, até mesmo pelo fato da
identificação dos personagens e a aproximação com o "mundo real" fez com
que os enredos fossem construídos com novas abordagens.
As narrativas mais recentes mostram uma inversão do enfoque
relacionada às protagonistas. A figura do príncipe passa a ser a de
coadjuvante, pois possui sua importância, mas a estória passa a ter como
centro as personagens femininas.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Em 2009 a Disney faz o lançamento de A princesa e o sapo, uma das
versões do príncipe que é transformado em sapo e espera que uma princesa
o beije para quebrar o encanto. Na estória, que conta com a primeira princesa
negra da Disney, o beijo que quebraria o feitiço transforma Tiana em sapo e
a aventura segue até que os dois voltem a ser humanos. Tiana tem como
objetivo não o casamento, mas a questão profissional: abrir um restaurante.
A princesa que o sapo procura, na verdade, não é Tiana, é uma outra moça
que pode ser considerada uma princesa clássica.
Outro enfoque diferenciado é a estória de Enrolados (2010). Uma
versão moderna de Rapunzel que traz os personagens do conto, mas mostra
uma princesa muito mais ativa e que não fica à espera do príncipe. O casal
acaba atuando em equipe para atingirem seus objetivos.
A estória da ruiva Merida em Valente (2012) trouxe uma princesa
que resolveu lutar, em um campeonato, pelo seu próprio destino.
Diferentemente dos outros contos, o enfoque está na relação entre mãe e
filha, já que a mãe é transformada em urso e Merida tenta quebrar o feitiço.
Na mais recente produção da Disney, Frozen - Uma Aventura
Congelante, lançada em 2013, as relações familiares também são colocadas
em evidência, nesse caso, entre irmãs. O amor homem-mulher é deixado em
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
segundo plano, tanto que não é um príncipe que dá o beijo de amor
verdadeiro, mas sim Elsa, a irmã de Anna, salvando-a do congelamento.
A Disney passou a tratar de estórias de princesas também em filmes
com personagens reais, além das animações. Em 2001, mostrou a
personagem Mia, no filme Diário da Princesa, que descobre ser filha de um
príncipe quando sua avó começa a treiná-la para a sucessão real. Até então,
Mia acreditava que seu pai havia morrido e que fora criada somente pela mãe.
Um conto de fadas moderno que mostra a transformação da protagonista, o
que pode ser entendido como um rito de passagem da infância para a idade
adulta.
O filme seguinte a retratar o universo dos contos de fadas foi
Encantada (2007), que, com toques de animação, mostrou a trajetória de
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Giselle, a princesa que foi enviada para a cidade de Nova Iorque para que não
se casasse com o príncipe. No "mundo real", Giselle age como em seu mundo:
fala com os animais, canta e dança levando uma legião de pessoas consigo.
Com as atitudes das princesas clássicas, ela inova ao escolher ficar com o
homem que conhece no "novo" mundo.
O direcionamento da trama se volta para a vilã da Bela Adormecida
na versão de 2014, Malévola. O filme aborda a transformação da ersonagem
depois de uma desilusão amorosa com a traição de seu escolhido. Nessa
adaptação, há maior preocupação em retratar Malévola como uma pessoa
ambígua, assim como são todos os seres, livrando-se do caráter maniqueísta
apresentado em produções anteriores. Outra diferença é o beijo que quebra
o feitiço, dado por Malévola em Aurora, em vez de um príncipe.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
O conto Cinderela foi adaptado para a versão fílmica em 2015, sob o
mesmo título. Ella realiza a mesma trajetória da animação feita pela Disney
em 1950: ambiente de castelos e florestas, com o mesmo enredo da princesa
que perde o sapatinho de cristal e o príncipe passa a procurá-la para se
casarem.
O porvir
A sociedade atual está em um processo interessante de
empoderamento. Consequentemente, há uma cobrança maior em relação à
representatividade em todos os âmbitos, assim como na produção cultural.
O caminho feito para delinear as adaptações que mostram as mulheres
representadas nos produtos Disney mostra a evolução desse gênero também
na história. Por isso, é possível relacionar a questão da representatividade a
essa trajetória.
Em 2009 a Disney apresentou a primeira princesa negra, Tiana.
Apesar de não confirmar que Elena de Avalor seja uma representante da
cultura latina, é possível reconhecer traços físicos e do vestuário que remetem
a latinidade apontada.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Considerações
A trajetória apresentada neste artigo mostra a indústria cultural que,
inicialmente, foi estudada como uma via de mão única, mas, com o passar do
tempo os estudos mostraram outras vertentes que indicam um fluxo intenso
de informações que não parte apenas do emissor, mas em que o produtor
também precisa ouvir o seu público, já que a audiência é extremamente
importante e também dita as regras desse jogo cultural. Por conta dessa troca
de informações é possível encontrar mesclas de produtos culturais e história,
que estão presentes nas narrativas, nas atitudes, no discurso. Isso pode ser
comprovado pela análise das mulheres que a Disney apresenta em seus filmes
e animações.
O contexto sócio-histórico está representado nos perfis das princesas
e dos personagens envolvidos na trama, mesmo que de maneira
estereotipada. Ao ver a cronologia das produções, nota-se que as narrativas
evoluíram de acordo com o entorno. Assim como a Barbie30 - mesmo após
mais de 50 anos, que mudou para se aproximar de seu público, a Disney se
adaptou e, aos poucos, vai refletindo seu próprio conteúdo.
Estudos31 comprovam a influência da mídia e dos próprios contos de
fadas nas crianças, por isso as mudanças notadas são relevantes e reiteram a
proposta deste trabalho, que é mostrar de que maneira os produtos culturais
estão em constante troca com a sociedade. Independentemente do motivo seja relativo à audiência e ao mercado -, não há como fugir desse processo. E
esse movimento32 não passa despercebido, ele responde a uma demanda
30
Depois de uma pesquisa de opinião, a boneca Barbie será reformulada para tentar retomar as vendas e
chegar mais perto das consumidoras: mães e filhas. Matéria disponível em:
<http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160129 barbie diversidade fn>. Acesso em: fev/2016.
31
Como a pesquisa mostrada na matéria Estudo linguístico dos filmes da Disney revela que
comportamento de personagens mudou. Disponível em: <http://www.ovale.com.br/viver/estudolinguistico-dos-filmes-da-disney-revela-que-comportamento-de-personagens-mudou-1.661399>.
Acesso em: fev/2016.
32
Análise
sobre
os
últimos
filmes
da
Disney.
Disponível
em:
<http://www.revistaforum.com.br/questaodegenero/2014/06/03/malevola-frozen-e-valente-o-amorentre-mulheres-comeca-despontar/>. Acesso em: fev/2016.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
social ao mesmo tempo em que reflete as transformações sociais e culturais
de várias épocas.
Referências
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1999.
DOMBROWSKI NETTO, Jéssica. O papel da mulher nos filmes das princesas da Disney. Artigo apresentado
no 9o Ciclo de Debates sobre Jornalismo, em Curitiba - SP, 2013.
Disponível em:
<http://revistas.facbrasil.edu.br/cadernoscomunicacao/index.php/comunicacao/article/dow
nload/131/126>. Acesso em: jan/2016.
FRANZ, Marie Louise von. A interpretação dos contos de fadas. Trad. Maria Elci Spaccaquerche Barbosa.
Rio de Janeiro: Achiamé, 1981.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
LEPINSKI, Paula Fernandes. As princesas da Disney através das décadas. Disponível em:
<http://www.usp.br/cje/jorwiki/exibir.php7id texto=189>, 2014. Acesso em: jan/2016.
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Recepção mediática e espaço público: novos olhares. p. 27 - 38. São Paulo: Paulinas, 2006.
ORRÜ, Sílvia Regina Saraiva. Era uma vez a transposição literária: um passeio intersemiótico de branca de
neve pelo audiovisual. Artigo apresentado no III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade
(III SIDIS) - Dilemas e Desafios na Contemporaneidade, em Campinas - SP, 2012. Disponível em:
<http://www.iel.unicamp.br/sidis/anais/pdf/ORRU SILVIA REGINA SARAIVA.pdf>. Acesso: mar/2013.
RICCITELLI, Teresa. Los medios aliados o enemigos del público?: derivaciones de las teorías de las
comunicaciones surgidas en los setenta. Buenos Aires: Educa, 2008.
THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação
de massa. 8ã ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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A telenovela e o merchandising social: um
estudo sobre a violência contra a mulher
abordado na novela A Regra do Jogo
Maria Aparecida Baccega – ESPM
Maria Amélia Paiva Abrão – ESPM
Introdução
Os meios de comunicação e, em especial, a televisão aberta abrangem
quase todo o território nacional, ou seja, de Norte a Sul do país, homens e
mulheres, de todas as classes e raças têm acesso ao conteúdo disponibilizado
pelas emissoras nacionais. Destacamos a Rede Globo, que está presente em
98,6%33 dos lares com televisão no Brasil. Além de ser a emissora aberta de
maior audiência, ainda ultrapassa no IBOPE o conjunto de canais de TV
paga34.
O horário de maior audiência para a Rede Globo é o noturno, 18h às
24h. Neste período são transmitidos as telenovelas e o telejornal. As
telenovelas já são um formato consagrado dentro da emissora. A qualidade
deste produto é reconhecida internacionalmente, através de prêmios e até de
sua exportação para outros países.
A telenovela é uma obra aberta, que dialoga com a sociedade: agenda
temas para serem discutidos socialmente. Algumas questões levantadas
dentro de uma narrativa perpassam de maneira marginal pela sociedade e ao
serem abordadas de forma mais ampla faz com que as pessoas comecem a
mencionar e discutir mais determinado assunto.
33
34
Fonte: Mídia Dados 2015.
Fonte: Obitel 2016
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As ações socioeducativas são ações realizadas dentro de uma
telenovela, que buscam retratar um tema que necessita de mudança e
compreensão maior por parte da população. Temas como alcoolismo,
violência contra idosos, tráfico de mulheres, desaparecimento de crianças
foram alguns dos já levantados pelas telenovelas globais.
Em A regra do jogo, a violência contra a mulher, mais
especificamente, a violência doméstica vem sendo retratada através das
personagens de Domingas e Juca, moradores do Morro da Macaca. Embora
Domingas sustente a casa, ela é constantemente agredida física e
psicologicamente pelo marido, além de aguentar suas traições até dentro de
sua residência.
As cenas destes personagens retratam o cotidiano de milhares de
mulheres no Brasil. A maioria da população brasileira é composta por
mulheres (51,4%),35 sendo a população total do país de 250.444.128
habitantes.36 Entretanto, segundo pesquisa Data Senado 2015,37 uma em cada
cinco mulheres já sofreu violência doméstica.
A questão de gênero, a violência contra a mulher e sobretudo no
âmbito doméstico são assuntos que não devem cessar, gerando debates com
intuito despertar a sociedade para o problema e para a busca de soluções.
Procuraremos, a seguir, tratar do contexto social para, a partir dele,
mostrar a violência doméstica.
Sim ao barulho
Vivemos em uma sociedade patriarcal, em que a ideologia machista
ensina desde cedo as crianças a se comportarem como meninos ou meninas,
realizando a distinção de sexo, definindo os papéis, em que o “homem não
chora” e a “mulher não fala palavrões” e, assim, vão crescendo e
35
Fonte: Portal Brasil
Fonte: IBGE
37
Fonte: Pesquisa Data Senado 2015.
36
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transformando-se em homens e mulheres ditos perfeitos, ideais,
culturalmente definidos e aceitos.
Como diz Simone de Beauvoir, “ninguém nasce mulher: torna-se
mulher” (DE BEAUVOIR, 1967, p.9). Nesta sociedade, a mulher é desenhada
para viver à sombra do homem, como uma pessoa de menor valor, numa
relação de subordinação. Inclusive no mercado de trabalho as mulheres são
tidas como inferiores, recebem menos que seus pares, simplesmente por
serem do sexo feminino. Segundo pesquisa realizada pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento – BID,38 mesmo com maior nível de
instrução, as mulheres latino-americanas recebem 10% menos que os
homens e no Brasil essa diferença salarial chega a 30%.
Delimita-se então o espaço privado como esfera feminina e o público
como esfera masculina. A mulher é responsável por todos os afazeres
domésticos, pela criação dos filhos e as demandas externas cabem ao marido.
o homem sempre teve como seu espaço o público e a mulher foi confinada
ao espaço privado, qual seja, nos limites da família e do lar, ensejando assim
a formação de dois mundos: um de dominação, produtor - (mundo externo)
e o outro, o mundo de submissão e reprodutor (interno). Dessa forma,
ambos os universos, público e privado, criam polos de dominação e de
submissão (DIAS, 2007, p.17).
Ao longo da história os papéis representados pelas mulheres/
homens podem mudar de acordo com os interesses da cultura hegemônica.
Ao mesmo tempo, estes papéis são inseridos no cotidiano das pessoas, em
rituais familiares, através de agentes de socialização, como a igreja, e, sem
que as pessoas percebam, essa cultura machista vai se perpetuando dentro da
sociedade, inclusive entre as mulheres. E neste jogo ideológico todos perdem,
pois aqueles que não se enquadram no sistema são excluídos, homens e
mulheres. O homem que não é viril será considerado fraco, frouxo, corno,
entre outros termos pejorativos.
38
Fonte: Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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E o menino que foi ensinado a mandar, chega a fase adulta sentindose poderoso dentro deste ambiente que privilegia o homem em detrimento à
mulher. De uma maneira geral, a mulher é vista como objeto, uma
mercadoria a ser conquistada. Essa é uma relação de dominação/
subordinação com níveis de intensidade, que varia de acordo com a classe
social – desta relação surge a violência contra a mulher e a violência no
âmbito doméstico.
A violência doméstica apresenta características específicas. Uma das mais
relevantes é a sua rotinização, o que contribui, tremendamente, para a
codependência e o estabelecimento da relação fixada. Rigorosamente a
relação violenta se constitui em verdadeira prisão. Neste sentido, o próprio
gênero acaba por se revelar uma camisa de força: o homem deve agredir,
porque o macho deve dominar a qualquer custo; e a mulher deve suportar
as agressões de toda ordem, porque seu ‘destino’ assim determina
(SAFFIOTI, 1999, p.88).
Ao longo dos últimos anos o governo brasileiro tem desenvolvido
ações para reprimir a violência doméstica, como a criação da “Lei Maria da
Penha (lei no11.340)” e o Ligue Denúncia 180.39 Com o objetivo de punir os
casos de violência doméstica e familiar, a lei considera cinco tipos de
violência: físico, psicológico, sexual, moral e patrimonial. Entretanto, os
números de feminicídios e agressões ainda são altos.
Chama-nos a atenção a pesquisa realizada pelo Ipea sobre os
feminicídios. Entre 2001 e 2011, foram 50 mil no país, ou seja,
aproximadamente 5.000 mortes por ano40. A maioria das mulheres tinha
baixa escolaridade, era negra (61%) e tinha entre 20 a 39 anos (54%). Os
estados com maiores taxas de feminicídio foram: Espírito Santo (11,24%),
Bahia (9,08%), Alagoas (8,84%), Roraima, (8,51%), Pernambuco (7,81%) e
Goiás (7,57%).
39
Desenvolvido pela Secretaria de Políticas para Mulheres
Fonte: Estudo desenvolvido pelo Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada: Violência contra a
mulher: feminicídios no Brasil.
40
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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No período de Carnaval, vemos muitas campanhas de
conscientização para evitar o assédio e a violência contra as mulheres.
Todavia, as manchetes de jornais e portais da internet sempre trazem notícias
de abusos nesta época. As campanhas e o debate devem ocorrer durante todo
o ano e não apenas em uma data pontual, pois, como mostram os dados, a
violência contra mulher é um problema social que requer medidas sérias para
ser extinta. A busca por soluções deve vir de todas esferas sociais.
Neste sentido, os meios de comunicação contribuem através da
divulgação de informações e com ações socioeducativas, como as realizadas
em suas telenovelas. Em A regra do jogo, a violência doméstica foi
amplamente divulgada em suas cenas. Ao longo da narrativa, Domingas – a
personagem violentada -, foi se fortalecendo e ações de como se proteger do
agressor foram sendo mostradas.
A seguir, apresentaremos a pesquisa de recepção realizada em
Goiania-GO, com o objetivo de verificar qual a percepção das goianas frente
à questão da violência doméstica. Para tanto, apresentamos cenas da
personagem Domingas em duas fases, a primeira, quando sofria todos os
tipos de agressões de Juca e, a segunda, quando começa a se fortalecer e se
reconhecer enquanto mulher.
Vejo, Logo Discuto
A violência contra a mulher prejudica toda a sociedade, por isso, fazse necessário essa conscientização coletiva, não apenas das mulheres, mas de
todos, da importância da denúncia, da separação, na maioria dos casos, e,
principalmente do fortalecimento das mulheres.
Os meios de comunicação contribuem para divulgação de
campanhas sobre o tema, assim como promovem ações socioeducativas que
colaboram para fornecer poder às mulheres nessas situações. A telenovela é
um dos formatos mais consagrados da televisão, acessível a toda a população,
sem distinção de classe, raça ou gênero. Ao abordarem ações socioeducativas
em sua trama, trazem à luz da sociedade questões que necessitam de debate
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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e de modificação social. Além disso, através de suas personagens, mostram
várias alternativas para enfrentar determinadas questões. A telenovela não
apenas apresenta modelos.
Em A regra do jogo, a violência doméstica provocou um incomodo
na sociedade, que passou a discuti-la nas redes sociais, entre amigos, em
portais da internet. Este é um tema que não passa despercebido, porém, é
preciso debatê-lo para que a mudança ocorra.
Nesta telenovela, a personagem de Domingas sofreu todas as
agressões previstas na “Lei Maria da Penha” (físico, psicológico, sexual,
moral e patrimonial) por parte de Juca, seu marido. Todos os moradores do
“Morro da Macaca” sabiam das agressões, porém Domingas, renegava os
apelos de sua melhor amiga, e continuava com o marido. Após muitas
humilhações e espancamentos, ela decide pedir ajuda aos amigos para
expulsar Juca de casa. A partir deste momento, Domingas começa a se
fortalecer.
Surge em sua casa um estranho chamado César que a trata com
muito carinho e respeito. Não demora muito e ela se entrega sexualmente a
ele e começa a se descobrir mulher – a sua sensualidade e a sua sexualidade.
A partir da história de Domingas e suas duas fases - mulher agredida
e mulher fortalecida – selecionamos algumas cenas para realizarmos uma
pesquisa de recepção.
Pensamos a comunicação como um processo (HALL, 2003)
construído socialmente, em que emissor e receptor permanecem em
constante diálogo/ trocas, cada qual recebendo/ codificando e decodificando
a mensagem a partir de suas práticas sociais. O processo de recepção não
inicia ou finaliza frente à televisão, mas sim antecede e prossegue ao ato de
assistir a ela. Em suma,
[...] a comunicação está imersa na cultura. É uma prática que produz
significados, ou seja, a partir do que já está e já é naquela cultura,
ressemantizam-se os significados em cada ato de comunicação. Implica
sempre emissão e recepção, resultando na construção de sentidos novos,
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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renovados – ou mesmos sentidos reconfigurados -, produzidos nesse
encontro (BACCEGA, 1998, p.9).
Isto posto, realizamos um grupo focal na cidade de Goiânia-GO.
Escolhemos o estado de Goiás por este estar entre os dez estados com o maior
número de feminicídios no Brasil, sabemos que por trás deste encontra-se a
violência doméstica. Neste enfoque, buscamos verificar a percepção da
mulher goiana frente a esta temática e a questão do fortalecimento da
mulher, ambos abordados na telenovela.
Tendo caráter qualitativo, optamos pelo grupo focal, pois este
possibilita entrevistar pessoas com intuito de analisar como se comportam
sobre determinados assuntos em grupo. “O grupo focal não tem a intenção
de obter o consenso sobre um determinado assunto. Ao contrário, o grupo
focal encoraja uma série de respostas que promove um maior conhecimento
sobre atitudes, comportamentos, opiniões ou percepções dos participantes a
respeito das questões pesquisadas” (HENNINK, 2007, apud
LIAMPUTTONG, 2011, p.03) (tradução nossa).
Selecionamos cinco mulheres, entre 35 e 40 anos, pertencentes à
classe média, todas com curso superior, tendo uma, curso de pós-graduação
(mestrado). Das participantes, duas são casadas e três solteiras. Embora este
não seja o público mais atingido pela violência doméstica isto não quer dizer
que dentro desta classe as mulheres não sofram este tipo de violência. A
violência possui níveis de intensidade e não distingue classe ou raça, pois a
ideologia machista impera em todas as camadas sociais.
Para a pesquisa, um vídeo de 35min foi editado e dividido em duas
partes. A primeira mostra a fase em que Domingas é agredida violentamente
pelo marido e abre uma discussão. A segunda mostra a fase do fortalecimento
e descoberta de sua sexualidade e abre novamente a discussão. Entretanto,
antes da apresentação do vídeo, iniciamos o grupo focal com algumas
questões relacionadas a mulher para tentarmos compreender a visão das
goianas frente ao papel da mulher na sociedade e com intuito de analisar o
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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quanto a ideologia machista pode influenciar em sua visão ou em seu
cotidiano.
A mulher goiana e seu olhar
Na primeira parte da pesquisa buscamos compreender a visão das
pesquisadas sobre as mulheres e sobre seu papel na sociedade. Ao serem
questionadas sobre o papel da mulher na sociedade, a participante 01 disse:
“Acho que hoje em dia a mulher tem um papel de líder, em muitos
lugares, influenciadora [...]”
A participante 02 continua:
“Para mim, é igual ao homem, de todo ser humano!”
Para a participante 03 o papel da mulher
é essencial, sem a gente não tem sociedade, porque a gente é que coloca
filho no mundo, ela é quem comanda a casa. Se ela é chefe ela é capaz de
comandar uma empresa inteira. Ela é multifuncional, se está na empresa,
está pensando na casa, na tarefa do filho, no que o filho vai comer. Acho
ela muito mais funcional hoje em dia, até mesmo porque hoje em dia o
homem não dá conta de ser o provedor. A gente tá com papel de
compartilhar, antes ele era o provedor e ele comandava mais a casa, agora
não, a gente está disputando com eles o mercado de trabalho, dividindo as
contas.
Vemos nesta participante o discurso machista que se encontra
naturalizado Sem se dar conta ela vai proferindo a ideologia dominante como
se fosse algo natural. Em suas palavras, hoje a mulher trabalha, já que o
homem não consegue mais prover seu lar sozinho. A mulher aparece neste
discurso como a única responsável pelo lar, a diferença está na divisão das
contas.
A participante 02 retoma a palavra dizendo “ela [a mulher] é dona de
casa, mas ela tem que trabalhar, ela tem que dividir conta, mas ela não quer
dividir conta, eu tenho um conceito de cultura arraigado, acho que todas nós
somos daqui.” Embora esta participante apoie a igualdade de gênero, ela
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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afirma ter um conflito cultural, pois cresceu na cultura goiana em que
“mulher não paga conta” e ela se recusa a dividir a conta com o marido.
Ao serem questionadas sobre o papel da mulher na sociedade
goiana,a participante 02 afirmou:
Acho que a mulher tem o intuito de contribuir com a sociedade em geral.
[...] Acho que o papel da mulher goiana é quebrar esses tabus que a gente
só pensa igual, que todo mundo é atrasado. [...] Eu acho que o goiano, a
gente tem que ralar muito mais do que os outros, por a gente ser goiano.
Porque tem um pré-conceito de ser goiano.
A participante 01 chamou a atenção que ainda tem muita mulher
goiana cujo papel é “ser socialite! Ainda tem muito!” A participante 04
continuou, “hoje em dia é aquela cobrança, a mulher não pode envelhecer,
não pode isso [...] o homem pode nascer fazendo tudo!” Ao fazer essa
afirmação todas concordaram e uma participante continuou “....[o homem]
pegar todas!”
Nos discursos das participantes vemos a questão cultural, de como
os goianos são vistos fora de Goiás e como se sentem frente à percepção do
outro. Percebemos também algo que permanece na cultura goiana, talvez em
todas as culturas, que é vontade de algumas mulheres ascender socialmente.
E por fim, aparece novamente a ideologia machista, a cobrança em torno das
mulheres, a idealização de uma mulher perfeita (e inatingível), enquanto
existe uma tolerância em relação aos homens.
Após conhecermos um pouco as participantes, apresentamos a
primeira parte do vídeo, com cenas da violência doméstica sofrida por
Domingas e abrimos para discussão.
“Essa é uma mulher totalmente sem amor próprio, com a autoestima
zero, ela se sente a pior mulher do mundo!” exclamou a participante 05. “É
falta de atitude, falta de noção, porque ela sustenta o cara. O cara faz tudo
quanto é tipo de violência com ela [...] Uma mulher dessa além de autoestima,
falta senso!,” continuou a participante 02.
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“Primeiro vem da criação, [é] cultural... é criada para casar, cuidar da
casa, seja como o marido for ela está segurando o casamento, aquela criação
de aguentar tudo do homem, do casamento [...] é muito arraigado essa criação
que a gente tem,” opinou a participante 03. “Principalmente para as pessoas
de baixa renda,” completou outra participante.
Para algumas participantes as cenas geraram revolta,
principalmente o fato de Domingas não reagir às atitudes violentas do
marido. Outras conseguiram se solidarizar por enxergar o quanto Domingas
está acorrentada à cultura machista. “A resignação, ingrediente importante
da educação feminina, não significa senão a aceitação do sofrimento
enquanto destino de mulher.” (SAFFIOTI, 1987, p. 35)
“Acho que 90% do que a novela mostra acontece na vida real [...] e é
por isso que existe a ‘Lei Maria da Penha’, [...] isso é muito comum na nossa
sociedade [...],” comentou a personagem 03.
“Tem mulher que acha bonito o homem ser possessivo demais [...], ‘tá
sendo cuidadoso’, vai dando abertura [...],” disse a participante 04. A
participante 02 levantou uma questão,
e a gente tem a cultura do homem daqui ser tosco, né? O homem de
Goiânia é bruto! Eu casei com uma pessoa de fora, porque todo mundo
que eu conhecia eu achava grosso, tosco, até o jeito de falar: ‘ooohh muiér’.
[...] Aquilo para mim já é um tipo de agressão, já te coloca como um
animal!
“Confunde um pouco a pessoa do campo precisar ser rústico, do
campo, com ser grosso,” definiu a participante 03.
A partir da discussão gerada percebemos que todas as participantes
conheciam a “Lei Maria da Penha” e do que se tratava. Vemos aí a
importância dos meios de comunicação e de escolaridade na divulgação de
informações. Em relação ao homem goiano, notamos que existe uma cultura
de o homem goiano ser mais rústico, que muitas vezes se mistura com a
ideologia machista, tornando-o grosso. Até vinte anos atrás a economia de
Goiás era baseada exclusivamente na agricultura e na pecuária, talvez venha
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
daí esse perfil dos homens traçado pelas mulheres, o qual permanece
culturalmente na sociedade goiana.
Como o assunto estava em torno da violência e da sociedade goiana,
questionei as participantes se conheciam alguma mulher que sofrera
violência. Três das cinco presentes conhecem mulheres que já sofreram
agressão, inclusive algumas presenciaram a agressão. Na palavra de uma
delas, “às vezes, na nossa infância a gente conhecia situações de violência, mas
a gente não sabia que era violência, já percebeu isso? [...] às vezes a gente via
um tio que fazia alguma coisa [...] e hoje você percebe que era.”
Todas demonstraram consciência da responsabilidade social sobre
este tema, que perpassa pelo ambiente familiar até chegar ao poder
Executivo. A seguir, o depoimento da participante 03, conclui de forma
sucinta a opinião de todas:
o poder público tem que fazer o papel através das campanhas e das leis.
[...] E há também a educação, quanto mais as pessoas são instruídas, mais
elas vão ganhando autoestima, [...] vai tirando aquele ranço de machismo,
de que homem pode tudo, as mulheres vão se libertando dessa ideia de
que têm que aguentar tudo de marido.
Em relação às cenas de violência doméstica de A regra do jogo, as
participantes foram unânimes em afirmar que são válidas para todos. “Tem
uma função social, educativa,” afirmou a participante 02. “Se a pessoa estiver
ali assistindo e estivar passando pela situação, ela vai se enxergar. E outra,
para questionar, também!” completou a participante 04.
Terminada a discussão da primeira parte, iniciamos a apresentação
da outra parte do vídeo, em que apresentamos a segunda fase de Domingas,
quando ela conhece César, se entrega a ele logo nos primeiros dias,
descobrindo sua sexualidade e sensualidade.
A visão das participantes em relação a esta etapa foi: “é uma coitada!”
manifestou uma participante; “está embarcando de novo em uma coisa que
ela não sabe nem quem é,” disse a outra. “Do mesmo jeito que ela aceitou o
mau, o cara que batia nela, ela aceitou sem questionar o cara que apareceu na
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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casa dela, que agora cozinha para ela, faz tudo pra ela,” considerou uma
participante. “Caminhar sozinha ela não vai?” perguntou outra.
Para as participantes a entrega de Domingas à César – um homem
que acabou de conhecer - foi “sem nenhuma cautela,” “inocência,” “carência,”
“falta de malícia.”
Vemos nos discursos das participantes uma visão conservadora em
relação à mulher. A opção de Domingas ou de qualquer outra mulher de se
entregar a um homem não deve ser considerada carência ou inocência, mas
sim, ser vista como uma ação independente, consciente, na qual, sendo
mulher, sua relação com seu corpo é de sua inteira responsabilidade.
Quanto à descoberta da sexualidade de Domingas, “de certo ele [o exmarido de Domingas] fazia o bom mesmo na rua e ela era só o feijão com
arroz,” disse uma participante. “Por mais que a gente ache que isso é fora da
nossa realidade tem muita gente, tem muito homem que acha que fazer o
papai mamãe é com a mulher e com as outras pode tudo,” afirmou outra
participante. “Tem-se dificuldade em falar de sexo [...] ela era um objeto, é o
que parece, né?” expressou uma participante.
Na visão das participantes, Juca era a imagem do homem viril, que
pegava todas, mas via as mulheres principalmente como objeto, para lhe dar
prazer. Além disso, na ideologia machista, tem a “mulher pra casar” e a
“mulher pra farrear,” ou seja, aquela que proporcionará todos os prazeres
sexuais ao homem. Para concluir a dinâmica, questionamos as entrevistadas
sobre o fortalecimento das mulheres. A participante 02 verificou que, no caso
de Domingas, o sexo contribuiu para a elevação de sua autoestima. “A
valorização do ser-humano mulher. O homem e a família, valorizar a mulher
dentro da casa, que ela tenha uma importância dentro daquele núcleo,” disse
a participante 03. “Mas você percebeu que uma coisa que deu muito poder a
ela foi ele dizer que ele ia cozinhar para ela? O afeto, o carinho,” afirmou a
participante 02.
De uma forma geral, o fortalecimento da mulher é “buscar tudo que
você tem dentro de você, buscar mais força ou com amigos [...]”, afirmou a
participante 05. “Eu acho que é ela se sentir segura com a pessoa que ela tá,[...]
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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a pessoa estar me valorizando, ela gostar de mim,” disse a participante 03. “No
meu caso o poder, eu é que vou buscar, eu vou buscar o que eu gosto, tanto no
pessoal, quanto no profissional,” expôs a participante 04.
Acho que o conjunto de poder é um equilíbrio da vida pessoal, da vida
profissional, da vida familiar [...] o que vai me fazer tá bem comigo é tá
bem com a minha família, tá bem com esposo, com o corpo, com trabalho
[...] tudo isso engloba essa ideia de poder, considera a participante 02.
O tema fortalecimento da mulher gerou diferentes opiniões. Para
algumas a ideia do poder da mulher está ligado às conquistas pessoais, para
outras não apenas à força pessoal como a busca/união com os amigos. Teve
a participante que acredita que este fortalecimento depende do equilíbrio
entre profissional e pessoal. E, por fim, teve a participante que acredita que o
poder da mulher está muito ligado ao familiar, ao âmbito privado.
Através deste grupo focal pudemos analisar alguns pontos das
mulheres goianas frente à violência doméstica e ao fortalecimento da mulher
veiculados na telenovela A regra do jogo. E o quanto a ideologia machista
influencia a cultura goiana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste artigo verificamos a importância dos meios de
comunicação para a divulgação de informações e campanhas referentes à
violência contra a mulher e o quanto a telenovela vem sendo utilizada para
promover ações socioeducativas. Destacamos A regra do jogo que
desenvolveu um trabalho sobre a violência doméstica. Estes projetos são de
suma importância já que esta violência
ocorre numa relação afetiva, cuja ruptura demanda, via de regra,
intervenção externa. Raramente uma mulher consegue desvincular de um
homem violento sem o auxílio externo. Até que isto ocorra, descreve uma
trajetória oscilante, como movimentos de saída da relação e de retorno a
ela (SAFFIOTI, 1999, p.85).
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
E ao mostrar cenas em que mulheres, familiares e amigos se
reconhecem enquanto vítimas, a telenovela promove não apenas uma
discussão, mas delineia algumas soluções que podem ser tomadas frente ao
problema.
Em relação ao grupo focal realizado, verificamos através da discussão
sobre a violência doméstica que as mulheres goianas conhecem seus direitos,
sabem o que é a violência doméstica, além de reconhecer outras formas de
agressão. Entretanto, a ideologia machista funciona fortemente dentro desta
sociedade, em que os homens, em geral, “confundem” o rústico com o maleducado e há uma resignação por parte da mulher goiana. Constatamos
ainda que a violência contra a mulher não é algo tão incomum dentro da
classe média goiana.
Debater a violência contra a mulher e no âmbito doméstico faz-se
necessário, pois enquanto houver debates, questões a serem levantadas,
propostas a serem discutidas, a mulher não será esquecida. Os números da
violência falam por si só. “O respeito ao outro constitui o ponto nuclear [...]
de vida em sociedade” (SAFFIOTI, 1999, p.85).
BIBLIOGRAFIA
BACCEGA, Maria Aparecida. Recepçao: novas perspectivas nos estudos de comunicação. Comunicação
e educação. São Paulo: n. 12, p. 7-16, maio-ago., 1998.
DE BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo, volume 2. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967.
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à
violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
HALL, Stuart. Codificação/ decodificação. In: HALL, Stuart; SOVIK, Liv (orgs.). Da diáspora: identidades
e mediações culturais. Tradução: Adelaine Resende... et all. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília:
Representações da Unesco no Brasil, 2003.
LIAMPUTTONG, Pranee. Focus Group Metodology: principle and practice. London United Kingdom:
Sage Publications Ltd, 2011.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
SAFFIOTI, Heleieth. Já se mete a colher em briga de marido e mulher. São Paulo em
perspectiva, vol.13, no.4. São Paulo, Oct./Dec. 1999.
___________________. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987.
Endereço eletrônico
IBGE
http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/
Ipea
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/130925_sum_estudo_feminicidio_leilagarcia.pdf
Pesquisa Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, disponível em:
http://idbdocs.iadb.org/wsdocs/getdocument.aspx?docnum=2208929
Pesquisa
Data
Senado
2015,
disponível
em:
http://www12.senado.leg.br/senado/procuradoria/publicacao/pesquisa-violencia-domestica-e-familiarcontra-as-mulheres.
Portal Brasil http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/03/mulheres-sao-maioria-da-populacaoe-ocupam-mais-espaco-no-mercado-de-trabalho
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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A representação feminina do livro para o
cinema: A inserção de Tauriel na trilogia “O
Hobbit”
Sara Moralejo da Costa - UFRGS
Paula Coruja - UFRGS
Graziela Bassetti de Leon – UFRGS
Introdução
Este artigo propõe uma análise da inserção da personagem Tauriel
nos filmes da trilogia cinematográfica O Hobbit (2012-2014)41, produzida
por Peter Jackson. Baseada no livro homônimo publicado por J. R. R. Tolkien
em 1937, os filmes são uma adaptação cinematográfica da jornada que
precede a trilogia O senhor dos Anéis, publicada pelo mesmo autor (19541955) e também adaptada para o cinema por Jackson (2001-2003).
A obra de Tolkien, e o vasto universo ficcional nela representado,
contém dezenas de personagens femininas, de diferentes raças e com
diferentes trajetórias. Quando consideramos, no entanto, a quantidade dos
escritos de Tolkien, o período ficcional coberto pelos seus livros e o fato de
que a grande maioria dessas personagens só ser citada brevemente em relatos
e apêndices dos livros principais, esse número se torna pequeno; ao
compararmos com a quantidade e a importância das personagens
masculinas, as poucas personagens femininas de Tolkien se tornam quase
irrelevantes.
41
Este artigo está relacionado à pesquisa internacional Oobbit Project (JOHN et al, 2015). Apesar de não
compor o corpus da pesquisa e não utilizar seus dados, como as autoras do artigo fazem parte da equipe
brasileira atuante, consideramos assim que a inspiração para a problematização aqui desenvolvida se
origina deste escopo.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Na produção da primeira trilogia para os cinemas, Jackson deu às
três personagens femininas de relevância na trama maior participação no
desenvolvimento do enredo do que tiveram, originalmente, nos livros de
Tolkien, evidenciando sua preocupação com a representação feminina em
seus filmes. Na trilogia O Hobbit, não havia essa possibilidade, devido a
ausência de qualquer personagem feminina na obra original. A decisão foi,
então, a transposição de uma personagem presente em outras obras de
Tolkien - Galadriel - e a criação de uma nova personagem: a elfo Tauriel,
interpretada por Evangeline Lilly.
Tauriel surge no início de O Desolação de Smaug (2013), segundo
filme da trilogia. Uma elfo de baixo nascimento, diferentemente das nobres
senhoras élficas presentes na obra de Tolkien, capitã da guarda dos elfos de
Mirkwood, e uma lutadora habilidosa, Tauriel participa ativamente dos
acontecimentos do segundo e do terceiro filmes. Apesar de não ser a única
personagem criada por Jackson para sua trilogia, Tauriel é a personagem
criada para os filmes que foi melhor desenvolvida, apresentando traços de
personalidade claros, motivações e objetivos definidos, relacionamentos
complexos e uma história própria dentro dos filmes. É através dela que
assuntos pouco explorados nas adaptações anteriores, como as relações de
poder entre os elfos, as diferenciações de classes e os relacionamentos interraciais, são problematizados na tela.
A classe social da qual Tauriel faz parte foi pouco explorada pelos
livros de Tolkien, que deu mais importância a elfos de maior poder político.
Da mesma forma, nenhuma elfo do gênero feminino, na obra de Tolkien,
tem qualquer tipo de trabalho ou função; são nobres senhoras, caracterizadas
por sua graça e beleza, habitando ambientes domésticos e pouco se
envolvendo na narrativa principal. Tauriel é definida por suas habilidades e
características particulares: destreza em batalha; capacidade de curar através
da magia; compreensão das dinâmicas de poder da sociedade na qual ela está
inserida; emotividade em contraste com o estoicismo comum aos elfos. É
levando em consideração esses fatores que compõem a personagem que
analizaremos a sua inserção dentro da trilogia O Hobbit.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Fãs e representatividade
A construção da narrativa, por mais que seja de domínio de
produtores de grandes conglomerados de mídia, perpassa a dimensão da
audiência a medida que se espelha em um público imaginado. Essa audiência
pode possuir diversos graus de envolvimento e dedicação à narrativa, mas,
partindo do processo de consumo cultural (CANCLINI, 1999), ela cria
significados durante todo o processo de fruição, que interferem no processo
de recepção da narrativa (HALL, 2003).
Consumidores de uma narrativa que compartilham critérios de
interpretação sobre esta compõem uma comunidade articulada e produtiva
em torno do universo ao qual se vinculam. Essa audiência pode ser
considerada uma comunidade interpretativa. O conceito de comunidade
reflete o senso de identidade grupal, pois indica a posição do sujeito dentro
ou fora do grupo, de acordo com as características de pertencimento.
"Comunidade se coloca como mediação entre o material e o simbólico, o
vivido e o imaginado, o local e o global, o público e o particular" (SOUSA,
2005, p. 17). Para Orozco Gomez (1991), entender a comunidade
interpretativa envolve captar a interação entre as instituições sociais e suas
mediações no processo de recepção.
Pode-se pensar em pelo menos quatro distintos significados para a
expressão "comunidade interpretativa": comunidades reais, vivas, com suas
redes, encontros, meios de comunicação, hierarquias, líderes e etc.; hábitos e
experiências compartilhadas por pessoas com características categóricas
(idade, gênero, "raça", orientação sexual, etc); orientações aprendidas,
transmitidas por algum processo educativo, formal ou informal; e regimes
discursivos e ideológicos poderosos, que articulam sobre determinados
tópicos e transmitem formas de pensar (BARKER; HILLS; MATHIJS, 2013).
Jenkins (2013) refere-se aos grupos de fãs como comunidades
interpretativas nas quais o partilha de uma mesma forma de leitura de textos
é essencial para o compartilhamento de informações e conteúdo. A descrição
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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usual do que é ser fã a partir da formação da palavra como uma derivação da
palavra de origem inglesa "fanatic"42 é questionada, uma vez que o fanatismo,
por si só, se prende à descrição da admiração que um fã é capaz de ter, mas
não abrange a dinâmica dentro do grupo de fãs enquanto comunidade ou
como parte da lógica comercial da produção cultural (HILLS, 2002).
A relação dos fãs com seus objetos de afeição, em geral, perpassam
manifestações de afetos relacionadas ao gosto. Hennion apresenta a
perspectiva de que "ele [o gosto] pode ser analisado como uma atividade
reflexiva, 'corporificada', enquadrada, coletiva, equipada e, simultaneamente,
produzir as competências de um amador e o repertório de objetos que ela/ele
valoriza" (2005, p. 132), de forma que a relação estabelecida entre os fãs e seu
objeto de afeto pautada pelo gosto está relacionada à formação identitária do
indivíduo a partir da reflexividade, que pode vir a se manifestar em outras
formas de produção baseadas em engajamento (AMARAL, 2014).
A relação de afetividade criada entre os fãs e os objetos culturais
pelos quais eles demonstram afeição é referenciado por Jenkins como parte
do vínculo que instiga a participação mais ativa dessa audiência. Esse vínculo,
criado a partirdo processo individual de significação, pode ou não ser
concretizado em outras produções, como comentários, textos e
compartilhamento de conteúdos, mas passa a integrar os critérios
interpretativos que definem a comunidade, assim, o processo de consumo se
torna coletivo (JENKINS, 2009, p. 31).
A construção identitária do sujeito que pertence a uma comunidade
interpretativa, assim, é atravessada tanto pelos processos de consumo
cultural e midiático (JACKS et al, 2014) quanto pelo compartilhamento de
critérios interpretativos com a comunidade. Uma abordagem desse processo
sob a perspectiva cultural (CANCLINI, 2004) implica não só a articulação de
teorias, mas das experiências e estruturas sociais, sistemas de representação
e subjetividades (HILLS, 2002). De forma simplificada, Jenkins (2006. p. 212)
42
MICHAELIS.
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/definicao/fa%20_963850.html Acesso em 15 de
fevereiro de 2015.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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exemplifica: "Nós tipicamente testamos as representações midiáticas em
contraste com nossa experiência direta e dispensamos quando eles não
parecem verdade"43.
A comunidade de fãs se nomeia fandom, um termo que pode se
referir tanto à comunidade de fãs em geral, quanto a uma comunidade de fãs
específica. Hills (2002) destaca a relação entre o fã e a sua formação em
comunidade:
Fandom, então, nunca é uma "expressão" neutra ou uma "referência"
singular; é um status e sua performance muda de acordo com o local
cultural. O que diferencia 'performances' do compartilhamento no
fandom, no entanto, é o senso de contestar normas culturais. Clamar a
identidade de 'fã' ainda é, de certa forma, clamar uma identidade
'imprópria', uma identidade cultural baseada no compromisso de alguém
para com algo visto como desimportante e 'trivial' como um filme ou uma
série de TV. (HILLS, 2002, documento digital)44
A partir da articulação em comunidade, os fãs podem manifestar
concordância ou discordância tanto com relação aos universos ficcionais
quanto à sua própria experiência. Isso faz do fandom um espaço de atividade
político-social,questionando os parâmetros de diversas realidades e criando
ferramentas e formas de atuação com relação às questões levantadas pela
comunidade (HELLEKSON, 2001). Segundo Jenkins (2006, p. 45) 45, "o
fandom é um veículo para grupos de subculturas marginalizadas (mulheres,
43
Tradução própria: "We typically test media representations against our direct experience and dismiss
them when they don't ring true." (JENKINS, 2006. p. 212)
44
Tradução própria: "Fandom, then, is never a neutral 'expression' or a singular 'referent'; its status and
its performance shift across cultural sites. What different 'performances' of fandom share, however, is a
sense of contesting cultural norms. To claim the identity of a 'fan' remains, in some sense, to claim an
'improper' identity, a cultural identity based on one's commitment to something as seemingly
unimportant and 'trivial' as a film or TV series" (HILLS, 2002, documento digital).
45
Tradução própria: "Fandom is a vehicle for marginalized subcultural groups (women, the
young, gays, and so on) to pry open space for their cultural concerns within dominant representations."
(JENKINS, 2006. p. 45)
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
jovens, gays, etc) alavancar um espaço aberto para suas preocupações
culturais dentro das representações dominantes".
Assim, podemos articular a questão da construção de Tauriel,
enquanto personagem feminina em O Hobbit, e sua relação com demandas
da audiência.
Gênero e representatividade
Quando paramos para analisar essa personagem, nos propomos a
falar e problematizar a questão da desigualdade de gênero. Ao fazê-lo,
precisamos resgatar o caminho já trilhado sobre o tema, principalmente
através dos estudos feministas dentro dos estudos culturais, que começaram
a ganhar notoriedade na década de 1960. A trajetória dos estudos feministas
de mídia está ligada a essa perspectiva, que nasce no final dos anos de 1950,
a partir do pensamento de Richard Hoggart, Raymond Williams e Edward
Thompson. Stuart Hall, um dos principais representantes da área, relata que
o feminismo caracterizou um dos momentos de ruptura do desenvolvimento
dos estudos culturais quando convidou algumas feministas a integrarem o
Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS) em Birmingham, pois os
estudos culturais estariam "sensíveis à política feminista" (HALL, 2003,
p.474). Mais adiante, as feministas do CCCS criticaram a forma autoritária
como foram tratadas pelos estudos culturais (MESSA, 2008, p.40).
Entretanto as perspectivas tinham muitos pontos em comum:
Tanto os Estudos Culturais, quanto a teoria feminista nasceram fora da
Academia - nos contextos sociais, educacionais e políticos -, não sendo
institucionalizados e tendo muita dificuldade para serem aceitos no meio
acadêmico. Além disso, ambos dedicavam-se a grupos oprimidos e
marginalizados e foram alvos de críticas ao declarar não existir conceitos
e teorias que dessem conta de seus objetos. (MESSA, 2008, p.41)
A problematização da categoria de gênero e o papel da mulher já
eram discutidos na década de 1970 e, segundo Escosteguy e Messa (2010), é
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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a principal contribuição dos estudos feministas aos estudos culturais. "(...)
este foco de atenção propiciou novos questionamentos em redor de questões
referentes à identidade, pois introduziu novas formas variáveis na sua
constituição" (p.41).
É importante enfatizar que gênero é uma construção simbólica, que
vai além do determinismo biológico. Para Butler (2010), salientar a
identidade a partir do sexo biológico é parte de uma prática regulatória, que
marca uma norma e suas consequentes relações de poder. Essas construções
são marcadas pela performatividade, ou seja, a construção do gênero e as
identidades são geradas através da reiteração dos discursos que constroem
esses gêneros e os reforçam através da citacionalidade. Como afirma Butler
(2010, p. 167), "a performatividade não é, assim, um ato singular, pois ela é
sempre uma reiteração de uma norma ou conjunto de normas. (...) o ato
performativo é aquela prática discursiva que efetua ou produz aquilo que ela
nomeia". Além disso, Butler pontua que o discurso apresenta sempre um
imperativo heterossexual, que permite apenas alguns tipos de identificação e
nega outros, obedecendo uma linguagem falocêntrica.
Para Joan Scott, gênero também acaba sendo uma importante
categoria analítica, pois evidencia a construção das relações de poder e indica
as construções sociais de tudo o que é definido como feminino ou masculino,
"uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado" (SCOTT, 1990, p.7).
Os estudos de mídia dentro dos estudos culturais também trazem gênero
como uma categoria fundamental. A pesquisa de David Morley (1996) sobre
os hábitos de famílias britânicas para assistir televisão em 1985 é um bom
exemplo de como gênero, mesmo sem estar a priori sendo analisada, acaba
por ser salientada na cotidianidade, evidenciando a estrutura patriarcal e
androcêntrica da sociedade.
Morley, durante a investigação, se deparou com a grande diferença
entre os papéis de gênero dentro dos lares e destacou dentro da
microestrutura patriarcal, ou seja, o lar, tudo aquilo que Bourdieu e as
feministas encontraram nas análises macro: maior estímulo e
empoderamento dos meninos, valorização das características e de tudo ao
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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que está relacionado com "ser masculino", a prevalência não só de um
comportamento dominante masculino, mas a reprodução de um discurso
heteronormativo.
Da mesma forma, Christine Geraghty (1998) ao analisar o consumo
de ficção cinematográfica e televisiva por mulheres, mostrou que muito da
ideia sobre o que é ser mulher foi construída dentro do discurso
cinematográfico e que a representação do que é feminino seria "uma fantasia
dominada pelos homens" (p.465). Em trabalhos na televisão, principalmente
as novelas, as personagens femininas geram maior identificação por parte das
mulheres espectadores, que conseguem se reconhecer em personagens e
situações vividas por eles, uma identificação galgada na reprodução da
estrutura patriarcal da sociedade.
Sobre o mesmo tema, Valerie Walkerdine (1998) salienta que a
mulher no cinema existe através da fantasia masculina heterossexual e ainda
destaca o fator de classe, dizendo que "a classe operária, de forma crescente,
poderia ser identificada como algo totalmente formada por ideologias, pelos
meios de difusão e preso em uma Hollywood que joga com suas fantasias
mais infantis e constrói uma fetichização patriarcal da mulher" (1998, p.164).
Os diversos produtos midiáticos, e aqui o cinema tem um papel
preponderante, propagam modelos e papéis sociais atribuídos ao masculino
e ao feminino. Sobre isso, Fischer (2001, p. 586) já apontava que "(...) a mídia
não apenas veicula, mas também constrói discursos e produz significados,
identidades e sujeitos".
É necessário demonstrar que não são propriamente as características
sexuais, mas é a forma como essas características são apresentadas ou
valorizadas, aquilo que se diz ou se pensa sobre elas que vai constituir,
efetivamente, o que é feminino ou masculino em uma dada sociedade e
em um dado momento histórico. Para que se compreenda o lugar e as
relações de homens e mulheres numa sociedade importa observar não
exatamente seus sexos, mas sim tudo o que socialmente se constitui sobre
os sexos. (LOURO, 1997, p. 21)
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Bourdieu (2012) assinala que a diferença biológica entre os sexos,
"isto é, entre o corpo masculino e o corpo feminino, e, especificamente, a
diferença anatômica entre os órgãos sexuais" é vista como uma justificativa
para naturalização de estruturas históricas androcêntricas, legitimando essa
divisão socialmente construída como "normal". Em sua análise, o autor
apresenta o "Esquema sinóptico das oposições pertinentes" (2012, p.19), ou
seja, uma série de oposições homólogas (alto/baixo, positivo/negativo,
direita/esquerda, público/privado, etc) que representa transferências práticas
e metafóricas que representariam as relações com o masculino e o feminino.
Dentro desse processo, o princípio masculino é tomado como medida para
todas as coisas e não há simetria nas práticas e representações da divisão em
gêneros relacionais.
A partir da naturalização do que é relacionado ao masculino, Butler
(2008)
salienta que é parte da construção de uma normalidade
heteronormativa:
A instituição de uma heterossexualidade compulsória e naturalizada exige
e regula o gênero como uma relação binária em que o termo masculino
diferencia-se do termo feminino, realizando-se essa diferenciação por
meio das práticas do desejo heterossexual. (2008, p.45)
Essa visão androcêntrica, reproduzida em diversos produtos
audiovisuais chega a passar despercebida, pois é construída de tal forma que
nos envolva por completo, o que faz com que se torne natural, universal e
imutável. É como se o papel social da mulher e o lugar que ocupa na
sociedade fosse o mesmo de cem anos atrás, pregando seu lugar como
protagonista apenas no lar ou que tivesse como grande missão agradar (e ser
agradável) aos homens.
Espaços dedicados ao diálogo e conversação, que aumentaram com
a popularização da internet, têm se mostrado ambientes de desconstrução.
Se não vemos ainda discursos midiáticos mais representativos em termos de
gênero, raça, orientação sexual e desconstrução de estereótipos, esses espaços
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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servem para dar voz em torno desses temas. O feminismo - e a questão da
representação da mulher e problematização dos papéis de gênero - tem sido
pauta permanenteem vários países e em diversos idiomas. Movimentos
sociais contestatórios, como a Marcha das Vadias, começam e se articulam
mundialmente pelas redes sociais na internet (TOMAZETTI e BRIGNOL,
2015). Impulsionados por isso, os debates sobre gênero e feminismo agora
ganham um maior espaço midiático em programas de televisão46 e revistas
femininas47, que proclamavam uma feminilidade normativa.
Análise
Um dos questionamentos levantados sobre o livro O Hobbit é o fato
de não existirem na história personagens femininas - a única exceção é uma
simples menção à mãe de Bilbo, Belladonna. Isso pode funcionar para um
livro infantil escrito em 1937, mas para um filme que se destina a ser um
produto midiático massivo, integrado à cultura pop, pode ser um fator
problemático. Dessa forma, poderíamos começar por problematizar
justamente a invisibilidade do gênero feminino na obra literária que veio a se
tornar filme. Segundo Bhabha (2013), a visibilidade mostra o lugar que o
sujeito ocupa no discurso. "As culturas vêm a ser representadas em virtude
dos processos de interação e tradução através dos quais seus significados são
46
O Programa Esquenta, da apresentadora Regina Casé, dedicou o programa do dia 6/12/15 para falar
sobre
feminismo.
Disponível
em
http://gshow.globo.com/programas/esquenta/episodio/2015/12/06/esquenta-recebe-daniela-mercury-epaula-fernandes.html Acessado em 25/02/16.
47
A tradicional revista Elle fez uma edição especial sobre feminino em dezembro de 2015. Quatro capas
diferentes entraram em circulação com slogans como "Mexeu com uma, mexeu com todas", "Meu
corpo, minhas regras", "Vestida ou pelada, quero ser respeitada", "Meu decote não te dá direitos" e
"Minha roupa não é um convite". Além disso, trouxe um manifesto feminista assinado por blogueiras e
mulheres que encabeçam organizações sem fins lucrativos feministas, além de entrevistas sobre o tema.
Mais informações em http://ffw.com.br/noticias/moda/elle-faz-manifesto-feminista-em-capas-daedicao-de-dezembro/ Acesso
em 25/02/16.
- 200 -
Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
endereçados de forma bastante vicária a - e por meio de - um Outro"
(BHABHA, 2013, p. 105). Assim,
no momento em que isso é negado através da não-representação, da falta
de reflexividade, que marca "um ponto de presença que manteria sua
posição emancipatória privilegiada enquanto sujeito" (BHABHA, 2013,
p.88), o gênero, nesse caso, é silenciado. Dessa forma, ver o invisível seria
devolver-lhe o status de sujeito novamente. (FONSECA, 2015, p.8)
A fim de dar um status de visibilidade, mesmo que em situação de
desigualdade, e para atender uma demanda de mercado, o núcleo criativo do
filme precisou adaptar a história. O lugar que as mulheres ocupam nas
produções hollywoodianas, com raras exceções, é uma construção feita a
partir de uma fantasia patriarcal (MULVEY, 1999). As personagens
femininas são incluídas com histórias (ou sugestões) românticas em torno de
seu enredo (muitas dessas personagens só entram com falas e ações que
girem em torno desse "amor"). Dessa forma, os personagens masculinos são
aqueles "que fazem as coisas acontecerem" e não toleram serem objetificados,
de forma a controlar a fantasia. O homem, assim, é "(...) como o portador do
olhar do espectador, transferindo-o por trás da tela de naturalizar as
tendências extra-diegéticas representados pela mulher como espetáculo"
(MULVEY, 1999, p.838).
Jenkins (2006, p.46) afirma que muitas mulheres caracterizam sua
entrada no fandom devido a um movimento de isolamento social imposto
pela sociedade patriarcal na qual vivem. Elas buscam por alternativas às
representações dominantes na mídia através de uma participação ativa em
uma comunidade na qual possuem algum senso de pertencimento.
Evangeline Lilly, atriz que deu vida à Tauriel nas telas, problematizou a
ausência de personagens femininos na obra:
O mundo é um lugar diferente hoje, e eu continuo repetidamente dizendo
às pessoas aqui e agora, que para colocar nove horas de entretenimento
nos cinemas para que jovens meninas vão e assistam, e não ter um
personagem feminino, é subliminarmente dizer-lhes "você não conta,
- 201 -
Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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você não é importante, e você não é fundamental para a história". (LILLY,
2013)
A questão da representação é fundamentada na linguagem e na
relação. Hall (2013) destaca que as representações são construídas através da
linguagem - espaço cultural partilhado - e que sua leitura só pode ser feita em
relação, a partir da análise de narrativas, imagens, figuras onde circulam esses
significados. Portanto, os significados não são inerentes, são construídos
através da prática das significações, entre elas através dos textos
cinematográficos. Dessa forma, écorreto dizer que a falta de representação
pode ter consequências não só na compreensão de papéis de gênero, mas na
performatividade do mesmo.
Assim, por entender que ao acrescentar a personagem, o diretor e os
roteiristas da obra estavam, de alguma forma, quebrando estereótipos de
gênero e fórmulas cinematográficas que reforçavam essas diferenças, a atriz
comemorou: "(...) eu acho que é hora de parar de fazer histórias que são
apenas acerca de homens, especialmente apenas acerca de homens heróicos.
Eu amo que eles fizeram Tauriel uma heroina " (LILLY, 2013). Jenkins (2006,
p. 44) ressalta a importância da representação: "Rejeitando a 'distância
estética', fãs abraçam de forma passional seus textos favoritos e tentam
integrar as representações midiáticas em suas próprias experiências
sociais."48 Dessa forma, o processo de consumo cultural da narrativa tem
impacto na construção nas interações sociais do sujeito que se apropria de
elementos de representatividade construídos em comunidade.
Considerações Finais
A partir da problematização sobre a criação de Tauriel para a trilogia
de filmes O Hobbit podemos perceber que a inserção de uma personagem
48
Oadução própria: "Rejecting "aesthetic distance," fans passionately embrace favored texts
and attempt to integrate media representations within their own social experience." (JENKINS, 2006. p.
44)
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feminina em uma narrativa tipicamente marcada por personagens
masculinos tem sua relevância não somente para a composição narrativa em
si, que se beneficia com a possibilidade de articulação de problemáticas
internas que tangem questões de gênero, há também o impacto social que
essa representação provém.
Tauriel é marcada por características consideradas típicas femininas,
como a empatia, o cuidado (habilidade de cura) e a emoção (ressaltada pelo
seu envolvimento em um triangulo amoroso), mas possui também
características que não correspondem ao padrão normativo da sociedade,
como sua capacidade de liderança (como chefe da guarda) e sua habilidade
como guerreira. A sua construção, assim, ao mesmo tempo em que corrobora
para a construção de uma identidade do que é ser feminino, provoca reflexão
sobre os limites dessa definição. Ao mesmo tempo em que a trilogia fílmica
inova e preenche um espaço representativo com uma personagem forte, que
exerce um papel heróico, raramente dado a personagens femininas, ela
tropeça ao reforçar estereótipos do gênero feminino, quando centraliza a
questão do triângulo amoroso no último filme. Mas mesmo em escala de
desigualdade, a criação e inserção de Tauriel pode ser ainda considerada o
início de uma boa prática de representação em um produto audiovisual.
Isso tensiona não só a importância da representação de gênero nos
mais diversos veículos midiáticos, com destaque para o cinema, como
também o impacto que essa inserção tem junto à audiência e,
consequentemente, na sociedade. Uma vez que já há um incômodo e a
criação de dinâmicas de debates e reflexões nos dois âmbitos, sendo de forma
geral essa articulação estruturada em diversos grupos sociais e, de forma
específica, questionada na comunidade interpretativa que constrói critérios
em torno desse universo ficcional que perpassam os questionamentos entre
a representação narrativa e sua experiência.
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Interações entre a cultura afro-brasileira e a
música popular: análise de um show de Itamar
Assumpção
Vinícius Becker de Souza - UNESP
Introdução
Este trabalho tem como tema o silêncio. A música é, sobretudo, a
alternância entre som e silêncio. A música itamariana explora, entre muitas
outras características, a surpresa do silêncio - o que levou Luís Tatit a definir
o estilo como "rock de breque". Mas não é só sobre a versão musical do
silêncio que vamos versar. Também nos interessa a versão social do silêncio:
os procesos de silenciamento. Antes de desenvolver nosso tema, vamos
definir os conceitos que utilizamos na nossa análise. O primeiro deles,
esencial para a compreensão do nosso argumento, é o de racismo silenciado
- cunhado pelo professor Kabengele Munanga em sua apresentação no
seminário Raça e Diversidade 49. A ideia de racismo silenciado é um
desdobramento da crítica feita por diversos sociólogos brasileiros ao mito da
democracia racial - vale destacar as obras de Fernandes, Borges Pereira e
Nogueira50. Ainda que deslegitimado academicamente, o mito persiste e
repercute na imagem que se tem do Brasil e na própria cultura brasileira. Na
49 SCHWARCZ, Lilia Moritz e QUEIROZ, Renato da Silva (org). Raça e diversidade. São Paulo, Edusp,
1996
50 NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: sugestão de um
quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil. Tempo social,
vol.19, no.1, 2007; PEREIRA, João Baptista Borges. Côr, profissão e mobilidade: o negro e o rádio de São
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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música popular, por exemplo, se considera que a pluralidade de ritmos e
gêneros é tributária da miscigenação - verdadeiro "canto das três raças". Ao
se afirmar que brancos, negros e ameríndios estão em pé de igualdade na
constituição da música brasileira, se nega o preconceito racial. Como dizia
Fernandes, "no Brasil se tem preconceito de ter preconceito". O segundo
conceito que temos de definir é o de música popular. No Brasil este nome
costuma englobar uma infinidade de estilos, incluindo a música folclórica, a
música étnica e até mesmo a música religiosa. Sendo que a partir de dado
momento toda essa variedade se torna mercadoria para a indústria de
entretenimento, fica ainda mais difícil uma definição. Nosso companheiro
de estudos neste trabalho, Itamar Assumpção, se via como um cantor
popular, e sua definição era simples: cantor popular é aquele que puxa uma
música no violão e a plateia canta junto. Sendo este um estudo de
comunicação, pensamos que a definição deve seguir por essa linha: algo que
se expande para além do criador, do intérprete, do produtor - é algo que
comunica simultaneamente o coletivo, ultrapassa o tempo-espaço51.
O que chamamos de cultura afro-brasileira é o conjunto de
expressões artísticas e simbólicas criadas pelos negros no Brasil, em um
processo de hibridização -conceito que explicaremos a seguir - e resistência.
Neste trabalho selecionamos duas manifestações culturais que nos permitem
uma entrada compreensiva na obra de Itamar: o batuque de umbigada e o
candomblé.
O batuque de umbigada é uma manifestação de origem bantu,
disseminada pelo interior de São Paulo. É encontrada ainda hoje nas cidades
de Tietê (onde nasceu Itamar Assumpção), Capivari e Piracicaba.
Caracteriza-se pelo uso de quatroinstrumentos musicais: o tambu, o
51 Freud já alertava para esta característica das artes populares: "Também a alma coletiva é capaz de dar
vida a criações espirituais de uma ordem genial como o provam, em primeiro lugar, o idioma, e depois
os cantos populares, o folclore etc. Seria necessário, além disso, precisar quanto devem o pensador e o
poeta aos estímulos da massa, e se são realmente algo mais que os aperfeiçoadores de um labor anímico
no qual os demais têm colaborado simultaneamente." (FREUD apud MARTÍ-BARBERO, 1997, p. 5859)
- 208 -
Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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quinzengue, as matracas e os guaiás52. É acompanhado pelo canto e pela
dança: "homens e mulheres formam duas fileiras que se defrontam,
encontram-se no centro do salão, fazendo passos variados e terminam com
a umbigada" (NOGUEIRA, 2009, p. 7).
O candomblé paulista, segundo Amaral e Silva (1992), possui uma
história recente, que se mistura com outras religiões de possessão como o
espiritismo kardecista e a umbanda. Forma-se um culto diferenciado, que se
volta tanto para os orixás de origem africana quanto para as divindades
nacionais. Sendo fruto das correntes migratórias de meados do século XX,
encontramos terreiros que seguem as práticas de todas as diferentes nações.
Para o pesquisador, alertam Amaral e Silva, "no candomblé vale mais o
detalhe que, quebrando a regra, insinua um conhecimento que diferencia e
ao mesmo tempo testemunha a vitalidade e importância da norma para o
grupo" (AMARAL e SILVA, 1992, p. 1). No culto de candomblé, a música é
elemento constitutivo do rito - "dando forma a conteúdos inexpremíveis em
outras linguagens" (id, p.5) - sendo muitas vezes confundida com este. Por
isso, tanto instrumentos como instrumentistas são vistos como sagrados. Os
atabaques por exemplo, são considerados seres vivos, e recebem sacrifícios
periódicos. São três atabaques que encontramos nos terreiros: o Rum, o
Rumpi e o Lé. Ainda segundo Amaral e Silva o candomblé possui duas
dimensões: "a do contato com o eu, através das divindades pessoais, e a do
contato com o outro, estabelecidas musicalmente" (p. 21). Isso faz com que
todos os movimentos e atos rituais sejam musicais.
A seguir, precisamos definir os conceitos comunicacionais utilizados
em nossa análise. Para começar, a interação apontada no título procura
identificar as manifestações culturais como agências, isto é, a música popular,
a umbigada e o candomblé, interagem na medida em que seus participantes
agem de acordo com as influências recebidas em cada espaço. Remetemos a
52
Tambú é um tambor grave, responsável pela marcação, mas que também improvisa e repica.
Quinjengue é um tambor menor de timbre agudo, que preenche os espaços é silêncios. Matracas são
baquetas que percutem o corpo do tambú, sustentando a marcação. Guaiás são chocalhos de metal,
geralmente utilizados por quem puxa os cantos ou por dançarinos.
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teoria da interação de Mead, mas apenas para lembrar que os interlocutores
sempre se afetam mutuamente, e que sempre há uma terceira voz em um
diálogo: a cultura. Portanto não podemos falar que a música é influenciada
pelas expressões artísticas africanas, pois o que temos sempre são
empréstimos e trocas. Esta noção de interação nos aproxima do conceito de
mediação, que é importante para a compreensão da música popular pela
teoria da comunicação. Mediações nada mais são que interações sociais no
contexto midiatizado, a produção do sentido se dá na experiência estética dos
sujeitos, e está predisposta aos processos de interpretação e apropriação. As
relações entre música popular e cultura afrobrasileira aqui descritas nos
ajudam a evidenciar estes processos. Por fim, o último conceito que vamos
utilizar neste texto é o de hibridização. Para Canclini (1996; 2003),
hibridizações são "processos socioculturais en que estructuras practicas
discretas, que existían en forma separada, se combinan para generar nuevas
estructuras, objectos e prácticas" (CANCLINI, 2003, p. 1). Os contatos
humanos sempre levam a essas trocas, que se dão no nível comunicacional,
e se proliferam a partir da criatividade. Por isso, o conceito de hibridização
que utilizamos aqui diz respeito a um processo intencional: o artista cria sua
obra a partir de temas de fora da música popular. O percurso inverso também
ocorre, com os participantes da umbigada e do candomblé se fazendo valer
de elementos da música. Neste texto pretendemos dos processos de
hibridização presentes na obra de Itamar Assumpção evidenciando o
protagonismo da cultura afrobrasileira na sua música.
Desenvolvimento
Alguns fatos da vida de Itamar Assumpção nos levam a refletir o
preconceito e a discriminação que sentiu na pele, assim como a formação de
sua identidade cultural negra. Sendo filho de pai-de-santo e tendo crescido
no terreiro, sempre teve contato com a religiosidade africana, e viveu tal
religião até o fim de sua vida - sendo que na década de 1960 e mesmo
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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posteriormente tais manifestações religiosas foram intensamente
perseguidas em nosso país.
Outro fato marcante aconteceu quando ainda morava em
Arapongas. Seu amigo Décio Pellegrini havia emprestado um toca-fitas.
Estava com o rádio no ponto de ônibus quando um comando da polícia
parou e deu voz de prisão. Ficou preso durante 10 dias, sem conseguir falar
com a família. Ao reencontrar o amigo, Décio escreveu uma declaração de
que o rádio lhe pertencia e estava de posse de Itamar. O jovem Itamar foi
preso devido a ser negro e estar portando um aparelho que na época - meados
da década de 1970 - era bastante caro. Então, a própria vida de Itamar
Assumpção foi marcada por preconceitos e discriminação, seja quanto a cor
de sua pele, seja contra sua religião. E tais fatos se refletem em suas músicas
de forma clara. Portanto, podemos dizer que a obra de Itamar é uma obra
militante na defesa dos direitos dos negros e dos afro-brasileiros, ainda que
o artista não tenha se envolvido em movimentos políticos. Sua forma de
protesto, por ser direta, não foi bem aceita pelos meios de comunicação. Por
toda sua carreira, a música de Itamar dificilmente tocava nas rádios e
aparecia na TV, embora tenha feito algum sucesso na Alemanha. O artista
teve que brigar até o fim de sua vida para conseguir um espaço onde se
apresentar. Em grande parte, o fato de negar a democracia racial defendida
pelos meios oficiais, associado a revolução estética presente em sua música,
foram barreiras no desenvolvimento de sua carreira.
É desta perspectiva que se pode dizer que a música de Itamar é
pessoal e única, mas traz clara a marca dos problemas que a questão da
negritude implica. Os temas de suas canções, e também dos compositores
que ele recupera, tratam de um cotidiano pobre, marcado pela discriminação
racial. Itamar tem em suas músicas um personagem que não sendo
claramente o mesmo, tem os mesmos problemas. É um cidadão bem
precário, Benedito João dos Santos Silva Beleléu, vulgo Nego Dito, Cascavél.
É um anti-herói sempre fugindo da polícia, seu crime a marca de sua
diferença - ser negro.
- 211 -
Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Ocorre uma semelhança especialmente interessante entre a
instrumentação presente nos batuques e aquela que Itamar utiliza a
instrumentação em suas composições e arranjos de forma semelhante aos
Batuques de Umbigada. Nos Batuques o tambor grave (o tambu) é aquele
que "conversa" e que improvisa . Os instrumentos agudos mantêm a
condução enquanto o grave é quem fala e dialoga, "argumenta". Na música
de Itamar esse papel é desempenhado pelo contrabaixo, que realiza o
contraponto, como o próprio artista comenta:
O contrabaixo é o mais percussivo dos instrumentos de cordas. É um
instrumento percussivo que dá nota, e o que me pega é a possibilidade do
ritmo, porque o meu negócio é o ritmo. O contrabaixo me deu uma
possibilidade maior de frases. Às vezes nem componho no violão.[...]
componho para o contrabaixo. Assim não há harmonia, acorde, são só
notas. (ASSUMPÇÃO apud PALUMBO: 2002, p.34).
Quando o compositor opta por sons graves, desenha uma faixa de
frequência que estará sempre presente, uma voz que diz além das palavras.
As construções melódicas, muitas vezes sem grandes saltos intervalares e
com repetições de notas, também estão impregnadas da expressão rítmica
advinda dos tambores. Este aparenta ser um dos seus principais recursos de
composição, demonstrando o trabalho de hibridização que realiza em sua
obra.
Na atuação sobre o palco, durante os shows, encontramos um outro
elemento do batuque: o desafio. O "embate" nos batuques se dá entre as
modas que vão sendo cantadas (ou puxadas"), em sua alternância. Itamar
costumava desafiar a plateia de seus shows, quando ouvia ou via alguma coisa
que interrompia o que estava acontecendo no palco. No show que
analisamos, isso ocorre na música "Beijo na boca", quando Itamar convida a
plateia a bater palmas e, ao ver que uma pessoa estava parada ele diz: "tá
doendo a mão dele, olha" e segue com provocações. Também aparece na
música "O sósia", em que ele cria uma disputa com o baixista Paulinho
Lepetit. Os desafios também estão presentes nas estruturas internas das
- 212 -
Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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composições, nas vozes que interpelam o cantor principal - como no video,
da música "Lúzia", em que o personagem Beleléu é desafiado pela Luzia e
retruca.
Mas é na própria estrutura musical que encontramos mais
aprofundado o processo de hibridização.
É importante lembrarmos que a maneira ocidental de tentar grafar a
música africana (através de compassos) é inadequada, deixando de lado suas
sutilezas -as estruturas musicais africanas são forçadamente encaixadas
dentro dos compassos. A "sincopa", que foi criada para explicar um
fenômeno musical que não estava presente na música europeia, oculta as
diferenças de princípio entre a música clássica ocidental e a música popular
africana oriental. Como explica Bastos:
O equívoco estaria em não se compreender que a música africana parte de
um princípio diferente do da música clássica ocidental, o da adição de
células rítmicas ao invés do princípio da divisão. Para os africanos haveria
vários fluxos de acontecimentos, que ora são concomitantes, ora tomam
caminhos diferentes, já que o elemento norteador não é o compasso e sim
pulso e seus desdobramentos. (BASTOS, 2012, p. 27)
As composições de Itamar se utilizam destes princípios, devido as
influências já descritas. para Bastos, o que encontramos nestas canções é a
polimetria: sobreposição de células rítmicas distintas, e frases melódicas com
métricas não simultâneas.
Os elementos do candomblé também se encontram presente na obra
que estudamos. Assumpção foi Ogã, responsável pelo som encantatório do
batuque, no terreiro de seu pai. Pode observar as manifestações mediúnicas
que se expressavam pela dança dos corpos no terreiro. Além da questão
rítmica que certamente influenciou sua obra, o Candomblé funcionara como
uma escola que o levou a perceber o quanto era absolutamente possível a
construção de uma nova identidade, fundamentada na experiência corporal.
Durante sua carreira, muitas vezes fez referência ao palco como sendo um
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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lugar especial onde ocorreria um trabalho espiritual semelhante ao das
práticas religiosas.
Os ritmos compostos para as cerimônias do Candomblé eram
acompanhados por uma experiência sensual contínua, o que ajudou Itamar
Assumpção a desenvolver uma linguagem corporal de palco que se refletiu
em um artista consciente do uso da sensualidade em suas apresentações.
Prova disso pode ser revista na apresentação da música "Denúncia dos Santos
Silva Beleléu", na qual podemos perceber um Itamar extremamente
"sensualizado", pulsando ao ritmo da música. Essa sensualidade se dá porque
Assumpção realiza em cima do palco movimentos que mudam a experiência
do olhar (principalmente em se tratando da apresentação de canções). É uma
sensualidade evocada então pelo despertar dos sentidos que normalmente
não são utilizados em audições musicais - um desejo que ocorre no público
ao nível da sensação, sem ligação direta com a sexualidade.
Encerramento
Neste trabalho, parte de uma pesquisa ainda em andamento,
quisemos mostrar como interagem diferentes sujeitos através da música. Os
processos de hibridização, tão evidentes quanto comuns na criação artística
de nosso tempo, fazem parte dos encontros entre povos. Mas não podemos
ter uma visão isenta quanto a forma como estes encontros se deram. No caso
do Brasil, o negro foi sequestrado e oprimido por séculos, e a cultura dos
brancos não admite ainda hoje que expressões artísticas africanas sejam
colocadas em igualdade com as europeias. A música popular brasileira,
produzida e comercializada pela indústria de entretenimento, só empresta da
música negra o que lhe convém. Não parece haver influência, pelo menos
não no sentido unidirecional que esta palavra trás. O processo se assemelha
mais a uma peneira, que deixa passar a maior parte do material para se
contentar com poucas "pedras preciosas".
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- 214 -
Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
CINEMA E ARTES
VISUAIS
- 216 -
Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Desenvolvimento de um protótipo de revista
hipermidiática para tablet: um estudo
experimental com a “UNESP Ciência”
Danilo Leme Bressan - UNESP
Francisco Rolfsen Belda - UNESP
Introdução
Nos últimos cinco anos, com a popularização dos smartphones e
tablets, os ambientes midiáticos precisaram se adaptar a um novo cenário
convergente. Aliados à praticidade, mobilidade e facilidade de uso, esses
dispositivos conquistam diariamente usuários de todas as idades e classes
sociais. Sua tela sensível ao toque facilita a execução de tarefas em situações
de mobilidade e introduz uma nova maneira de consumir produtos editoriais
destinados a diferentes faixas etárias, que estão propícios a experimentações,
com a combinação de elementos gráficos oriundos da mídia impressa e
recursos interativos hipertextuais e hipermidiáticos das mídias digitais.
Apesar de uma relativa carência desses produtos editoriais no Brasil,
onde os grandes grupos de mídia costumam disponibilizar a assinantes
versões digitais quase idênticas à impressa, percebe-se um interesse de
empresas de tecnologia no desenvolvimento de aplicações baseadas em
produtos editoriais que incorporem mais interatividade durante sua fruição.
Neste sentido, essa pesquisa foi desenvolvida para ajudar a se
conhecer e compreender não só os diferentes tipos de revistas digitais, mas
também conceitos de design gráfico que associam-se ao planejamento
editorial, design de interação, usabilidade e as ferramentas que podem ser
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
aplicadas para a adaptação da informação às interfaces digitais, considerando
implicações na lógica de sua leiturabilidade. O trabalho teve como objetivo
específico a exploração desses conhecimentos e recursos para a construção
de um protótipo de uma revista digital universitária para a difusão científica
e tecnologia. Com possibilidade de navegação não linear, este protótipo
incorpora elementos hipermidiáticos em suas reportagens, tais como galerias
de imagens, vídeos, hiperlinks e efeitos de áudio advindos de outras mídias
da instituição.
O embasamento metodológico do trabalho incluiu uma pesquisa
exploratória com revisão de bibliografia (GIL, 1995; GIL, 2002; PADUÁ,
2003; LAKATOS E MARCONI, 2003) sobre design editorial, design de
interação e usabilidade em interfaces digitais interativas e, também, um
estudo de caso descritivo (YIN, 2002; YIN, 2010; CHIZZOTTI, 2006;
DUARTE E BARROS, 2009) de revistas digitais selecionadas disponíveis no
mercado. Para o desenvolvimento de uma edição original da revista, foram
empregadas técnicas de prototipagem de produtos editoriais para mídias
digitais em alta fidelidade (PREECE, ROGERS e SHARP, 2005; BAXTER,
1998; ALCOFORADO, 2007) utilizando o software Adobe® InDesign CS6
para desenhar as telas e seu plugin nativo Adobe® Digital Publishing Suite
para a inserção de elementos interativos e hipermidiáticos. Desta forma, o
trabalho apresenta um exemplar original de revista digital hipermidiática e
contribui, assim, para a compreensão e o exame dos processos de
desenvolvimento de produtos editoriais para dispositivos móveis. O método
quase-experimental (RENÓ, 2010; CAMPBELL E STANLEY, 1963) também
foi adotado com a intenção de se observar os grupos e a recolha de dados do
protótipo proposto. Após essa observação, foi aplicado aos usuários um
questionário referente à usabilidade do produto desenvolvido. Este
questionário foi composto por sete questões em escala de 1 a 5, sendo que,
na opção 1, o usuário discorda totalmente, na 2 discorda, na 3 o usuário se
considera neutro, na 4 concorda e na 5 concorda totalmente.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Caracterização de revistas digitais
A principal característica dessas publicações digitais é a junção de
elementos gráficos e editoriais tradicionais da mídia impressa com recursos
digitais, interativos, hipertextuais e multimídia (HORIE E PLUVINAGE,
2011). No entanto, uma revista para ser lida e visualizada no tablet com
conteúdo estático (por exemplo, com a publicação fac-similar das páginas
editoradas para publicação em meio impresso) não deixa de ser um produto
digital, ou ao menos um produto editorial distribuído em meio digital, ainda
que só explore uma pequena fração dos recursos oferecidos por esse
dispositivo de comunicação (como a função de folhear páginas virtuais ou
buscar uma palavra-chave em meio ao conjunto de textos da revista).
Ao estudar as revistas digitais, Dourado (2014) identifica em torno
desse termo ao menos seis diferentes modelos de publicações digitais: sites
de revista, webzines, revistas portáteis, revistas expandidas, revistas nativas
digitais e revistas sociais.
Interatividade e hipermidialidade em interfaces digitais
A incorporação de elementos audiovisuais tais como vídeos e
animações, por exemplo, ao projeto gráfico de revistas interativas é um dos
principais desafios. Sabe-se que, por um lado, esses elementos podem
enriquecer a experiência de fruição do leitor da publicação. No entanto, se
mal empregados, eles podem também se constituir como fatores de confusão
informacional, concorrendo com outros elementos significativos, desviando
a atenção do leitor daquilo que lhe seria preferencial ou simplesmente
poluindo o cenário visível naquela interface. É preciso entender que a
tecnologia digital e interativa possibilita ao usuário interagir não mais (ou
somente) com o objeto, o tablet, mas com a informação, com o conteúdo
disponibilizado (LEMOS, 1997).
Apesar da ampla disseminação dos tablets como suporte para a
distribuição de revistas digitais ser um fenômeno relativamente recente,
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
pesquisadores da área apontam, há mais de uma década, para as
transformações de linguagem requeridas pelos suportes digitais em relação
aos conteúdos da comunicação social. Vilches (2003, p. 23), ressalta que o
principal requisito dessa transformação - que o autor chama de migração
digital - é a interatividade. Segundo o autor, a interatividade facilita a difusão
de conteúdos audiovisuais, criando novas regras para utilizar esses recursos
transferindo o usuário da situação de objeto demanipulação para sujeitos que
manipulam. A mídia interativa deixa pouco espaço para a imaginação e a
narrativa multimídia, quando construída, inclui representações tão
específicas que deixa cada vez menos espaço para a fantasia
(NEGROPONTE, 1995, p. 13).
Os desafios impostos para o desenvolvimento de conteúdos
editoriais para tablets devem visar o enriquecimento estético e funcional da
publicação, indo além da simples combinação de conteúdos textuais e
imagéticos, incorporando e empregando também outros elementos
audiovisuais e interativos condizentes com as características desse novo
meio. Desse modo, Gosciola (2008, p. 34) defende que para Interagir com
objetos presentes ou representados na interface que estamos utilizando,
temos que achar modos para dizer exatamente o que e com o que interagimos
e quais mecanismos utilizamos para essa interação.
Associada quase sempre às novas mídias de comunicação, a
interatividade é definida pelo dicionário Michaelis53 como aquilo que tem
qualidade de interativo, ou seja, um sistema multimídia em que um usuário
pode executar um comando e o programa responder ou possibilitar ao
usuário o controle de algumas ações.
Para Canavilhas e Santana (2011, p. 55), a interatividade é uma
característica fundamental na construção da notícia para as plataformas
móveis e pode ser definida como a possibilidade do público construir uma
relação com os conteúdos.
53 Disponível em:
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=intera tividade Acessado em 10 de dezembro de 2015.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Nesse contexto de construção de notícias em produtos editoriais, o
profissional de design editorial deve intervir no processo criativo utilizando
meios capazes de reduzir a complexidade e contribuir para apresentar
informações relevantes de forma útil, desenvolvendo interfaces adequadas
capazes de aproximar o leitor da informação requerida (BONSIEPE, 2011).
Assim, o design de interfaces digitais serve, de maneira especial, para criar
um ambiente propício para a informação nessas novas plataformas
hipermidiáticas e suportes de distribuição, tornando-a consistente com seu
contexto de fruição.
Steven Johnson (p. 154) em seu livro "Cultura da Interface", de 2001,
conclui que é preciso ir além desse modelo de eficiência das interfaces. Para
o autor, é preciso ver a interface gráfica como um meio de comunicação tão
complexo quanto o romance, a catedral ou o cinema - e esta é uma proposta
que todos os pesquisadores, produtores, designers e jornalistas precisam se
acostumar.
Como o trabalho discute a utilização de elementos hipermídiáticos
em interfaces de revistas digitais para tablets em caráter experimental que,
muitas vezes, utiliza as possibilidades hipertextuais da internet 2.0, há a
necessidade de definir o conceito de hipermídia que, não raramente, é
confundido com multimídia, principalmente no mercado editorial.
A hipermídia é quando o conteúdo de hipertexto é ampliado com
som digitalizado, animação, vídeo, realidade virtual, banco de dados. A
multimídia é tomada como um termo técnico e frequentemente confundida
com a hipermídia. A multimídia é usada como um termo de marketing para
exemplificar a interatividade e um volume de documentos (MICHAEL
JOYCE apud GOSCIOLA, 2008, p. 32).
O hipertexto é um texto composto por fragmentos de textos e por
enlaces eletrônicos que se conectam entre si. A expressão hipermídia
simplesmente estende à noção de texto hipertextual ao incluir informação
visual (fotos, vídeos, animações) e informação sonora. Ao poder conectar
uma passagem de discurso verbal a imagens, mapas, infográficos e sons tão
facilmente como a outro fragmento verbal, o hipertexto expande a noção do
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
texto mais do que meramente verbal, sem distinção entre hipertexto e
hipermídia (LANDOW, 2009, p. 25).
Sobre George Landow usar hipertexto como sinônimo de
hipermídia, Renó (2013, p. 215) justifica como inaceitável uma estrutura que
contenha hiperlinks e não seja hipermidiática, pois isso seria um insuficiente
aproveitamento das possibilidades narrativas atuais. Entretanto, tal
insuficiência é realizada com frequência por páginas de diversos jornais
eletrônicos", enfatiza o autor.
Gosciola (2008, p. 32) defende que a hipermídia é, verdadeiramente,
um produto com um nível de navegabilidade, interatividade e mais
intensidade em conteúdos audiovisuais, permitindo acesso simultâneo a
textos, imagens e sons de modo interativo e não-linear, ou seja, um produto
que o usuário controla sua própria navegação promovida por links entre
conteúdos. Segundo o autor, na hipermídia, o link é o elemento de ligação
entre conteúdos.
Para Scolari (2008), a hipermídia é um meio não-linear de
informação, um conceito mais amplo do que a multimídia que, apesar de
poder ser escolhida de modo aleatório no suporte físico, é puramente linear
em sua essência.
Para que se faça um uso criterioso desses recursos, é necessário
considerar uma série de parâmetros técnicos e estéticos que condicionam a
transposição, a adaptação e a recriação de conteúdos gráficos para essas
plataformas digitais, móveis e interativas de comunicação. É preciso
entender os limites tecnológicos e do publico-alvo do produto para se
construir as interfaces que promovam o "diálogo" entre o usuário e o
conteúdo planejado (RENÓ, 2013, p. 217).
Design editorial, de interação e usabilidade
Aspectos próprios do design de interação devem ser aliados aos
princípios do desenho gráfico-editorial na composição de interfaces
adequadas à publicações de revistas digitais. Um desses princípios
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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convencionais é o uso do grid para formar um esqueleto para resolver
problemas visuais associados à anatomia de um layout, seja ajustando textos,
imagens e legendas ou dispondo outros elementos gráficos significativos na
página ou tela de uma publicação.
A história da construção do grid é complexa e tortuosa e há casos de
uso antes dos gregos e troianos. Há registros de uso no design gráfico
ocidental depois da Revolução Industrial e ainda hoje divide opiniões entre
designer e diretores de arte em relação a sua prática: há quem defenda como
processo de trabalho e quem encara como uma prisão que limita e atrapalha
a liberdade de expressão criativa (SAMARA, 2007, p. 6-14).
Sobre a evolução do design editorial impresso para o digital cujo
objetivo é reforçar o discurso informativo, organizar a hierarquia do
conteúdo para atrair atenção e construir sentido nas várias matérias que
compõem a publicação, Ambrose e Harris (2007, p. 12) afirmam que o grid
evoluiu muito com o tempo mas seus princípios básicos permaneceram
intactos ao longo dos anos.
Formado por um conjunto de linhas e colunas-guias invisíveis que
estruturam a página dando consistência e técnica ao trabalho, Samara (2007,
p. 22) defende que o principal objetivo do uso do grid é introduzir "uma
ordem sistemática em um layout, diferenciando tipos de informação e
facilitando a navegação entre eles". O autor ressalta que esse grid deve ser
construído com base nas necessidades do projeto, respeitando margens,
linhas de fluxo, colunas, módulos, zonas espaciais e marcadores. Ambrose e
Harris (2007, p. 10) complementam afirmando que sua utilização "aumenta
a precisão e a consistência da localização dos elementos da página", desse
modo, fornecem uma estrutura para um maior desenvolvimento da
criatividade no desenho das páginas.
Nesse processo, também devem ser considerados quatro princípios
definidos por Williams (1995, p. 15) como aspectos essenciais do design
editorial: proximidade, alinhamento, repetição e contraste. O princípio da
proximidade recomenda que se agrupem itens relacionados entre si de modo
a se formar um conjunto de informações coesas. Por alinhamento, entende- 223 -
Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
se a necessidade de combinar famílias tipográficas de modo apropriado,
conferindo unidade à composição. Repetição é o aspecto que cria
organização e também fortalece a percepção da unidade do layout. Por fim,
Williams define o princípio de contraste como "uma das maneiras mais
eficazes de acrescentar algum atrativo visual a uma página". Como
complemento a esses conceitos, Lupton e Phillips (2008, p. 28) chamam
atenção para o equilíbrio visual da composição, que "acontece quando o peso
de uma ou mais coisas está distribuído igualmente ou proporcionalmente no
espaço".
Vale ressaltar o que Samara (2007) coloca como provocação: um grid
apenas é realmente bem-sucedido se o designer, depois que todos os
problemas triviais forem resolvidos, superar a uniformidade implícita nas
estruturas e usá-lo para criar uma narrativa visual dinâmica que sustentarão
o interesse página após página.
Sobre proporções, Tschichold (2007, p.64) afirma que um ser
humano acha os planos de proporções definidas e intencionais mais
agradáveis ou mais belos do que os de proporções acidentais.
Aliada as características do design gráfico-editorial, a observação de
aspectos próprios do design de interação e de princípios de usabilidade
garantiria que o projeto visual de uma revista publicada por meio de um
tablet oferecesse ao leitor uma experiência adequada à essa plataforma digital
de fruição, considerando as dimensões de hipertextualidade,
multimidialidade e interatividade responsáveis pelo dinamismo
característico do conteúdo distribuído nesse ambiente.
Preece, Rogers e Sharp (2002, p. 28) definem o design de interação
como o "design de produtos interativos que oferecem suporte às atividades
cotidianas das pessoas, seja no lar seja no trabalho".
Para Winograd (1997), o design de interação é como o "projeto de
espaços para comunicação e interação humana". Para definir o termo, o autor
acha necessário diferenciá-lo da engenharia de software e para tanto usa o
exemplo da construção cívil. Para o autor, o arquiteto fica encarregado de
projetar a interação das pessoas nos ambientes enquanto o engenheiro civil
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
cuida das questões da estrutura e das práticas da construção. Para o autor,
dessa mesma forma acontece com o designer de interação - é ele quem se
responsabiliza pelo projeto voltado ao usuário, enquanto o engenheiro de
software se responsabiliza pela programação das interfaces.
Para Preece, Rogers e Sharp (2005), o processo de design de interação
envolve quatro atividades básicas essenciais: 1) a identificação das
necessidades dos usuários; 2) o desenvolvimento de elementos de design que
atendam aos requisitos propostos; 3) a construção de versões interativas para
serem comunicadas e analisadas e, por último, 4) uma avaliação daquilo que
está sendo construído durante o processo. Segundo as autoras, essas
atividades devem ser definidas com metas de usabilidade que exigem o
aprimoramento das interações, transformando-os em produtos mais
eficientes, agradáveis e mais fáceis de usar. Essas metas se refletiriam em a)
eficácia - essa meta se aplica a quanto o sistema interativo atende todas às
expectativas em relação ao desempenho; b) eficiência -como o usuário se
comporta executando as tarefas do sistema; c) segurança -essa meta leva em
consideração o sistema em relação a proteção do usuário em situações
indesejadas; d) utilidade - avalia se o sistema proporciona todas as
funcionalidades desejadas às atividades que o usuário pretende executar; e)
capacidade de aprendizagem - avalia a facilidade que o usuário tem para
aprender a utilizar o sistema; e por fim, f) capacidade de memorização - essa
última meta avalia a facilidade de memoriar do usuário ao utilizar o sistema
depois de já ter aprendido a utilizá-lo.
Ainda sobre usabilidade, Nielsen (2005) reafirma os dez princípios
fundamentais da usabilidade que estabeleceu em 1986. Essas recomendações,
também conhecidas como Avaliação Heurística, são auidelines que
respeitam as boas práticas em relação ao desenho de interface. Essa avaliação
serve para facilitar a escolha entre as diferentes alternativas de design durante
a criação das interfaces e também permitir ao designer de interação
encontrar e justificar problemas durante a avaliação. São eles: 1) visibilidade
do status do sistema, 2) compatibilidade do sistema com o mundo real, 3)
controle do usuário e liberdade, 4) consistência e padrões, 5) prevenção de
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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erro, 6) reconhecimento em vez de memorização, 7) flexibilidade e eficiência
no uso, 8) estética e design minimalista, 9) ajudar o usuário a reconhecer, 10)
diagnostico e correção de erros, e, por último, 11) ajuda e documentação.
Esses princípios, segundo o autor, resistem até hoje porque dependem do
comportamento humano, que raramente ou quase nunca muda.
A construção de sentido nessa comunicação não se dá apenas entre
o leitor e os elementos gráficos significativos que compõem uma página ou
tela da publicação, mas também entre ele, como usuário de um dispositivo, e
o sistema computacional com o qual ele interage durante a fruição. E o que
garante o sucesso e satisfação do usuário é o que afirma Krug (2006), quando
diz que aquilo que funciona bem é o que uma pessoa sem experiência
consegue usar para sua devida finalidade, sem ocorrências de frustração
durante o processo.
A versão digital de "unesp ciência"
O protótipo em alta fidelidade da edição de "UNESP Ciência" foi
desenvolvido com o Adobe® Indesign CS6 e o Adobe® Digital Publishing
Suite. Conforme pode ser constato na navegação do produto54. O protótipo
traduz exatamente como deve ser a interface do produto final, com ícones de
interação e navegação real que poderão ser incluídos em uma versão final do
produto e, possivelmente, atenderão todas as necessidades dos usuários.
O protótipo foi simulado no Adobe® Content Viewer, um aplicativo
que pode ser instalado no dispositivo móvel através da AppStore, em
dispositivos iPad ou o iPhone, ou através da Google Play, quando são
dispositivos móveis com sistema operacional Android. As edições também
podem ser simuladas no computador em que está sendo desenvolvido. Para
isso, o usuário deve baixá-lo através do site da Adobe®.
Conclusão
54 https://www.youtube.com/watch?v=9I9LXs3MEuk
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Com a pesquisa finalizada, foi possível concluir que os objetivos
esperados foram alcançados e os resultados obtidos são satisfatórios. O
protótipo desenvolvido utilizou-se dos elementos gráficos da versão
impressa para construção da interface do produto digital. Dessa forma,
mesmo que em caráter experimental, não houve a descaracterização da
publicação.
As revistas digitais estão em processo de transição no Brasil e no
mundo e as plataformas de distribuição são ainda limitadas. Diante disso,
essa pesquisa contribui com o desenvolvimento tecnológico da instituição e
a divulgação da ciência em meios eletrônicos com possibilidade, através da
interatividade, de enriquecimento audiovisual e da criação de uma narrativa
diferente de uma revista impressa tradicional.
As pautas elaboradas pela ACI/UNESP para a revista "Unesp
Ciência", que desenvolveu o conteúdo da edição, são, em geral,
independentes das pautas de reportagens da TV Unesp. Desse modo, a
produção de material audiovisual relacionado aos temas tratados pela
publicação da revista é quase inexistente, o que limita as possibilidades de
relacionamento e vinculação entre esses conteúdos, no intuito de prover
recursos hipermidiáticos à publicação.
A partir do trabalho apresentado, é possível concluir que o protótipo
da revista hipermidiática é viável e exequível. Porém, para que o produto
apresente conteúdos mais diversificados e se aproprie das potencialidades da
web 2.0 de modo ainda mais efetivo, inclusive deixando o usuário livre para
construir sua narrativa através de hiperlinks, é preciso que os editores dos
diversos veículos de mídia da instituição (tais como a revista "UNESP
Ciência", a TV UNESP e a Rádio UNESP, por exemplo) trabalhem em
parceria na elaboração de suas pautas. Dessa forma, conteúdos relacionados
entre si em diferentes suportes midiáticos poderão ser conectados por meio
de interfaces digitais e o produto final desenvolvido ficará enriquecido com
elementos audiovisuais e seus metadados, mais padronizados.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Acredita-se que o projeto desenvolvido cumpriu seu papel ao propor
um produto original e complementar à publicação até então existente e
disponibilizada para download no site da ACI/Unesp. Ao incrementar a
aplicação desses recursos, o protótipo apresentado poderá servir como
referência na possível construção de um produto no formato de revista
digital mais interativo vinculado à instituição.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Estudo de imersão nas narrativas dos jogos
eletrônicos The Last of Us e Heavy Rain
Fabiana Guerra - Universidade Anhembi Morumbi
Genio Nascimento - Universidade Anhembi Morumbi
Introdução
Dentro do campo dos game studies é possível verificar um grande
número de análises de jogos eletrônicos com base em sua estrutura
constitutiva, que pode ser representada, por exemplo, pelos fatores como as
regras, ficção e a mecânica do jogo. Essas análises se confundem dentro dos
campos da narratologia e da ludologia55 que fornecem dados partindo de
princípios distintos, fato que dificulta o estabelecimento de uma descrição
única que estabeleça as características distintas de cada jogo eletrônico.
Dentro do campo ficcional dos jogos existe um enorme potencial
narrativo a ser explorado, que pode aumentar a experiência do jogador em
relação aos seus aspectos mais perceptivos, como estímulos visuais e
emocionais. O foco desse estudo é verificar o quanto a narrativa, a mecânica
do jogo e as regras, juntas, podem constituir uma narrativa mais imersiva nos
jogos eletrônicos e quanto a narrativa se relaciona a um engajamento menor,
ou maior, por parte do jogador. Para fazer esse estudo, utilizaremos dois
jogos narrativos com mecânicas diferentes: The Last of Us e Heavy Rain.
A narrativa nos jogos eletrônicos
55
A visão de narratologia é que jogos devem ser entendidos como formas inovadoras de narrativa e,
portanto, podem ser estudados usando as teorias da narrativa (Murray, 1997; Atkins, 2003). A posição
da ludologia é que os jogos devem ser entendidos em seus próprios termos. Ludologistas propõem que o
estudo de jogos deve se relacionar a análise dos sistemas formais e abstratos ao qual eles se descrevem.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Como podemos contar uma história partir de um jogo eletrônico? A
resposta aparentemente não está apenas na narrativa, mas também na
estrutura de design do jogo em si. Percebemos que esse é um ponto
fundamental a ser estudado. Isso porque a narrativa precisa girar em torno
da natureza interativa do meio, precisamos considerar sua materialidade.
Vamos comparar a narrativa escrita ao cinema, considerando que
literatura pode ser caracterizada por meio de palavras, vamos representa-la
por acontecimentos ao longo do tempo, já o cinema trata com imagens e
áudios, portanto além da "história" adicionamos uma segunda dimensão na
compreensão do espectador: o audiovisual.
A experiência audiovisual no cinema é uma nova esfera de
possibilidades de expressões.
Se o audiovisual do cinema permitiu a entrada de um eixo
bidimensional, e uma maior experiência sensorial, podemos considerar que
os jogos eletrônicos, adicionam um eixo tridimensional, possibilitando um
terceiro fator importante que é a interação.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
O agenciamento ou agência é um conceito utilizado por Janet
Murray para se referir aos resultados gerados por ações em ambientes
interativos. Segundo MURRAY (2003, p.127), "agência é a capacidade
gratificante de realizar ações significativas e ver os resultados de nossas
decisões e escolhas".
É um processo que exige o esforço do usuário em participar, e tem
como resposta uma atualização do jogo a partir dos comandos executados
pelo jogador.
Há a oportunidade de assumir as motivações e emoções de um
personagem com a interatividade. A experiência da narrativa está presente
quando jogamos como protagonistas. Descobrimos, de forma ativa
características da história, e não através da lente de um cinegrafista,
poderíamos deduzir que a profundidade da narrativa nos jogos eletrônicos
tem caráter de experimentação.
As narrativas imersivas em The Last of Us e Heavy Rain
The Last of Us é um jogo do subgênero survival horroí56, onde a
ação acontece em terceira pessoa, o jogo se passa em um Estados Unidos
56
Survival horror é um subgênero de jogos de videogame do gênero ação/aventura, no qual o
tema é terror e sobrevivência. O principal objetivo do jogo é sobreviver a fatos inicialmente
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
pós-apocalíptico, e conta a história dos sobreviventes Joel e Ellie e como
eles, juntos, sobreviveram em sua jornada para o oeste, através do que
restou do país, para encontrar uma possível cura para a praga de fungos
que tem dizimado a raça humana.
Em "The Last of Us", durante o desenrolar da trama narrativa, vamos
aos poucos ficando próximos do protagonista de maneira tão intensa, que
mesmo não tendo poder de decisão em momentos críticos da história, a
imersão é notória. A narrativa se mostra de uma maneira que não poderia
ser igual em uma experiência cinematográfica, como espectador (passivo) o
fato do jogador se apropriar de seu avatar 57 e ser o interator da narrativa, se
incompreendidos e misteriosos e, ao longo do jogo, descobrir os detalhes, desvendar os
mistérios da história que muitas vezes é totalmente desconhecida e achar soluções para os diversos
quebra-cabeças apresentados.
57
Avatar é uma manifestação corporal de um ser imortal segundo a religião hindu, por vezes
até do Ser Supremo. A palavra "Avatar" se tornou popular entre os meios de comunicação e informática
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
envolvendo com questões como paternidade, ética, perda, entre outros
sentimentos, o conecta com a trama de maneira emocional, mesmo ele
sabendo que há um caminho pré-programado para o personagem.
Veja o que Murray coloca sobre o jogador como interator:
Umas das principais questões levantadas pela prática da agência narrativa
é: até que ponto somos autores da obra que vivenciamos? Alguns
argumentam que um interator numa história digital... é o autor da
história. Essa é uma afirmação enganosa. Há uma distinção entre encenar
um papel criativo dentro de um ambiente autoral e ser autor do próprio
ambiente. Mas os interatores podem apenas atuar dentro das
possibilidades estabelecidas quando da escritura e da programação de tais
meios. (MURRAY, Janet H., 2003, p. 149)
Podemos dizer que é uma ilusão o jogador sentir que pode agir de
maneira a alterar a história. Na verdade, ele pode. Mas desde que isso esteja
programado no desenho do jogo. O ponto é que, apesar disso, e mesmo com
a consciência disso, o jogador se envolve e imerge na narrativa.
O sentido de imersão no jogo, ou de estar "presente", está
diretamente ligado ao jogador exercendo o papel de interator. Ou seja,
exercitando sua "agência" no jogo. Esse ponto de vista é defendido por
diversos autores. Vejamos como MACHADO define o sentido de imersão e
agência:
O termo imersão foi introduzido recentemente nas áreas de realidade
virtual e vídeo game para se referir ao modo peculiar como o sujeito
"entra" ou "mergulha" dentro das imagens e sons gerados pelo
computador. Agenciamento (agency), por sua vez, é o termo que os povos
de língua inglesa utilizam para designar a sensação experimentada por um
interator de que uma ação significante é resultado de sua decisão ou
escolha. Nos meios digitais (videogames, realidade virtual, ambientes
colaborativos baseados em rede etc.) nós nos defrontamos o tempo todo
devido às figuras que são criadas à imagem e semelhança do usuário, permitindo sua "personalização"
no interior das máquinas e telas de computador.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
com um mundo que é dinamicamente alterado pela nossa participação.
(MACHADO, Arlindo, 2002)
Apesar dessa definição de agência feita por MACHADO, ele defende
que a agência está condicionada a programação pensada pelo game designer,
e que, o "agir" está limitado a condições técnicas da inteligência artificial.
Agenciar é, portanto, experimentar um evento como o seu agente, como
aquele que age dentro do evento e como o elemento em função do qual o
próprio evento acontece. Mas essa participação dinâmica, como vimos
acima, não indica que o interator é senhor absoluto dos acontecimentos.
Ele só pode fazer o que o programa permite ou o que a máquina prevê
como possibilidade de ocorrência (a menos que estejamos diante de um
programa aberto e o interator seja capaz de intervir no próprio âmbito da
programação). (MACHADO, Arlindo, 2002)
Voltando ao jogo The Last of Us, podemos notar que a narrativa nele
é tão envolvente e os elementos de jogo tão discretos que o jogador não se
importa com a linearidade imposta pelo gameplay58. A tela de jogo é
extremamente limpa e livre de interferências. Percebemos que o personagem
está ferido apenas por alterações de cor: uma borda avermelhada surge
piscando. E mesmo o menu de itens faz uma relação à busca de elementos
em uma mochila, tentando ao máximo aproximar o jogador de seu avatar.
58
Jogabilidade (em inglês, gameplay ou playability) é um termo na indústria de jogos
eletrônicos que inclui todas as experiências do jogador durante a sua interação com os sistemas de um
jogo, especialmente jogos formais, e que descreve a facilidade na qual o jogo pode ser jogado, a
quantidade de vezes que ele pode ser completado ou a sua duração.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Do ponto de vista de Aarseth, que analisa o jogo através de satélites
e kernels fixos ou variáveis para determinar se estamos em um terreno onde
a narrativa se sobressai em relação à mecânica e as regras, podemos dizer que
The Last of Us é um jogo com kernel inicial e final fixos e satélites sequenciais
fixos também. Ou seja, de acordo com Aarseth, o jogo acontece linearmente
e a exploração permitida não interfere na ordem dos fatos narrados.
Buscando um jogo, onde a narrativa é "multicursal" para comparar
com o anterior, analisaremos Heavy Rain, um jogo que possui apenas o
kernel inicial fixo, e muitos satélites variáveis. Mesmo seu final pode mudar
de acordo com as escolhas feitas pelo jogador no caminho narrativo.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Affordance - é a qualidade de um objeto que permite ao indivíduo
identificar sua funcionalidade sem a necessidade de prévia explicação, o que
ocorre intuitivamente ou baseado em experiências anteriores. Quanto maior
for a affordance de um objeto, melhor será a identificação de seu uso.
O que podemos perceber logo no início é que o gameplay desse jogo
é bem mais lento e com comandos que não são da experiência comum do
jogador. Ou seja, o jogador não possui affordance8 com os comandos. Mesmo
porque esse foi um dos primeiros jogos desenvolvidos para ser jogado com o
dispositivo Move, que substitui o tradicional controle. Mesmo assim, é
possível jogar com o controle comum, mas com o esforço de aprender
comandos que misturam apertar botões, com movimentos de colocar o
controle para cima e para baixo, girar e ainda imprimir leveza ou rapidez a
esses movimentos.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Heavy Rain é um thriller psicológico com características
cinematográficas desenvolvido pela Quantic Dream59 exclusivamente para o
PlayStation 360. O jogo gira em torno de uma trama sofisticada com fortes
segmentos narrativos que explora uma complexa proposta moral. Você
assume o papel de vários personagens com diferentes origens, motivações e
habilidades em um mundo onde cada decisão do jogador afeta o que seguirá.
O jogo se concentra em quatro diferentes personagens; Ethan Mars, um pai
e principal protagonista; Scott Shelby, detetive particular; Norman Jayden,
um agente do FBI e, finalmente, Madison Paige, uma fotojornalista. Eles são
personagens muito diferentes e não se conhecem no início do jogo, mas são
todos ligados pois, todos têm interesse no principal antagonista, o assassino
do Origami.
No jogo, podemos controlar vários personagens durante o
desenrolar da trama. E, muitas vezes, o jogador não tem a possibilidade de
59
Quantic Dream é uma desenvolvedora de jogos eletrônicos sediada em Paris, França, fundada em
1997. A empresa também fornece serviços de captura de movimento para a indústria do cinema e de
jogos.
60
O PlayStation 3 (oficialmente abreviado como PS3) é o terceiro console de videogame produzido pela
Sony Computer Entertainment e o sucessor do PlayStation 2 como parte da série PlayStation. O
PlayStation 3 compete contra o Xbox 360 e o Nintendo Wii como parte da sétima geração de consoles
de videogame.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
tentar de novo caso falhe. O fato de não conseguir executar uma ação leva a
narrativa para outro caminho e altera o desenrolar da trama. A quantidade
de finais possíveis é controversa: em alguns sites de spoiler encontramos 17
possíveis desfechos, enquanto alguns artigos acadêmicos defendem que o
jogo pode ultrapassar 23 finais. Mas o fato é que durante as primeiras ações
no jogo, o jogador percebe que precisará ser mais atento e tomar decisões
mais cautelosas ao longo do desenrolar da trama. Caso contrário, a narrativa
o levará a um caminho sem volta, no qual ele não poderá salvar Shaun ou
descobrir quem é o assassino. Nesse ponto, vale a pena explicar quem é
Shaun. Acredito que o grande motivador no jogo seja a relação que o jogador
estabelece com o avatar no engajamento de salvar Shaun de uma morte por
afogamento, imprimida por um psicopata desconhecido, que em muitos
trechos do jogo, pensamos ser o próprio pai. Outro fator que leva o jogador
a ir até o fim - e talvez voltar a jogar -, é descobrir se o assassino é um dos
personagens principais do jogo.
Shaun é filho de Ethan, personagem principal, no Kernel inicial do
jogo, que não se altera independente do desdobramento. Ethan perde um dos
filhos gêmeos em um acidente de carro do qual ele próprio fica seis meses em
coma. Após o acidente, Ethan se separa da esposa Grace e passa a ter a guarda
compartilhada de Shaun, que se tornou uma criança deprimida e apática. Seu
relacionamento com Ethan é frio e distante. Após dois anos do acidente,
Ethan tem alguns blackouts e passa por acompanhamento psicológico para
entender seu quadro. Durante um desses apagões, o filho Shaun desaparece
e ele se vê às voltas com um origami e instruções para salvar o filho. O
assassino do origami costuma dar a oportunidade da pessoa mais próxima a
criança raptada se colocar em situações extremas para salvar quem ama.
A partir desse ponto, a narrativa se torna mais intensa e envolvente
e o jogador mais tentado a continuar para salvar a criança, e claro descobrir
quem é o assassino. Há relatos de jogadores que desistiram de continuar
antes desse momento do jogo. Acreditamos que este ponto é o divisor da
narrativa e do gameplay. Nesse momento, a mecânica do jogo já foi
compreendida e o jogador já se familiarizou com as formas de interação,
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
tendo a probabilidade de muito mais acertos do que erros no manuseio dos
botões e interface. Além disso, há um gatilho motivador na história e o
mistério e a ação se intensificam. É nesse momento, que temos um real
engajamento e o jogador passa realmente a ser o interator da narrativa. O
sentido de presença aumenta no jogo à medida que o jogador se sente
responsável pelos desdobramentos, imergindo cada vez mais na história.
A autora Ryan classifica imersão como sendo:
"a experiência através da qual um mundo fictício adquire a presença de
uma realidade autônoma e independente de linguagem, populada por
seres humanos vivos" (RYAN, 2001, p. 15).
E ainda:
"aprender um mundo como real é sentir-se inserido nele, ser capaz de
interagir fisicamente com ele, e ter o poder de modificar tal ambiente. A
conjunção de imersão e interatividade leva a um efeito conhecido como
telepresença" (RYAN, 1994, apud KLASTRUP, 2003a, p. 295).
Jasper Juul, na tentativa de definir o que é jogo em um modelo
clássico, o separou em três partes distintas, o jogo como sistema, o jogador e
o jogo e por fim, o jogador e o resto do mundo, podemos simplificar essas
três separações como: jogo, jogador e mundo.
O jogo pode ser definido por premissas, as regras, todas as ações
do jogo que não sofrem qualquer influência do jogador;
O jogador pode ser definido pelas relações estabelecidas entre o
jogador e o jogo, suas decisões e a sequência do jogo com base
nelas;
•O mundo se define pela forma como influência o jogador e
vice-versa. De acordo com o autor:
Um jogo é um sistema baseado em regras com resultados variáveis e
quantificáveis, onde diferentes resultados geram diferentes valores, o
jogador exerce esforço e influência a ordem do resultado, e o jogador se
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
sente emocionalmente ligado ao resultado, e as consequências das
atividades são negociáveis. (JUUL, Jasper, 2005, p. 36)
Percebemos nitidamente essa separação que Juul faz no jogo Heavy
Rain. As regras do jogo estão diretamente ligadas às mecânicas, onde o
jogador ao acertar a sequência de botões, os gestos ou a leveza e velocidade
na manipulação do controle pode ter sucesso ou não. E aí temos uma
variação de resultados. E cada qual leva a um determinado caminho, gerando
diferentes valores ou resultados, como citado acima. O interator age no
sentido de salvar Shaun da morte. Nesse caso, o jogador se engaja e tem êxito
se aproximando da história e se colocando no papel do pai da criança. O
jogador exerce, então, esforço e influência na ordem do resultado, já que o
jogo dá essa possibilidade disponibilizando vários satélites em torno da
narrativa. E, notoriamente, o jogador se sente emocionalmente ligado, já que
a narrativa envolve o jogador com questões morais e psicológicas.
Ryan defende que é difícil ter imersão em torno de uma interface
carregada de elementos, que a todo momento quebram o sentido de presença
e dificultam a suspensão de descrença.
Veja o que Ryan coloca em entrevista realizada por Júlia Pessôa:
Júlia Pessôa: Você uma vez mencionou que um dos
problemas centrais em textos interativos é que o
fluxo da narrativa é interrompido toda vez que o
leitor tem que fazer uma escolha. Em alguns games,
isto parece não acontecer, já que as escolhas acabam
diluídas no gameplay. (Ao mesmo tempo, os jogos
em que as escolhas têm de ser feitas por acesso a
menus e recursos do tipo parecem ter o mesmo
problema que os textos interativos). Você concorda
com isso? Por quê?
Ryan: Concordo totalmente. Em games, há um fluxo
de atividade que promove a imersão do jogador no
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
mundo do jogo. Mas há muitas interrupções: por
exemplo, toda vez que o jogador tem que escolher
uma nova arma, pesquisar em seu mapa, verificar
missões pendentes, etc, ele deve acessar um menu.
Mas nos games, isso é "naturalizado", como alguém
que procura um objeto em sua bagagem, por assim
dizer. Na narrativa de hipertexto, por outro lado, a
atividade de clicar é externo ao mundo da história, e
por isso provoca muito mais distração. Além de ser
antiimersiva.
Em Heavy Rain, a interface é extremamente carregada e a todo o
momento aparecem balões com opções de seleção para o jogador escolher.
Mas a narrativa e o game design estão tão bem desenhados que isso é
irrelevante. Os planos de câmera, as expressões dos personagens, o mistério
imprimido na narrativa, a sensação de responsabilidade em agir pelos
personagens torna a experiência tão fascinante que, como Ryan disse na
entrevista mostrada acima, o manuseio da interface fica natural e
incorporado à narrativa.
Conclusão
Podemos verificar que os dois jogos são imersivos, porém cada qual
com uma dinâmica diferente. E que apesar da interface e do excesso de
comandos serem um fator que pode atrapalhar a imersão, em muitos casos
isso não acontece. A própria narrativa, se bem desenhada e aplicada de forma
a motivar o jogador, apoia o sentido de presença e coloca o jogador como
interator. E que apesar de o jogo não ser multicursal, ou não apresentar um
mundo aberto e cheio de possibilidades, isso não quer dizer que ele é menos
narrativo. Ou que seu gameplay predomina em relação à narrativa. Ou seja,
a partir desse estudo, aparecem diversos pontos que podem futuramente ser
explorados. A intenção é que, a partir daqui, seja possível verificar eventuais
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
pontos estruturais da narrativa desses dois jogos que se assemelham e/ou se
diferenciam, mapeando melhor suas estruturas técnicas e narrativas.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
As astúcias enunciativas dos jogos digitais
Felipe de Brito Lima Pernambuco - UFPE
Yvana Fechine - UFPE
Thiago José Moreira Lins – UFPE
Jogos digitais podem ser definidos como artefatos interativos
pautados por conjuntos de regras a partir das quais os indivíduos engajados
tentam atingir um objetivo. Podem ter um caráter meramente lúdico e
despretensioso ou serem extremamente sérios, utilizados individualmente
ou em grupos, associados a cenários sociais simples ou de alta complexidade
(GALLOWAY, 2004).
Antes vistos meramente como uma forma de entretenimento,
desconectada da realidade e voltada para um público essencialmente juvenil,
os jogos passam, sobretudo a partir do início do século 21, a ser
desenvolvidos com O intuito de promover produtos em campanhas
publicitárias, desempenhar funções informativas de utilidade pública ou
promover processos de ensino-aprendizagem. Assim, diferentes aspectos de
seu uso tem despertado crescente interesse do campo da comunicação ao
longo dos últimos anos:
scholars identify a range of social, cultural, economic, political and
technological factors that suggest the need for a (re)consideration of
videogames by students of media, culture and technology (NEWMAN,
2004, p. 3)
Apesar das questões tecnológicas e mercadológicas relativas aos
videogames serem frequentemente tratadas de modo pleno e resoluto, como
em Tschang (2008) e Herman (2008), estas mídias se revelam um objeto de
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
pesquisa extremamente complexo no âmbito das Humanidades, sobretudo
no que diz respeito ao estudo de fatores sociais e culturais. Galloway (2004)
descreve os jogos digitais, acima de tudo, como objetos culturais
determinados histórica e materialmente. A complexidade deste tipo de
abordagem acadêmica é notadamente associada a dois aspectos:
[...] the enormous variety of titles and types collectively assembled under
the heading of 'videogames' means that criticai approaches and theories
are at risk of being unduly influenced by particular instances [...]
However, it is more than just variety that renders the academic
investigator's task problematic: while it is possible to identify underlying
themes and constancies, it is also true to say that videogames have
changed over time (NEWMAN, 2004, p. 92).
O percurso evolutivo destes artefatos, caracterizado por esta
crescente variedade de títulos e gêneros e pelas mudanças ao longo do tempo,
pode ser observado na desconstrução de uma premissa básica antes tida
como pertencenteà essência dos videogames: "the player takes on the role of
a fantasy character moving through an elaborate world, solving various
problems" (GEE, 2004, p. 1). Tradicionalmente, o jogador observa na tela o
personagem que o representa no jogo e controla suas ações através de
comandos, o que implica em um distanciamento entre ambos, a partir do
qual são entendidos como instâncias distintas.
Os jogos denominados FPS, ou first-person shooter, que se
popularizaram a partir da década de 90, representaram uma mudança nesse
sentido, dando ao jogador a perspectiva visual do personagem e
aproximando-os significativamente através de uma sobreposição.
first-person shooter games are a semiotic domain, and they contain a
particular type of content. For instance, as part of their typical content,
such games involve moving through a virtual world in a first-person
perspective [you see only what you are holding and move and feel as if you
yourself are holding it] using weapons to battle enemies (GEE, 2004, p.
26).
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
As aproximações entre jogador e personagem e 'mundo do jogo' e
'mundo real' tem se consolidado como uma tendência neste século, atreladas
a avanços das Tecnologias da Informação e Comunicação, especialmente no
que diz respeito à sofisticação dos dispositivos móveis, das ferramentas de
geolocalização e às novas possibilidades interativas da web. O ato de se
deslocar fisicamente até um determinado ponto de uma cidade pode se
configurar como ação inerente a um jogo digital.
in video games there are actions that occur in diegetic space and actions
that occur in nondiegetic space [...] in some instances it will be difficult to
demarcate the difference between diegetic and nondiegetic acts in a video
game, for the process of good game continuity is to fuse these acts together
as seamlessly as possible (GALLOWAY, 2004, p. 7).
Os aspectos dos jogos que dizem respeito ao mundo diegético
costumam ser trabalhados através da narratologia 61: gêneros, perfis de
personagens e até estruturas e peculiaridades de enredo costumam ser
amplamente contemplados por este arcabouço teórico.
We have noted already that the premise of many videogames is
reminiscent of Todorov's very basic narrative structure [...] As such, the
application of narrative theory to the study of videogames could be
considered inevitable. (NEWMAN, 2004, p. 91).
A semiótica discursiva, que nos serve aqui de principal alicerce, trata
a narrativa, no entanto, como parte de um percurso gerativo de sentido
composto por três níveis (GREIMAS; COURTÉS, 2008). São eles: o nível
fundamental, no qual se definem os valores; o nível narrativo, no qual as
ações e são ordenadas em etapas transformadora dos seus estados e, por fim,
o nível discursivo no qual, além da concretização dessas ações em temas e
figuras, têm lugar as estratégias de enunciação. É a enunciação o que aqui nos
interessa porque é nesse nível que são instaladas as pessoas, o tempo e o
espaço envolvidos na produção discursiva e na situação comunicação das
61
Cf., por exemplo, V. Propp (2006) e G. Genette (1995)
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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quais resultam os enunciados. Com isso, torna-se possível articular, no
mesmo esquema de análise, o que está "dentro" e "fora" do jogo, o tipo de
enunciado que aqui nos interessa.
Enunciação e comunicação
É na enunciação que são instauradas as categorias de pessoa, tempo
e espaço. Compreendida, assim, como instância de "colocação em discurso",
a enunciação comporta, a noção mais genérica de ato: o ato de realização de
um enunciado. Se a enunciação é entendida assim, como um ato de produção
de um enunciado, nada nos impede de tratá-la, enfim, como um simulacro
da comunicação que surge em um texto entre este e seu leitor62 (FECHINE,
2000) ou, no nosso caso específico, entre o jogo e o jogador. Isso permite
compreender a enunciação também como uma proposta de construção de
um projeto de interação com o jogador construído pelo próprio jogo, a partir
do modo como são construídos os sujeitos da enunciação.
Em todo ato de enunciação, é preciso admitir a existência de um
sujeito que produz o enunciado (enunciador ou um eu que "fala" ou
comunica) e um outro para o qual ele dirige (enunciatário ou tu para o qual
ele "fala" ou comunica). Este enunciador "fala" necessariamente em um
tempo e em espaço que, assim comoos sujeitos da enunciação, podem ou não
ser representados (figurativizados) no enunciado. O enunciador pode ser
construído no enunciado como um eu ou como um ele. No primeiro caso,
temos os textos em primeira pessoa e, no segundo, os textos em terceira
pessoa. O espaço da enunciação é sempre o aqui de quem fala e o tempo,
corresponde ao agora em que este eu fala. Tais categorias podem, igual e
respectivamente, serem construídas no enunciado como um aqui ou como
um não aqui (lá, acolá) ou como um agora e um não agora (antes ou depois).
Temos, assim, pessoas, tempo e espaço na enunciação e no enunciado. Neste
62
Para a semiótica, texto é qualquer conteúdo manifesto por uma forma de expressão qualquer.
Podemos, por isso, falar em textos verbais, visuais, sonoros, audiovisuais etc. O jogo é, nessa
perspectiva, um tipo de texto.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
último, as pessoas instaladas recebem a denominação de atores do enunciado
(correspondem geralmente aos personagens). No primeiro, temos os
actantes da enunciação. Os estudos da enunciação, realizados inicialmente
em textos verbais, foram pautados pela lógica de projeção das categorias da
enunciação no enunciado, estabelecendo uma distinção clara entre essas
duas instâncias.
Para chegar ao ponto que nos interessa aqui, é importante atentar,
sobretudo, para o modo como foram pensados os actantes, designação que
pode ser usada de modo mais geral para nos referir a todos os sujeitos
atuantes do processo enunciativo/comunicativo. Considera-se como
actantes da enunciação o eu e o tu que, como bem mostrou a Linguística, são
também instâncias conceituais, "sujeitos lógicos" ou papéis passíveis de
serem figurativizados como atores no nível mais concreto do enunciado.
Neste caso, instauram-se no enunciado sujeitos delegados do enunciador e
do enunciatário denominados, respectivamente, de narrador e narratário63.
No esquema de papéis definidos tradicionalmente na teoria da enunciação,
enunciador e enunciatário definem-se como "sujeitos semióticos" que
correspondem, na verdade, a funções textuais, a "posições" ou papeis
construídos pelo próprio texto. Ou seja, são "vozes" construídas pelo próprio
texto ou instâncias que substituem simbolicamente no texto seu autor e leitor
reais. Estes estão, por sua vez, situados em um nível anterior ao do enunciado
e podem ser considerados como o destinador e o destinatário da
comunicação e, no nosso caso, correspondem, numa dimensão empírica
("real") aos criadores/desenvolvedores dos jogos e aos seus jogadores. O
esquema abaixo sintetiza esses papeis:
ESTINADOR [Enunciador [narrador narratário] Enunciatário]
DESTINATÁRIO
63
Narrador e narratário podem, por sua vez, delegar "voz", dentro de um texto, a um interlocutor ou
interlocutário (a inserção numa narrativa literária em primeira pessoa de um diálogo entre personagens
é um exemplo de instauração de interlocutores no texto). Mas, não nos teremos nesse papéis porque não
são relevante para nossos propósitos.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Como se pode observar, há no esquema acima três níveis actanciais:
o par narrador/narratário pertence ao enunciado, o par
enunciador/enunciatário, à enunciação. O par destinador/destinatário,
situado além do discurso-enunciado, é o que permite justamente a
articulação entre enunciação e comunicação. No tipo particular de
manifestação que nos interessa aqui - sobretudo os jogos denominados de
FPS -, é frequente observarmos arranjos enunciativos nos quais, ao invés da
projeção de categorias de um nível no outro, o que temos é um "borramento",
uma sobreposição entre essas posições actanciais, ocasionada pelo
sincretismo de papeis. Esse sincretismo corresponde à indistinção, à
sobreposição ou á "mistura" de papéis actanciais como se um estivesse no
lugar do outro ou quase como se um fosse o outro, mas sem que as suas
posições se anulem (FECHINE, 2000).
Com isso, admitimos que, numa abordagem enunciativa dos jogos,
é preciso tratar dos actantes envolvidos no processo enunciativo (sujeitos
semióticos), sem perder de vista os agentes comunicativos ou "sujeitos
comunicativos" (sujeitos empíricos), aos quais estes se referem. Não se
pretende, com isso, confundir enunciador e enunciatário com os sujeitos
históricos e reais. Estes, em suas personalidades individuais e em sua
existência psicossocial, permanecerão sempre inacessíveis à análise
discursiva. É preciso, por isso mesmo, deixar bem claro que o que tratamos
aqui como "sujeitos comunicativos" são ainda papéis através dos quais se
tenta agora, na dimensão mais concreta da interação, incorporá-los, pela sua
própria condição de papeis (funções), à problemática enunciativa, uma vez
que, em determinadas manifestações, como os jogos digitais interativos, a
própria "colocação em discurso" pressupõe agora uma atuação no mundo
"real". As categorias actanciais - sobretudo o enunciatário e o destinatário ganham aqui uma centralidade ainda maior na medida em que delas depende
a instauração de um espaço e de um tempo enunciativos que também
precisam ser pensados em seus imbricamentos ou sobreposições com suas
concretizações no mundo "real" no qual se convoca a atuação dos sujeitos.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Fiorin (2010) destaca ainda a possibilidade de subversão da pessoa
através de artifícios enunciativos: falar de si em terceira pessoa - 'Papai te
ama!' - ou utilizar 'eu' como um termo genérico em substituição a uma
referência a outra pessoa, um 'ele' qualquer - 'Se eu pago meus impostos, exijo
meus direitos!' -são exemplos desse fenômeno linguístico. A ideia de
subversão da pessoa parece interessante ao estudo dos jogos digitais tendo
em vista a já discutida aproximação entre jogador e personagem. Artifícios
enunciativos por parte da instância produtora do jogo, como nos videogames
FPS, podem resultar na construção de um "tu" (actante da enunciação) como
se fosse "ele" (personagem), a partir de um ponto de vista construído nos
moldes da câmera subjetiva. No universo dos jogos digitais, existem ainda
arranjos nos quais o "tu" e o "ele" correspondem ao próprio destinatário,
dando
lugar
a
um
intrigante
sincretismo
de
papéis
enunciativos/comunicativos que faz do próprio jogador um ator da
enunciação.
Em relação à categoria de espaço, duas noções podem ser destacadas:
a de espaço tópico e a de espaço linguístico. Este último é o espaço no qual se
desenrola a cena enunciativa (o lugar da enunciação). O primeiro
corresponde a uma localização qualquer e concreta construída no enunciado
(FIORIN, 2010). Quando a situação enunciativa é partilhada, o espaço dos
sujeitos da enunciação é o mesmo, mas, quando não é, há a necessidade de
se especificar uma posição no espaço tópico (por exemplo, a indicação da
cidade no início das cartas). No caso dos jogos, o mais frequente é que não
haja correspondência entre o lugar da enunciação e o ambiente
figurativizado no enunciado, o que produz um efeito de distanciamento ente
os espaços do "mundo do jogo" e do "mundo real". É possível, no entanto,
pensarmos em um feito contrário proporcionado pela correspondência entre
os espaços linguístico e tópico no caso de jogos cuja ambientação é
construída sobre coordenadas e mapas de cidades e as interações ocorrem
através de dispositivos de geolocalização. O jogador se move, neste caso, em
um espaço físico concreto, alçado também à condição de espaço da
enunciação e do enunciado, pelo seu ato mesmo de jogar (sua atuação).
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Do mesmo modo que instaura um aqui, a "colocação em discurso"
do jogo também constrói um agora que não corresponde propriamente ao
tempo cronológico, e sim a um momento de referência instaurado pelo ato
mesmo de enunciação e em relação ao qual aquilo que é enunciado é
concomitante (no mesmo tempo) ou não concomitante (em outro tempo,
antes ou depois). Ou seja, o enunciador pode situar o seu enunciado no
mesmo momento em que se dá a enunciação ou em outro momento. No caso
do jogo, outra relação de concomitância ou não concomitância também pode
ser observada entre o tempo construído no enunciado (um tempo diegético,
independentemente de ser situado no mesmo momento ou não do ato de
enunciação) e o tempo cronológico no qual se joga o jogo. Em alguns games,
por exemplo, anos ou séculos (tempo diegético) podem ser percorridos em
poucas horas de jogo (tempo crônico). Em outros casos, é possível conceber
a adoção, por uma empresa qualquer, de uma estratégia de marketing, a
partir da gamificação, visando à fidelização de clientes, que consiste no
acúmulo de pontos à medida que perguntas enviadas diariamente são
respondidas de forma correta. Neste caso, há uma convergência entre os
tempos diegético e cronológico ("real"), no que diz respeito à periodicidade
com que as etapas do jogo são disponibilizadas.
O sincretismo entre os papeis actanciais, além da possibilidade de
sobreposição entre as demais categorias enunciativas (espaço e tempo), é o
que sustenta um efeito de aproximação entre o "mundo do jogo" e o "mundo
real" que resulta numa maior imersão. Para Murray (2003), a imersão
corresponde à sensação de estar em outra realidade construída por
procedimentos que mobilizam nossos aparatos perceptuais. Nos jogos
digitais, o que aqui nos interessa, a imersão pode ser pensada como a
capacidade do jogo de envolver o jogador no universo lúdico. Em termos
mais diretos, imersão é a habilidade que o jogador tem de "entrar" no jogo
em função de suas estratégias narrativas e astúcias enunciativas.
Método
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Os procedimentos metodológicos adotados foram pensados visando
o desenvolvimento e a avaliação de um sistema de classificação de jogos
digitais -no quais há a previamente descrita aproximação entre o "mundo do
jogo"' e o "mundo real"' - a partir das peculiaridades enunciativas descritas
acima que visam promover uma imersão. São divididos em quatro fases: (1)
levantamento de entendimentos, definições e delimitações relacionadas aos
jogos em questão; (2) desenvolvimento de uma matriz de análise a partir do
referencial teórico; (3) identificação e seleção de jogos a serem analisados; (4)
avaliação e classificação do corpus a partir da matriz de análise.
As definições, delimitações e entendimentos acerca do objeto de
estudo foram identificados através de uma revisão sistemática de literatura,
estruturada a partir de iterações. Foram utilizadas como ferramentas de
busca o Portal de Periódicos da CAPES, a biblioteca eletrônica Sicelo e o
Google Acadêmico. Os termos iniciais utilizados foram 'pervasive games' /
'jogos pervasivos', por serem utilizados com frequência na literatura no que
se refere aos jogos em questão. A partir da análise dos resultados desta busca,
foram identificados novos termos, entendidos como sinônimos ou similares,
e estes foram utilizados como palavras-chave em novas buscas. O processo
foi iterado até os termos de busca obtidos passarem a se repetir.
O critério estabelecido para a seleção dos estudos encontrados para
a análise realizada foi tratar de jogos que tenham como elemento integrante
a já citada aproximação entre o "mundo do jogo" e o "mundo real". Através
destes procedimentos, deu-se a construção de um corpus de 36 textos
acadêmicos publicados ao longo dos últimos 15 anos. Com base na análise
deste material, buscou-se delinear um panorama das definições e
entendimentos acerca dos jogos estudados.
A matriz de análise desenvolvida visando à implementação do
sistema de classificação proposto foi pensada a partir das reflexões de cunho
teórico feitas na seção anterior. Além dos dados gerais referentes a cada jogo
analisado, a matriz contém as 3 categorias da enunciação discutidas. Cada
um destes campos é preenchido com os números '0' ou '1' indicando
respectivamente ausência ou presença de convergência entre o "mundo do
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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jogo" e o "mundo real": se o jogador e personagem se aproximam de modo a
haver uma sobreposição, nos moldes do que foi exemplificado na seção
anterior através dos jogos FPS, então o campo 'Pessoa' da Tabela 1 será
preenchido com o número '1'. Do contrário, é utilizado o '0'.
A tabela contempla ainda, à direta, o registro das formas de
classificação inicialmente atribuídas aos jogos. É registrada, na matriz, a
quantidade de termos ou denominações atribuídas a cada jogo, assim como
os próprios termos. Esta organização da informação permite contrastar o
sistema de classificação proposto aqui e as tipologias identificadas na
literatura. Naturalmente, esta não é primeira proposta de classificação para
artefatos midiáticos desta natureza, como é possível constatar em
Mont'Alverne (2012). Tampouco, visa tornar-se o sistema definitivo. O
pensamento subjacente na presente iniciativa é unicamente apontar a
abordagem semiótica da enunciação como uma alternativa viável na tarefa
de aprofundar a compreensão acerca deste objeto de estudo.
O corpus avaliado através desta matriz é composto por sete jogos,
identificados através da inserção, em sistemas de busca da web, dos termos
obtidos através da técnica de busca iterativa descrita anteriormente. Esta
amostra, notadamente limitada, não visa representar o conjunto dos jogos
aqui discutidos em sua totalidade. Entende-se, entretanto, que é
suficientemente apropriada para dialogar com as reflexões de cunho teórico
e o sistema de classificação propostos. Os resultados obtidos a partir da
aplicação dos procedimentos descritos nesta seção são apresentados e
discutidos a seguir.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Resultados e discussão
A terminologia utilizada para se referir ao objeto de pesquisa
analisado neste estudo é extremamente vasta. Alguns termos apresentam
variações, como location-aware e location-based, e outros são tratados pontual e isoladamente -de modo claramente inconsistente com o resto da
literatura. Após análise do conjunto de tipos obtidos, os termos pertinentes
foram sintetizados na Tabela 2.
A primeira reflexão a ser feita sobre estas classificações diz respeito à
falta de clareza associada ao seu uso. Em Hohfeld (2007), os jogos chamados
ubíquos são descritos da mesma forma que o objeto de estudo tratado nesta
pesquisa, inicialmente associado ao termo pervasivo. Em McGonigal (2011)
o mesmo entendimento é adotado, porém referindo-se aos jogos de realitade
alternativa. Thomas (2012) entende que o termo realidade aumentada
engloba a ideia de realidade mista, caracterizando os jogos unicamente em
função da presença ou ausência desse tipo de tecnologia no dispositivo
utilizado: este entendimento implica que estes jogos não necessariamente
tenham o perfil dos jogos pervasivos tratados aqui, o que contradiz Hinkse
(2007), que usa os termos pervasivo e realidade mista em referência a um
mesmo tipo de jogo.
Os quatro últimos itens da Tabela 2 parecem ser os menos
controversos do ponto de vista terminológico: os jogos crossmedia são
predominantemente descritos como um subtipo dos jogos pervasivos, como
em Lindt et al. (2005) e Trinta et al. (2008). Nestes, faz-se uso coordenado de
diferentes dispositivos tecnológicos, como tablets, celulares e laptops. Já os
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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advergames e newsgames são jogos desenvolvidos, respectivamente, em
associação a eventos publicitários e jornalísticos, o que quer dizer que sua
natureza não está atrelada ao caráter pervasivo. O mesmo acontece com os
exergames, jogos que requerem a realização de algum exercício ou atividade
física: podem exigir dos jogadores um deslocamento físico no mundo real a
ser captado por dispositivos de geolocalização, ou serem praticados através
de consoles como o Nintendo Wii, sem qualquer característica pervasiva.
A obscuridade e as indefinições associadas ao uso do termo
pervasivo remetem às já explanadas dificuldades associadas à adoção dos
jogos digitais como um objeto de estudo.
once terms are introduced in a scientific discourse they are continually
constructed and reconstructed by researchers. In the case of pervasive
gaming, the dense and confusing discourse surrounding the term is
steadily becoming a theoretical blackbox in which both historical context
and theoretical perspectives are easily overlooked (NIEUWDORP, 2007,
p. 1).
A Tabela 3 a seguir sintetiza os dados obtidos através da análise dos
jogos. As letras na última coluna, que se propõe a discriminar os termos
quantificados na coluna ao lado, correspondem às letras a - j utilizadas na
Tabela 2. Dessa forma, quando é possível descrever um jogo listado na Tabela
3 como pervasivo com base na análise da literatura efetuada, consta na última
coluna a letra 'a'. Para jogos ubíquos consta a letra 'b', e assim sucessivamente.
Se há na última coluna três letras, consta na coluna ao lado o número 3,
representando a quantificação das possibilidades terminológicas.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Seis dos sete jogos avaliados fazem uso de dispositivos de
geolocalização. É o caso de Ingress, uma narrativa aberta de ficção científica
na qual jogadores se deslocam por espaços físicos com o objetivo de capturar
portais. Pessoas, espaços e o tempo do "mundo do jogo" (diegético)
correspondem aos do "mundo real". O jogo Botfighters foi um dos primeiros
deste gênero. Consiste em assumir a identidade de um robô, localizar e lutar
contra outros robôs, personificados no "mundo real" pelos demais usuários.
O robô é um personagem fantasia criado pelo jogador, um 'outro' na
perspectiva da enunciação. Porém, as noções de eu e ele se sobrepõem na
medida em que o lugar ocupado pelo jogador em um espaço físico é o lugar
ocupado pelo personagem naquele mesmo espaço. Quando um jogador se
deslocar 10 metros em direção a outros, seu personagem estará fazendo o
mesmo deslocamento.
City Domination requer que os jogadores façam alianças visando
controlar pontos do mapa. Trata-se de um jogo de estratégia no qual o tempo
diegético não corresponde ao tempo "real". O jogo Zombies, run! consiste em
se deslocar fisicamente fugindo de zumbis e coletando objetos virtuais. A
relação entre jogador e personagem é similar a que se dá no jogo Botfighters.
O Banco imobiliário geocalizado é uma versão do jogo tradicional. As áreas
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e imóveis visitados pelos jogadores podem ser negociados e adquiridos no
âmbito da diegese. Já o Geocaching utiliza uma mecânica parecida com a de
Ingress, porém com uma abordagem mais séria e adulta: jogadores se
deslocam por locais pouco frequentados para deixar e coletar objetos,
denominados caches no âmbito do jogo. O único jogo que não faz uso de
dispositivos de geolocalização é Taasbara Man, que pode ser descrito como
uma espécie de Pacman acrescido de realidade aumentada: o conteúdo do
jogo se materializa no espaço físico do jogador, que controla os personagens
através do contato físico.
Observando as duas colunas finais da Tabela 3, constata-se que um
único jogo pode ser classificado de diversas formas de acordo com
terminologia original elencada na Tabela 2: seis termos de caracterização
distintos podem ser atribuídos a um único jogo. Os termos 'a' e 'b' foram
associados a todos os artefatos, o que significa que objetos de natureza
radicalmente distinta, como os jogos 5 e 7, são agrupados numa mesma
definição. Estes dados corroboram as colocações feitas anteriormente acerca
do caráter problemático destes termos e de suas definições.
Voltando as atenções para as três colunas centrais, é possível
discriminar as possibilidades de sequências de '0's e '1's utilizadas para
caracterizar os jogos em função da enunciação: 0 0 0 - 0 0 1 - 0 1 0 - 1 0 0 - 0
1 1 - 1 0 1 - 1 1 0 - 1 1 1. Apesar de nem todos os arranjos terem sido
utilizados, constata-se que há oito possíveis formas de classificação e que não
é possível atribuir mais de uma a cada artefato midiático avaliado. Assim, é
possível afirmar que o sistema proposto solucionou o problema da
ambiguidade e das sobreposições conceituais associadas à terminologia
tradicional.
Parece pertinente destacar também que os jogos 1, 2 e 7 foram
caracterizados de modo idêntico no escopo da terminologia tradicional - a,
b, c, d, f, g - mas receberam classificações distintas entre si a partir do sistema
proposto. Isto permite afirmar que as duas abordagens em questão possuem
naturezas diferentes. Se analisada em contraste às formas de classificação
encontradas anteriormente, a tipificação dos jogos a partir das três categorias
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da enunciação se mostrou eficiente na construção de um sistema de
classificação sem ambiguidades ou sobreposições conceituais. Nesse sentido,
a abordagem concebida contribui para o campo dos estudos midiáticos como
uma ferramenta operativa na análise de jogos digitais ou mesmo como um
incentivo ao desenvolvimento de outros métodos classificatórios com base
em teorias da linguagem de modo a contemplar diferentes propósitos de
pesquisa.
Ressalta-se, por fim, a contribuição que esse sistema de classificação
pode dar para a identificação de jogos mais ou menos imersivos, na medida
em que uma maior aproximação entre o "mundo do jogo" e o "mundo real"
promove também um maior envolvimento do jogador com o universo lúdico
(promove o "entrar" no jogo). Sendo assim, podemos propor,
preliminarmente, duas hipóteses a serem abordadas em trabalhos futuros: 1)
quanto maior a presença do indicador "1" na classificação do jogo por
categorias de enunciação, maior seu potencial imersivo; 2) A presença do
indicador "1" na categoria de pessoa está, necessariamente, associada ao
maior potencial imersivo dada a centralidade do sincretismo actancial
descrito na aproximação entre "o mundo do jogo" e o mundo real". Constatase assim a contribuição das teorias linguagem no que diz respeito a
possibilidade de aprofundar, numa nova ótica, a compreensão acerca dos
jogos digitais.
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A Comunicação Hiperlocal Como Arena
Pública: Aproximações Conceituais
Giovani Vieira Miranda - UNESP
Introdução
O jornalismo está inserido na sociedade como face importante no
processo de formação de opinião e de transformação social. Isso se deu, como
aponta Habermas, a partir da mudança estrutural da Esfera Pública, que se
transforma desde a “ideia de cidadania nas praças atenienses à noção de
publicidade nos tempos atuais”, incluindo aí a “mídia (a imprensa como
parte dela) que assumiu privilegiada condição de palco contemporâneo do
debate público” (PENA, 2005). Habermas (1997) destaca as funções ideais a
serem desempenhadas pela mídia nos sistemas políticos constitucionais,
conforme sugeridas por Gurevitch e Blumler (apud HABERMAS, 1997, p.
110-111):
1. vigiar sobre o ambiente sociopolítico, trazendo a público
desenvolvimentos capazes de interferir, positiva ou negativamente, no
bem-estar dos cidadãos; 2. definir as questões significativas da agenda
política, identificando as questões chave, bem como as forças que as
conceberam e que podem trazer uma solução; 3.estabelecer as plataformas
que permitem aos políticos, aos porta-vozes de outras causas e de outros
grupos de interesses, defender suas posições de modo inteligível e
esclarecedor; 4. permitir o diálogo entre diferentes pontos de vista e entre
detentores do poder (atuais e futuros) e público de massa; 5. criar
mecanismos que permitem acionar os responsáveis para prestar contas
sobre o modo como exerceram o poder; 6. incentivar os cidadãos a
aprender, a escolher e a se envolver no processo político, abandonando
sua função de meros espectadores; 7. resistir, em nome de princípios bem
definidos, aos esforços exteriores à mídia que visam subverter sua
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independência, sua integridade e sua capacidade de servir ao público; 8.
respeitar os membros do público espectador e leitor como virtuais
envolvidos e capazes de entender seu ambiente político.
Usualmente, no entanto, prevalece, no processo de formação de
opinião e de deliberação sobre questões públicas, o modelo de acesso interno,
em que os resultados ficam restritos à lógica e aos interesses exclusivos da
estrutura de poder. Desta maneira, as deliberações são apenas comunicadas
à sociedade, sem que tenham sido precedidas de uma discussão aberta na
Esfera Pública, conforme o ideal republicano democrático de autogoverno
dos cidadãos que formam a sociedade. Como empresas, os meios de
comunicação passam a defender interesses políticos e econômicos
específicos que vão influenciar o conteúdo dos produtos e dificultar, se não
impedir, o debate público. A Esfera Pública passa por uma mudança
estrutural, pois, “inserida no ciclo da produção e do consumo, não é capaz
de constituir um mundo emancipado” (HABERMAS, 1984, p.190). A
transformação mercadológica de consumo esvazia o debate crítico-racional
dos meios de comunicação, dando lugar ao conformismo, tornando os
conteúdos mais simples e alienando os momentos cuja recepção antes exigia
certa reflexão. Até mesmo quando o jornalismo investigativo ou a pressão
dos cidadãos nos movimentos sociais conseguem institucionalizar, no espaço
público, assuntos inconvenientes para a estrutura de poder – modelo de
mobilização, conforme Habermas (1997) – ainda assim, geralmente,
prevalece a lógica dos interesses particulares poderosos, já que esses setores
possuem muito mais recursos para mobilizar apoios e adesões às suas
pretensões (VIZEU; ROCHA; MESQUITA, 2010).
As modificações na Esfera Pública e na própria política levam à extinção
da racionalidade, do pensamento crítico e contestador em relação às ações
políticas. Habermas caracteriza historicamente a essência da Esfera
Pública e, portanto, da atividade política no uso público e argumentado
da razão. Reconhece que, conforme avança a mudança estrutural da Esfera
Pública e se vislumbra um cenário pós-moderno, a realidade é distorcida
e entra em declínio: a razão dá lugar à distração e ao consumo. A extinção
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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da crítica na Esfera Pública contribui para a anulação das capacidades
políticas do homem e, em consequência, para o abuso de poder e a
manipulação das massas (MARCONDES, 2007, s/p).
Notícias passam a ser mercadorias de consumo espetacularizadas,
produtos uniformizados na aparência e no conteúdo de maneira a atingir e
agradar o maior público numérico possível. As redações adotam políticas de
objetividade e imparcialidade que, mesmo impossíveis de serem atingidas,
levam à fragmentação, à superficialidade, ao enxugamento da interpretação,
à despolitização e à visualidade em detrimento do conteúdo. Ao invés de
intermediar a opinião pública, os meios de comunicação desenvolvem
técnicas para moldá-la a seu modo (ALMEIDA, 1998). A mídia tem
possibilidade de dar origem ao debate, “mas seu desenvolvimento tem
transformado o princípio da publicidade em instrumento de interesses préestabelecidos” (THOMPSON, 2006, p.21). Habermas (1984) defende que,
para retomar o princípio da Esfera Pública burguesa, os meios devem
possibilitar institucionalmente a democracia e permitir uma comunicação
sem perturbações, ou seja, um uso público da razão em esferas públicas
autônomas, independentes e democráticas.
Na atual estrutura do capitalismo global, ao mesmo tempo em que o
espaço público midiático é restrito, começa a se delinear uma reconfiguração
da Esfera Pública, associada à criação de outras mídias, que trazem novas
demarcações (RAMOS; SANTOS, 2007). A partir do uso cada vez mais
corriqueiro das tecnologias da comunicação e da informação, emergiu, nas
últimas décadas, “uma nova revolução nas relações de poder”, em especial no
campo das comunicações, que “tornou possível as condições materiais de
imposição de um mesmo discurso à escala planetária, com o estabelecimento
de um verdadeiro oligopólio mundial das fontes emissoras de comunicação.”
(PORTO GONÇALVES, 2004, p. 16).
O espaço público foi ampliado com as possibilidades de
comunicação vindas com a ascensão da internet. “Surgiram possibilidades
efetivas de divulgar conteúdos críticos de interesse público e incrementaramse espaços de observação que exercem a sua vigilância crítica sobre os media
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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que pertencem ao mainstream [...] para [...] veicular visões alternativas”
(RODRIGUES, 2006, p. 24). Entretanto, a autora ressalta que, mais do que
ampliar, as novas tecnologias representam uma fragmentação, uma vez que
segmentam a audiência em diversos nichos específicos. Assim, esse espaço
público se dá de maneira muito mais interpessoal, porque mesmo podendo
alcançar grandes audiências, poucos sítios na web conseguem tal proeza.
Todos publicam, poucos são lidos.
Começa a entrar em curso um processo que tem potencial para revalorizar
o espaço público e uma maior representação da opinião pública,
alimentando uma série de novas práticas sociais e políticas de resistência.
Novos espaços públicos se abrem à participação individual, ao exercício
da cidadania, a partir de ferramentas tecnológicas propiciadas pela
internet, como as redes sociais, os fóruns online, wikis, podcasts, blogs etc.
(LEAL, 2013, p. 25)
Habermas (2006), no entanto, alerta: “O preço do aumento positivo
do igualitarismo, com o qual a Internet nos brinda, é a descentralização dos
acessos” (2006, s/p). Marcondes (2007) ressalta que não é a tecnologia por si
só que promove o debate público e a reflexão crítico-racional da audiência.
Para isso, deve haver um comprometimento entre os integrantes. A Internet
não promove a Esfera Pública em si, mas é por ela que os indivíduos podem
reorganizar as esferas como meio potencial para a retomada de microesferas
públicas. A web, assim, seria uma das ferramentas que deve ser
complementada por outras formas de mobilização e politização, associada a
embates sociais, como assembleias e passeatas (MORAES, 2002), e a práticas
abertas e plurais.
Os dispositivos das novas tecnologias de comunicação e informação
são ideais para fortalecer o processo democrático, proporcionando troca de
informações, consultas, debates, de maneira direta e rápida, livre de
obstáculos burocráticos. Como aponta Correia (2008, p. 83-84),
“insiste-se num apelo a um novo paradigma que conduziria ao
desenvolvimento de uma nova variedade de democracia, cujos traços
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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seriam: a) interactividade – com todos os utilizadores comunicando uns
com outros numa base de reciprocidade; b) globalidade – graças à
ausência de fronteiras nacionais; c) liberdade de discurso e de associação;
d) construção e disseminação de informação não submetida à censura
oficial; e) consequente possibilidade de desafiar as perspectivas oficiais, as
rotinas oficiais e instaladas”.
Outra vantagem trazida pela Internet seria a possibilidade de acesso
à informação fora dos meios de comunicação de massa. A presença mais
forte do cidadão no universo midiático acena para novas possibilidades. "A
construção de esferas públicas autônomas capazes de ressonância no
governo, na mídia e no mercado é essencial, portanto, para que os processos
democráticos sejam dirigidos pelo poder comunicativo da sociedade civil"
(RAMOS; SANTOS, 2007, p. 128).
Segundo Berger & Luckmann (2004), isso promove uma renovação
do espaço público com a inclusão pelo jornalismo de “instituições
intermediárias”, aquelas que reconhecem no cidadão o direito de participar
da construção de sentido e, consequentemente, da construção social da
realidade, diminuindo a crise subjetiva e intersubjetiva de sentido alimentada
pela tendência à alienação e anomia que se verifica na modernidade (VIZEU;
ROCHA; MESQUITA, 2010). Há um aumento no potencial de engajamento
cívico considerável:
A atividade online de pessoas interessadas em expor ideias, defender suas
causas ou simplesmente opinar a respeito de fatos políticos do cotidiano
mostra uma vitalidade inédita para o debate político. Mais do que partidos
e governos, esse engajamento com questões políticas a partir do uso de
mídias talvez seja um dos principais horizontes da democracia. […]
Política, neste sentido amplo, diz respeito às possibilidades de ação no
espaço público, isto é, à possibilidade de ser quem se é, defender
publicamente as ideias que se tem não só sobre governo e administração,
mas também sobre modos de pensar e estilos de vida (SÁ MARTINO,
2014, p. 108-109)
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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O jornalismo cidadão é uma das possibilidades desse novo contexto.
Para Varella (2008), o jornalismo-cidadão diz respeito mais a um desejo
coletivo de participação na produção de informação do que a ampliação de
mecanismos de interação on-line. Não se trata, portanto, de um movimento
derivado de um aumento da oferta de meios sociais on-line, distanciando-se
de uma explicação mais tecnicista; ao contrário, a oferta dos meios que é
condicionada, em termos, por uma demanda crescente de participação social
na produção de mídia. Sendo assim, o jornalismo participativo, colaborativo
ou cidadão é “uma ação por meio da informação”, porque, segundo Varella
(2007, p. 80), o cidadão-repórter informa algo porque quer que algo seja
feito, “que seu bairro esteja limpo, que a prefeitura proporcione melhor
atendimento, que o professor ensine com mais dedicação ou que a coleta de
lixo seja mais organizada e eficiente”. Essa visão, localiza o “jornalismocidadão” como uma narrativa local, dentro daquilo que se denominou como
esfera do jornalismo hiperlocal.
O jornalismo hiperlocal pode se evidenciar como estratégia
diferenciada, com potencial para elaborar discursos baseados em contextos
culturais específicos; este jornalismo se insere no que podemos chamar de
“glocalismo”, termo que se refere “a uma estratégia global que não procura
impor um produto ou imagem padronizada, mas que, ao invés, se ajusta às
demandas do mercado local” (FEATHERSTONE, 1990, p. 25). Sendo assim,
a mídia hiperlocal tem potencialidades para aumentar a participação dos
cidadãos a fim de poder colocar em prática um ideal de “fomentar e
experimentar práticas jornalísticas que contribuam para reforçar o
compromisso dos cidadãos com a comunidade e a deliberação democrática
na Esfera Pública, numa perspectiva de fortalecimento da cidadania”, mas
antes “é preciso conhecer primeiro a realidade da imprensa regional e as suas
possibilidades” (CORREIA; MORAIS; SOUSA, 2011, p. 6).
O Hiperlocal Cidadão Como Arena Pública
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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O hiperlocal começou a ser usado para referir-se a cobertura de
notícias em nível de comunidade geralmente esquecidas pela mídia
tradicional. As operadoras estadunidenses de TV a cabo foram as primeiras
a cunharem o termo "hyperlocal" nos anos 80 para descrever o conteúdo
televisivo local. O conceito hiperlocal também foi transmutado para a Web.
O conceito de Hiperlocal está sendo construído através de websítios
jornalísticos que focalizam a sua cobertura noticiosa numa área geográfica
bem definida, tratando de temas de relevância social que possuem estreita
relação com os moradores e os frequentadores daquela área. O conteúdo das
notícias hiperlocais está disponível não só para os usuários na comunidade
hiperlocal, mas também para aqueles que estão além das fronteiras
cibernéticas por meio da nova rede digital (CHOI, Y. J., 2008, n.e.), com o
apoio de agregadores de conteúdo e de sistemas de recomendação. O
Jornalismo cidadão de âmbito hiperlocal, então, se concentra na cobertura
de eventos de uma área geográfica específica: um bairro, uma cidade ou
mesmo um Estado, embora os cidadãos que possam vir a discutir ou relatar
o evento online, como Choi (2008) observa, possa estar fora dessa mesma
área geográfica.
Com as ideias, surgiram algumas iniciativas online, muitas
independentes, outras por parte dos media mainstream, que, por sua vez,
buscaram atrair novos públicos, estabelecer novas relações com os leitores,
criar uma maior proximidade, incentivar a partilha e a colaboração, trocar
conhecimentos e descobrir novas histórias.
Apesar do cenário globalizado, Barbosa (2003) lembra que as
informações de caráter local também sempre foram de grande relevância
para o jornalismo. Entretanto, a novidade é que a estrutura das redes no
jornalismo digital “permite novas possibilidades para a geração dos
conteúdos locais, ampliando o espaço para a sua veiculação” (BARBOSA,
2003, p. 1).
Grier (2008) destaca o jornalismo cidadão hiperlocal como aquele
que incide sobre histórias locais em contraponto com eventos nacionais;
podendo ser produzida a partir das organizações noticiosas estabelecidas ou
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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por meio daqueles que não estão inseridos, e nem sempre é 'notícia' no
sentido tradicional.
Operações de mídia Hiperlocal são geograficamente baseadas, voltadas
para a comunidade, organizações nativas e originais em reportar notícias
para a web e pretendem preencher as lacunas percebidas na cobertura de
uma questão ou região e promovem o engajamento cívico (METZGAR et
al, 2010, p. 7).
Para López García (2008), a comunicação local interpreta a realidade
pela ótica dos valores compartilhados e tem contribuído para a
personificação de um cenário da comunicação atual, onde a dupla e
simultânea tendência do local e do global apresenta novos recursos, cujas
referências dos comunicantes são extraídas das duas esferas, que são
complementares durante as ações comunicativas. No âmbito do jornalismo
digital, o local pode ser compreendido a partir da sobrevivência dos antigos
modelos, em sintonia com as apostas e recursos midiáticos dos novos
tempos. Nesse ponto,
a informação local do terceiro milênio tem que ser uma informação de
qualidade, plural, participativa, imaginativa, que explique o que acontece
no âmbito onde está sediado o veículo de comunicação, para quem
informa e que narre o que afeta e interessa os habitantes desse território
espacial, inclusive, quando se produz fora. A informação local do terceiro
milênio deve promover a experimentação e converter os cenários de
proximidade em lugares de comunicação eficiente e lugares de onde
possam ser exportadas novas linguagens e formatos para a comunicação
mundial (LÓPEZ GARCÍA, 2008, p. 34, tradução dos autores).
Lemos (2011, p.12) aponta o jornalismo digital localizado como uma
conjunção de funções pós-massivas e massivas, onde o usuário pode ter
informações mais precisas sobre o seu local de interesse a partir de um
cruzamento de notícias.
A dimensão hiperlocal no jornalismo (já que ele é sempre local) refere-se,
em primeiro lugar, a informações que são oferecidas em função da
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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localização do usuário (sobre o bairro, a rua, etc), e em segundo lugar,
pelas características pós-massivas desse novo jornalismo onde qualquer
um pode ser produtor de informação. Essa é uma das tendências atuais do
jornalismo: vinculação de notícias cruzando diversas
A partir desse entendimento, pode-se observar a aproximação das
práticas do jornalismo hiperlocal com as do jornalismo cidadão, em especial
no que ser refere ao envolvimento das comunidades e suas organizações com
relação aos problemas sociais, econômicos e ambientais urbanos que
enfrentam e que, sistematicamente, não são noticiados ou são mal noticiados
pelo jornalismo tradicional.
Schaffer (2008) observa que existem quatro tipos de jornalistas
cidadãos hiperlocal: ex-jornalistas, empreendedores da mídia tradicional,
usuários assíduos da web e centros de formação em Jornalismo. Ela descreve
esses jornalistas cidadãos como tendo uma paixão para a comunidade, com
um intenso "senso de lugar", com pouca ou nenhuma satisfação com a
cobertura da mídia tradicional, e elevada ética. Eles também "dão atenção"
para a sua comunidade e têm apresentado um jornalismo "feito" para eles.
Williams (2005) concorda que os sítios hiperlocais preenchem uma lacuna
quando a grande mídia não cobre uma área geográfica de forma adequada.
Além disso, esses sítios hiperlocais também costumam oferecer cobertura
detalhada de um problema ou assunto e aspiram por um diálogo com suas
comunidades (GRIER, 2008). Potts (2007) observa que sítios de jornalismo
cidadão adotam abordagens diferentes, mas "oferecem aos cidadãos locais
uma voz em suas comunidades e uma nova fonte de informações locais em
um nível pormenorizado que a mídia tradicional simplesmente não pode
igualar” (p.66, tradução do autor).
Sendo assim, a relevância desta pesquisa justificou-se uma vez que
contribuiu para a compreensão do poder da participação cidadã neste novo
contexto comunicacional marcado pela democratização do acesso às novas
tecnologias e pelo surgimento da colaboração em rede, favorecendo o poder
cidadão. Mais do que os meios de comunicação tradicionais ou a própria
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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imprensa, na sociedade contemporânea nós somos os meios (GILLMOR,
2005).
Neste movimento contínuo de renovação e de descarte de
dispositivos e de sistemas e linguagens de comunicação, surgem receptores
que abandonam a postura anteriormente passiva de consumidores de
conteúdos com fluxos unilaterais, para adquirir autonomia seletiva perante
o imenso volume de informações que lhe são continuamente destinadas.
Surge a autonomia de comparação e de escolha de veículos, de tipos de
conteúdo e de formação de opiniões sobre o que é informado. Mas, por outro
lado, é importante lembrar que tal transformação do público não se restringe
apenas aos meios e grupos normalmente excluídos do campo de atenção da
mídia hegemônica, a “libertação” das amarras do modelo de recepção
passiva, criado principalmente pelo hábito televisivo (JOHNSON, 2001), se
dá gradativamente em todas as classes sujeitas ao uso de tecnologias. É fato
que a abrangência tecnológica ainda não alcançou todos os lares e usuários
brasileiros.
Descentralização da informação
O ambiente online em redes favorece a lógica participativa, com a
interatividade e o compartilhamento entre os indivíduos, em diversos níveis.
Dessa forma, facilita-se o engajamento, tendo as figuras de produtor e
receptor de conteúdos, indivíduo e coletivo fundindo-se em uma
complementariedade (VIEIRA, 009). O digital seria, assim, um locus da
cultura participativa, na qual as práticas colaborativas são potencializadas em
um espaço de representação do coletivo. Para o autor, a colaboração e o
diálogo são dois pontos estruturais do jornalismo cidadão, que sempre teve
e deverá ter como propósito encontrar ambientes comuns para facilitar o
exercício da cidadania e ampliar o valor da democracia, com um firme
compromisso em favor da liberdade de expressão.
O termo “audiência ativa” utilizado por Downing (2002) reflete
perfeitamente essa realidade; o nascimento e crescimento de um público que
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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não se restringe mais ao papel passivo de recepção de conteúdos. Ao
contrário, ele deseja participar ativamente e de modo colaborativo da rede,
atuar em sua construção e também na ligação com o mundo técnico,
profissional e conceitual do jornalismo e da mídia como um todo. A internet
alterou – e continua alterando – gradativamente os hábitos coletivos de
comunicação mediada, que antes ocorriam por processos mais físicos e à
curta distância. As atuais plataformas e dispositivos são capazes de conectar
rotineiramente pessoas de diferentes partes do planeta. As possibilidades de
se estabelecer relações remotas interpessoais e interculturais cresceram com
o desenvolvimento de tais tecnologias. Mesmo que elas ainda sejam
distribuídas de forma desigual, são capazes de induzir muitas mudanças e
possibilidades comunicativas para movimentos e organizações, que antes
não tão possuíam meios para se dirigir ao grande público. As redes
trouxeram recursos de visibilidade e de empoderamento aos movimentos
sociais, para organizações não governamentais e para outros projetos
coletivos, além do próprio cidadão, em sua forma individual e com um
smartphone na mão – no caso do vídeo citado, uma vez que qualquer
dispositivo como um tablet ou um notebook pode estabelecer essa conexão
em tempo real com a internet.
Seja através de um jornal do bairro, de um blog ou de um canal no
Youtube, as pessoas se utilizam das ferramentas que possuem. Aqueles com
acesso à internet, têm disponível um mundo de possibilidades, onde
qualquer usuário é também um emissor, não há barreiras tão fortemente
expostas e enraizadas quanto as que existem no papel e nas emissoras de
rádio e televisão.
Não compreender essa dimensão fundamental é continuar pensando que
todas as pessoas são produzidas com as mesmas capacidades e chances de
competição social. É não compreender como diversas ‘culturas de classe’
pré-moldam e estruturam todas as chances de vida de seus membros de
modo indelével. (SOUZA, 2009, pp. 82-83)
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Machado (2009) também considera que desde a sua essência, o
jornalismo cidadão tem como papel o desenvolvimento da sociedade,
fundamentado na participação dos atores sociais nos processos de decisão e
reconstrução das informações. Os autores argumentam que embora o
jornalismo seja uma atividade que tenha como função social a construção da
cidadania, as presenças de forças como os oligopólios, os interesses políticos
e econômicos, que muitas vezes se deixam entrever pelas entrelinhas das
notícias, acabam impedindo o exercício do papel cidadão no jornalismo.
Diante disso, verifica-se a importância do jornalismo cidadão, praticado
pelos novos atores sociais que adotam recursos tecnológicos presentes na
web 2.0 para desenvolver seus espaços comunicativos – blogs, canais no
YouTube, Twitter, Facebook - sem depender de oligopólios midiáticos ou de
suas linguagens e estruturas. Segundo o autor, para se comunicar nestes
novos ambientes digitais, com livre produção e circulação de informações,
os cidadãos desenvolveram linguagens próprias e participativas.
Para Rodrigues e Barreto (2009), no jornalismo participativo e
cidadão, os indivíduos passam a ter papel ativo na recolha análise, escrita e
divulgação de informações, funções antes restritas aos meios de comunicação
e jornalistas profissionais. Ele não exclui a produção dos jornalistas
profissionais, acrescenta a ele a participação de leigos, pessoas que não são
profissionais da comunicação, na publicação e difusão de informações. Ele
inclui questões de cidadania, mas não está restrita a elas, sua prática
ultrapassa os temas sociais e cívicos e abrange qualquer campo do
conhecimento. (VARELA, 2007, p.45)
A participação do cidadão se torna mais intensa e amiúde no processo de
produção de notícias, ou do fazer jornalístico. Ele contribui com sua visão
dos fatos, com sua visão particular de mundo, opina sobre determinado
assunto, sobre a decisão ou posição de uma autoridade que vai interferir
no seu dia a dia; denuncia, concorda, ou informa sobre um novo fato que
acontece na sua rua, no seu bairro, que pode ser do interesse de outras
pessoas da coletividade (ROCHA, 2014, p.70)
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Schaffer (2008) observa que existem quatro tipos de jornalistas
cidadãos hiperlocal: ex-jornalistas, empreendedores da mídia tradicional,
usuários assíduos da web e centros de formação em Jornalismo. Ela descreve
esses jornalistas cidadãos como tendo uma paixão para a comunidade, com
um intenso "senso de lugar", com pouca ou nenhuma satisfação com a
cobertura da mídia tradicional, e elevada ética. Eles também "dão atenção"
para a sua comunidade e têm apresentado um jornalismo "feito" para eles.
Williams (2005) concorda que os sítios hiperlocais preenchem uma lacuna
quando a grande mídia não cobre uma área geográfica de forma adequada.
Além disso, esses sítios hiperlocais também costumam oferecer cobertura
detalhada de um problema ou assunto e aspiram por um diálogo com suas
comunidades (GRIER, 2008). Potts (2007) observa que sítios de jornalismo
cidadão adotam abordagens diferentes, mas "oferecem aos cidadãos locais
uma voz em suas comunidades e uma nova fonte de informações locais em
um nível pormenorizado que a mídia tradicional simplesmente não pode
igualar” (p.66).
Identificações (hiper)locais
Além de propiciar uma maior pluralidade de informações e oferecer
novas oportunidades de inovação no jornalismo, as práticas de
hiperlocalidade reforçam a noção de identidades culturais cada vez mais
fortes, mesmo diante de um mundo extremamente globalizado, em que
parece haver uma homogeneização das identidades. Identidades locais,
comunitárias e regionais têm se tornado mais importantes ao mesmo tempo
em que a globalização parece provocar uma homogeneização das culturas.
Concomitantemente, junto com o impacto do global, um novo interesse pelo
local parece emergir. De acordo com Hall (2000), a globalização, para ele,
deslocou as identidades culturais no final do século XX. Diante da morte do
sujeito moderno, as culturas nacionais emergem como formadoras da
identidade cultural. “[...] as identidades nacionais não são coisas com as quais
nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação”
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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(HALL, 2000, p.48). As culturas nacionais buscam unificar seus integrantes
numa identidade única, sem levar em conta termos de classe, gênero ou raça.
As culturas nacionais não devem ser pensadas como culturas unificadas, e
sim, como um dispositivo discursivo que representa a diferença como
unidade ou identidade. As identidades culturais nacionais servem para
costurar as diferenças numa única identidade.
Segue-se que a nação não é apenas uma entidade política, mas algo que
produz sentidos- um sistema de representação cultural. As pessoas não
são apenas cidadãos/dãs legais de uma nação; elas participam da ideia da
nação tal como representada em sua cultura nacional. Uma nação é uma
comunidade simbólica [...] (HALL, 2000, p.49).
As consequências da globalização para as identidades culturais
podem ser resumidas em três pontos: as identidades culturais nacionais estão
se desintegrando, como resultados do crescimento da homogeneização
cultural e do “pós-moderno global”; as identidades nacionais e outras
identidades “locais” ou particularistas estão sendo reforçadas pela resistência
à globalização; as identidades nacionais estão em declínio, mas novas
identidades- híbridas- estão tomando seu lugar (HALL, 2011). Hall aponta
que alguns teóricos acreditam que um dos efeitos desses processos globais
seria enfraquecer ou solapar formas nacionais de identidades culturais.
Identidades locais, comunitárias e regionais têm se tornado mais
importantes, ao mesmo tempo em que a globalização parece provocar uma
homogeneização das culturas.
Ao mesmo tempo, Castells (2001) também aponta para uma nova
valorização do local diante do novo paradigma que se torna presente,
mostrando que as mudanças em nosso tempo (em que as instituições perdem
força) estão fazendo com que a busca da identidade se torne fonte básica de
significado social.
As novas tecnologias da informação estão integrando o mundo em redes
globais de instrumentalidade. A comunicação mediada por computadores
gera uma gama enorme de comunidades virtuais. Mas a tendência social
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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e política característica da década de 90 era a construção da ação social e
das políticas em torno de identidades primárias- ou atribuídas, enraizadas
na história e geografia, ou recém construídas, em uma busca ansiosa por
significado e espiritualidade. Os primeiros passos históricos das
sociedades informacionais parecem caracterizá-las pela proeminência da
identidade como seu princípio organizacional (CASTELLS, 1999, p. 57).
Diante do reforço das identidades locais perante a homogeneização
das culturas provocadas pela globalização dos fluxos informacionais, o
jornalismo hiperlocal pode oferecer narrativas que relatem as identidades
locais, fazendo com que perfis históricos e culturais possam se sustentar,
além de valorizar a memória do lugar (LEMOS; PEREIRA, p.4, 2011). Ao
favorecer a abordagem local, o jornalismo torna-se importante fomentador
de práticas cidadãs. Uma vez que na infinidade das metrópoles a
uniformidade de identidades parece mais latente, valorizar a localidade pode
criar maneiras de sociabilização, principalmente nas regiões mais periféricas.
Especialmente os setores populares, ou seja, os que não têm carro ou telefone
tendem a restringir o horizonte da cidade ao próprio bairro: ali se elaboram
as redes de interação que desempenham modalidades distintas dentro de
uma mesma cidade, e só se abrem- limitadamente- às grandes veias da
metrópole quando seus habitantes têm de atravessá-la nas viagens para o
trabalho, realizar um negócio ou buscar serviço excepcional (CANCLINI,
2005, p.102-103). Somada a políticas públicas eficientes, o jornalismo
hiperlocal pode ajudar a promover e contribuir para que se mantenham
traços históricos que distinguem os habitantes de determinado lugar e, assim,
despertar a responsabilidade dos seus cidadãos (CANCLINI, 2005).
Atuações como arenas públicas
A título de início do debate do hiperlocal como arenas públicas,
buscam-se nesse item possíveis aproximações a partir da revisão da literatura
apresentada até então. Como apresentado, as arenas públicas se configuram
como espaços que possibilitam o debate no interior da Esfera Pública de
sociedades complexas e democráticas, além de serem responsáveis por
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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diagnosticar os assuntos de interesse da sociedade e torná-los públicos,
consolidando a ideia de opinião pública, e levá-los à Esfera Pública política.
Esse substrato organizatório, representado no fluxo de informação da
Esfera Pública, é operado pelo conjunto de associações voluntárias
desvinculadas do mercado e do Estado, e que têm a função de captar os
anseios da própria sociedade e levá-los ao conhecimento público e, por
consequência, à ciência dos representantes da população nas instâncias
político-administrativas do próprio Estado (LOURENÇO, 2009, p. 86)
Assim como as arenas públicas, uma premissa para as mídias
hiperlocais está na sua origem dentro dos limites de uma comunidade.
Conforme já apontado nas sessões anteriores, a ideia de comunidade não está
presa ao conceito geográfico, mas sim pelas aproximações e laços de
identidades que caracterizariam tal comunidade.
Nesse sentido, a manutenção de elementos de identidade local no
contexto da comunicação digital está diretamente relacionado com a origem
dessas mídias e sua atuação na comunidade. Esses reforçam a aproximação
com as arenas públicas, ao passo que tais elementos garantem a captação dos
anseios da comunidade e levá-los ao debate.
o grande potencial de uma arena pública é o de se transformar em uma
esfera de deliberação e formação de uma opinião pública, que pode ser
capaz de influenciar, ora determinar, os processos de decisão política nas
esferas administrativas do Estado. Portanto, é função imprescindível de
uma rádio comunitária fomentar o debate, captando os problemas e
demandas da comunidade, discutindo-os e publicizando-os
(LOURENÇO, 2011, p. 14)
Diferentemente do processo inserido nos mass media, nos meios
hiperlocais a sociedade civil participa ativamente de todo o processo, desde
a concepção do assunto que será retrato, passando pelos processos de
produção e atingindo o feedback daquilo que é produzido , marcando, assim,
a descentralização do processo produtivo.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Apontamentos sobre narrativas transmídias
no portal folha.uol
Rogerio Bazi (Pontifícia Universidade Católica de Campinas)
Introdução
Na perspectiva dos estudos atuais que envolvem o jornalismo,
principalmente na última década, os efeitos do uso da tecnologia e das
narrativas que abarcam a produção jornalística apresentam-se como um dos
principais pontos a serem identificados, discutidos e\ou analisados na
tentativa de se construir novos paradigmas ao campo do jornalismo.
Sem restar dúvida, foi a evolução tecnológica que possibilitou e
incentivou criar meios ultra rápidos para que a informação pudesse atingir o
público receptor, reproduzindo nele o conhecimento. "O registro histórico
das revoluções tecnológicas [...] mostra que todas são caracterizadas por sua
penetrabilidade, ou seja, por sua penetração em todos os domínios da
atividade humana, não como fonte exógena de impacto, mas como o tecido
em que essa atividade é exercida" (CASTELLS, 2000, p. 50).
Diferentemente do que ocorreu em outras revoluções, como a
industrial ou a científica, na revolução tecnológica "usuários e criadores
podem tornar-se a mesma coisa [...] os usuários podem assumir o controle
da tecnologia como no caso da Internet [...] pela primeira vez na história, a
mente humana é uma força direta de produção, não apenas um elemento
decisivo no sistema produtivo" (CASTELLS, 2000, p. 52). O usuário passa a
ser agente criador e transformador. Talvez seja por isso que as novas
tecnologias difundiram-se pelo globo com a velocidade da luz em menos de
duas décadas, por meio de uma lógica que "[... ] é a característica dessa
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
revolução tecnológica: a aplicação imediata no próprio desenvolvimento da
tecnologia gerada, conectando o mundo através da tecnologia
da informação" (CASTELLS, 2000, p. 52).
Assim, é possível observar que as relações entre tecnologia,
ambientes conectados e o jornalismo estão intrinsicamente unidas e se
estabelecem com muita nitidez na atualidade por aquilo que fora nomeado
de cultura de convergência, expressão cunhada por Jenkins (2009) em seus
estudos sobre convergência e narrativa transmídia (NT).
Logo, o que se pretende, pois, com a comunicação é apresentar um
levantamento inicial da aplicação do conceito de Jenkins (2009) sobre as
narrativas transmídias (NT) no jornalismo nas produções do portal
www1.folha.uol.com.br/especial no ano de 2015, na tentativa de refletir
acerca de perspectivas ou tendências de outras linguagens das NT no campo
do jornalismo.
Tratando-se de estudo inicial a pesquisa irá identificar as produções
e sinalizar o que foi produzido como narrativas transmídias, seguindo os
critérios de Jenkins (2011), ou seja, uma estrutura de conteúdo noticiosa
transmídiatica atende pelo menos a um dos requisitos:
a) Mapeia o mundo;
b) Oferece pano de fundo para outras produções;
c) Oferece a perspectiva de outros personagens;
d) Aprofunda o engajamento da audiência.
Sobre as narrativas transmídias
Portanto, a partir de tal exposição é importante registar, à luz da
revisão conceitual, que Jenkins (2009, p.29) refere-se à convergência como "o
fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação
entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos
públicos dos meios de comunicação". Para o autor, a palavra convergência
"consegue definir transformações tecnológicas, culturais e sociais,
dependendo de quem está falando e do que imaginam estar falando".
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Representa, pois, "uma transformação cultural, à medida que consumidores
são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a
conteúdos de mídia dispersos" (p.29-30).
Por sua vez, Alzamora e Tárcia (2012, p. 25) argumentam que o
termo convergência nos anos 90 era proposto a partir de "recursos de
linguagem provenientes de vários meios em um único ambiente midiático,
então chamado hipermídia".
Já Quinn (2005, p.3) apud Alzamora e Tárcia (2012, p. 25) expõe que
a convergência está diretamente relacionada ao indivíduo e à cultura de cada
país. "O tipo de convergência que se desenvolve em qualquer empresa será
um produto da cultura desta empresa". A afirmação é importante porque
realça, na perspectiva do jornalismo, as linhas editorias adotadas por cada
veículo de comunicação e a atuação destes no mercado editorial.
Deste modo, como bem destacou Massarolo (2015, p. 136),
"[...] a convergência midiática representa um estimulo à participação e cocriação de conteúdo em plataformas de mídia, trazendo as transformações
cotidianas para o ambiente da cultura participativa, na qual os usuários
mais ativos preferem utilizar suas habilidades cognitivas e performáticas,
para poder assim, reconfigurar e compreender a percepção
contemporânea do seu cotidiano".
É assim, então, a partir de tal conjectura, onde o usuário da
informação estabelece sua participação por meio de plataformas midiáticas
convergentes, que a NT apresenta-se como um "fluxo de conteúdos dispersos
entre conexões de mídias digitais" (ALZAMORA e TÁRCIA, 2012, p. 25) a
fim de atender aos usuários da informação.
Neste sentido, Scolari (2014, p. 74) argumenta que "no tempo
presente não há nenhuma mídia informativa, seja escrita ou audiovisual, que
não convide seu público para enviar informação, fotografias, vídeos ou textos
que permitam que narração das notícias sejam expandidas". O autor diz
ainda que a criação e produção de conteúdo no jornalismo transmídia
representa uma possibilidade de se combinar diversas plataformas de mídia
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
para a construção de um conteúdo capaz de informar seus consumidores da
melhor maneira possível.
Isto posto, é necessário expor mesmo que brevemente como o termo
NT surge no presente contexto. Assim, foi em 200364 que o próprio Jenkins
citou o termo transmídia (storylling) com intuito de destacar 'o ato de contar
histórias através de várias mídias'. No português, foi traduzido como
narrativa transmídia.
Disposto a entender a saga do filme Matrix65, uma vez que o filme se
expande além das telas, Jenkins (2009, p. 138) explica que "uma história
transmidiática se desenrola através de múltiplos suportes midiáticos, com
cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo".
Cooperando para o entendimento, Scolari (2009, p. 587)66 amplia o
sentido do termo e cita que a NT é uma "structure that expands through both
different languages (verbal, iconic, etc.) and media (cinema, comics,
television, video games)". Para o autor, a NT "is not just an adaptation from
one media to another. The story that the comics tell is not the same as that
told on television or in cinema; the different media and languages participate
and contribute to the construction of the transmedia narrative world".
Observa ainda que "this textual dispersion is one of the most important
sources of complexity in contemporary popular culture".
Neste sentido, Pase, Nunes e Fontoura (2012, p.68) entendem que a
NT "está ligada à sociedade" e "a relações da audiência com a tecnologia e a
informação", e "dialoga com um processo cultural maior que materializa as
64
http://www.technologyreview.com/news/401760/transmedia-storytelling/ Acesso em 09 de outubro de
2015.
65
Matrix é uma produção cinematográfica americana e australiana de 1999, dos gêneros ação e ficção
científica.
66
Tradução nossa: "Estrutura que se expande através de ambas linguagens diferentes (verbal, icónico, etc.)
e mídias (cinema, quadrinhos, televisão, jogos de vídeo, etc.). A NT não é apenas uma adaptação de uma
mídia para outra. A história que dizem os quadrinhos não é a mesma que disse a televisão ou no cinema;
os
diferentes meios e linguagens participam e contribuem para a construção da narrativa transmídia no
mundo. Esta dispersão textual é uma das fontes mais importantes de complexidade na cultura popular
contemporânea".
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
relações plurais entre diferentes formas de assimilação de conteúdo, as
audiências heterogêneas e as próprias mídias".
Portanto a contribuição da NT para o jornalismo é fundamental
num ambiente propenso a participação de novas linguagens, conteúdos e as
próprias relações entre mídias (Jenkins, 2011), pois "a narrativa transmídia é
uma disciplina multidisciplinar que se inscreve numa rede de filiações
teóricas, na qual predominam os estudos e pesquisas de Jenkins [...]"
(MASSAROLO e MESQUITA, 2014. p. 17) e, por sua vez, "a nova audiência
deseja, sobretudo, participar na produção de conteúdo e vivenciar narrativas
jornalísticas de forma simultânea, e através de múltiplas telas e diferentes
localidades" (MASSAROLO, 2015, p. 138).
Assim, a identificação ou mesmo a aplicação da NT no exercício do
jornalismo necessitam de estudos e reflexões periódicas. O jornalismo passou
a ocupar um lugar privilegiado em diferentes mídias e em grupos de mídia.
Deixou de ser multimídia apenas, "em que temas são narrados
dispersivamente por múltiplas plataformas [...] (PASE, NUNES e
FONTOURA, 2012, p.70) e assume o papel de facilitador de conteúdos
jornalísticos amplos e articulados para diferentes mídias".
Persina Júnior (2010, p. 06) argumenta que o conceito de "mônada
aberta" pode ser aplicado a um jornalismo transmídiatico. De acordo com o
autor, "cabe a quem fez a reportagem tentar organizar blocos de informação
que contenham o máximo de dados sobre um determinado tema específico
que faça parte de um assunto mais geral". E, "o assunto geral seria composto,
então, de várias destas 'mônadas', que se ligariam por meio de links".
A ideia é interessante na medida que, segundo o próprio autor, a
aplicação da NT no jornalismo, por meio da "mônada aberta", ocorra a partir
de uma rede de desenvolvimento de conteúdos simultâneos e não apenas
reportagens realizadas para uma determinada mídia, como por exemplo, um
site de notícias ou uma emissora de televisão.
Contudo, o que se deve observar na presente exposição é que,
sobremaneira, "na lógica produtiva, a transmídia tenciona questões
arraigadas no jornalismo contemporâneo, condicionado a sua produção e
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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distribuição à desconstrução da lógica da instantaneidade e mostrando os
benefícios de uma reportagem com mais tempo para ser trabalhada" (PASE,
NUNES e FONTOURA,
2012, p.77).
As produções na www1.folha.uol.com.br/especial
Mesmo que brevemente convém registrar que o portal
folha.uol.com.br pertence ao Grupo Folha de S. Paulo, administrado pela
família Frias, com sede na capital paulista.
Em 1992, devido ao péssimo quadro econômico, os jornais
brasileiros, incluindo a Folha de S. Paulo, foram obrigados a reduzir a
quantidade de folhas nas publicações. Desse modo, as páginas ficaram mais
sobrecarregadas de informação e,
um grande marco para o veículo, que significou sua inserção no universo
digital, foi o ano de 1995, com a criação de seu primeiro jornal na versão
online. Em 1996, foi lançado pelo Grupo Folha o Universo Online,
primeiro serviço online de grande porte no país (FIORETTO e BOTTÃO,
2013, p.8).
Depois de várias mudanças no design, em 2010 as redações do jornal
impresso e online se unem e o portal Folha Oline passa a se chamar
Folha.com e são criados aplicativos para as plataformas do iPhone, iPad e
Galaxy Tab, iniciando uma nova trajetória empreendedora.
A seguir, têm-se, portanto, o que foi produzido pelo portal em 2015.
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Nota-se que o portal realizou em 17 editorias possíves, 127
produções, incluindo a editoria de classificados que será desconsiderada.
Com a exclusão, têm-se 16 editorias e 124 temas produzidos, detalhados
abaixo:
Considerações finais
Como indicado anteriormente, trata-se de levantamento inicial de
pesquisa em que se propõe verificar a aplicação do conceito de Jenkins (2009)
sobre as narrativas transmídias (NT) no jornalismo e, por meio de uma breve
abordagem nas editorias Ilustrada e Cotidiano foi possível notar que o
conceito de NT se aplica na medida em que a estrutura de conteúdo noticiosa
transmídiatica atende aos requisitos indicados por Jenkins (2011) como
oferecer um "pano de fundo para outras produções", indica "a perspectiva de
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
outros personagens" e, fundamentalmente "aprofunda o engajamento da
audiência" para e com outras narrativas noticiosas.
Ao analisar a editoria Ilustrada, por exemplo, e o especial "De volta
para o futuro- 30 anos", nota-se claramente que toda a produção foi
construída para fornecer ao usuário da informação "um pano de fundo para
outras produções"; ali se encontram vídeos que remetem ao passado do filme
e ao presente, história dos personagens e dos objetos do filme como o skate
voador do personagem Marty, interpretado pelo ator Michael J. Fox, como
também histórias que remetem a outros temas, disponível em um menu de
conteúdos.
Por sua vez, em Cotidiano as 16 produções realizadas em 2015
"aprofundam o engajamento da audiência", uma vez que levam o usuário a
outras possibilidades narrativas, envolvendo-o numa espécie de teia
noticiosa.
Mesmo assim, é certo, de um lado, que tal análise depende ainda de
reflexões mais apuradas e minuciosas que se darão nos próximos passos do
estudo; por outro, tornou-se claro que o levantamento e o diagnóstico
primário mostraram-se extremamente importantes para exemplificar que as
NT são produzidas no ambiente noticioso e contribuem, sobremaneira, no
aprofundamento da informação e na capacidade de criar e gerar novos
projetos no jornalismo.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Linked data como plataforma auxiliadora na
mediação da informação
Isabela Pereira do Rego - UNESP
Oswaldo Almeida Junior - UNESP
Ângela Maria Grossi de Carvalho - UNESP
Linked data e a mediação da informação
Há tempos, o mundo vem se tornando globalizado e informatizado,
contando com uma sobrecarga de dados variados, sendo estes a respeito de
educação, transporte, planejamento, saúde, ambiente, entre as mais diversas
áreas do conhecimento. Estes dados vêm desempenhando um papel cada vez
mais central em nossas vidas, nos auxiliando na tomada de decisões.
A explosão da informação e o desenvolvimento de novas ferramentas
tecnológicas assumem um papel significativo no desenvolvimento da
sociedade. As pessoas estão inseridas na sociedade por meio de novas formas
de relação, comunicação e organização, relações que desenvolveram durante
toda sua vida. (NASCIMENTO, et al., 2013, p.42)
Segundo Nascimento, et al. (2013), a produção de documentos em
formato digital e a transmissão de dados que passa pelas redes, acessíveis a
todos os cidadãos, provocou uma grande revolução na disseminação da
informação, pois permite que todos possam acessar uma grande quantidade
de informação.
Nas informações digitais, os canais representam os espaços virtuais
de comunicação que permitem o compartilhamento do conteúdo
informacional na web, com a perspectiva de possibilitar uma conversação
dentro das redes digitais formadas a partir das interações entre os usuários
no ciberespaço, isto é, em um movimento pelo qual o usuário receptor de
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
informação pode se transformar, ao mesmo tempo, em produtor de
informação e vice-versa, como por exemplo, os blogs corporativos, os micro
blogs, os fóruns, as plataformas de compartilhamento de vídeos e fotografias,
as redes sociais na web, dentre outros (BRASILEIRO, et al., 2012, p.172).
No contexto do ciberespaço, as ações de informação estão associadas
aos canais de disseminação, tendo em vista o emprego do canal com a função
de se configurar como a própria ação, ou seja, ao compartilhar o conteúdo
informacional do website por meio de um blog, por exemplo, considera-se
que a ação de informação já está sendo realizada. Dessa forma, o
planejamento das ações de informação é que deve determinar a seleção dos
canais, portanto, os canais são escolhidos a partir dos objetivos das ações e
dos sujeitos que se pretendem atingir (BRASILEIRO, et al., 2012, p.172).
De acordo com González de Gómez (2003, p.64) os objetivos das
ações de informação podem ser: transformar o mundo social ou natural
(sujeitos funcionais); transformar o conhecimento para transformar o
mundo (sujeitos experimentadores); ou transformar a informação e a
comunicação que orientam o agir coletivo (sujeitos articuladores e
reflexivos).
Heath e Bizer (2011) afirmam que o Linked Data possibilita a ligação
entre diferentes fontes de informação, formando a web de dados. Isso torna
possível que as aplicações genéricas operem sobre um conjunto de dados
mais completo.
Dessa forma, observa-se que, no contexto da comunicação mediada
por meio de computadores, as redes sociocomunicacionais que se formam
em uma determinada estrutura social encontram na tecnologia da internet,
a infraestrutura necessária para o compartilhamento da informação a nível
global. Em outras palavras, a internet se configura como a base de
sustentação para as redes digitais estabelecidas entre os diferentes espaços
virtuais de comunicação na web, tais como websites, blogs, sites de
relacionamentos, dentre outros que juntos vêm a constituir o ambiente de
interação denominado de ciberespaço (BRASILEIRO, et al., 2012, p.162).
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Adotando a web semântica como plataforma, surge, sob
denominação Linked Data, uma iniciativa para publicar conjuntos de dados
já existentes. Linked Data é o termo usado para descrever recomendações de
melhores práticas para expor, compartilhar e conectar pedaços de dados e
conhecimento na web semântica, usando Uniform Resource Identifier (URI)
e Resource Description Framework (RDF). Com o objetivo de permitir a
ligação entre dados publicados por diversas organizações, o Linked Data
estabelece como princípio usar URIs para identificar unicamente as
entidades representadas nesses conjuntos de dados (ROCHA, 2012, p.282).
KELLER, et al. (2011), afirma que a web semântica e Linked Data
configuram uma plataforma promissora para publicação de dados de estudos
bibliométricos, à que medida dispõem de uma estrutura simples para
representar e integrar dados. O uso de URI para identificar entidades como
autores, instituições e artigos é um instrumento valioso para a identificação
de descrições repetidas destas entidades (tanto redundantes como
complementares), principalmente quando entidades provenientes de várias
fontes são integradas. O controle de autoridades via Linked Data é mais
imediato, internacionalizado, transparente e controlável.
Tecnicamente, Linked Data refere-se a dados publicados na internet
de tal forma que é legível por máquina, o seu significado é explicitamente
definido, é ligado a outros conjuntos de dados externos, e pode, por sua vez,
ser ligada a partir de conjuntos de dados externos. Enquanto as unidades
primárias da web de hipertexto são HTML (Hyper Text Markup Language),
documentos conectados por hiperlinks untyped, Linked Data conta com
documentos que contêm dados em RDF. No entanto, ao invés de
simplesmente conectar esses documentos, o Linked Data usa para fazer
declarações digitadas que apontam coisas arbitrárias do mundo. (GOMES;
TORRES, 2011, p.web).
Conforme apresenta Cabral, et al. (2012), Linked Data surgiu em
2006 como uma alternativa para tentar resolver o problema da grande
quantidade de dados disponíveis na web, isto é, textos ou arquivos dos mais
variados formatos, dos quais muitos só podem ser interpretados por seres
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
humanos. Isso impede que aplicações (máquinas) consigam extrair
informações reais contidas nesses documentos.
Assim como os hiperlinks, que permitem conectar documentos em
um espaço único de informação global, Heath e Bizer (2011) afirmam que o
Linked Data possibilita a ligação entre diferentes fontes de informação,
formando a web de dados. Isso torna possível que as aplicações genéricas
operem sobre um conjunto de dados mais completo.
Para que a interligação dos dados seja possível, Bizer, Heath e
Berners-Lee (2009) descrevem um conjunto de regras, conhecidas como os
quatro princípios do Linked Data, e estabelecem um padrão para a
publicação dos dados na web. São elas: 1) utilizar URI para nomear as coisas;
2) usar HTTP URIs para que as pessoas possam procurar por esses nomes;
3) fornecer informações úteis utilizando os padrões RDF e SPARQL (Simple
Protocol and RDF Query Language), quando alguém procurar por uma URI;
e 4) incluir links para outras URIs a fim de que elas possam descobrir mais
informações (CABRAL, et al., 2012, p.177).
O Linked Data descreve um conjunto de práticas para publicar e
conectar dados estruturados na web. Agrega os mesmos princípios básicos
da web propostos por Berners-Lee: simplicidade, design modular e
descentralização (BERNERS-LEE, 2001).
Berners-Lee et al. (2006) elaboraram os princípios do Linked Data,
esclarecendo que os dados em RDF nesta estrutura devem ser: a) abertos (e
não proprietários), pois devem ser acessados por meio de uma ilimitada
variedade de aplicações; b) modulares, uma vez que não necessitam de
planejamento prévio para combinar com outros dados c) escaláveis, pois
uma vez que já existam dados em RDF, a adição de novos dados tende a ser
facilitada.
Conforme afirma Rocha (2012), assim como a web pode ser vista
como uma grande rede distribuída de hiperdocumentos, que são
identificados e interligados através de suas URIs, Linked Data é vista como a
web dos dados, em que dados estão armazenados em bases de dados que são
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
difundidas através da mesma rede que suporta os hiperdocumentos, e são
identificados e interligados via URIs.
A proposta Linked Data – literalmente, interliga dados abertos – vem
se tornando uma realidade ao acenar com a possibilidade de interligar
acervos em arquivos, bibliotecas e museus digitais através de tecnologias da
web semântica como RDF e URIs (MARCONDES, 2012, p.173).
Ainda segundo Marcondes (2012), esta proposta oferece grande
potencial ao conectar recursos informacionais através de links semânticos,
que são significativos também para programas. De outra maneira, links
convencionais são meios para que programas navegadores, a partir de um
recurso, acessem outro, sem explicitar qual o significado da ligação entre os
recursos, além de uma eventual etiqueta textual significativa para usuários
humanos. Sendo significativos para programas, links semânticos podem ser
processados de forma mais eficiente por eles, explorando e enriquecendo
cognitivamente o significado (legível por máquina) da ligação entre ambos
os recursos.
Nesse sentido, a proposta do Linked Data se perfaz como um
importante instrumento de avaliação e identificação dos dados
disponibilizados na web para uma melhor visualização e compreensão do
usuário ao buscar informações na rede, pois ele possibilita a transformação
de uma web na qual os recursos são documentos HTML para uma web de
dados, onde os dados estarão interligados através de metadados. O tema
Linked Data traz novos estímulos para o aperfeiçoamento de aplicações web
de uma maneira geral, do mesmo modo que para a administração da grande
amostra de dados que vem se estabelecendo como resultado da crescente
adoção dos princípios do Linked Data.
A sociedade atual, apesar de ser a grande produtora e consumidora
de informações, depara-se com inúmeras dificuldades para acessar e
selecionar esta avalanche de informações, resultado de atividades científicas,
sociais e econômicas do homem (TONELLO, et al., 2012, p.23).
Consoante à Tonello, et al. (2012), a informação é considerada
recurso estratégico e preponderante na cadeia geradora de conhecimento.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Porém, para que essa informação possa ser assimilada, apreendida e
transformada em conhecimento, precisa ser representada de alguma forma,
a fim de possibilitar a leitura, análise e apropriação.
Dado ao significado cada vez maior das informações na construção
e disseminação do conhecimento, surgem questões relevantes no que se
refere à preservação e tratamento, visando a sua disseminação, e que
demandam estudos, pesquisas e reflexões a respeito. Entre elas, evidenciamse os processos de disseminação, transferência e apropriação da informação,
os quais estão relacionados com a mediação da informação. Tais
questionamentos, acredita-se, são baseados em dois fatos que permeiam a
sociedade atualmente: a quantidade e a variedade de informações que são
veiculadas em diferentes suportes e meios e o grande número de usuários que
buscam essas informações (TONELLO, et al., 2012, p.22).
A mediação da informação pode ser entendida como:
[...] toda ação de interferência – realizada pelo profissional da informação
–, direta ou indireta; consciente ou inconsciente; singular ou plural;
individual ou coletiva; que propicia a apropriação de informação que
satisfaça, plena ou parcialmente, uma necessidade informacional
(ALMEIDA JÚNIOR, 2009, p. 92).
A mediação da informação consiste no processo essencial para
obtenção da comunicação efetiva entre as redes sociocomunicacionais que se
formam na estrutura social das organizações que, por sua vez, corresponde à
condição sine qua non para a construção do conhecimento organizacional.
Apoiando-se na infraestrutura da internet, por meio dos
microcomputadores, o processo de mediação da informação nas
organizações se estabelece com facilidade a partir das redes digitais. Essas
redes, além de possibilitarem a convergência das redes sociocomunicacionais
naturais das relações entre os sujeitos para um único ambiente informacional
– o ciberespaço –, possibilitam que um determinado conteúdo informacional
seja produzido, organizado e disseminado de maneira instantânea,
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
independente da posição geográfica, para diferentes grupos de pessoas
(BRASILEIRO, et al., 2012, p.164).
Conforme Brasileiro, et al., (2012, p.162), no contexto
organizacional, o ciberespaço se configura como um meio facilitador para a
geração de conhecimento nos indivíduos que fazem parte de sua estrutura.
A partir da constituição de um espaço virtual de comunicação na web,
qualquer organização tem a possibilidade de estabelecer o processo de
mediação da informação de forma dinâmica, isto é, com maior excelência,
presteza e interação entre os usuários de modo a contemplar as etapas de
produção, organização e disseminação da informação.
As redes digitais de informação e comunicação facilitam a
distribuição da informação para diferentes grupos de pessoas, agrupando-a
em espaços virtuais de comunicação que, por sua vez, contribuem para a
geração de estoques de informação capazes de agirem no desenvolvimento
intelectual das pessoas ao se transformarem em conhecimento
(BRASILEIRO, et al., 2012, p.161).
McGarry (1999, p.122) considera que a “convergência da tecnologia
da informática com as comunicações afetam a criação, gestão e uso da
informação de modo inédito desde a introdução da imprensa de tipos
móveis”. Nesse sentido, o autor entende que da mesma forma que a invenção
da imprensa de Gutenberg permitiu a comunicação facilitada entre
estudiosos e pesquisadores, a tecnologia digital permite que as pessoas
estabeleçam uma conversa à distância com a mesma proximidade e
naturalidade como se estivessem reunidas em um mesmo ambiente,
modificando assim as relações de tempo e espaço.
Conectado com estes novos atores da web, surgiu um conjunto de
princípios e tecnologias chamado Linked Data, que de uma maneira geral,
refere-se a empregar o RDF e o Hypertext Transfer Protocol (HTTP) para
publicar dados estruturados na web, interligando dados de diferentes fontes.
O movimento de Dados Abertos (Open Data), que incentiva a
disponibilização de dados a todos, também contribui para a disponibilização
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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de conjuntos de dados que podem ser interligados no formato Linked Data
(BATISTA, et al., 2013, p.2).
Linked Data é vista como a web dos dados, em que dados estão
armazenados em bases de dados que estão distribuídas através da mesma
rede que suporta os hiperdocumentos, e são identificados e interligados via
URIs. De forma semelhante aos hiperdocumentos, URIs são usadas para
estabelecer a ligação entre dados, isto é, um determinado dado, quando
referencia um outro dado, utiliza a URI deste como referência (ROCHA,
2012, p.289).
Linked Data adota a Web Semântica como plataforma de
representação de informação. As bases de dados neste ambiente são
compostas por triplas representadas na linguagem RDF, e o significado
destas triplas é formalmente especificado através de ontologias expressas na
linguagem Web Ontology Language (OWL). A plataforma da Web
Semântica proporciona vantagens para a integração e interligação de dados.
O uso de URI como identificador evita redundância uma vez que um dado
externo pode ser referenciado, ao invés de ser localmente replicado. A
integração da informação é facilitada, pois ocorre no nível semântico e não
no nível estrutural, visto que RDF e OWL são instrumentos para adicionar
semântica aos recursos, sem fazer suposição sobre a estrutura desses recursos
(ROCHA, 2012, p.290).
Considerações Finais
Observa-se, desta forma, que no contexto da comunicação mediada
por meio de computadores, as redes sociocomunicacionais que se formam
em uma determinada estrutura social encontram na tecnologia da internet,
a infraestrutura necessária para o compartilhamento da informação a nível
global. Em outras palavras, a internet se configura como a base de
sustentação para as redes digitais estabelecidas entre os diferentes espaços
virtuais de comunicação na web, tais como websites, blogs, sites de
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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relacionamentos, dentre outros que juntos vêm a constituir o ambiente de
interação denominado de ciberespaço (BRASILEIRO, et al., 2012, p.162).
Assim, o Linked Data aparece como uma possibilidade de facilitar a
interligação de dados que, por sua vez, possam ser ligados a outros dados,
criando uma rede de dados estruturados e com representação semântica
legível por homens e máquinas. Sendo assim cabe ao profissional da
informação apreender toda a realidade informacional e social característica
da atualidade, com usuários exigentes e também complexos, para, como
mediador informacional, auxiliar, intervir, e colaborar efetivamente com os
processos de busca e disponibilização de informações, juntamente com os
usuários, através de um novo cenário de interoperabilidade e de dados
abertos onde a informação sobre uma única entidade é distribuída na web e
é acessada por inúmeras organizações, o que agrega valor aos sistemas de
informação.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
A direção de atores no processo de
transmidialidade: como se dá essa relação na
passagem do texto teatral à obra fílmica nele
baseada?
Álvaro Dyogo Pereira - UFJF
O texto teatral e o texto fílmico
Quando um texto dramático é encenado, o que dele resta no
processo de encenação? Embora as pesquisas passem a ter, recentemente, um
interesse maior pela representação como um todo, englobando aspectos que
vão além da literatura teatral e consideram fundamentais as intervenções do
encenador, Pavis (2011) nos chama a atenção para o fato de que o texto
passou a ser considerado um acessório incômodo, ignorado pela cenologia.
Concordamos com a necessidade de restabelecer esse diálogo de forma
equilibrada.
Sabemos, ainda, que a semiologia linguística é um sistema de signos
amplamente estudado e desenvolvido, motivo pelo qual não temos pretensão
de consolidar ou definir um conceito desse sistema, visto que mesmo os
especialistas não concordam em todos os aspectos. Pretendemos, apenas,
lançar mão de uma observação focada na dramaturgia teatral, de modo a
perceber algumas de suas possibilidades e especificidades no tratamento do
texto.
Campos (1976) nos diz que a abordagem linguística aparece como a
grande possibilidade de conferir objetividade à análise do texto poético, que
anteriormente se embasava na “intuição” dos escritores. O autor defende que
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
a intuição tem seu papel na dialética da construção poética, mas também que
o rigor analítico não precisa invalidar a sensibilidade que permeia este
processo. Ingarden (1977), por sua vez, pontua que as obras literárias são,
todas elas, formas linguísticas de duas dimensões.
A primeira dimensão apresenta quatro níveis distintos: o nível
fônico, o nível semântico, o nível dos quadros visuais esquematizados e o
nível das realidades. A segunda dimensão observa a distinção entre a
sucessão das partes (capítulos, cenas e atos) e a estruturação da obra de seu
início a seu final. Em uma peça teatral, a montagem evidencia o aspecto
fônico do texto dialógico. Bogatyrev (1977) acrescenta que, no caso do teatro,
o discurso do ator, embebido de enunciado poético, é um sistema complexo
de signos, porque além de todos os signos literários que incorpora, faz parte
da ação dramática.
Em um processo analítico, Campos (1976) afirma que a função
estética tende a se perder, sendo mais comumente valorizados os aspectos
comunicacional e expressivo da linguagem Ingarden (1977), por sua vez,
considera o teatro como um caso-limite de obra literária, por jogar com outro
meio de representação – o visual – além da linguagem.
O autor nomeia os diálogos de texto principal e as indicações cênicas
dadas pelo autor (as rubricas) de texto secundário. “Tais indicações, é claro,
desaparecem quando a obra é representada em cena; portanto, somente no
momento da leitura da peça é que são percebidas e exercem sua função de
representação” (INGARDEN, 1977, p. 3). A problemática apresentada pelo
autor diz respeito ao fato de que o texto principal, no teatro, é um dos
elementos a serem representados no espetáculo cênico.
A enunciação de cada palavra, de cada frase, torna-se, a partir daí, um
processo que se desenrola nesse universo representado, no qual se integra,
enquanto elemento, ao comportamento global das personagens. [...] [Os
discursos pronunciados] devem, por conseguinte, relacionar-se
estreitamente com outros meios de representação próprios ao teatro: os
elementos visuais concretos fornecidos pelos atores. (INGARDEN, 1977,
p. 3-4).
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Esse diálogo entre o texto tal como o lemos e tal como o percebemos
na encenação vai ao encontro da defesa de Pavis (2011) para uma abordagem
balanceada da literatura teatral. O autor diferencia, para tanto, o texto escrito
do texto enunciado, para que se possa definir o objeto de análise verificado
em cena.
O discurso teatral, segundo Ingarden (1977), apresenta quatro
funções básicas: representar as realidades que se referem às palavras
pronunciadas; exprimir experiências, estados e processos psíquicos
vivenciados pelas personagens; estabelecer a comunicação entre as
personagens; e exercer influência sobre a quem o discurso se dirige.
Essas funções se revelam, em um primeiro momento, a partir de
divisões específicas presentes no texto teatral. Pavis (2011) observa, contudo,
que as divisões fundamentadas em um texto dramático não necessariamente
corresponderão à dinâmica do espetáculo. “Texto e representação não são
mais concebidos em uma relação causal, mas como dois conjuntos
relativamente independentes, que não se encontram sempre e
necessariamente pelo prazer da ilustração, da redundância, do comentário.”
(PAVIS, 2011, p. 18). O autor chama a atenção para que, em uma análise, não
sejam negligenciados aspectos que fogem dos sistemas significantes, de
movimentos visíveis e marcados.
Bogatyrev (1977), que fala em um sistema semântico da “língua
teatral”, destaca que o processo de criação dramatúrgica leva em
consideração aspectos essenciais da linguagem que podem denotar, através
do vocabulário, de um tom especial, de uma forma de pronunciar, de um
ritmo particular de elocução etc., aspectos fundamentais para a construção
de uma personagem ou de um contexto. Kowzan (1977) acrescenta que a
especificidade da linguagem teatral se dá com relação a diversos signos
linguísticos: origem das palavras, tom, dicção, sotaque e variações.
Partindo do método sugerido por Pavis (2011) para análise do
impacto do texto teatral no interior da representação, verificaremos que o
autor propõe uma definição inicial que delimite se a intenção é examinar
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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como o texto foi “posto em cena” ou se se pretende observar a “impostação”
do texto, ou seja, a forma como foi tornado audível e visível.
O primeiro caso dedica-se à gênese da encenação, que incorporará a
determinação dramatúrgica de tempo, lugar, movimentação cênica, leituras
textuais,
intervenções
de
cenógrafo,
figurinista,
iluminador,
experimentações e vocalizações etc. Já o estudo do texto impostado dedicarse-á a aspectos de pronunciação e enunciação de uma textualidade
construída por um ator já em processo de encenação.
Pavis (2011) propõe, ainda, a diferenciação analítica entre o texto
lido e o texto representado. O primeiro não sofre interferência de nenhuma
voz humana, nem mesmo a de seu autor, e é ativado de forma individual e
silenciosa. O segundo, na contramão, serve a uma cena já estruturada e
embebida de diversos signos de ordem não-literária, mesmo se se tratar de
um texto apenas ouvido.
A realização de um filme, por sua vez, também obedece a uma série
de procedimentos e convenções próprias, desde a concepção até a finalização
do projeto. A definição da encenação representa uma parte importante desse
processo, porque é neste momento que ficarão evidenciados alguns aspectos
chaves a serem observados durante as filmagens.
Xavier (2005) apresenta a conformação canônica do tratamento
técnico dos roteiros durante o fazer fílmico: são divididos em sequências,
marcadas pela função dramática ou por sua posição no enredo. Cada
sequência é constituída de cenas, que, por sua vez, são dotadas de unidade
espaço-temporal. A união das sequências no processo de montagem se dará
de acordo com a proposta final a ser apresentada. O filme Boca de Ouro
(1963), de Nelson Pereira dos Santos, que analisaremos neste artigo, segue
este modelo.
Midialidades
Julio Plaza (1987) considera que os fenômenos de interação
semiótica (colagem, montagem, interferência, apropriação etc.) entre
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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linguagens diversas “dizem respeito às relações tradutoras intersemióticas
mas não se confundem com elas” (PLAZA, 1987, p. 12). Com efeito, a ideia
de tradução intersemiótica apresentada pelo autor é bastante mais ampla:
recupera o estudo dos signos proposto por Peirce e pressupõe uma série de
processos compreendidos de diversas formas, seja como reflexão sobre os
próprios signos, como intercurso de sentidos, como transcriação de formas
etc.
As diferentes modalidades artísticas, para Kattenbelt (2008) outros
autores, são indissociáveis de seus processos de midialidade. Logo, arte e
mídia não são observadas pelo autor distintamente, mas, ao contrário, as
artes são vistas como tipos de mídia – concepção que também adotamos em
nosso estudo. No que diz respeito à sua interação, Moser (2006, p. 63)
especifica que
a relação básica entre arte e mídia é uma relação de implicação que, no
nível da manifestação e percepção, se traduz frequentemente em uma
“invisibilidade”, uma transparência da mídia na arte: a arte persegue seus
próprios objetivos, apoiando-se no [...] alicerce midiático indispensável,
que é, entretanto, frequentemente “esquecido” no ato de recepção.
O autor ainda considera que o dispositivo de relação entre as artes
permite conhecer a midialidade da arte, na medida em que se duplica em um
dispositivo intermidial. Ao conectarmos a noção de arte aos processos
criativos humanos, estabelecendo que, através dela, indivíduos se expressam
em palavras, imagens e sons, de modo a compartilhar suas experiências e
percepções a um público, entenderemos teatro e cinema como manifestações
artísticas e mídias que apresentam diferenças estruturais e de linguagem,
mas, também, similaridades.
Essas características alteram o pensamento e o próprio fazer
artístico, que passa a incorporar novos métodos, possibilidades e interações
semióticas entre as artes em seus processos criativos. Para Kattenbelt (2008),
no domínio do teatro, essa questão é particularmente evidente, vez que ele
proporciona um espaço no qual diferentes artes podem se afetar
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
profundamente.
O autor também acredita que as inovações tecnológicas têm
desempenhado papel importante no desenvolvimento e na interação entre as
artes/mídias modernas e pós-modernas, de modo que o próprio processo
histórico-evolutivo criou condições para que a questão das relações entre as
mídias e suas modificações tivesse sua importância reconhecida como campo
de estudo. Ao tratar desse tema com foco no teatro e na performance,
Kattenbelt (2008) delimita, principalmente, três conceitos que podem ser
utilizados, e que detalharemos a seguir.
A multimidialidade acontece quando diversas mídias ocorrem em
um mesmo objeto. A intermidialidade pressupõe que as mídias se
relacionem, com mútuas influências entre elas. Por fim, a transmidialidade
sugere mudança de mídia, transferência de um meio a outro. Essas
concepções operam em diversos níveis, que nem sempre podem ser
distinguidos explicitamente um do outro. Também não se excluem, de modo
que pode haver a ocorrência de mais de um tipo em uma mesma relação.
O conceito de transmidialidade, como dissemos, é usado nas teorias
de arte e comunicação, principalmente, para se referir à mudança
(transposição, tradução etc.) de um meio a outro. Essa transferência pode se
dar com relação ao conteúdo (o que é representado, a história) ou com
relação à forma (princípios de construção, procedimentos estilísticos,
convenções estéticas etc.).
No primeiro nível, o conceito de transmidialidade se refere, em
particular, àquelas características do meio original que se perdem no
processo de transposição. Filmes baseados em espetáculos teatrais, por
exemplo, são transposições de histórias, mas não levam em conta todas as
características literárias específicas da narração original.
Com relação à forma, a transmidialidade retoma ou imita princípios
de representação de outro meio. Nas primeiras décadas do século XX, muitos
filmes eram “teatros filmados”, apropriavam-se dos métodos de
representação do teatro, com totalidade espacial e invariabilidade de
distância e perspectiva. As possibilidades divergentes da linguagem
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
cinematográfica – mais amplas, neste caso –, começam a se desenvolver
quando esse paradigma é rompido.
O acesso ou imitação dos métodos de representação de um meio por
outro também pode ter uma função específica de intertextualidade – um
meio se refere a outro. Para Simanowski (2006, apud KATTENBELT, 2008),
o conceito de transmidialidade enfatiza, em particular, o processo de
transição da mídia fonte à mídia de destino. Transmidialidade seria, então,
“a mudança de um meio para outro meio como um evento constituído e
condicionado por um fenômeno estético híbrido”. (SIMANOWSKI, 2006
apud KATTENBELT, 2008, p. 24, tradução nossa).
Quando a transmidialidade é concebida como a representação de um
meio por outro meio, se aproxima do conceito frequentemente utilizado de
remediação, introduzido por Jay David Bolter e Richard Grusin (1996).
Remediação, para os autores, é “a representação de um meio em outro”
(BOLTER; GRUSIN, 1996, p. 339, tradução nossa). Há, para os autores,
especificamente dois motivos que justificam o processo de remediação:
tributo ou rivalidade. No primeiro caso, o novo meio imita o anterior
colocando a si mesmo de lado. No segundo caso, o novo meio coloca o
anterior em um novo contexto ou o absorve quase completamente.
Esses dois motivos correspondem ao que os autores chamam de
“lógica dupla” da remediação: mediação transparente, que pretende que o
usuário esqueça o meio, ou hipermediação, que pretende que o usuário esteja
ciente do meio67. No fim, essas duas lógicas estão conectadas e pretendem o
mesmo: ultrapassar as restrições da representação para intensificar a
experiência do “real”.
67
No campo do cinema, Xavier (2005) já havia explorado as noções de transparência, proveniente do
cinema clássico, que pretende a ilusão do real sem que o espectador tenha noção do processo fílmico, e de
opacidade, que pressupõe, a partir de um pensamento antirrealista, que a utilização dos artifícios
cinematográficos possa estar clara diante do espectador.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
A direção de atores no processo de transmidialidade ocorrido em Boca de
Ouro (1963)
Pereira (2015) aponta quatro etapas metodológicas para realizar uma
análise de transposição das rubricas teatrais ao texto fílmico: referenciação;
categorização e tipificação; classificação e atribuição de alvos – “a quem a
rubrica diz respeito, isto é, qual é a personagem diretamente relacionada
àquela rubrica – que agirá, reagirá ou será descrita por ela” (PEREIRA, 2015,
p. 1475).
A direção de atores é uma das categorias de rubricas, segundo Pereira
(2015) – ver Quadro 1. Esta categoria reúne, no texto de Nelson Rodrigues
(2012), 1.024 unidades de análise, 88% dos casos da peça de Rodrigues
(2012), divididas em três tipos: Estado físico (373 unidades – 32%), Estado
emocional (547 unidades – 47%) e Direcionamento da fala (104 unidades –
9%). Nessa categoria, aparecem os tipos de rubricas em que o autor indica,
de alguma maneira, sugestões para que o encenador dirija os atores, no que
diz respeito a movimentação ou pausa cênica, intenção e interação entre
personagens, ritmo ou qualidade da fala, reação etc.
Quadro 1 – Categorias e tipos de rubricas
Categorias
Tipos
1 Estado físico
1 Direção de atores
2 Estado emocional
3 Direcionamento da fala
4 Informação pessoal / cênica
2 Construção de personagens 5 Descrição física
6 Descrição psicológica
7 Indicação de cenário / objeto cênico
3 Indicações técnicas
8 Indicação de figurino / caracterização
9 Indicação de iluminação
Fonte: Elaboração do autor.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
O Tipo 1, Estado físico, abarca especificamente as rubricas em que
são indicadas movimentações, pausas, posicionamentos, reações físicas a
estímulos como falas, gestos e atitudes de outras personagens ou a situações
cênicas, enfim, tudo aquilo que diz respeito a aspectos corporais do trabalho
dos atores e ações físicas a serem desenvolvidas em cada cena. Na obra
audiovisual, essas rubricas sofrem influência de movimentos ou
posicionamentos de câmera, e dos tipos de planos utilizados – tanto no que
se refere a enquadramento e ângulo das imagens quanto no que diz respeito
à sua duração.
O Tipo 2, Estado emocional, reúne as rubricas que indicam
características das emoções das personagens, sejam essas emoções aquelas
que acompanham a personagem constantemente ou as provocadas por
alguma reação a um estímulo cênico, como uma provocação feita por outra
personagem, o recebimento de uma nova informação etc. O estado
emocional está diretamente conectado a aspectos da qualidade das falas e
ações das personagens. Por exemplo: o ato de sorrir é uma ação física, mas
quando há indicação de que a personagem deve sorrir “sordidamente”, passa
a existir um qualificador da ação de sorrir. Neste caso, a rubrica seria
tipificada com os tipos 1 e 2, porque há estado físico e, também, emocional.
O estado emocional é registrado, no cinema, através da captação das nuances
expressivas de cada ator e da intensidade de suas falas. Para tanto, costumam
ser utilizados planos que favoreçam a percepção dessas nuances – até mesmo
privilegiando os diálogos sobre as imagens, em alguns casos –, dando a carga
dramática necessária a cada cena.
O Tipo 3, Direcionamento da fala, compreende aquelas rubricas que
dão detalhes acerca da interação entre as personagens, muito utilizadas
quando há diálogos entre três ou mais personagens em cena, para que o
encenador tenha clareza sobre a quem se direciona cada fala. Esse tipo de
rubrica pode auxiliar o roteirista da obra audiovisual na construção do texto
fílmico, informando como se processam os diálogos entre as personagens em
cada cena. O direcionamento da fala sofre impacto direto quando há algum
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
tipo de adaptação cênica para a obra cinematográfica que modifique ou
exclua alguma personagem que estava presente em alguma cena do texto
teatral.
No Gráfico 1, é possível observar o comportamento de transposição
das rubricas da Categoria Direção de atores e de todos os seus Tipos.
Gráfico 1 – Rubricas da Categoria 1 e seus Tipos por classificação
Fonte: Elaboração do autor.
Analisando o Gráfico 1, observamos que, ao englobarmos a
Categoria 1, Direção de atores, como um todo, temos, em 52% dos casos, a
transposição das rubricas, em 45%, a não transposição, e, em 4% das ocasiões,
a transposição parcial. O mesmo comportamento se verifica nos Tipos 2,
Estado emocional, e 3, Direcionamento da fala. Contudo, ao analisarmos o
Tipo 1, Estado físico, em separado, observamos que as não transposições
(47%) superam as transposições (45%).
Chama a atenção, ainda, no Gráfico 1, o fato de que o Tipo 1, Estado
físico, apresenta um número de rubricas parcialmente transpostas (8%)
consideravelmente aos demais Tipos e à sua própria Categoria. É possível
notar, também, que o Tipo 3, Direcionamento da fala, apresenta uma
discrepância de classificação maior do que os demais Tipos, com o maior
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
percentual de rubricas transpostas (66%) entre todos os Tipos de sua
Categoria.
Considerações finais
Se o texto lido deve estabelecer quem, com quem, porque e quando
se fala, o texto encenado incorpora sinais extratextuais recebidos pelo
espectador ao mesmo tempo em que os sinais contidos na literatura. Há, na
relação do texto com a montagem, aspectos de autonomia ou dependência a
serem verificados. Um texto dramático, durante a encenação, pode conter
omissões, substituições, confusões e acréscimos em relação à obra literária.
É preciso termos em conta, ainda, que a especificidade do texto
dramático encontra-se em mutação, variando com cada momento histórico,
cada prática dramatúrgica, com os critérios de dramaticidade, de teatralidade
etc., de modo que um olhar contextual para a obra que se pesquisa é
fundamental para caracterizar esses aspectos.
Os diálogos, interações, representações e todo o processo
cinematográfico, por sua vez, estão imersos em dois campos sensoriais
distintos: o campo auditivo e o campo visual. Ao trabalhar com as fotografias
em movimento, o cinema incorpora suas possibilidades e limites no que se
refere à sua interpretação e significação.
Na transposição da peça Boca de Ouro, de Nelson Rodrigues, para a
obra fílmica de Nelson Pereira dos Santos, verificamos com clareza um
processo de transmidialidade, principalmente no que se refere ao conteúdo,
mas também com relação à forma.
O comportamento das rubricas da categoria direção de atores para o
filme Boca de Ouro (1963) demonstra que as ações físicas, quando
comparadas aos estados emocionais e direcionamentos de fala, encontraram,
no filme, menor espaço para transição, seja por impossibilidade da nova
linguagem ou por escolhas de encenação adotadas na obra audiovisual.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
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XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra,
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Filmografia
Boca de Ouro (Dir. Nelson Pereira dos Santos, 1963, 103 min. , 35mm. P&B).
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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O audiovisual como linguagem fundamental
para o jornalismo multiplataforma
Luciana Renó - Universidade Complutense de Madri
Denis Renó - UNESP
Jesus Vivar Flores - Universidad Complutense de Madrid
Introdução
As mudanças que envolvem o jornalismo contemporâneo colocam
em estado de revisão diversos pontos da profissão, desde os processos de
construção da opinião pública por parte do leitor/usuário até a configuração
das redações e as funções nela definidas. Esse novo cenário oferece uma nova
visão sobre a formação básica do profissional de notícia e provoca a mudança
de filosofias tradicionais do jornalismo, como a exclusividade do exercício da
atividade por jornalistas formados.
Essas mudanças envolvem, basicamente, o surgimento de
tecnologias e narrativas que definem novos formatos e processos de
representação da informação e busca por informações. Essas mudanças
somam-se às novas plataformas de comunicação e aos dispositivos
contemporâneos, interativos e móveis, e que exigem uma relação entre o
conhecimento do conteúdo e o domínio da tecnologia. Uma das mudanças
expressivas está no processo de levantamento e cruzamento de dados
informativos – uma evolução do método RAC68 (Reportagem Assistida por
Computador) –, resultante do desenvolvimento do fenômeno Big Data, onde
dados limpos e sujos, presentes na internet, servem como fonte de análise,
68Conforme explica Nilson Lage (2003), o método RAC é uma prática jornalística que se aproxima das
técnicas e das teorias da Engenharia da Computação, obrigando uma aproximação entre jornalistas
e profissionais dessa área.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
interpretação e reconstrução da informação (RENÓ, FLORES, 2014). Esse
método exige conhecimento sobre tecnologia da informação,
especificamente sobre algoritmo. Outra mudança fundamental que podemos
observar no campo da linguagem comunicacional contemporânea, que
envolve não somente os tradicionais recursos hipermídia (denominado
multimídia por algumas correntes mais conservadoras). Com o
desenvolvimento das narrativas transmídia por parte dos cidadãos (RENÓ,
2014), essa linguagem ocupa um espaço cada vez mais fundamental nos
processos midiáticos. Entretanto, para o desenvolvimento destes conteúdos
torna-se necessária a presença de profissionais expertos em tecnologia para
o desenvolvimento dos espaços multiplataforma.
Entretanto, correntes conservadoras que estudam sobre jornalismo
consideram fundamental que essas atividades sejam exclusivas para
jornalistas graduados na profissão. O mesmo ponto-de-vista é defendido por
jornalistas profissionais que, talvez em busca de uma reserva de mercado, ou
pela defesa dos dogmas da profissão, recebem de maneira desconfiada
profissionais oriundos de outras profissões nas redações. Trata-se, contudo,
de atitudes incoerentes com as realidades expostas no parágrafo anterior,
inevitáveis no mundo da notícia.
Este artigo oferece uma discussão sobre as tendências da profissão e
a necessidade de uma ampliação de funções dentro das redações. Essas
mudanças, aliás, já estão sendo colocadas em prática por jornais dos Estados
Unidos e da Inglaterra, e já começa a ser praticada no Brasil. O mesmo
começa a ser percebido em programas universitários que buscam uma
atualização de seus projetos pedagógicos e, em sintonia com o mercado,
mesclam conhecimentos jornalísticos com teorias e técnicas de sistemas de
informação.
Para o desenvolvimento deste estudo, foram adotadas como
metodologia a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental, assim como a
observação empírica do mercado em si. Também foi adotada a observação
participante na compreensão dessas mudanças, especificamente no que diz
respeito à produção de conteúdos transmídia. A expectativa, com os
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
resultados aqui apresentados, é que a relação profissional entre jornalistas e
profissionais de tecnologia e de informática torne-se aceitável pelas correntes
que atualmente não observam essa mistura com bons olhos.
A redação tradicional
Tradicionalmente, as redações são constituídas por uma equipe de
jornalistas que, a partir de conceitos apoiados nas ciências sociais,
desenvolvem suas atividades em busca da descoberta e da construção de
conteúdos que representem a realidade observada, ou compilada. Essas
equipes, diversas vezes compostas por jornalistas formados e por
profissionais práticos (destacados na profissão, mesmo que sem formação na
área), seguem técnicas que se aproximam da origem do jornalismo: a busca
por informações diretamente com as fontes e/ou por documentos. Apesar
disso, desde o surgimento da internet o contato com a notícia tornou-se mais
distante. Surgiram os “jornalistas de gabinete”, que não saem de suas
redações em busca de notícias porque consideram a internet como um canal
eficaz na relação com as fontes, tendo como ferramenta aliada o telefone e,
recentemente, o WhatsApp. Contudo, esses canais são relativamente
confiáveis, tendo em vista que os níveis de interatividade (THOMPSON,
1998) oferecidos são limitados. Não podemos observar as deixas simbólicas
presentes na fisionomia de quem fala. Sequer podemos ter certeza de que a
pessoa responsável pela digitação do outro lado do telefone (por exemplo, no
caso do WhatsApp) é a mesma com quem pensamos dialogar. Porém, os
jornalistas seguem com esses métodos.
Entretanto, com a popularização de dados abertos na internet, o
jornalismo ganhou um novo aliado em sua prática profissional: o jornalismo
de dados. Sandra Crucianelli, enquanto ministrava curso de jornalismo de
dados na Fundação Knight Center, declarou considerar que na realidade
jornalismo de dados é o mesmo que jornalismo de base de dados, mas adotase a denominação mais curta. Também defende que jornalismo de dados
possui um pouco das características de outras modalidades de jornalismo,
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
como jornalismo investigativo (pois adota técnicas próprias deste), o
jornalismo de profundidade, o jornalismo de precisão e a reportagem
assistida por computador. É quase sempre necessário analisar dados e utilizar
planilhas de cálculos - o jornalismo analítico -, muito utilizado quando se
trabalha com métodos analíticos para levar os dados a sistemas de
informação geográfica. Além dessa mescla de “jornalismos”, também estão
envolvidos no jornalismo de dados grandes volumes de informações e
visualização interativa. Por isso, justifica-se o envolvimento de um
profissional de tecnologia à equipe de jornalismo para desenvolver tarefas
como extração de dados, depuração, aplicativos de notícias, entre outras
atividades.
Os produtos que podem resultar do trabalho do jornalismo de dados
são ao menos quatro tipos: artigos baseados em dados, visualizações de dados
interativos, conjunto de dados abertos e aplicações de notícias (News Apps).
Essa possibilidade cognitiva é defendida por Manovich (2013, p.337) como
epistemologia do software, ou seja, “quando o metameio informático e
caracteriza por sua extensibilidade permanente”.
Porém, apesar de possuir uma proximidade com a tecnologia,
poucas redações aceitam a existência de profissionais especializados em
tecnologia de processamento de dados em seus espaços profissionais. Essa
defesa pelo espaço jornalístico era coerente num momento em que as notícias
eram representadas por linguagens tradicionais e as técnicas de investigação
e de cruzamento de dados limitavam-se ao contato visual, características que
deixaram de ser uma máxima do jornalismo há praticamente 20 anos, com o
surgimento da internet e a utilização da mesma como ferramenta de contato,
fonte de informação e repositório de dados. Ainda assim, algumas redações
insistem em defender a hegemonia de profissionais formados em jornalismo
no exercício da atividade.
A mais comum justificativa dessa defesa de espaço é apoiada no
conhecimento específico do jornalismo – as técnicas na investigação e
seleção de dados de interesse público, assim como os princípios éticos que
regem a profissão. Obviamente, a observação dos dados é algo que deve ficar
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
sob cuidados de profissionais que tenham conhecimento sobre esses
princípios. Porém, as técnicas tradicionais já não apresentam eficácia com as
possibilidades existentes atualmente. Os dados estão nas nuvens, na rede,
circulando na internet (ou não, quando se trata de dado sujo). É preciso
definir parâmetros e filtros para a busca dos dados e, por sua vez, o
aproveitamento dos mesmos.
Também é fundamental construir conteúdos que falem diretamente
com a sociedade através de uma linguagem esperada por eles, e não uma
construção de conteúdos com linguagens seculares que, nos dias de hoje, não
oferecem resultados cognitivos. Ou seja, tornam-se ineficazes. Por essa razão,
o jornalista deve dominar a produção de conteúdos multiplataforma, além
de conviver com profissionais que conheçam tecnologias de construção de
espaços digitais, especialmente direcionados a dispositivos móveis.
Apesar desse cenário mutante, diversas correntes de jornalistas e
acadêmicos encaram a profissão como uma atividade restrita ao jornalista.
Porém, o jornalismo sempre foi interdisciplinar no fazer, no construir e no
reproduzir. É uma atividade em equipe, com diversidade tecnológica e
multiplicidade de linguagens. Por essa razão, não aceitar a diversidade
profissional é uma incoerência dificilmente explicável.
O algoritmo como ferramenta para a “big” investigação de dados
Ainda que algoritmo seja algo relacionado a toda e qualquer tarefa
esquematizada a ser realizada (como ocorre no jornalismo desde o seu
surgimento), neste caso ele pode ser destinado especialmente à busca de
informações na rede a partir dos conceitos de Big Data69. São tarefas
executadas para busca e filtro de determinadas informações e, a partir disso,
relaciona-las. Seguramente, jornalistas não possuem preparo e
conhecimento técnico para tal atividade, e nessa condição outros
profissionais ganham espaço nas redações.
69Popularizado em meados de 2013, o Big Data é um método de seleção, aproveitamento e reconstrução
de informações disponíveis na nuvem da internet e que tem como proposta aproveitar os dados
sujos e limpos.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Algoritmo é uma sequencia de passos ordenados de maneira lógica
para execução de uma tarefa finita ou infinita. Basicamente, se trabalha com
entrada(s), processamento e saída(s). Para que um computador possa
desempenhar uma tarefa é necessário que esta seja bem detalhada, sem
ambiguidades, um tempo de execução estabelecido e uma condição final
como objetivo. Os profissionais da área de tecnologia possuem uma
habilidade natural para desenvolvimento de raciocínio lógico, muito útil no
desenvolvimento de um algoritmo, mesmo não sendo uma condicional para
desenvolver este tipo de tarefa.
A partir de um algoritmo bem elaborado, é possível que um
profissional da área de tecnologia execute o desenvolvimento deste em
linguagem de programação - linguagem que conversa com o computador.
Assim, a tarefa será executada e será alcançado o objetivo desejado. Quanto
mais refinados forem os parâmetros estabelecidos e determinados dentro do
algoritmo para que este profissional o converta em programa, melhor será o
resultado alcançado.
No caso do Big Data, como o volume de dados é gigantesco – dados
estruturados e não estruturados, variedade enorme e a velocidade maior
ainda – unidade trina do Big Data, o algoritmo é útil para auxiliar no
processamento de todo esta quantidade e variedade de informação. É
possível utilizar palavras chaves, filtros, análise de acordo com o interesse e a
busca feita.
Devido à quantidade, variedade e velocidade das informações que
estão disponíveis hoje, é necessário ter vários programas trabalhando
concomitantes para se chegar ao objetivo. Claro que a análise final desse
resultado obtido é fundamental para definir onde se pode utilizar a
informação alcançada. Essa análise pode ser realizada em parceria entre o
jornalista e o profissional de tecnologia, numa atividade interdisciplinar.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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As redações contemporâneas
Esses novos modelos e ferramentas para a produção de notícias têm
provocado mudanças na configuração de redações em diversos países,
inclusive no Brasil, apesar do conservadorismo característico do jornalismo
brasileiro. Essa nova composição resulta de novos formatos narrativos e
tecnologias envolvidas nos processos renovados, além de estar indiretamente
relacionada aos novos modelos de negócio. Neste sentido, o fazer jornalismo
e o administrar meios complementam-se de alguma maneira, resultando em
uma agilidade maior em busca de resultados.
Por essa razão, importantes meios de comunicação, como o The New
York Times, que conta com Arthur Ochs Sulzberger Jr., formado em
Ciências Políticas na Universidade de Tufts, Massachusetts (E.U.A.), como
editor. Na posição de Diretor Executivo, o jornal conta com a colaboração de
Dean Baquet, que estudou jornalismo na Universidade de Columbia, mas
desistiu de continuar no curso.
Seguindo nessa linha, diversas universidades norte-americanas
buscam mesclar disciplinas sobre elaboração de algoritmos e/ou
programação de base de dados nos programas de formação de jornalistas. A
Universidade de Columbia criou, em 2014, um mestrado em comunicação
que conta com diversas linhas de pesquisa e disciplinas sobre o tema, o que
reflete essa demanda e uma necessidade de melhor capacitação dos novos
jornalistas.
Preocupado em observar o jornalismo e suas transformações como
prática e negócio, Jesús Flores (2014) apresenta um perfil dos profissionais
da redação contemporânea. Em seu estudo, além de observar as redações e
suas novas configurações, Flores indaga sobre o comportamento dos meios
e transparece uma preocupação sobre o futuro dos profissionais tradicionais.
Segundo o autor:
Diferentes perfis profissionais são descritos e analisados por especialistas
e estudiosos na evolução do jornalismo, fato que demonstra como os
meios estão adaptando-se aos novos entornos, já que se não o fazem
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
correm o risco de, simplesmente, desaparecer do espaço midiático. Mas,
como formar jornalistas multimídia para redações integradas? (FLORES,
2014, p.89)
O autor defende que “os jornais deixam de ser empresas jornalísticas
para converterem-se em organizações de notícias (de Newspapers a News
Organizations) com novos desafios, adotando novas formas narrativas e
desenvolvendo novas formas de fazer negócio” (FLORES, 2014, p.90). Essas
novas narrativas, que caminham entre um hipermídia avançado a uma
narrativa transmídia (RENÓ, 2014), exigem uma aproximação conceitual
entre o jornalista e o profissional de tecnologia da informação. Essa
aproximação pode existir com a configuração de uma redação
interdisciplinar ou a partir da formação acadêmica com currículos
renovados, onde conteúdos das duas áreas (jornalismo e tecnologia da
informação) sejam ensinados aos novos profissionais. O que está claro é que
deve-se preparar para uma reformulação na atividade jornalística, como já
pode ser observado em diversos meios. Segundo Alberto Cairo (apud
FLORES, 2014, p.101), “algumas redações se reorganizam já para um futuro
em que os dados se transformarão em um meio e em que as técnicas
narrativas tradicionais se fundirão com apresentações interativas
complexas”.
Em realidade, essas mudanças já vinham sendo proteladas desde o
surgimento da internet. Talvez por essa razão o jornalismo é a atividade
comunicacional que apresenta o desenvolvimento mais tardio, frente a
outras atividades, como a publicidade, a ficção e a educação. Porém, as
universidades já observam uma necessidade de melhora neste sentido e
começam a construir projetos pedagógicos que apontem para uma
interdisciplinaridade voltada também à tecnologia, e não somente às ciências
sociais. Segundo Flores (2014, p.106), essa preocupação já chegou a diversas
universidades, incluindo as mais tradicionais:
Ernest Sotomayor, assistente do decano dos serviços profissionais da
Escola de Graduação de Jornalismo da Universidade de Columbia,
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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menciona que todos os estudantes de seu programa do mestrado
profissional em Ciência da Escola de Jornalismo da Universidade de
Columbia se graduam com destrezas multimídia básicas.
Ainda, segundo o autor, “para Eldra Gillman, diretora de
contratações e Educação da CBS Corp., qualquer estudante com destrezas
tecnológicas se encontra muito acima de quem necessita treinamento”
(FLORES, 2014, p.106). Obviamente, esse é o retrato do mercado que,
alinhado com a universidade, está promovendo uma modificação no perfil
das principais redações contemporâneas.
Entretanto, algumas correntes mercadológica e acadêmicas insistem
em um conservadorismo no que diz respeito à configuração das redações
jornalísticas. Segundo, Luciano Martins Costa, jornalista e colunista do
portal Observatório da Imprensa, a notícia não está mais nas mãos das
empresas de jornalismo. Para ele, “o domínio de empresas de tecnologia na
produção e distribuição de conteúdo informativo e opinativo está criando
uma nova esfera pública, cujos controladores não estão preocupados com a
transparência e ética”70. Porém, vale questionar se as empresas de jornalismo
estão preocupadas com a transparência e ética, dado alguns exemplos
recentes da imprensa brasileira (entrevista com a presidente Dilma Rousseff
na eleição presidencial de 2014 pelo Jornal Nacional, ou a edição da revista
Veja, edição 2.397 de 24 de outubro de 2014, entre outros casos).
O medo manifestado no artigo de Costa refere-se à decisão sobre o
que é ou não notícia, assim como a maneira com ela deve ser destacada, tudo
a partir de conceitos de algoritmo. Porém, tanto Costa como os autores que
o mesmo faz referência no artigo se equivocam ao pensar que a proposta de
adotar profissionais de tecnologia da informação nas redações não está
limitada à criação de algoritmos capazes de escolher e destacar notícias, mas
na possibilidade de tais profissionais atuarem em conjunto com jornalistas,
preparados para a seleção e análise do que é notícia ou não. Trata-se de um
70Disponível em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/o_novo_sistema_de_poder.
Acessado em 13/01/2015.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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trabalho coletivo, onde cada um faz o que melhor sabe fazer, a partir de seu
preparo de formação. Tal parceria profissional já é destacada em outras áreas
do conhecimento, como na medicina. O jornalismo, por sua importância
social, será amplamente beneficiado com essa inevitável união.
Resultados da união de conhecimentos
A união dessas áreas de conhecimento para a formatação das
redações contemporâneas torna-se fundamental pelo desenvolvimento
tecnológico e a relação criada entre as atividades para a produção de notícias,
tanto no processo de pesquisa/investigação como na confecção dos espaços
midiáticos e seus respectivos conteúdos. Trata-se de uma reformulação de
atividades e valores, assim como um ajuste espacial onde profissionais de
ambas as profissões compartilham importâncias nos processos.
Porém, algumas dificuldades ainda são encontradas para que tal
condição torne-se realidade. A primeira delas é a própria aceitação por parte
dos profissionais do jornalismo, acostumados a uma homogeneidade nos
seus guetos profissionais. Além disso, torna-se necessária uma modificação
de conduta de alguns profissionais de tecnologia, acostumados a conviver de
maneira quase autista com seus companheiros de trabalho, talvez por ser um
campo profissional onde o trabalho é fracionado e repartido, sendo
executado de maneira solitária, ainda que complementar à tarefa do outro.
Trata-se de construir uma convivência de respeito mútuo, além de uma
melhor divisão de tarefas com base no comprometimento de equipe.
Tais resultados já são vistos em diversos conteúdos jornalísticos
produzidos pela imprensa nacional e internacional. Nessas publicações, a
convivência entre ambos os setores foi necessária não somente na produção,
mas também no projeto das mesmas. Um primeiro exemplo pode ser visto
na reportagem produzida pela Folha Online (Brasil) sobre a Usina de Belo
Monte. O conteúdo, disponibilizado para todas as plataformas digitais,
reuniu vídeo, texto, foto, áudio, infográfico e videojogo em um único espaço,
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todos eles de teor informativo e em tecnologia acessível por dispositivos
móveis, além de computadores.
Imagem 1: Entrada da reportagem sobre a Usina de Belo Monte.
Imagem 2: Videojogo disponível na reportagem com informações gráficas animadas.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
A produção do conteúdo foi realizada totalmente através do
compartilhamento de tarefas entre profissionais do jornalismo (na busca
pela informação) e profissionais de tecnologia (na confecção dos espaços
midiáticos). Além disso, o momento de planejamento da reportagem foi
realizado pelos dois profissionais, tanto para pensar nas possibilidades como
para avaliar as dificuldades que seriam encontradas no campo jornalístico e
tecnológico.
Como exemplo internacional, podemos destacar a série Spot the ball,
produzida pelo The New York Times durante a Copa do Mundo do Brasil,
em 2014. Na ocasião, o grupo de jornalismo do jornal trabalho em contato
direto com a equipe de tecnologia para preparar um modelo interativo e não
linear de construção da opinião pública, neste caso sobre futebol. Os resumos
das partidas eram oferecidas rodada a rodada através de possibilidades
gamificadas, além de informativas.
Imagem 3: Entrada da série Spot the ball, do The New York Times.
Com uma atividade sugerida no próprio título, o desafio era
encontrar a bola de futebol nas cenas registradas a partir de fotografias. Após
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
a tentativa, apareciam na cena todas as outras tentativas de usuários
participantes.
Imagem 4: Imagem sem a bola para que o leitor/usuário/jogador adivinhasse sua posição correta
na cena.
Cada uma das imagens enigmáticas era direcionada a uma
reportagem sobre o jogo em questão, onde o leitor/usuário/jogador tinha a
possibilidade de observar, em cada uma delas, um formato de conteúdo. As
possibilidades narrativas oferecidas variavam desde textos convencionais a
animações e esquemas táticos do jogo, de acordo com o conteúdo que seria
abordado.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Imagem 5: Reportagem sobre jogo na série Spot the ball.
Esses exemplos, que não são isolados nem únicos, tornam-se uma
cena frequente no jornalismo contemporâneo. Resultam da cumplicidade
profissional entre duas atividades profissionais para um mesmo fim –
traduzir acontecimentos para os cidadãos contemporâneos de maneira
cognitiva – e abrem espaço para uma nova realidade nas redações, onde a
linguagem escrita é compartilhada com códigos binários.
Conclusões
O jornalismo está vivendo uma expressiva modificação. Esses
câmbios ocorrem não somente fora da redação, mas também dentro dos
espaços profissionais. E não acontecem somente no Brasil, onde a profissão
deixou de exigir o diploma no começo do século atual, mas também em
outros países, onde a exigência do diploma nunca existiu. Mudou-se a
maneira de construir o discurso jornalístico. Mudou-se a linguagem.
Mudou-se a configuração da própria redação.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Porém, essa mudança deve vir acompanhada de uma
conscientização profissional e de uma aceitação às mudanças, especialmente
por parte dos jornalistas, acostumados a trabalhar de maneira exclusiva: Os
profissionais de tecnologia também devem modificar a maneira como
trabalham, passando a aceitar olhares pelo ângulo do usuário e em busca da
acessibilidade, mesmo que isso pareça ser um obstáculo à facilidade de
programação.
Entretanto, essas mudanças são inevitáveis e naturais. O cidadão
contemporâneo já traz em si essas habilidades – a digital e a narrativa -, o que
obriga a atividade a se ajustar. O crescente desenvolvimento de aplicativos
que proporcionam a programação de aplicativos e páginas web, assim como
a produção de conteúdos hipermidiáticos, já possibilita o desenvolvimento
de espaços digitais de caráter informativo por cidadãos comuns. E mais: com
possibilidades narrativas que se aproximam do videojogo e do
entretenimento acompanhado de informação, ou “infotretenimento”
(AMÉRICO, VIEIRA, SOTTOVIA, 2014, p.126), esses conteúdos passam a
competir de maneira desigual com as tradicionais plataformas informativas.
Por fim, consideramos que essas mudanças são inevitáveis e
deveriam acontecer diretamente nas salas de aula, não somente com a criação
de disciplinas para cursos de jornalismo que tivessem como discussão a
tecnologia, mas também a partir de uma formação do corpo docente, onde
tais disciplinas ficassem sob responsabilidade de profissionais de tecnologia,
assim como uma construção de atividades interdisciplinares com outras
disciplinas estritamente jornalísticas que precisam de um upgrade
experimental para o campo binário. Trata-se de uma inevitável
transformação do jornalismo, e não uma impressão apocalíptica de fim ou
perda de controle, como aponta Costa (2014), entre outros acadêmicos mais
conservadores. Transformação essa que já está posta em prática, e
sobreviverão as redações que colocarem em prática tal revolução, como já
ocorre em outras atividades profissionais, como a agronomia, a medicina e
as artes visuais.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Bibliografia
AMERICO, Marcos; VIEIRA, Eloiza; SOTTOVIA, Angelo. Realidade interativa: protótipo de telejornal
interativo para TV Digital baseado no conceito de infotretenimento. Revista Trampas de la Comunicación
y
la
cultura.
Edição
77,
nov/2013-fev/2014.
Disponível
em
http://www.revistatrampas.com.ar/2014/10/realidade-interativa-prototipo-de.html.
Acessado
em
23/01/2015.
COSTA, Luciano. O novo sistema do poder. Observatório da Imprensa, edição 827, 02/12/2014.
Disponível em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/o_novo_sistema_de_poder.
Acessado em 13/01/2015.
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1997.
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CAMPALANS, Carolina, GOSCIOLA, Vicente, RUIZ; Sandra. Periodismo transmedia – entre teorías y
prácticas. Barcelona: Obierta Press, 2014.
RENÓ, Luciana, FLORES, Jesús. Periodismo de datos en el mundo transmedia. In RENÓ, Denis,
CAMPALANS, Carolina, GOSCIOLA, Vicente, RUIZ; Sandra. Periodismo transmedia – entre teorías y
prácticas. Barcelona: Obierta Press, 2014.
THOMPSON, John. A mí dia e a modernidade: uma história social da mí dia. Petró polis: Vozes, 2003.
- 331 -
Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Cenários midiáticos: a juventude tecnológica e
sua cultura convergente-digital na cidade de
Bauru (SP-Brasil)
Juliano Ferreira de Sousa - UNESP
Maria Cristina Gobbi - UNESP
Introdução
O desenvolvimento tecnológico traz consigo alterações nos mais
diversos campos da vida em sociedade. Nota-se, assim, que alguns
comportamentos, que estiveram presentes na utilização das mídias em
décadas anteriores, têm sofrido mudanças e começam a perder força nas
camadas mais jovens; principalmente a partir do fortalecimento da internet
como ferramenta cotidiana. Os jovens digitais criam uma vanguarda, que
vem transformando as relações entre comunicação, produção/recepção e
uso/consumo de bens midiático-culturais. Os meios analógicos, como o
rádio e a televisão, demandavam um comportamento de passividade e de
recepção propriamente dita.
Hoje, a realidade das 'redes conectadas' altera esse panorama,
principalmente quando observamos a "cultura participativa" alimentada por
esses jovens (JENKINS, 2008). Esse comportamento é demonstrado tanto ao
interagir com as mídias - comentar, reclamar, curtir, compartilhar em tempo
real - quanto ao conversar com seus pares ou produzir conteúdos nos mais
diversos espaços online ou digitais.
Pensando nesse contexto, essa familiaridade com o uso das
tecnologias digitais é mais observada em segmentos mais jovens da
população. Essa é uma parcela dos jovens brasileiros que cresceram
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
acompanhando o desenvolvimento da informática e o fortalecimento da
internet ou que assimilaram fortemente essas tendências no fim da
adolescência ou no início da vida "adulta". Com o passar dos anos, essas
tecnologias foram ganhando espaço não só entre as elites financeiras, mas
também nas camadas médias da sociedade e isso refletiu claramente no
comportamento dessas juventudes. É sobre esse jovem e seu consumo digital
que vamos falar.
O foco central das análises é nesse segmento que faz uso das mídias
digitais. Investigamos a essência de expressões como "Geração Internet71",
"juventude conectada", "Geração Y", "juventude digital", etc. Mirando em
uma parte dos jovens da cidade de Bauru (SP), observamos os contextos
culturais, comunicativos e tecnológicos, e amparamos as análises
conjuntamente com os dados midiático-digitais obtidos por meio de
pesquisa teórica e empírica.
A pesquisa buscou verificar o comportamento midiático-digital de
jovens residentes em Bauru (SP). Foram feitas 31 questões, fechadas e
abertas, que mapearam também as sociabilidades estabelecidas. Analisamos
os dados oriundos 250 questionários [quanti e qualitativo], desenvolvido a
partir do referencial teórico levantado, buscando mapear as práticas de uso,
de consumo eas interações estabelecidas; a partir dos contextos tecnológicodigitais, a que parte considerável dessas juventudes está exposta. Os
resultados foram expostos em três faixas etárias: 15 a 18 anos, 19 a 24 anos e
de 25 a 29 anos.
Como corpus para a análise dos dados empíricos do estudo,
escolhemos os jovens que utilizam a internet e interagem no espaço digital.
Para isso, o questionário foi aplicado via plataforma online (Google
Formulários) e divulgado majoritariamente em mídias sociais, por meio de
grupos de jovens no Whattsapp e, principalmente, em grupos juvenis no
71
Do norte-americano Don Tapscott (2010).
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Facebook da cidade de Bauru. Porém, é importante ressaltar que divulgação
oral e por meio de cartazes também foi realizada em locais de concentrações
juvenis, como escolas e o campus da Unesp de Bauru, objetivando a
diversificação dos jovens participantes.
Os limites etários escolhidos para a nossa pesquisa estão
diretamente relacionados à própria ideia regulamentada pelo Estado.
Selecionamos como corpus de análise os jovens na faixa etária de 15 a 29
anos, limite estabelecido pelo Estatuto da Juventude 72 (2013) - além de ser a
faixa etária média (nascida do final dos anos 1980 ao início dos anos 2000)
que tem a sua infância e adolescência concomitante ao surgimento e o
gradual fortalecimento das tecnologias digitais e da internet no país.
Juventudes e Mídias
Gobbi (2012) defende que as pesquisas devem levar em conta a
diversidade da juventude, sem generalizações. "Defendemos que não há só
uma juventude, mas juventudes. Não um jovem, mas jovens" (GOBBI, 2012,
p.14). Sendo válido, assim, estudar os mais diversos aspectos desses grupos,
pensando neles como protagonistas sociais, em agrupamentos diversos, cada
um em uma determinada realidade. Os aspectos socioculturais são
importantes e devem ser considerados, principalmente em ambientes como
os latino-americanos.
Tapscott (2010) define a chamada Geração Y, Geração Internet ou
Geração Millenium (1977-1997), que seriam os jovens que puderam crescer
com a expansão das redes e dos dispositivos digitais. "Se você observar nos
últimos 20 anos, ficará claro que a mudança mais significativa que afetou a
juventude foi a ascensão do computador, da internet e de outras tecnologias
digitais. É por isso que chamo os jovens desse período de Geração Internet"
(TAPSCOTT, 2010, p.28).
72
Estatuto da Juventude (2013):
http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/ Ato2011-2014/2013/Lei/L12852.htm, acesso em
fevereiro 2015.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Os membros dessa geração tiveram acesso à rede em ritmos
variados, devido às diferenças sociais e geográficas existentes. Mas são eles a
'geração' que cresce com a ascensão e afirmação dessa mídia, da mesma
maneira que os boomers passaram aos poucos a utilizar a televisão, no século
XX. Comparando-se com as outras gerações, assimilam a tecnologia de
maneira muito mais rápida, pois cresceram junto com todo esse movimento,
mudando os padrões de consumo e criando culturas digitais, valorizando a
internet e mergulhando em redes sociais.
Ao crescerem, as crianças da 'Geração Internet' olhavam para os
computadores da mesma maneira que os 'baby boomers' olhavam para
uma tevê. Nós baby boomers não ficamos maravilhados com a tecnologia
ou nos perguntamos como a televisão transfere vídeo e áudio através do
ar, simplesmente assistimos ao que está na tela. A televisão é um fato da
vida. O mesmo aconteceu com a Geração Internet e os computadores. E,
à medida que a tecnologia evolui implacavelmente a cada mês, os jovens
simplesmente a absorvem, como se fossem melhorias na atmosfera
(TAPSCOTT, 2010, p.31)
O autor destaca a Geração Z, que nascem [nos EUA] a partir de 1998
e que tem verdadeiro domínio dos meios digitais. É a geração em que as redes
online são realidade. Eles crescem com a internet já sendo consolidada, e com
a considerável expansão das novas tecnologias da informação e
comunicação. Desde pequenos, tem brincado e interagido, principalmente
com dispositivos móveis, além de entender o funcionamento dos mais
diversos tipos de telas.
Muitos membros das duas últimas gerações veem o mundo online
como uma extensão clara do mundo real. Para eles, é natural que as relações
interpessoais sejam mediadas por essas tecnologias. Têm elevada capacidade
de assimilação, interação e convivência digital, revolucionando as relações
midiáticas contemporâneas (TAPSCOTT, 2010). Sem dúvida, todo esse
panorama muda até mesmo a forma com que interagem com a cultura ou
utilizam as mídias como lazer.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Trazendo as reflexões anteriores para a realidade brasileira, é
evidente que as datas propostas para as separações geracionais de Tapscott
(2010) nãocoincidem exatamente com a realidade brasileira. Da mesma
maneira, a velocidade com que as tecnologias analógicas [nas décadas
anteriores] e digitais [atualmente] ganharam espaço no país é diferente; visto
que as lógicas das regionalidades, de renda e de desenvolvimento econômico
apresentam características próprias do cenário latino-americano. De acordo
com a visão de Martín-Barbero (2008), embora possamos nos inspirar em
realidades externas (no caso, norte-americanas), a apropriação e a
transposição total de teorias não são adequadas, pois as próprias
organizações geracionais e as ideias de juventude são dotadas por outras
configurações na América Latina. Desta forma, serão observadas [sem
generalizações] os jovens de Bauru (SP) - que são brasileiros e latinoamericanos.
É válido ressaltar que o cenário atual mostra que as relações que esses
jovens atuais estabelecem com as mídias e com a própria recepção de bens
culturais é diferente da forma que seus pais e avós assimilavam. É nesse
cenário de múltiplas possibilidades, onde o real e o virtual parecem não ter
mais fronteiras, que se faz importante refletir um pouco mais sobre esses
contextos. Diferente das outras gerações, que observavam meios impressos,
radiofônicos e televisivos como espectador basicamente passivo, a nova
geração quer comentar, curtir, modificar, fazer uma releitura, divulgar e
interagir - mesmo que, às vezes, de maneira incipiente - com os criadores e
curadores dos conteúdos.
Resultados da Pesquisa Empírica
Iniciamos a reflexão buscando frequência/intensidade de uso dos
mais diversos aparatos midiáticos e mídias, dando liberdade para que os
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
respondentes selecionassem apenas dos cinco mais importantes73. Para isso,
as opções foram: 'várias vezes ao dia', 'diário', 'semanal', 'mensal' e
'raramente'. Vale frisar que, caso quisessem assinalar mais opções [por se
identificarem com mais itens], os resultados não seriam prejudicados, pois o
que analisamos foi a quantidade total de seleções em cada tipo de meio,
veículo e/ou mídia.
Os dados obtidos pelas questões iniciais foram interessantes, pois
houve um total predomínio das mídias digitais e da internet sobre todas as
outras mídias propostas. Embora a reflexão teórica e as impressões dos
pesquisadores já apontassem para uma participação efetiva das tecnologias e
mídias digitais, os resultados corroboraram o forte uso desse tipo de
plataformas e ambientes midiáticos.
As duas opções que tiveram mais destaque foram a internet e as
redes sociais. Outras opções foram: celulares, smartphones e aplicativos em
geral. As mídias analógicas tiveram pouquíssimo apelo, com destaque para a
televisão fechada, que, dentre elas, foi a mais citada. A televisão aberta
apareceu logo após, seguida de muito longe por jornais e revistas. Levando
em conta todo o público de 15 a 29 anos - e totalizando exatamente 250
respostas - 176 pessoas (81,9%) assinalaram a internet e afirmaram utilizá-la
várias vezes ao dia e outras 31 (14,4%) fazem uso diário. Dos que a
escolheram, apenas seis afirmaram usar semanalmente e duas, raramente.
Podemos observar que as posições que ficaram mais bem colocadas
também estão relacionadas ao mundo digital e à própria internet, sendo
indissociáveis, em muitas vezes. As redes sociais, com um altíssimo número
de escolhas, totalizaram 169 jovens (81,3%) com a alternativa "várias vezes
ao dia", 34 (16,3%) diariamente e cinco deles, semanalmente. É muito
importante ressaltar que absolutamente ninguém acabou escolhendo as
opções "mensal" e "raramente". Ainda, 156 entrevistados afirmaram utilizar
73
Detalhamento de todas as questões tá no Questionário Proposto "Perfil midiático-digital
do jovem de Bauru-SP (ANEXO 01).
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
o celular várias vezes ao dia. Pensando na mesma frequência de uso, outras
130 escolheram a opção smartphone e 114 aplicativos em geral.
Quanto às mídias ditas tradicionais, um fato curioso pode ser
notado. No perfil de jovens atingidos pela pesquisa, a televisão fechada, a
cabo ou via satélite, foi mais citada do que a própria televisão aberta. Em
relação à televisão fechada, houve uma notória distribuição entre as
alternativas de intensidade do uso. Tivemos um total de 156 respostas, mas
27 delas marcavam a opção "raramente". Apenas 28 (17,9% do total de
pessoas que assinalaram a opção) escolheram "várias vezes ao dia" e outras
57 (36,5%) fazem o uso diário. Na televisão aberta, a tendência de
distribuição também aconteceu, mas a quantidade de pessoas que
escolheram esta mídia foi ainda menor. São 142 respostas, mas 47 delas estão
na opção "raramente". Apenas 18 (12,7% dos que assinalaram a opção)
afirmam utilizar "várias vezes ao dia" e outras 42 (29,6%) fazem uso "diário".
Notamos, portanto, que proporcionalmente a televisão paga é mais
procurada que a própria TV aberta. Isso se fortalece, provavelmente, pela
maior demanda de conteúdos, maior segmentação e pela flexibilização da
programação com os conteúdos on-demand. Evidentemente, que o público
da pesquisa ser majoritariamente de classe média e o fato de existir diversas
opções de operadoras de TV fechada na cidade de Bauru também são fatores
decisivos neste contexto. As tabelas a seguir detalham as análises, nas faixas
etárias consideradas, buscando evidenciar possíveis diferenças ou
similaridades. Sendo assim, a Tabela 1 diz respeito às respostas dos mais
novos (que totalizaram 114 participações ao todo).
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Notamos que, assim como nas análises gerais, há uma surpreendente
predominância das mídias digitais. Os números são ainda mais enfáticos,
visto que nas opções internet e redes sociais, ninguém assinalou as
alternativas "mensal" e "raramente". Além disso, apenas 15 jovens dessa faixa
etária não escolheram a internet como prioridade e 20 deles não
selecionaram as redes sociais online. Interessante frisar que, diferentemente
da quantidade considerável que selecionou as opções celulares e
smartphones, o uso de tablets é muito baixo, visto que 21 utilizam raramente
e 73 não o consideram como prioritário (94 pessoas das 114 respostas dessa
faixa etária). Como veremos em outras tabelas, essa é uma tendência de todas
as faixas etárias.
Notamos que os fenômenos apontados até agora neste tópico são
todos confirmados pelo gráfico anterior. A grande maioria dos meios,
veículos ou mídias que tem uso diário estão relacionados às tecnologias
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
digitais e à internet. A imersão na lógica midiático-digital é nítida nestes
jovens e o enfraquecimento de mídias tradicionais como a televisão e o rádio
é perceptível, surgindo novos modelos de uso e consumo.
Dado que não pode ser desprezado é a pouca importância que as
mídias impressas têm para esse público. De um total de 114 respostas dessa
faixa etária, apenas uma afirmou fazer uso diário das revistas impressas e 13
uso semanal, enquanto 72 nem assinalaram essa opção. Os jornais impressos
e a opção "gibis e outros meios impressos" seguem exatamente a mesma
tendência, num evidente distanciamento desse grupo desta modalidade
midiática. Como curiosidade, podemos notar que os jornais e revistas online
são mais procurados que as publicações impressas de gênero semelhante.
Dois dados chamaram a atenção. Os blogs, embora com resultados
ainda tímidos, aparecem com apelo semelhante aos portais de notícia e aos
jornais online, mostrando-se uma nova fonte de informação e
entretenimento que tem ganhado espaço na rotina dos mais jovens. Além
disso, de forma marcante, os videogames não apareceram entre as mídias
mais utilizadas, justificado [nas questões abertas] pela expansão dos jogos
online, via dispositivos móveis e/ou computadores.
Dando sequência ao conjunto de análises proposto, buscando a
ampliação das reflexões e o entendimento sobre outro recorte etário, a Tabela
2 [a seguir] mostra os dados do público que tem entre 19 e 24 anos. A
quantidade total de respostas desta faixa etária é de 117, muito próximo do
número de respondentes mais novos (114) e, na análise dos dados,
percebemos que as diferenças são pouquíssimas entre ambas.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Assim como nos dados gerais, a quantidade de pessoas que deu
destaque à internet, às redes sociais, aos celulares, aos smartphones e aos
aplicativos é muito maior que os de qualquer outra mídia. Além disso,
observamos a baixa adesão aos tablets, a baixíssima procura por publicações
impressas e o pouco [quase irrisório] destaque dado ao rádio. Novamente, a
procura pela televisão fechada é sutilmente superior à aberta e fica nítido que
as mídias analógicas perdem força, mesmo neste recorte etário pouco mais
velho.
A televisão aberta, assim como nas idades anteriores, não é
lembrada por grande parte dos jovens entrevistados. Apenas nove dizem
consumi-la várias vezes ao dia e outras 19, o uso diário. Esse número é
consideravelmente menor que a quantidade de pessoas que assinalaram a
opção "meio não importante".
A procura por jornais online tem números mais modestos, mas a
busca por portais de notícia é bastante considerável. Dos 117 participantes
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
desse recorte etário, 64 citaram esses portais, sendo que 25 deles afirmam
utilizar várias vezes ao dia e outros 25, diariamente. Esses números são
superiores a todos os outros meios tradicionalmente noticiosos, tanto
impressos quanto online. Ampliando acaracterística vista entre os mais
novos, o uso de blogs também atinge um número considerável, com nítida
expansão em curso.
Existe uma tendência de os computadores portáteis (notebooks)
serem mais utilizados e mais citados que os computadores tradicionais
[também observada nos dados totais e nos resultados dos respondentes mais
novos]. Porém, a proporção e a frequência de uso dos dois tipos são maiores
no público de 19 a 24 anos, visto que mais pessoas assinalaram/escolheram74
estas opções, além da mais expressiva quantidade de jovens que apontaram
o uso várias vezes ao dia e diariamente.
No último recorte etário, faixa dos 25 a 29 anos, foram ao todo 19
respostas. Mesmo sendo uma quantidade bem menor de informações em
relação às demais idades, as mesmas tendências puderam ser constatadas. A
Tabela 3 evidenciam de maneira mais clara essas realidades.
74
Para fazermos essa afirmação, levamos em conta a diferença de 3 respostas existes entre as
duas faixas etárias.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Novamente, a tabela está em convergência com os dados totais e com
os recortes etários anteriores. As tecnologias digitais concentram os usos
mais frequentes e, sem dúvidas, se mostram as opções mais citadas. A
internet é a mais lembrada, pois 15 dos 19 entrevistados afirmam utilizá-la
várias vezes ao dia; seguida por redes sociais, aplicativos, celulares e
smartphones. Além disso, as mídias impressas e o rádio são pouco
lembrados. A TV não aparece entre os mais citados, existindo um equilíbrio
entre as televisões paga e aberta, com uma sutil vantagem para a primeira.
Analisando-se proporcionalmente, podemos observar uma
utilização maior dos computadores, portáteis e fixos, até mesmo se
comparado ao público de 19 a 24 anos. Os números de citações e a frequência
de uso se equilibram nas opções "celular" e "smartphone" pela primeira vez.
É evidente que isso pode ter influência da menor quantidade de respostas,
mas também pode ser entendido como uma maior necessidade de utilização
prática no dia-a-dia, no ambiente de trabalho ou para os estudos em geral.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Há uma forte tendência, que é reforçada em todas as faixas etárias,
de uso e consumo das tecnologias e mídias digitais. Sem dúvidas, estes
recursos estão totalmente inseridos na vida da grande maioria, em escalas e
de formas diferentes. Além disso, pudemos perceber que as mídias,
tradicionalmente dominantes em gerações anteriores, já não tem mais tanto
apelo em nenhum dos três recortes. O telefone fixo, definitivamente, já não
é prioridade. O mercado do impresso, o rádio e a própria televisão aberta não
estiveram entre os grandes destaques, tanto em número de citações quanto
em frequência de uso. Além disso, para os jovens aqui investigados, a
televisão fechada mostrou-se com números tímidos, mas em relativo
fortalecimento; visto que já superou os canais abertos.
Outras análises e Considerações Finais
Propusemos a pergunta aberta com a seguinte descrição: "Escolha
qual dos meios, veículos ou mídias citadas na questão acima você considera
mais importante. Cite apenas um deles". Optamos por distribuir esses
resultados por faixas etárias, para que fosse possível traçar as análises. O
Gráfico 1 mostra as tendências constatadas.
Gráfico 1 - Meios, veículos ou mídias mais importantes, por
faixa etária
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Os fenômenos observados no conjunto de questões anteriores são
reforçados pelos dados do Gráfico 1. Percebemos que, para todas as faixas
etárias analisadas, a internet é considerada a mídia mais importante. Esse
resultado evidencia que são valorizados a conectividade e seus diversos
possíveis usos. Novamente, notamos um grande domínio das mídias e
tecnologias digitais, devido à baixíssima quantidade de jovens que indicaram
mídias como televisão, jornais e revistas e ao fato de o rádio e outros meios
analógicos nem terem sido citados como mais importantes.
Os smartphones, celulares, computadores (móveis ou fixos) e as
redes sociais apareceram nas posições seguintes, com considerável número
de citações. De 15 a 18 anos, apenas cinco pessoas (de 114 - 4,7%) assinalaram
alternativas que não estivessem relacionadas às lógicas digitais e/ou à
internet. Tendência muito semelhante acontece na faixa etária de 19 a 24
anos, em que somente quatro respondentes (de 117 - 3,4%) fugiram desta
tendência, dois assinalando o jornal impresso e dois a televisão. E, por fim,
na faixa com menor quantidade de respostas, o fenômeno se repete. No
grupo de 25 a 29 anos, dos 19 participantes, apenas um selecionou a televisão
(5,2%) e os outros 18 apontaram alternativas ligadas aos aparelhos e mídias
digitais, representando 94,8% sobre o grupo.
Se por um lado a frequência de uso das mídias digitais é alta, o
gráfico anterior comprovou que a importância delas na vida dos jovens
participantes, de todos os recortes etários, também é muito marcante. Além
disso, algumas tendências observadas nas análises [por faixa etária] dos
gráficos de frequência de uso foram outra vez destacadas e valem ser
debatidas. Novamente, há uma maior valorização dos smartphones, celulares
e aplicativos na faixa mais nova (de 15 a 18 anos) e um maior destaque dado
aos computadores em geral, principalmente portáteis, pelos dois outros
grupos mais velhos.
Isso, para Tapscott (2010), pode estar relacionado ao fato de os
mais novos estarem sendo 'alfabetizados' digitalmente já na era dos mobiles
e terem menos contato com ambientes de trabalho que demandam o uso de
computadores. Já nas faixas mais velhas, embora haja grande apropriação de
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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celulares e smartphones, as demandas acadêmicas e empresariais exigem
maior interação com notebooks, netbooks e computadores diversos.
A questão seguinte tratou de entender se este público utiliza [ou
não] mais de um meio, veículo ou mídia ao mesmo tempo. Para isso,
propusemos apenas as opções 'sim' ou 'não'; pedindo, a seguir, para quem
respondeu de maneira afirmativa descrever quais são os aparatos midiáticos
que são utilizados simultaneamente. Os resultados foram surpreendentes. De
um total de 250respostas, tivemos 234 jovens (93,6%) que afirmaram fazer
uso simultâneo de aparatos midiáticos e apenas 16 (6,4%) que disseram não
ter este costume.
Nitidamente, o predomínio de participantes que utilizam vários
meios, veículos ou mídias ao mesmo tempo não é um fenômeno que se
mostrou diretamente relacionado com a faixa etária. Os dados indicam que
esta é uma tendência comportamental de uso e consumo dos três espaços de
idade analisados. Nesse sentido, Vilches (2001) ressalta que os jovens da
sociedade atual tendem a fazer várias atividades simultaneamente,
principalmente no que diz respeito ao consumo midiático e à utilização de
mídias e tecnologias digitais.
Essa visão é comprovada pelas respostas abertas da questão "Cite
quais meios de comunicação, veículos ou mídias que você mais utiliza de
forma simultânea". Reforçando esse perfil digital que temos observado nos
jovens aqui analisados, foi possível perceber que todos aqueles que
responderam 'sim' na questão anterior acabaram citando alguma mídia ou
tecnologia digital. As combinações se mostraram diversas.
Em uma descrição mais qualitativa, podemos apontar algumas
combinações mais recorrentes. São elas: entre a TV e os
celulares/smartphones (ou aplicativos como o Snapchat e Whatsapp); e entre
a TV e os usos diversos da internet e/ou computadores. Inclusive, nas três
faixas etárias, quase não houve referências a outras mídias analógicas e
impressas. Fato muito curioso é que, principalmente entre os jovens de 15 a
18 anos, alguns fizeram combinações entre aparatos digitais diferentes, como
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
"computador e Whatsapp", "celular e computador" ou ainda "smartphone e
internet".
É um momento oportuno para trazermos uma hipótese que se
fortaleceu ao longo das análises. Fica nítido que a utilização de aplicativos e
das redes sociais online para a interação interpessoal é extremamente forte,
sendo, talvez, uma das mais importantes utilizações simultâneas de mídia.
Percebemos que boa parte dos jovens que responderam à questão anterior
acabou falando de canais online de interação com os amigos, como o
Whatsapp, o Facebook e o Snapchat75. Tais discussões vão ao encontro do
que Tapscott (2010) e Palfrey e Gasser (2012) defendem, pois os autores
ressaltam a criação de canais de interação e de influência entre os mais
diversos tipos de jovens. Seria uma lógica de comunicação contínua entre os
pares, mediada por canais existentes na internet, nos mobiles e nas redes
sociais online.
A televisão, embora não apareça entre as principais mídias, em
outras respostas abertas pôde-se perceber que muitos jovens a utilizam como
"companhia" ou "plano de fundo" para diversas atividades digitais. Outra
discussão bastante interessante, baseada em Tapscott (2010), é a de que os
jovens, principalmente os mais novos, são tão habituados à realidade digital
que, dificilmente, conseguem observar que várias ações realizadas de seus
smartphones e celulares utilizam a internet para acontecer. Esse tipo de
confusão também acontece quando falamos das redes sociais online. Sendo
assim, durante todo questionário, foram pensadas cuidadosamente
estratégias para que os mais diversos meios, veículos e mídias digitais
75
Aplicativo com a finalidade de postagem e envoi de fotos espontâneas para amigos, familiares e
desconhecidos.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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estivessem presentes, satisfazendo às diversas necessidades dos respondentes
- e, claro, dos pesquisadores.
Referências:
GOBBI, Maria Cristina. Na trilha juvenil da mídia: Dos suplementos teen para as tecnologias digitais. São
Paulo: Cultura Acadêmica, 2012. 145 p.
GOBBI, Maria Cristina. Nativos Digitais na sociedade tecnológica: desafios para o século XXI. In: Revista
Argentina de Estudios de Juventud. pg. 1-10, fev. 2012.
GOBBI, Maria Cristina. Nativos Digitais: autores na sociedade tecnológica. In: GOBBI, Maria Cristina;
KERBAUY, Maria Teresa Miceli (Orgs). TV Digital: informação e conhecimento. São Paulo: Ed. Cultura
Acadêmica, 2010.
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. A mudança na percepção da juventude: sociabilidades, tecnicidades e
subjetividades entre os jovens. In: BORELLI, Silvia Helena Simões; FREIRE FILHO, João (Orgs.). Culturas
Juvenis no século XXI. 1. ed. São Paulo: Educ, 2008. p. 9-32.
TAPSCOTT, Don. A hora da geração digital: como os jovens que cresceram usando a internet estão
mudando tudo, das empresas aos governos. Rio de Janeiro: Agir, 2010.
TAPSCOTT, Don. Geração Digital: a crescente e irreversível ascensão da Geração Net. Tradução de Ruth
Gabriela Bahr. São Paulo: Makron Books, 1999.
VILCHES, Lorenzo. A migração digital. São Paulo: Ed. Loyola, 2001.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Apontamentos sobre jornalismo de dados e a
importância da transparência
Lucas Vieira de Araujo – UMESP
Introdução
A ampla difusão e disseminação das mídias digitais, aliada a fatores
como novas tecnologias, tem criado a impressão de que a comunicação
realizada por intermédio de máquinas vive um momento único. No caso do
jornalismo, percebe-se grande entusiasmo com a possibilidade de realizar
reportagens utilizando-se de programas que realizam prospecção e seleção
de dados e ainda ferramentas que prometem a integração entre dispositivos
móveis e fixos, como aplicativos. Esse novo instrumental é chamado,
mormente, de jornalismo de dados ou jornalismo digital, o qual seria uma
nova técnica de produção de notícias a partir da grande quantidade de
informação presente na rede de computadores, principalmente na internet
(GRAY et al, 2012; BARLOW, 2015).
É necessário, no entanto, pontuar que grande parte dessa euforia em
torno desse novo cenário trata-se de uma evolução advinda do uso e
dispersão intensiva da web além de outros fatores como o a infinidade de
dados presentes no universo virtual. Além de informações pessoais, gerada
muitas vezes por redes sociais, a internet congrega atualmente nomes e
números provenientes de órgãos governamentais, os quais são
extremamente valiosos para o jornalismo por serem de utilidade pública
(GRAY, 2011).
Muito além de uma novidade, o jornalismo de dados parece ser o
resultado de um conjunto de mudanças na sociedade, notadamente aquelas
voltadas à comunicação e a disponibilização de informação. Assim, este
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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artigo buscará compreender esse cenário a partir de fatos históricos recentes
que mostrem as relações e as intenções que cercam a tecnologia e os meios
de comunicação. Para isso, realizar-se-á uma discussão teórica, de cunho
epistemológico, da comunicação em rede e das bases do jornalismo. Além
das contribuições de autores brasileiros, este texto valer-se-á das proposições
de autores estrangeiros, como Tim Berners Lee, que como criador da web
lançou as bases que originaram empresas e iniciativas que mudaram a
comunicação no século XXI.
História e web 2.0
Quando o físico e cientista da computação britânico Tim BernersLee enviou uma carta em 1989 ao CERN, organização europeia para pesquisa
nuclear, ele propôs uma ferramenta que realizasse o gerenciamento de
informações. Embora não imaginasse naquela circunstância que a iniciativa
se tornaria a web de hoje, a preocupação maior naquele momento era evitar
a perda de dados relevantes ao longo do tempo. Situação que acometia o
próprio CERN e tantas outras instituições de pesquisa.
Para Berners-Lee, um novo sistema deveria possibilitar que novas
informações fossem atualizadas conforme as necessidades da organização, o
que seria possível se não houvesse limites ao fluxo de dados nessa rede.
Assim, ele usa pela primeira vez o termo web para referir-se à forma como
seriam estruturadas as notas postas no sistema, o qual também deveriam
conter links como referências. Destarte, continua o físico, essa estruturação
seria mais útil se fossem eliminadas hierarquias (BERNERS-LEE, 1989).
Malgrado ele não tenha se referido diretamente a isso, é provável que
recomendou a não criação de castas para que tudo ocorresse conforme as
necessidades dos usuários sem um controle direto sobre o fluxo de
informações. Prova disso é que quando refere-se à maneira como o próprio
CERN arquiva os dados ele faz uma analogia com árvores, pois os nomes são
armazenados de forma assíncrona a partir de nós. A proposição do cientista
da computação era alterar essa lógica: “era preciso um link a partir de, de e
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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para outro nó, porque neste caso a informação não seria, naturalmente,
organizada em uma árvore”76. (BERNERS-LEE, 1989, p. 7).
Berners-Lee argumentou, então, que o sistema de indexação por
palavras-chave, já em uso, não era a mais adequada porque nem sempre as
pessoas utilizavam os mesmos termos como referência. Assim, ele propôs um
ordenamento em forma de hipertexto.
A outra idéia, que é independente e em grande parte uma questão de
tecnologia e tempo, é de documentos multimídia que incluam gráficos,
voz e vídeo. Não vou discutir este último aspecto ainda mais aqui, embora
eu vou usar a palavra "Hipermídia" para indicar que não está vinculado ao
texto. Tem sido difícil de avaliar o efeito de um grande sistema hipermídia
em uma organização, porque muitas vezes esses sistemas nunca foram
usados em larga escala. Por esta razão, grandes quantidades de informação
devem ser acessíveis usando qualquer nova informação desse novo
sistema de gestão 77 (Ibid, p. 10).
Assim que terminou de explicar como funcionaria seu novo sistema
de armazenamento e disponibilização de informação, Berners-Lee elencou
diversos pré-requisitos necessários para a concretização da proposta. Entre
eles estavam: os sistemas existentes deveriam ser ligados entre si sem
necessidade de qualquer controle central ou coordenação; as bases de dados
existentes deveria ser acessadas em forma de hipertexto; o usuário seria capaz
de adicionar os próprios links e outros de informação pública ou ainda
guardar as ligações realizadas com outros usuários; e ainda haveria a
76
What was needed was a link from on e node to another, because in this case the information was not
naturally organised into a tree. (Tradução do autor)
77
The other idea, which is independent and largely a question of technology and time, is of multimedia
documents which include graphics, speech and video. I will not discuss this latter aspect further here,
although I will use the word "Hypermedia" to indicate that one is not bound to text. It has been difficult
to assess the effect of a large hypermedia system on an organisation, often because these systems never
had seriously large-scale use. For this reason, we require large amounts of existing information should be
accessible using any new information management system. (Tradução do autor)
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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possibilidade de gerar listas de pessoas ou dispositivos para outros fins, tais
como listas de discussão. (Ibid)
Todas essas características, portanto, foram gestadas desde o
nascimento da web como rede de compartilhamento e armazenamento de
informações. Isso contraria muitas ideias em torno das quais a web
desenvolveu-se ao longo de fases. Um dos precursores dessa proposição é o
norte-americano Tim O’Really, que em 2005 escreveu um artigo explicando
a origem da expressão e a razão pela qual ele acredita nela. Ele argumentou,
inicialmente, que o estouro da bolha de empresas pontocom em 2001 foi um
divisor de águas para o setor. Seguindo uma lógica evolucionista-capitalista,
O´Really disse que as companhias remanescentes foram as mais fortes e
preparadas, pois as mudanças estavam apenas começando.
Embora criticou no artigo algumas empresas de marketing que
estariam supostamente usando o termo web 2.0 de forma inapropriada,
O´Really apresentou uma lista daquilo que seria uma síntese daquilo que ele
acreditava ser a verdadeira web 2.0. Em linhas gerais, apresentou uma
determinada empresa, como a Enciclopedia Britânica on-line, e a sua
sucessora, a Wickipedia, ou uma prática, como a de fazer sites pessoais, e a
evolução, a criação de blogs. Apesar de não se limitar a isso, a lista é um
resumo daquilo que ele pensava sobre a mudança de fase na web (O'REILLY,
2005).
Um exemplo aleatório de como as proposições de O´Reilly
influenciaram diversos estudos pelo mundo sobre a web é o um artigo do
pesquisador Alex Primo, no qual ele discute o aspecto relacional na internet.
Citando O´Really, Primo afirma sobre a web 2.0:
Trata-se de um núcleo ao redor do qual gravitam princípios e práticas que
aproximam diversos sites que os seguem. Um desses princípios
fundamentais é trabalhar a Web como uma plataforma, isto é,
viabilizando funções online que antes só poderiam ser conduzidas por
programas instalados em um computador. Porém, mais do que o
aperfeiçoamento da “usabilidade”, o autor enfatiza o desenvolvimento do
que chama de “arquitetura de participação”: o sistema informático
incorpora recursos de interconexão e compartilhamento (2007, p. 2)
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Não obstante o caso do pesquisador brasileiro não ilustre de forma
científica o quanto o termo web 2.0 tenha se difundido, ele ilustra uma
realidade que pode ser corroborada em partes pela ferramenta Google
Ngram Viever. Criada em 2010, o programa indexa palavras ou frases curtas,
a partir de uma contagem anual, encontradas em fontes impressas do
período de 1800 a 2012 em diversas línguas, como inglês, francês e até chinês
(WICKIPEDIA, 2015). Uma pesquisa realizada neste instrumental com a
palavra web 2.0 releva fatos interessantes e desvela mitos.
O primeiro, é que o termo web 2.0 foi usado pela primeira vez em
1967, logo, o argumento de O´Really de que o termo foi criado em uma
reunião entre duas empresas no início do século XXI não procede. O
segundo, é que de 1977 a 1982 a palavra web 2.0 foi mais usada do que no
início do ano 2000. De acordo com os cálculos do visualizador, o termo
aparece em 0,0000000180% dos livros indexados naquele intervalo, ao passo
que 0,0000000022% em 2002. Isso pode explicar porque O´Really acreditou
que cunhou a expressão, pois ela pode ter caído em desuso até que
novamente se tornasse recorrente.
O terceiro fato que chama atenção a partir da análise dos números
do Google Ngram é a forte ascenção do termo web 2.0 a partir de 2005. Neste
ano o visualizador marcou a presença do termo em 0,0000010242%. Já em
2008, prazo máximo indexado pela ferramenta, foi de 0,0000017891%. Alta
significativa, apesar do crescimento de 2003 a 2005 também ter sido digno
de anotação. Esses números, portanto, endossam o entendimento deste
artigo de que jargões mercadológicos reforçam o coro acadêmico. Ademais,
salientam ainda que muitas palavras não foram criadas por quem as
imaginou ter feito e tampouco dizem respeito àquilo que aparentam.
Ainda tratando do caso do artigo publicado pelo pesquisador
brasileiro, percebe-se que as características elencadas por Primo, a partir das
propostas de O´Really, são basicamente as mesmas sugeridas por BernersLee quando pensou como a web poderia ser, mormente a participação de
diversos agentes que se conectariam e compartilhariam informações, o que o
britânico chamou de heterogeneidade, links privados e não-centralização.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Assim, quem lançou as bases da web têm muito mais propriedade para
elencar características dela do que outros que a conheceram enquanto
usuário ou empresa. Desse modo, urge salientar a importância de cientistas
como Berners-Lee para a discussão em torno do futuro da web como forma
de evitar infortúnios de avaliação.
Inclusive, o próprio Berners-Lee em 2006 assinou um artigo com
outros pesquisadores nos quais defende a tese que a web está em processo de
evolução: “o desenvolvimento da Web seguiu um caminho evolutivo, o que
sugere uma visão da Web em termos ecológicos”78 (BERNERS-LEE et al,
2006: 770). Ao contrário do que possa parecer a partir de uma análise
sorrateira, a alcunha ecológica usada pelos cientistas em relação à web não
diz respeito a uma suposta seleção natural das melhores empresas do setor.
Para os autores do artigo a ecologia da rede de computadores diz respeito a
uma evolução realizada ao longo dos anos por humanos, os quais
contribuíram para que a web mudasse por meio das contribuições de cada
um. Exatamente em consonância com os princípios elencados por BernersLee como pré-requisitos para a concretização do novo sistema em 1989.
O´Really, assim como muitas pessoas que avaliam a web, a observam
a partir dos exemplos de empresas que se firmaram utilizando-se das
ferramentas que a web disponibiliza. Uma visão um tanto quanto superficial
caso o observador paute-se não pelas funcionalidades disponíveis, mas pelos
pressupostos sobre os quais foi criada a web. Ou seja, é importante uma
avaliação que não seja realizada a partir da visão de usuário da tecnologia,
mas daqueles que manejam o sistema. Assim, certamente será possível
visualizar aspectos relevantes que tradicionalmente não são do
conhecimento da maioria.
Exemplo disso são as críticas feitas pelo próprio Tim Berners-Lee a
determinadas companhias. A partir de uma discussão em torno das
78
The development of the Web has followed an evolutionary path, suggesting a view of the Web in
ecological terms. (Tradução do autor)
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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potencialidades da web, eles dizem que é preciso haver ampla colaboração
entre áreas interdisciplinares a fim que seja possível resolver problemas que
há algum tempo impedem a melhora da web. Um deles é o desenvolvimento
de uma web semântica, a qual traria resultados de busca mais precisos e
completos caso fossem encontradas soluções para entreveros matemáticos e
estratísticos.
O desafio de engenharia é permitir que os sistemas de dados
desenvolvidos de forma independente sejam ligados entre si sem a
necessidade de um acordo global quanto a termos e conceitos. Os métodos
estatísticos, que servem para o dimensionamento de recursos de
linguagem em tarefas de busca, e os cálculos de dados, que são utilizados
na ampliação consultas de dados, são em grande parte baseadas em
suposições incompatíveis, e unificá-los será um grande desafio79
(BERNERS-LEE et al, 2006: 770)
Parte do imbróglio em comento poderia ser resolvido, no
entendimento de Berners-Lee e demais autores do artigo, caso muitas
empresas abandonassem a prática recorrente de não disponibilizar os dados
dos usuários participantes, o que contraria não apenas os primórdios da web,
mas a mentalidade de existência de uma web 2.0 cujas virtudes seriam, dentre
outras, a ampla colaboração e compartilhamento de informações. O fato dos
cientistas lamentarem o enclausuramento de informações que poderiam
contribuir para uma web, de fato, mais aberta, é prova de que os usuários e
os principais entusiastas do atual modelo existente de web e de suas fases de
aperfeiçomento precisam rever essa mentalidade.
Cientes de que essa situação dificilmente será alterada em virtude dos
interesses comerciais das grandes companhias que obtém e armazenam
79
The engineering challenge is to allow independently developed data systems to be connected together
without requiring global agreement as to terms and concepts. The statistical methods that serve for the
scaling of language resources in search tasks and the data calculi that are used in scaling database queries
are largely based on incompatible assumptions, and unifying these will be a major challenge. (Tradução
do autor)
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dados dos usuários, os pesquisadores propõem desafios matemáticos de
modelagem de dados e ainda uma discussão acerca do controle e acesso dos
dados compartilhados na web. Aliás, os autores acreditam que: “a escala, a
topologia, e o poder dos sistemas de informação descentralizadas, como a
Web, também representam um conjunto único de desafios sociais, públicos
e políticos”80 (BERNERS-LEE et al, 2006: 770).
História, dados e jornalismo
Assim como é preciso reavaliar visões segundo as quais a web é
formada por fases, as quais são marcadas pela introdução de novas
ferramentas e informações, totalmente abertas e disponíveias ao usuário,
geradas pelas grandes empresas do setor, também é importante ponderar a
incorporação do uso de dados no jornalismo e as implicações disso para a
área. Da mesma maneira como a ampla difusão e disseminação de
informações, números e nomes incitam as pessoas a criarem novos termos
para a web pode estar ocorrendo algo similar com o nome jornalismo de
dados.
Segundo Barboza (2007), base de dados é um termo cunhado na
década de 1960 por norte-americanos que buscavam soluções para resolver
problemas de arquivo. Com os passar dos anos esses sistemas ampliaram-se
e ganharam escala à medida que máquinas computadoras passaram a utilizálas para guardar informação. Não por acaso, base de dados se tornou
repositório de informações armazenadas em computadores.
Antes, porém, de avançar na discussão em torno do uso de dados, é
importante refletir sobre seu significado. Para James Gleick, dado e bit são
praticamente sinôminos. Bit foi cunhado, segundo o jornalista, por Claude
Shannon ao criar a Teoria Matemática da Comunicação. Quando estudava
as unidades de medida para determinar a quantidade de informação que
80
The scale, topology, and power of decentralized information systems such as the Web also pose a
unique set of social and publicpolicy challenges. (Tradução do autor)
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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existia em uma mensagem, Shannon teria criado o nome para referir-se a
dígitos binários. Sendo estes, a menor quantidade possível de informação
existente em uma mensagem emitida por um humano ou uma máquina
(GLEICK, 2013).
Já Abbagnano pressupõe:
O uso filosófico estabelece dois conceitos diferentes da noção de dado: 1ª
o dado é o ponto de partida da análise, isto é, a situação de que se parte
para resolver um problema ou as assunções ou os antecedentes de uma
inferência ou de um discurso qualquer; 2ª o dado é o ponto de chegada da
busca porque é o que se obtém quando se retiram do campo de indagação
preconceitos, opiniões ou superestruturas falsificadoras, permitindo que
se mostre e manifeste a realidade enquanto tal (2007: 231)
Para efeito desse artigo utilizar-se-á o primeiro conceito estabelecido
por Abbaganano, o qual parte do entedimento do dado ponto de partida da
análise, somado às colocações de Lima Júnior: “dado é conceituado como
sendo o dado binário, que é processado e armazenado por máquinas
computacionais” (2012: 210). Decidiu-se pela conceituação a partir de duas
proposições por acreditar-se que o dado neste artigo sempre será aquele
advindo de computadores, sendo que o dado será o princípio pelo qual o
jornalista buscará informações que sirvam de elemento para a criação da
notícia, matéria-prima do jornalismo.
Além de conceituar dados, é válido também fazê-lo em relação ao
termo jornalismo de dados. Uma das raras bibliografias sobre o tema, o livro
Manual de Jornalismo de Dados coloca de forma prosaica a definição da
palavra: “Eu poderia responder, simplesmente, que é um jornalismo feito
com dados. Mas isso não ajuda muito” (GRAY et al, 2012: 8). Diante da
escasses de informação, a obra acrescenta que dado não é apenas número,
mas tudo que pode ser descrito em forma numérica no mundo digital, como
uma fotografia, um vídeo ou um áudio. Ainda de forma bastante simplista,
os autores do livro argumentam que o grande diferencial “talvez sejam as
novas possibilidades que se abrem quando se combina o tradicional ‘faro
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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jornalístico’ e a habilidade de contar uma história envolvente com a escala e
o alcance absolutos da informação digital agora disponível” (Ibid).
Isto é, jornalismo de dados poderia ser sintetizado, nos ditames do
Manual, como uma narrativa jornalística baseada em grande volume de
informação digital. Por não ser o objeto desse texto, não se adentrará na
discussão sobre as diferenças que cercam dado, informação e notícia, pois
cada um deles tem sua peculiaridade e explicá-los retiraria a possibilidade de
uma discussão relativamente elaborada sobre os objetivos desse texto. De
qualquer maneira, é importante salientar esses aspectos porque existem
diferenças significativas entre eles.
O livro Manual de Jornalismo de Dados não é exceção quanto à
dificuldade em definir o que é jornalismo de dados. A obra Ferramentas
digitais para jornalistas (2010), que figura entre as escassas contribuições
para a área, não faz qualquer menção ao que seria jornalismo de dados.
Embora esteja nítida a preocupação em destacar instrumentais para a
realização de reportagens a partir de dados coletados na web, lamenta-se não
haver nenhuma definição da nova técnica que o livro almeja apresentar.
Quem faz uma discussão relativa sobre jornalismo de dados são
jornalistas europeus, principalmente britânicos, como Jonathan Gray e Paul
Bradshaw. Este último, em 2010, escreveu um artigo intitulado How to be a
data journalist no qual assume um papel pedagógico para explicar o que seria
apropriado os profissionais da área fazerem para praticarem a nova técnica.
Antes de dar dicas que considera importantes, Bradshaw faz alguns
apontamentos:
Jornalismo de dados é enorme. Eu não quero dizer 'enorme' como na
moda - embora se tenha tornado que nos últimos meses - mas 'enorme'
como em 'incompreensivelmente enorme'. Ela representa a convergência
de um número de campos que são significativos em seu próprio direito a partir de pesquisa investigativa e estatística para design e programação.
A idéia de combinar as habilidades de contar histórias importantes é
poderosa - mas também intimidante (BRADSHAW, 2010).
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O jornalista e professor da City University in London diz também
que existem diferentes formas de fazer jornalismo de dados, as quais fariam
partes de um quebra-cabeças. A primeira delas seria encontrar os dados, o
que poderia ser feito por meio de sistemas de gerenciamento de banco de
dados como MySQL ou por linguagens de programação como Python.
Bradshaw recomenda que o jornalista tenha conhecimento especializado
para realizar certas tarefas.
A segunda parte do quebra-cabeça seria criar compreender os dados,
o que Bradshaw chama alegoricamente de interrogatório. Ele sugere noções
de estatística para compreensão de planilhas, material básico neste novo
setor do jornalismo baseado em números e outras informações compiladas
em forma não-textual. A terceira seria criar maneiras adequadas de mostrar
os dados ao leitores, no caso de um veículo de comunicação impresso ou pela
internet. O professor diz que essa atribuição mormente recai sobre
programadores e designers, no entanto é preciso que jornalistas adentrem
essa seara. A quarta e última seria criar uma compreensão dos dados, o que
Bradshaw chama de Mashing dados. Para tanto, o jornalista recomenda o uso
de ferramentas como ManyEyes ou Yahoo Pipes (BRADSHAW, 2010).
A partir dessas exortações, Bradshaw lembra que o jornalismo de
dados deve partir sempre de elementos bá sicos do próprio jornalismo, como
o de contar histórias, porém, no caso específico do jornalismo de dados,
procurar fazê-lo por intermédio de números. Outra obordagem sugerida é
de começar a reportagem sempre a partir de uma pergunta, a qual seria
respondida ao longo da daquela. Todos esses aspectos são classificados como
importantes por manuais e outras obras que se valem do jornalismo, o que
demonstra o caráter pioneiro do trabalho de Bradshaw.
Contudo, uma das principais contribuições do professor e de outros
jornalistas ao tratar de jornalismo de dados tenha sido outra. Eles tocam em
um aspecto muito mais relevante que sugestões de como iniciar uma notícia.
O professor comenta uma preocupação de vários setores da sociedade
britânica pela disponibilização de dados por parte de fontes governamentais,
o que no entendimento dele e de diversos setores da sociedade civil
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organizada é imprescindível para o exercício do bom jornalismo
(BRADSHAW, 2010).
Embora Bradshaw não afirme, existem muitos entes preocupados
em forçar fontes governamentais e não-governamentais a divulgar dados e
outras informações públicas necessárias ao exercício da cidadadia. Jonathan
Gray, um dos jornalistas que trabalhou na elaboração do livro Manual de
Jornalismo de Dados, o qual foi traduzido para diversas línguas, como o
português, posteriormente, recorda que em 2006 o jornal The Guardian
lançou uma campanha para que as entidades públicas tornem os dados
abertos. Nesta mesma reportagem de 2006, Gray afirma que Tim BernersLee e outros cientistas endossaram a proposta por acreditarem na
importância dela para o desenvolvimento da web (GRAY, 2011).
Gray salienta que em pouco mais de meia década, desde o início do
século XXI, prefeituras, Banco Mundial, Comissão Europeia e tantas outras
instituições supranacioais aderiram à proposição de serem mais
transparentes. No entanto, o jornalista afirma que ainda exitem muitos
desafios a serem superados.
No início deste ano houve relatos de que Data.gov terá seu financiamento
cortado. No Reino Unido, há preocupações de que o ameaçadoramente
intitulado "Public Data Corporation" pode significar que uma quantidade
crescente de dados seja bloqueada e vendida para aqueles que podem dar
ao luxo de pagar por isso. E na maioria dos países ao redor do mundo a
maioria dos documentos e conjuntos de dados ainda é publicado em
condições legais ambíguas ou restritivas, que inibem a reutilização. Cortes
de gastos do setor público e medidas de austeridade em muitos países vão
tornar ainda mais difícil para os dados abertos tornarem-se prioridades
(GRAY, 2011).
No caso brasileiro, a afirmação de Gray torna-se factível de variados
modos. Pelo aspecto positivo, há a criação e promulgação da Lei 12.527 em
18 de novembro de 2011, chamada de lei de acesso à informação. Nos
ditames do caput da legislação, fica estabelecido:
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Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no
inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal;
altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111,
de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de
1991; e dá outras providências (BRASIL, 2011).
Na prática, a legislação obrigou os entes públicos das diversas esferas,
quais sejam, municipais, estaduais e federais, a dvulgarem informações até
então inacessíveis à popuação, como o gasto com os vencimentos de
servidores. A medida também forçou empresas públicas, fundações,
autarquias e outras instiuições vinculadas ao setor governamental a publicar
suas normas, realizar consultas públicas virtuais e demais atos
administrativos até então inalcançaveis à população, o que representou
grande avanço em relação ao panoramo anterior.
No entanto, o aspecto negativo disso, conforme vaticinado por Gray,
é o fato de que a lei de acesso à informação é constantemente vilipendiada
pelas entidades e órgãos que deveriam zelar por ela. Seja por omissão,
negligência ou sob o argumento difuso de confidencial, o cidadão, veículos
de comunicação ou qualquer outro ente que busque determinadas
informações não terá o seu direto respeitado (LEALI, 2015; GONZALES,
2015).
Isso significa que para o jornalismo de dados ser realizado de forma
satisfatória é preciso, inicialmente, uma disponibilização de informações na
web, pois a prática se concretiza a medida que profissionais dispõem-se a
coletar dados, selecioná-los, criar uma visualização adequada para ele e
disponibilizá-lo da maneira mais adequada possível de acordo com o público
consumidor de notícia.
Não é o jornalista que cria a informação, ele a coleta e transforma-a
em reportagem por meio de recursos textuais, audiovisuais, inforgráficos ou
outras. Logo, a matéria-prima do profissão de jornalista continua sendo a
mesma desde os primórdios. O que está mudando é a forma como ela é
disponibilizada e, no caso específico do jornalismo de dados, o leque de
opções tecnológicas usadas para ter acesso a elas e criação de novas
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
narrativas, já que esta nova técnica requer um repertório específico de
conhecimento de informática e técnicas corretalatas.
Considerações finais
Muito se fala sobre o futuro do jornalismo a partir das constantes
mudanças tecnológicas. Mais que exercício de predição, o jornalismo de
dados representa, de fato, uma nova possibilidade do profissional de
imprensa realizar o seu trabalho. Em um momento em que se questiona a
necessidade de humanos para produzir uma notícia, haja vista as máquinas
que já estão a fazê-las, é irônico constatar as diversas possibilidades que se
aventam para os seres humanos jornalistas a partir de computadores e
programas, pois o jornalismo de dados se realiza a partir do trabalho
conjunto de robôs e pessoas. Ademais, nota-se que o jornalismo de dados
abre novas possibilidades ao exercício da profissão, mas não representa uma
total ruptura com os padrões convencionais.
É preciso, no entanto, certa moderação com previsões mais
acaloradas, como a possibilidade do jornalista libertar-se das amarras dos
meios de comunicação porque ele poderia se autofinanciar por meio de
crowdfunding e dedicar-se apenas a reportagens especiais e investigativas.
Por mais que isso seja, realmente, uma possibilidade, urge, primeiramente,
uma reflexão e ações concretas para exigir dos poderes públicos e até mesmo
de empresas privadas e organizações do terceiro setor maior transparência
em suas atitudes, pois essa é a condição sine qua non para um jornalismo de
qualidade.
Não é por acaso, desse modo, que a principal reivindicação dos
precursores da web, como Tim Berners-Lee, e dos profissionais que lançaram
as bases do jornalismo de dados tem sido a disponibilização dos dados dos
usuários. Critica-se, e com razão, as grandes corporações que não divulgam
esses dados, no entanto, também é preciso manter-se vigilante em relação aos
governos e às entidades supranacionais, que muitas vezes tengiversiam nesse
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
aspecto. Apenas dessa forma o jornalismo de dados poderá realizar prestar
um bom serviço à sociedade, tal qual preconizam suas premissas.
Referências
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BARBOZA, Suzana. Jornalismo digital em base de dados (JDBD): um paradigma para produtos
jornalísticos digitais dinâmicos. 319 f.. Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de
Comunicação, 2007.
BARLOW, Mike. Data Visualization: A New Language for Storytelling. Sebastopol: O’Reilly Media Inc,
2015.
BERNERS-LEE, Tim. Information Management: A Proposal. History, v. 198, n. 9, 1989. Disponível em:
http://www.w3.org/History/1989/proposal.html. Acesso em 24 de setembro de 2015.
BERNERS-LEE, Tim et al. Creating a Science of the Web. Science, v. 313, n. 5788, p. 769-771, 2006.
BRADSHAW, Paul. How to be a data journalist. The Guardian. 1 out. 2010. Disponível em:
http://www.theguardian.com/news/datablog/2010/oct/01/data-journalism-how-to-guide. Acesso em: 1
de agosto de 2015.
BRASIL. Lei 12.527, 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII
do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no
8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no
8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em: 12 de setembro de
2015.
CRUCIANELLI, Sandra. Ferramentas Digitais para jornalistas. Austin: University of Texas, 2010.
GONZALES. Amélia. Pesquisa revela que Lei de Informação não é respeitada em obras para as
Olimpíadas. G1. 6 jul 2015. Disponível em: http://g1.globo.com/natureza/blog/nova-eticasocial/post/pesquisa-revela-que-lei-da-informacao-nao-e-respeitada-em-obras-para-olimpiadas.html.
Acesso em: 20 de setembro de 2015.
GLEICK, James. A informação: uma história, uma teoria, uma enxurrada. São Paulo: Companhia das
Letras, 2013.
GRAY, Jonathan. The future of open data? The Guardian. 11 out. 2011. Disponível em:
http://www.theguardian.com/news/datablog/2011/oct/11/open-government-data-camp-2011-free-ourdata?newsfeed=true. Acesso em 25 de setembro de 2015.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
GRAY, Jonathan et al. Manual de jornalismo de dados. Março, 2012. Disponível em:
http://datajournalismhandbook.org/pt/index.html. Acesso em: 27 ago 2015.
LEALI, Francisco. Lei de acesso é desrespeitada por órgãos do governo. O Globo. 10 mai 2015. Disponível
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Acesso em: 21 de setembro de 2015.
LIMA JÚNIOR, Walter Teixeira. “Big Data, Jornalismo Computacional e Data Journalism: estrutura,
pensamento e prática profissional na Web dados”. Estudos em Comunicação, nº 12, p. 207-222, dez. 2012.
O'REILLY, Tim. What is web 2.0. 30 de setembro de 2005. Disponível em:
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PRIMO, Alex. O aspecto relacional das interações na Web 2.0. In: E-Compós (Brasília), v. 9, p. 1-21, 2007.
WICKIPEDIA. Google Ngram Viever. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/N-gram. Acesso em:
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Narrativas audiovisuais na reportagem digital:
informar, interagir e reter a atenção
Liliane de Lucena Ito - UNESP
Introdução
A reportagem se transformou e evoluiu com o passar do tempo. O
berço desse gênero jornalístico caracterizado por textos aprofundados,
apurados e, por vezes, literários, foi a Europa no século XIX. Por tradição, o
jornalismo europeu sempre foi menos factual e mais autoral, interpretativo
e, em alguns casos, até mesmo opinativo. Nos Estados Unidos, já na primeira
metade do século XX, surgem autores como John Reed, capazes de publicar
histórias imersivas, longas, em edições seriadas. No Brasil, em 1902, Euclides
da Cunha, então correspondente do jornal O Estado de S. Paulo, escreve Os
Sertões, sobre a Guerra de Canudos. Durante a Segunda Guerra, com a
grande quantidade de jornalistas enviados ao front, surgem narrativas
jornalísticas aprofundadas, autorais e humanizadas, capazes de revelar ao
mundo os horrores dos conflitos. Já na década de 60, floresce o new
jornalism, gênero em que a escrita é muito próxima da literatura, com
conteúdo de não ficção. (BELO, 2006).
Desde o seu surgimento, esse tipo específico de se fazer jornalismo
vem sendo publicado em diferentes meios de comunicação. Na versão
impressa, ganha notoriedade com um público amplificado, no caso dos
jornais diários. Já em relação às revistas, direciona-se a um leitor de perfil
segmentado, ávido por grandes histórias e imagens fotográficas impactantes.
Nos livros, oferece expansão narrativa com grande profundidade e riqueza
de dados. E, atualmente, com o meio internet e o avanço e a popularização
da tecnologia digital, a reportagem ganha novas nuances, como a
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
interatividade e a multimidialidade, podendo, inclusive, se reinventar em um
novo subgênero jornalístico.
Com projetos pontuais ou em série, a grande reportagem digital vem
se legitimando. Suas raízes estão no impresso, mas há avanços consideráveis
nas possibilidades de apresentação das informações. Longhi (2014) nomeia
publicações como Snow Fall, do The New York Times, e A Batalha de Belo
Monte (entre outros) como grande reportagem multimídia, gênero
caracterizado por conteúdo imersivo e long form, munido de recursos
multimídia, interativos e por hipertextualidade. Snow Fall e A Batalha de
Belo Monte podem ser consideradas expoentes que sinalizam um ponto de
virada no jornalismo digital, cujo início, cerca de dezesseis anos atrás, fora
marcado por tentativas de se veicular conteúdo multimídia e interativo, mas
que, somente a partir de 2012, com o surgimento do HTML5, outros avanços
técnicos e a extensão de banda larga, realmente se estabelece. A grande
reportagem multimídia representa, para o jornalismo digital, um grande
ganho de qualidade editorial em relação aos formatos digitais jornalísticos
anteriores, como a webnotícia, no geral fragmentados, em que o
aprofundamento não se dá no texto em si, mas em seus links para outros
textos, além de não haver uma exploração satisfatória dos recursos
possibilitados pela web.
Canavilhas (2014) e Renó (2014) oferecem distinções conceituais
que podem especificar de maneira ainda mais adequada esse novo gênero
jornalístico. Os autores acrescentam a noção de transmidialidade, quando as
narrativas extrapolam linguagens e plataformas em conteúdos produzidos
com a intenção de expandir o texto-base, sem, entretanto, que esses
conteúdos sejam obrigatórios para o entendimento do enredo ou da
narrativa. “Transmídia é uma linguagem contemporânea e social construída
por vários conteúdos através de diferentes mídias com significados
independentes, mas coletivamente oferecendo um novo significado” (RENÓ,
2014, p. 5).
Aplicada ao jornalismo, Canavilhas aponta que a transmidialidade
possui características-chave, como a interatividade, a hipertextualidade, a
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
multimidialidade integrada (em que o conteúdo visual ou sonoro, por
exemplo, é usado de maneira a confirmar, destacar ou ilustrar uma
determinada situação) e a contextualização, que se refere também à
necessidade de adaptação do conteúdo aos hábitos de leitura do usuário em
diferentes contextos, principalmente móveis.
O conceito de transmídia poderia, então, ser aplicado à grande
reportagem digital quando, além de multimídia, não é somente por esta
característica definida. Assim, produções que incluem materiais multimídia
que podem ser vistos ou ouvidos sem a necessidade de se consumir todo o
texto – sem perda de significado – são transmidiáticos, podendo, inclusive,
configurarem-se como reportagens jornalísticas, um dos formatos em que a
transmidialidade possui grande aderência:
Os gêneros jornalísticos verdadeiramente adaptados à narrativa
transmídia são os gêneros nativos do jornalismo na Web (newsgames e
infográficos multimídia interativos), mas sobretudo a grande reportagem,
um gênero transversal a todas as mídias. (CANAVILHAS, 2014, p. 64).
No Brasil, um dos veículos que mais têm apostado em reportagens
do tipo é a Folha de S. Paulo, cujo marco inicial foi a cobertura sobre Belo
Monte, publicada no site da Folha em 2013. O material, com cinco capítulos,
contém uma gama considerável de recursos multimídia com potencial
transmidiático, como infográficos animados, galeria de imagens, vídeos e,
inclusive, um videojogo. A Batalha de Belo Monte demandou quase dez
meses para ser produzida e envolveu, de forma direta ou indireta, o trabalho
de 15 jornalistas, além de designers, infografistas e profissionais que
trabalham com o audiovisual.
Esse tipo de narrativa parece atingir, hoje, uma certa maturidade, já
que vem utilizando as características de cada meio – televisão, rádio,
impresso – de forma adaptada à internet, agora legitimamente produzida
para ser veiculada on-line e acessada via dispositivos móveis. O audiovisual,
por sua vez, tem papel de suma importância nas reportagens digitais, seja
expandindo informações, como também entretendo ou ilustrando algo que
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
está descrito no texto. Os vídeos possuem grande potencial transmidiático,
uma vez que podem sintetizar a informação, além de serem facilmente
compartilhados e propagados on-line.
O conteúdo em vídeo, hoje, tem o papel de protagonista na internet.
Segundo dados da Comscore, em 2012, o Brasil já era o sétimo maior
mercado de consumo de vídeo on-line no mundo, com audiência de 43
milhões de espectadores únicos em dezembro daquele ano81. Relatório da
mesma agência, em 2015, aponta que, em relação à América Latina, “os
brasileiros passam 3 horas a mais assistindo a vídeos on-line do que os outros
países da região” (BANKS, 2015, p. 13). A popularidade do audiovisual na
web pode ter várias causas, entre elas, a de que o audiovisual é a linguagem
mais próxima da humana, natural. “ [...] o audiovisual é linguagem. Uma
linguagem que se aproxima da natural, onde existem recursos de áudio e de
vídeo, além de diversos enquadramentos”, afirma Renó (2011).
No presente artigo, é proposta uma análise do papel do audiovisual
na reportagem digital, cujo objeto é a série TAB, apresentada a seguir. Partese da hipótese de que, por se tratar de um material com potencial
transmidiático, os vídeos desempenham funções que vão além do simples
reforço do que está sendo descrito no texto, já que, além de trazerem dados
novos, são produzidos a fim de promover a interação e a reter a atenção do
usuário que consome a reportagem.
1. Reportagem digital em série – o TAB
Em outubro de 2014, o portal Uol, quinto maior em audiência web
no Brasil (e pertencente ao Grupo Folha, que edita a Folha de S. Paulo)
passou a publicar a série de reportagens TAB. Com veiculação semanal, TAB
traz textos que abordam questões contemporâneas, muitas vezes
81
Disponível em: < http://www.comscore.com/por/Imprensa-e-eventos/Press-Releases/2013/2/AAudiencia-de-Videos-Online-no-Brasil-Alcanca-43-Milhoes-de-Espectadores-Unicos>. Acesso em 2
fev. 2016.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
controversas e provocativas, em caráter imersivo e interpretativo. Todas as
edições, sem exceção, fazem uso de recursos multimídia, além de
interatividade.
As reportagens do TAB são veiculadas às segundas, com grande
destaque na home do portal. Segunda-feira é o dia de maior acesso ao site 82,
o que consequentemente garante um alcance maior desse conteúdo pelos
usuários, algo que, por outro lado, é utilizado como índice de valor para a
indústria publicitária que, no caso de sites da internet, se baseia em números
de acessos. O produto segue um modelo de negócio diferente do restante do
conteúdo jornalístico produzido pelo Uol, uma vez que é abertamente
patrocinado por outras empresas e marcas. A publicidade, por sua vez, é fixa,
sendo que apenas uma marca patrocina cada edição, aparecendo em
momentos específicos e estratégicos83, mas sem contribuição ou inserção no
conteúdo jornalístico em si.
Em relação ao visual, o layout do TAB é planejado conforme a
temática da pauta, como acontece nos suplementos especiais de jornais ou
em revistas segmentadas. A paginação é verticalizada, não sendo, assim,
disposta em capítulos (como ocorre com A Batalha de Belo Monte). Por
conta disso, faz uso do efeito parallax scrolling, que é o movimento de
elementos – como ilustrações – conforme a leitura avança e a tela é rolada
para baixo. Essa técnica de webdesign torna a leitura de um texto long form
menos cansativa e mais dinâmica, assemelhando-se ao efeito em três
dimensões, algo natural ao olho humano.
Os elementos inovadores de apresentação de conteúdo, como se
pode concluir, requerem novas habilidades dos jornalistas, além da inclusão
de especialistas de outras áreas, como programadores, na redação.
“Atualmente, quem desejar explorar ao máximo o potencial comunicativo da
82
Disponível em < http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2014/10/13/uol-lanca-o-tabnovo-projeto-editorial-interativo.htm>. Acesso em fevereiro de 2015.
83
A publicidade aparece logo no início da reportagem, quando o usuário precisa obrigatoriamente
assistir a um vídeo de 5 segundos para acessar o conteúdo, e um pouco antes do final da mesma, em que
outro vídeo surge, mas sem a obrigatoriedade de ser assistido.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
internet necessita contar com excelentes dotes de escritor e com grandes
aptidões para a narrativa gráfica e audiovisual” (SALAVERRÍA, 2014, p. 33).
Já Renó (2014) afirma que vivemos o momento das narrativas
transmidiáticas, que possuem um espaço privilegiado hoje. Para isso, o
jornalista deve ser interdisciplinar e multiplataforma.
2. O audiovisual no TAB: informar, interagir e reter a atenção
A edição selecionada para análise é a de número 4, publicada em
novembro de 2014. Intitulada “Todo Mundo Mente”, a reportagem tem
como tema a mentira. O texto possui mais de duas mil e trezentas palavras.
O tema é abordado de forma interativa, com a presença de testes, enquetes,
frases prontas para compartilhamento no Facebook e Twitter, além dos
vídeos em questão, analisados neste artigo.
Defende-se que os vídeos exercem funções específicas: entreter e
reter a atenção, uma vez que os audiovisuais devem ser assistidos por
completo para que se compreenda toda a mensagem, pois os momentos
finais de exibição são imprescindíveis e reveladores; informar, por trataremse de vídeos que apresentam informações novas, não tratadas no texto; e, por
fim, os audiovisuais exercem a função de estimular a interação do usuário,
uma vez que é este quem direciona a narrativa ao responder a um
questionamento.
Os vídeos possuem sentido próprio e, por conta disso, podem ser
compartilhados em outros ambientes digitais sem que seja necessário o
acompanhamento do texto da matéria; por outro lado, em alguns casos
(como será mostrado nos três primeiros vídeos), é necessário assisti-los antes
de partir para o texto. A seguir, são elencadas e analisadas as três funções dos
audiovisuais da edição escolhida para investigação.
2.1 Informação
A primeira série de vídeos disposta na reportagem é posicionada
após um grande bloco de texto. Os três vídeos não são citados no texto que
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
os antecede, bem como não são vídeos que ilustram algum tipo de situação
ou personagem descrito no texto anteriormente. Entretanto, são
fundamentais para o entendimento do texto que os acompanha, cujo
primeiro parágrafo se inicia com o trecho:
Assista a pelo menos um dos vídeos ao lado antes de ler o texto. Assim, é
mais fácil perceber como o cérebro engana nossa percepção do mundo
chamado de real. Nós não vemos o que está ali, mas sim o que nosso
cérebro quer que vejamos. A mesma coisa acontece com nossos outros
sentidos. Não vemos a realidade para viver melhor. (FERREIRA, 2014, online)
Os três vídeos referem-se a ilusões provocadas pelo funcionamento
do cérebro. O primeiro mostra como não conseguimos distinguir detalhes ao
olhar uma foto de ponta-cabeça (Efeito Tatcher) e tem 36 segundos. Na
imagem, um rosto é apresentado de ponta-cabeça e depois, rotacionado para
a posição normal, evidenciando a ilusão de ótica que está sendo descrita via
áudio. Tal vídeo foi reproduzido, separadamente da reportagem, na página
oficial do TAB do Facebook e foi o post mais repassado em oito meses de
acompanhamento da página, com 447 compartilhamentos no total (ITO,
2015, p. 11). Uma das hipóteses para que isso ocorra é o formato do vídeo –
objetivo, curto – aliado à natureza curiosa da informação que apresenta: a
capacidade de nosso cérebro nos enganar e construir o que está sendo visto.
Figuras 1 e 2. Capturas de tela mostram o Efeito Tatcher
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
O segundo vídeo, de 57 segundos, mostra a diferenciação que o
cérebro faz quando estamos vendo uma pessoa falar determinadas sílabas e
quando estamos apenas ouvindo o que é dito, sem visualizar. Já o terceiro, de
38 segundos, também é uma ilusão de ótica que apresenta, sem narração,
uma maquete de papel que engana o cérebro.
Após assistir aos vídeos, destacam-se os pontos abaixo que são
abordados apenas nos mesmos, ou seja, sem serem descritos no restante do
texto:
Tabela 1. Informações novas presentes nos vídeos
Vídeo 1:
1. A imagem que se vê pode parecer
real, mas não é;
2. Isso ocorre por conta de uma
ilusão de ótica denominada Efeito
Tatcher;
3. O nome Tatcher vem do fato de
que uma pesquisa científica, feita
nos anos 80, descobriu essa
particularidade ao realizar um
experimento que invertia fotos de
Margareth Tatcher.
Vídeo 2:
4. Quando se vê alguém pronunciar a
sílaba “ba”, sozinha, o que se
escuta é “da”;
5. Isso não ocorre quando a imagem
some – então, se escuta o som
correto: “ba”;
6. Esse efeito acontece com as sílabas
“ba” e “ga”, pois são sons muito
semelhantes e o cérebro integra as
pistas visuais;
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
Vídeo 3:
2016
7. Trata-se do Efeito McGurk, que
induz a pessoa a achar que ouve
um som, quando na verdade, ouve
outro.
8. Uma estrutura de papel que
aparenta ter um centro no alto e
quatro caminhos com descidas, na
verdade, engana o olhar e faz com
que as esferas de borracha subam
ao invés de descer, contrariando a
gravidade;
9. Entretanto, trata-se de mais uma
ilusão de ótica, uma vez que, ao ser
mostrada a estrutura por
completo, pode-se visualizar que o
centro, na verdade, está abaixo dos
caminhos e, por conta disso (e da
gravidade) as
bolinhas
se
encontram no centro.
A intenção dos vídeos é claramente explorar o que não pode ser
totalmente explicado via texto. As imagens, neste caso, falam por si e são
essenciais para o argumento do primeiro parágrafo citado anteriormente
(que diz ser preciso assistir aos vídeos antes de ler).
Os vídeos carregam um teor informativo importante, pois
acrescentam novos dados, que são experienciados pelo usuário ao serem
assistidos. Tal informação não seria apresentada de maneira completa em
uma reportagem impressa, pois o movimento e o som do audiovisual
tornam-se essenciais para a compreensão. Destacam-se, então,
particularidades inéditas da reportagem, agora digital: unir texto
aprofundado ao audiovisual. A interatividade, por sua vez, complementa o
caráter inovador desse gênero jornalístico.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
2.2 Interação
Já em relação à interatividade, os próximos vídeos trazem elementos
que estimulam a interação do leitor. Posicionado logo abaixo do trecho que
traz os vídeos acima analisados, está um painel interativo com situações que
convidam o usuário a escolher, como se vê na figura 3:
Figura 3. Painel interativo
Cada uma das quatro situações referem-se a cenas que mostram
possibilidades variadas de opção que o usuário pode fazer. A partir da
alternativa escolhida, surge na tela um vídeo curto, com no máximo 52
segundos. Após assisti-lo, o usuário é convidado a responder à pergunta: “O
que você faria?”, que leva a três desdobramentos possíveis. Assim,
dependendo do direcionamento inicial do usuário, é possível escolher entre
as seguintes frases:
Tabela 2. Desdobramentos possíveis da narrativa audiovisual
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
Homem Mente Para Outro /
Mulher Descobrir a Mentira
Finge que não percebeu a mentira
Diz que o outro está mentindo
Arma um barraco
2016
Mulher Mente Para Outro/
Homem Descobrir a Mentira
Diz que não viu papel nenhum
Nervosa, demonstra surpresa
Tenta ganhar tempo
Após a escolha, é mostrado o desfecho da cena. Quando a encenação
termina, surge a imagem de um consultor, psicólogo da Universidade de São
Paulo, cuja função é explicar as decisões tomadas pelos personagens,
fundamentando o porquê de acontecerem, bem como mostrando possíveis
sinais corporais que indicariam que a pessoa está mentindo.
Figuras 4 a 7. Narrativa audiovisual interativa do TAB
2.3 Reter a atenção
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Há também outros vídeos na edição que, além de promoverem a
participação do usuário, possuem a capacidade de reter a atenção do mesmo,
uma vez que são mais longos e precisam ser vistos até o fim para que sejam
totalmente compreendidos. Aqui, é importante reforçar a defesa de que
todos os vídeos são informativos, no sentido de acrescentarem novos dados
à reportagem, e, alguns deles, são também interativos, uma vez que
necessitam da participação do usuário para que os desdobramentos sejam
exibidos.
A sequência de vídeos a seguir é mais longa e o título instiga a
observar atentamente o que é mostrado, como numa investigação informal,
a fim de se adiantar um desfecho. No título e linha fina, estão as seguintes
frases:
Quem conta um conto...
Agora que você já sabe reconhecer sinais da mentira e expressões
verdadeiras, tente adivinhar se as histórias contadas realmente
aconteceram
O conteúdo é o depoimento de seis pessoas que, olhando
diretamente para a câmera e sem nenhum tipo de cenário, corte ou fundo
musical, relatam situações supostamente vivenciadas por elas. No caso desses
vídeos, que são vistos em sequência (sendo impossível assistir ao da última
pessoa antes de todos os outros, por exemplo), o tempo de duração pode
chegar a 2 minutos e 23 segundos para cada primeira parte da história. A
narrativa é dividida em duas partes: na inicial, cada pessoa conta a situação
pela qual supostamente passou e, ao fim, surge um box interativo com a
seguinte pergunta: “Esse vídeo é... Verdade ou Mentira?”. O usuário, ao optar
clicar em uma das respostas, assiste à segunda parte do vídeo em que a pessoa
que contou a história revela ser verdade ou não.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Em seguida, surge o próximo personagem a contar a história, como
num quizz audiovisual que entretêm e retêm a atenção do usuário. A duração
total dos vídeos, quando assistidos em sequência, é de acima de 10 minutos.
Figura 8. Audiovisual retém a atenção
Reitera-se que os vídeos podem ser pensados como testes para o
usuário. São posicionados abaixo de uma galeria de microvídeos que mostra
imagens em movimento de expressões faciais verdadeiras. O fato de essa
galeria servir para que o usuário identifique expressões como alegria, medo,
nojo, entre outras, antes de assistir às seis histórias contadas pelos
personagens (figura 8), funciona como um preparo para o quizz. Assim, o
audiovisual exige atenção do usuário quando é sugerido que deve-se
decodificar sinais particulares capazes de revelar mentiras.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Figuras 9 e 10. Imagens da galeria "A Cara da Verdade", que antecede os vídeos quizz
Reter a atenção é, para o Uol, uma forma de diferenciar suas
produções jornalísticas – em sua maioria webnotícias padrão, com textos
médios e curtos, permeados por hipertextos e, no geral, com pouco
aprofundamento na própria notícia, confiando na arquitetura hipertextual
para a ligação entre outros conteúdos. Tal fórmula é amplamente utilizada
nos periódicos do mundo inteiro desde meados dos anos 2000 e algumas de
suas principais particularidades, como a fragmentação hipertextual, o
parágrafo de gancho, os links documentais, a datação exaustiva e o títulolink, foram apontadas por Salaverría (2005) como características do gênero
notícia nos cibermeios.
Daniel Tozzi, editor do TAB, defende que o interesse comercial da
publicação vai além da quantidade de cliques (pageviews) do site. Um dos
objetivos é mesmo reter a atenção do usuário em formatos imersivos,
criativos e interativos. O editor afirma que “normalmente, as pesquisas
indicam que o internauta gasta 40 segundos numa notícia. A gente tem
conseguido com que o nosso leitor fique, em média, quatro minutos” 84.
O modelo de negócio do TAB, apesar de oferecer conteúdo
diferenciado para os anunciantes, parece centrar-se nos valores de
monitoramento da audiência e na geração de dados oriundos das ações dos
visitantes ao site. Jenkins, Green e Ford (2014), denominam esse tipo de valor
84
Informação dada em palestra de Daniel Tozzi na Fapcom (Faculdade Paulus de Comunicação)
ocorrida em abril de 2015. O título da apresentação de Tozzi foi: “Chegou a hora de trocar o clique pela
atenção – a experiência do projeto UOL TAB na web e o papel da publicidade nas narrativas digitais”.
Disponível em:< http://www.fapcom.edu.br/blog/jornalismo-e-publicidade-existe-liberdade-paracriacao-editorial-na-web.html>. Acesso em 11 fev. 2016.
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como sendo baseado no conceito de aderência, a primeira forma de se aferir
sucesso no comércio on-line e que é, ainda hoje, majoritariamente adotada
pelas empresas na web.
Essa noção de aderência lembra de perto o modelo de “impressões” que
formatou a mensuração de audiências para conteúdo transmitido [...].
Aplicando esse conceito ao design de um website, as empresas esperam
obter aderência colocando material num local facilmente mensurável e
avaliando quantas pessoas o visualizam, quantas vezes é visualizado e por
quanto tempo os visitantes o visualizam. (JENKINS; GREEN; FORD,
2014, p. 27)
Uma característica observada reforça o modelo de negócio baseado na ideia
de aderência: no TAB, mesmo que o material audiovisual tenha potencial
transmidiático, não é colocado, em nenhum dos vídeos da edição aqui
analisada, o link de compartilhamento nas redes sociais. Assim, é valorizada
a centralização do conteúdo, a quantidade de acessos e tempo de
permanência na página, algo que, em consequência, garante ao Uol controle
maior sobre os números de audiência.
A possibilidade de compartilhamento é oferecida em apenas dois
momentos, posicionados no final da reportagem: pode-se compartilhar todo
o material ou frases em redes sociais (figura 11). Neste último caso, os
próprios usuários podem enviar as frases, via e-mail ou Whatsapp e, depois
de selecionadas, as mesmas vão para o mural interativo, como é mostrado
abaixo:
Figura 11. Captura de tela de painel interativo transmidiático
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A ausência do estímulo ao compartilhamento de outras partes da
reportagem (como vídeos ou testes) deixa claro que, apesar do potencial
transmidiático, esta edição em específico o faz apenas no painel acima
mostrado. Entretanto, apenas com essa constatação, não é possível
categorizar o TAB como um produto transmidiático ou não, uma vez que
seriam necessárias análises mais aprofundadas e voltadas a essa pergunta de
pesquisa, algo que foge do escopo traçado para o artigo em questão. Aqui, é
possível apenas relacionar a potencialidade transmídia (que na edição
analisada se resume à potencialidade) ao modelo de negócio adotado, que
segue o conceito de aderência.
Considerações finais
A reportagem multimídia tem como característica marcante o uso do
audiovisual. Neste artigo, foi selecionada uma edição do TAB a fim de se
observar e compreender quais funções estariam embutidas no uso de vídeos
que permeiam a narrativa, complementando-a e enriquecendo-a. Pode-se
concluir que o audiovisual não apenas estende a reportagem, como também
exerce o papel de oferecer novas informações, independentes do texto
escrito, com potencial para serem consumidas em contextos e plataformas
diferentes. Além disso, os vídeos funcionam como elemento que estimula a
interatividade do usuário – diferencial importante do gênero jornalístico em
questão – ao mesmo tempo em que possuem a capacidade de reter a atenção
de quem está atrás da tela do computador, requisito essencial num momento
histórico em que a atenção torna-se um valor de mercado.
A proposta do TAB parece ser oferecer conteúdo aprofundado em formato
criativo e original, como já foi revelado por seus idealizadores, entretanto, a
estratégia comunicacional pode ir além disso, incluindo o objetivo de induzir
o usuário a permanecer por mais tempo no site ao consumir a informação.
Esse tempo pode ser gasto ao ler, assistir, ouvir, jogar, interagir,
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compartilhar. Ações estas que ocorrem em momentos separados ou
simultâneos.
Tal modelo de apresentação jornalística difere do grosso que é
publicado pelo Uol, tanto em sua rotina produtiva quanto em relação ao
formato de conteúdo. Assim, se em uma notícia padrão, o vídeo integra o
texto com objetivo e forma determinados, não se pode dizer o mesmo no
caso da reportagem digital, multimídia, imersiva e de potencial
transmidiático. Por conta disso, análises como esta buscam compreender
significados e intencionalidades por trás de elementos já corriqueiros no
jornalismo digital, como é o caso do audiovisual, que ganham agora novos
contornos e funcionalidades em tais produções midiáticas diferenciadas.
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Participação, deliberação online e internet: o
potencial do VotenaWeb
Lucas Arantes Zanetti - UNESP
Caroline Kraus Luvizotto - UNESP
Introdução
A dinâmica social contemporânea encontra-se tracionada pela
participação dos sujeitos em movimentos e projetos político-sociais que
configuram-se em fontes de inovação e matrizes geradoras de saberes de
caráter democrático e cidadão, justificando a realização de análises que
privilegiem o foco sobre as redes de articulações e de comunicação
estabelecidas pelos sujeitos em sua prática cotidiana.
O estudo de tais redes torna-se, assim, essencial para se aproximar
da compreensão de fatores que contribuem para desencadear aprendizagens
e o surgimento ou a intensificação de valores de cultura política no processo
de interação.
Muitas ações de caráter político-social se fortaleceram e se
potencializaram a medida em que a internet deu suporte a elas, utilizando
sua arquitetura em rede para disseminar informação e promover a discussão
coletiva. A partir das ferramentas online foi possível propor e organizar ações
e ampliar os canais de participação. Pereira (2011, p.16) explica que o
potencial da internet concentra-se em "atingir indivíduos que, a princípio
sem vinculações políticas às instituições clássicas de organização da
sociedade civil, estejam dispostos, desde que sejam "devidamente"
convencidos, a participar de ações específicas de protesto, cybernéticas ou
não, que tenham alguma identidade com seus interesses e percepções de
mundo". Devemos destacar aqui que este engajamento ou vinculação baseia- 384 -
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se fundamentalmente na liberdade do militante "não formal de se envolver
quando quiser e onde quiser, sem os altos custos da participação formal".
Diversos questionamentos surgem diante do uso crescente da
internet como mecanismo de apoio a participação política e social e a
deliberação on-line: qual será o impacto da internet sobre a vida política das
sociedades contemporâneas? Como ela afetará a representação e a
participação da sociedade civil nos contextos políticos em nosso país?
A partir destas indagações e com o intuito de compreender como as
ferramentas da internet contribuem para esse novo cenário de participação
política no Brasil, identificamos um website caracterizado por ser um canal
de participação de cidadãos em questões governamentais, objetivando
fortalecer a luta pela cidadania e justiça social: o VotenaWeb.
O VotenaWeb é um website criado em novembro de 2009 para
tornar público projetos de lei do Congresso Nacional do Brasil, onde o
cidadão pode conhecer os projetos por meio de um breve resumo e votar,
simbolicamente, se concorda ou não com as proposições dos parlamentares.
Só poderão votar usuários registrados
O site foi desenvolvido por uma empresa que tem como foco o
emprego de tecnologias digitais para a criação de canais de participação de
cidadãos em instituições, privadas ou governamentais, chamada Webcitizen.
Uma das principais características do site é o fato de que os projetos de lei do
Congresso Nacional são traduzidos para uma linguagem mais simples e
objetiva, permitindo que os usuários acompanhem as discussões da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal.
O resultado da votação, Sim ou Não, pelos usuários, é visualizado em
gráficos. Além disso, é possível que os internautas comparem seus votos
entre si e com os dos deputados e senadores. Os projetos são lidos por
analistas, que produzem um sumário e um resumo de cada um deles. São
então abertos à votação por parte dos usuários e atualizados com os votos
dos deputados e senadores tão logo passem pelas casas do Congresso.
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A partir do exemplo do VotenaWeb é possível refletir sobre a
utilização da internet para a criação, organização e disseminação da
participação político-social e deliberação on-line no Brasil.
Conceitos de participação e participação online
A palavra participação vem do latim "participatio.onis" e quer dizer
a ação ou efeito de fazer parte de alguma coisa. Para Bordenave (1983, p. 23)
''participação é fazer parte, tomar parte ou ter parte''. Para ele, de nada
adianta ''fazer parte'' sem ''tomar parte'', como, por exemplo, alguém que faz
parte de um grupo mas não toma parte das decisões de um grupo. A
participação está ligada à atividade e ao engajamento. A participação seria
inata ao ser humano devido às suas necessidades criativa e racional e a
democracia seria um estado da participação (BORDENAVE, 1983).
Dentro de uma sociedade, existem diversas formar de exercer
participação. A participação política acontece quando a sociedade como um
todo toma parte da construção das leis e do papel do estado:
O princípio da soberania do povo significa que todo o poder político é
deduzido do poder comunicativo dos cidadãos. O exercício do poder
político orienta-se e se legitima pelas leis que os cidadãos criam para si
mesmos numa formação da opinião e da vontade estruturada
discursivamente. Quando se considera essa prática como um processo
destinado a resolver problemas, descobre-se que ela deve a sua força
legitimadora a um processo democrático destinado a garantir um
tratamento racional de questões políticas (HABERMAS, 2003, p. 213).
Dessa forma, entende-se que participação acontece de maneira mais
efetiva em locais onde não há centralização de poder, de maneira a evitar o
despotismo que a maioria impõe às minorias quando não leva em conta as
realidades regionais. A participação política puramente eleitoral, sem
identificação e sem informação pode levar à manipulação das massas e se
mascarar, é como ''fazer parte'' sem ''tomar parte''. Quando a participação é
feita com identificação e consciência, sendo exercida em questões que
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realmente afetam diretamente o indivíduo, ele tende a ''tomar parte'' e ela se
torna efetiva (BORDENAVE, 1983).
Bonavides faz uma relação direta entre a democracia e a participação
dos cidadadãos:
O substantivo da democracia é, portanto, a participação. Quem diz
democracia diz, do mesmo passo, máxima presença de povo no governo,
porque, sem participação popular, democracia é quimera, é utopia, é
ilusão, é retórica, é promessa sem arrimo na realidade, sem raiz na
história, sem sentido na doutrina, sem conteúdo nas leis. (BONAVIDES,
2003, p. 283).
É possível notar que as gerações atuais optam por exercer seus
direitos expressivos por meio da internet. A web 2.0 serve de grande atrativo
para a articulação dos movimentos sociais, pois nela é possível a interação
coletiva por intermédio de comunidades formadas em torno de interesses
específicos, dar apoio a causas, além de discutir temas individuais ou temas
de relevância coletiva, levando assim a opinião pública a reflexão e
disseminar informações políticas e sociais (VALENTE; MATAR, 2007).
Segundo seus criadores, a internet é uma mídia que agrega todos as
outras e permite a interação entre seus usuários, independente de sua
localização geográfica (INTERNET SOCIETY, 2003). Assim, as formas de
comunicação e consumo de informação começam a se modificar, deixando
de ser unilaterais -marcados pelos meios de comunicação de massa - e
passam a possibilitar participação um pouco mais democrática. Devido à
interatividade, com a criação das redes sociais e blogs, a internet proporciona
a todos seus usuários capacidade de produzir informação, ao invés de
somente consumi-la. Ou seja, o internauta pode expressar livremente a
posição, opinião e relato que achar conveniente, sem precisar passar por
edição de uma linha editorial e de jornalistas como acontece no espaço
reservado ao leitor das revistas e jornais, ou uma entrevista na TV e no rádio.
Além disso, é objetiva e rápida. O usuário pode escolher consumir
aquilo que lhe convém com apenas poucos cliques, tornando-se
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independente do que as grandes mídias tradicionais querem passar,
deixando de ser um consumidor passivo. Hoje, há uma nova fonte de
informação, que é muito difícil de se manipular, pois é livre.
No entanto, é importante ressaltar que a internet possibilita um
espaço que não necessariamente será utilizado por seus usuários. Ela permite
um ambiente que congrega em si diferentes ferramentas e formas de
conteúdo que podem ou não serem utilizadas para a participação política e
para o fortalecimento da democracia.
Conceitos de deliberação e deliberação online
O conceito de deliberação passou por modificações de acordo com o
tempo e possui interpretações distintas de autores de grande renome nas
ciências sociais e políticas. Duas grandes linhas se separam e destoam ao
tentar definir o que é deliberação e sua relação com a democracia: a linha
decisionística, pensada por Rousseau, Weber, Schumpeter, Rawls e a linha
argumentativa, pensada por Habermas, Cohen e Bohman. (AVRITZER,
2000)
A linha decisionística de deliberação privilegia o ato da decisão do
processo deliberativo e desvaloriza o poder da argumentação. A linha
argumentativa, pelo contrário, valoriza o aspecto do debate e da participação
dos indivíduos no processo.
Weber e Shumpeter são os principais autores da linha decisionística.
Avritzer sintetiza a linha contrária ao debate público em dois pontos
principais:
O primeiro desses elementos seria o ceticismo em relação a debates
envolvendo culturas distintas; o segundo seria a percepção de que a
complexidade administrativa seria contraditória tanto com a participação
quanto com a deliberação (AVRITZER, 2000, p. 28).
Shumpeter vai além em sua ideia anti-argumentativa. Ele reforça a
ideia decisionística por meio da ''rejeição das formas públicas de discussão e
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argumentação e a identificação das práticas decisórias com o processo de
escolha dos governantes'' (AVRITZER, 2000, p.30). No entanto, o
representante não precisa representar, necessariamente, a opinião de seu
eleitor. A partir de eleito, o governante deve ter poder de decisão sem
depender de seu eleitorado, exercendo o poder de líder, cabendo as pessoas
apenas elegê-lo.
Habermas é o autor responsável por reintroduzir o papel
argumentativo da deliberação. Para o autor, a deliberação é o "ato
intersubjetivo de comunicação e argumentação, cujo o objetivo é alcançar
um consenso sobre a solução para determinado problema social"
(HABERMAS 1997, p. 305).
Para Habermas, ao contrário dos autores decisionísticos, o simples
instrumento do voto não é suficiente para legitimar a democracia. Isso fica
claro no princípio (d) estabelecido por ele. Avritzer propõe analisar este
princípio sob a perspectiva da legitimidade na política. Este princípio não
considera um confrontamento entre vontades da maioria e minoria, mas sim
''uma discussão racional entre indivíduos racionais'' de modo que ''não é
suficientemente legítimo dizer a minoria que ela possui menos votos, é
preciso chegar a uma posição no debate político que a satisfaça'' (AVRITZER,
2000).
Assim sendo, Habermas defende a formação de uma esfera criada
pelo Estado voltada para argumentação e e debate: a esfera pública. A esfera
pública é um espaço de interação entre os indivíduos, que debatem tendo em
vista a construção e a manifestação de uma opinião pública, que pressupõe a
participação da sociedade civil na decisão política (LOSEKANN, 2009;
SAMPAIO, BARROS, MORAES, 2012).
Segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia de 2015, 51% dos brasileiros
afirmam não usar a internet, sendo que 91% dos que utilizam afirmam que
nunca expressaram opiniões em fóruns ou consultas públicas em sites
relacionados ao governo e 92% nunca participaram de enquetes relacionadas
ao governo. Contudo, se em 2014, 26% afirmavam utilizar a internet todos
os dias, em apenas um ano este número saltou para 37%. O número de
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pessoas tente a crescer de acordo com a classe socioeconômica e quanto
menor for a idade, sendo a região centro-sul a que mais utiliza a rede.
(BRASIL, 2014).
Desses dados podemos concluir que os jovens tem uma
familiaridade maior com a internet e seu uso tende a um maior crescimento
de acordo com o tempo, de forma que em um ano o número de usuários teve
um avanço considerável. No entanto, o meio virtual está sendo pouco
utilizado para espaço de debate e deliberação entre os brasileiros, mas é
importante ressaltar que a esfera pública não se restringe a órgãos públicos e
esta forma de debate pode ocorres em outros espaços, como as redes sociais.
Alguns dos pressupostos para a deliberação como a pluralidade, o
respeito mútuo, a equidade e a inclusividade (HABERMAS, 1997; COHEN,
1989; BOHMANN, 1996) ainda não são abrangidos se levarmos em conta a
desigualdade atual entre os usuários do meio. No entanto esse cenário tende
a se mudar em pouco tempo, visto que todos os indicadores relacionados à
internet estão em crescente melhora.
O dado que mais chama a atenção é que o que mostra que aqueles
que utilizam a internet não a estão usando como esfera pública, ou seja, os
atores sociais não estão utilizando as ferramentas da Web para deliberação
pública. A participação, conceito crucial para a democracia deliberativa, não
está acontecendo. Barros e Sampaio defendem que a tecnologia por si só não
são capazes de promover o engajamento civil. Para os autores:
Trata-se de uma sobrecarga de exigências às quais a internet isoladamente,
como um meio tecnológico provedor de novas ferramentas, não tem
demonstrado capacidade de atender. As esperanças depositadas na
participação civil mais direta, orientadas pelas novas possibilidades
técnicas, não podem ser desvinculadas de ações de estímulo ao
engajamento cidadão. A tecnologia, de qualquer forma, não tem
condições de reduzir a apatia política por si só, uma vez que quem não se
sente inclinado a atuar politicamente simplesmente não o faz
independente de qualquer tecnologia (BARROS; SAMPAIO, 2011, p.93).
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Mesmo assim, é preciso considerar que a internet é um fenômeno
relativamente recente e que apesar das defasagens que possui "nunca
cidadãos comuns produziram tanto conteúdo comunicacional, inclusive de
caráter político, como ocorreu a partir do advento da comunicação em redes
digitai distribuídas" (SILVEIRA, 2009, p. 81-82).
Se considerarmos o que diz Maia, percebemos que a internet ainda
não está sendo capaz de fornecer aos atores sociais uma politização em maior
nível.
''A aquisição de habilidades políticas e deliberativas também está
relacionada com a frequência das conversações políticas, com a extensão das
redes de discussão e com a heterogeneidade dos participantes'' (MAIA, 2008,
p.87).
Salter (2004) vai criticar as análises otimistas da internet defendendo
que que a ''internet não é capaz de nada sem pessoas fazendo algo com ela''
(p. 2004). Com essa afirmação, Salter trata a internet como ferramenta, de
modo que, mesmo com enorme potencial deliberativo e democrático, sua
forma de utilização depende dos seus usuários. Ela poderá ser utilizada como
esfera pública apenas se as instituições, organizações, coletivos e indivíduos
assim desejarem. (SAMPAIO; BARROS, 2011).
Características da Web 2.0
Criada durante a década de 70, o que nós conhecemos atualmente
como internet nasceu durante a Guerra Fria como uma plataforma simples
de troca de mensagens para manter a comunicação entre as bases militares.
Hoje a internet é uma estrutura capaz de facilitar a propagação de informação
e colaboração mundial independentemente da localização geográfica
(ALMEIDA, 2005). Com a expansão de usuários on-line, consequentemente
as demandas por melhorias aumentarem e em 2004, a empresa O'Reilly's
Media e CMP lançaram uma conferência que mostrava para onde as
inovações dessa nova internet apontava. Essa nova era on-line foi chamada
de Web 2.0.
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Web 2.0 é um conjunto de tendências econômicas, sociais e
tecnológicas que coletivamente formam a base para a próxima geração da
Internet - a médio mais maduro, distintivo caracterizado pela participação
do usuário, abertura e efeitos de rede (MUSSER, O'REILLYS, 2007, p. 5).
A segunda geração da plataforma de serviços on-line foi criada para
potencializar os recursos e ferramentas que já não eram suficientes na web
1.0. Suas principais características são a expansão das formas de publicação,
compartilhamento e interação entre os participantes desse meio. Dentro
desse contexto de melhoramento e das ferramentas da web que surgem
grandes repercussões sociais (PRIMO, 2007).
Para O'Reillys (2005), os limites funcionais da web 2.0 não podem
ser demarcados pois ela por si só é apenas um núcleo que ao redor estão os
princípios e práticas que aproximam vários sites que os acompanham. Um
desses princípios é utilizar a Web como uma plataforma, isto é, tornar online as funções que antes só poderiam ser feitas por programas específicos
instalados no computador. O autor também enfatiza o que ele chama de
"arquitetura da participação", que é um sistema que incorpora recursos de
compartilhamento, como as redes peer-to-per (p2p), usada na troca de
arquivos digitais. Esse recurso faz com que seja possível baixar e
disponibilizar arquivos on-line. Quanto mais pessoas utilizarem da rede mais
arquivos são disponibilizados. Isso mostra de como, segundo O'Reillys, a
Web 2.0 se torna cada vez mais efetiva quando mais pessoas usarem.
O'Reillys também destaca a transição da segunda geração da Web de
publicação para participação como por exemplo, os blogs com a ferramenta
de comentários; a substituição de álbuns virtuais pelo Flickr, onde os
usuários não só podem publicar suas fotos como podem buscar fotos pelo o
sistema; diretórios, enciclopédias on-line, jornais on-line, revistas on-line,
enciclopédias escritas com colaboração do conteúdo de todos usuários como
a Wikipédia, e sites como webjornalismo participativo como o Wikinews.
O grande crescimento do número de blogs também ilustra essa
"arquitetura de participação" da Web 2.0. Embora descritos como mero
diários, os blogs se tornaram um grande centro de conversação (PRIMO,
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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SMANIOTTO, 2006). Através dos blogs é que pequenos e grandes grupos de
amigos e nichos específicos podem interagir.
É desse aprimoramento das funções de interação que a Web vira
local de encontro para usuários interessados em dar força para seus
movimentos e discutir assuntos de cunho social. Pensando em um ambiente
que permita que o cidadão participe e manifeste suas opiniões sobre algum
assunto ou tema social nascem sites específicos para isso. Um exemplo disso
são algumas redes de sites do grupo tecnológico Webcitizen3.
A arquitetura participativa e deliberativa do VotenaWeb
O VotenaWeb se apresenta como um site de engajamento cívico e
apartidário, que tem como objetivos aumentar a polarização da sociedade, e
se compromete em levar os resultados da participação civil ao Congresso. Foi
criado em novembro de 2009 pela Webcitizen, empresa que tem como foco
a criação de canais de participação cidadã. O site, além de tornar público
projetos de lei do Congresso Nacional do Brasil possibilita que o cidadão
vote, simbolicamente, se concorda ou não com as propostas dos
parlamentares.
Uma de suas principais características são os resumos apresentados,
formulados por analistas - a partir do texto do projeto de lei original - que
buscam traduzir os termos utilizados para uma linguagem mais próxima a
do público. Quando a lei passa por votação na Câmara e no Senado o site
apresenta uma comparação entre o voto dos legisladores e dos usuários.
Um ponto importante da arquitetura do website VotenaWeb é que
ele permite que se visualize a computação dos votos em um parâmetro geral
dos usuários, mas também divididos em categorias de gênero, idade e estado.
Além dessas possibilidades, há um mapa do Brasil com a divisão de votos por
estado que apresenta as diferenças da votação por escala de cores. Outros
aspectos da arquitetura do referido site podem ser citados, como por
exemplo, a divisão dos projetos de lei apresentados em categorias, como,
economia, saúde, trabalho, cidades, cultura, esporte, transporte, entre outras.
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No site, também há duas ferramentas de busca, por filtros pré-estabelecidos,
ou por palavras-chave.
O VotenaWeb requer que o cidadão participe, vote e opine. Por isso,
para averiguar a contribuição deste website para a deliberação on-line é
necessário valer-se de métodos de análise quantitativos, qualitativos e
descritivos. Neste capítulo as figuras apresentam a interface e as ferramentas
do VotenaWeb, bem como a análise dessas ferramentas.
O VotenaWeb pretende ser um portal interativo, informativo,
participativo e utiliza ferramentas da web 2.0 para cumprir sua proposta. Seu
design é simples e intuitivo, de modo que o os usuários não possuem grandes
dificuldades e obstáculos para utiliza-lo. As informações são colocadas de
maneira objetiva, sem excesso de informação e ferramentas são
disponibilizadas para agilizar o acesso, caso o usuário esteja procurando por
uma lei ou parlamentar específico. Após um login, que pode ser feito através
de cadastramento ou por meio das redes sociais Facebook ou Google+, pode
navegar livremente pelo site, e utilizar todos seus recursos.
Conclusão: o que é possível aprender com o exemplo do VotenaWeb?
Mesmo não sendo o VotenaWeb um site deliberativo, o website tem
uma importante função na comunicação democrática e no acesso à
informação pelos cidadãos. A aposta na interatividade e o uso intuitivo e
simplificado das ferramentas da Web 2.0 como forma de disseminação da
informação talvez seja a maior virtude do portal.
Para isso, a plataforma fornece layout objetivo e intuitivo por meio
de ferramentas simples de fácil acesso, muito diferente da maneira que a
maior parte dos órgãos públicos tratam o acesso à informação e a
participação social, o que faz com que o site seja um importante espaço para
a difusão da informação, o debate e a construção de uma identidade política.
É preciso ter em vista que mesmo ainda não sendo totalmente
abrangente, a internet e suas ferramentas são um fato e uma realidade que
cada vez mais passa a fazer parte da vida dos cidadãos e o VotenaWeb como
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importante ferramenta de politização por meio da informação. Ou seja, o
espaço existe, está se expandindo e é preciso iniciativas que saibam utilizá-lo
de forma cidadã e em benefício da democracia. Segundo Brandão (2007,
p.10): "O processo comunicativo que se instaura entre o Estado, o governo e
a sociedade com o objetivo de informar para construir a cidadania".
As informações disponibilizadas sobre os projetos de lei pelo
VotenaWeb podem parecer, em um primeiro momento, simplistas ou
superficiais, pois resumem uma proposta em uma linha. Entretanto, existem
ferramentas que disponibilizam os projetos na íntegra de maneira completa
e aprofundada. Não é possível saber ao certo a quantidade estatística de
pessoas que de fato leem por inteiro o projeto que discutem e/ou votam e
interagem, as pessoas que participam conscientemente e que deixam suas
emoções de lado ao comentarem e discutirem, mas isso não é de
responsabilidade do VotenaWeb: a proposta do site é construir a democracia
oferecendo meios de informação, expressão e debate, como já dito, se os
cidadãos não possuem uma cultura de informação e debate, não será uma
plataforma que por si só poderá solucionar o problema.
Se o Brasil já é um país pouco participativo nas questões políticosociais, onde a democracia é pouco representativa e de difícil acesso aos
cidadãos na vida offline, o online tende funcionar da mesma maneira. Neste
sentido, iniciativas que ofereçam subsídios para que o debate ocorra de
maneira organizada e acessível, devem ser valorizadas. Além do site
tradicional, com as qualidades e defeitos já apresentados, destaca-se a versão
para smartphomes do VotenaWeb, o que mostra certo esforço do portal em
acompanhar as transformações tecnológicas, ao contrário de iniciativas
públicas, que geralmente dificultam o acesso à informação.
Segundo o VotenaWeb, os criadores da plataforma ''ficam
encarregados de levar ao Congresso os resultados desta participação
popular''. Entretanto, não há garantia de que isso será cumprido e mesmo
que seja, não há garantia de que os parlamentares farão algo a partir destes
resultados. Em todo caso, não há participação efetiva dos parlamentares por
meio da plataforma. Ou seja, há uma participação relevante dos atores sociais
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
no que diz respeito ao uso cidadão das ferramentas disponíveis no portal,
mas não há retorno do setor político. A tentativa de aproximação entre
cidadãos e políticos, proposta do VotenaWeb, acaba sendo unilateral e sua
efetividade se restringe no que diz respeito ao acesso à informação e
monitoramento das leis que tramitam no congresso por parte apenas dos
usuários. Esse ponto negativo do portal é crucial para a motivação à
participação, pois os cidadãos saberiam que seu esforço em fazer parte da
plataforma por meio do engajamento online não teria algum tipo de
efetividade prática na configuração política e nas leis propostas e aprovadas.
Além disso, a efetividade seria ainda maior caso os políticos utilizassem as
informações coletadas por meio da participação no portal em benefício dos
cidadãos representados, interagissem, respondessem os comentários e de
fato participassem do canal.
Concluímos que o website possui limitações e que as ferramentas online não são utilizadas em sua potencialidade. Mas, a partir de um contexto
de cidadania e de participação on-line é possível verificar que a arquitetura
do website favorece a participação, mesmo sem o engajamento cívico, e que
os processos comunicativos e interativos inerentes à essa plataforma on-line
são um passo em direção a uma prática cidadã mais ampla.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Web Colaborativa, Políticas Públicas de
Informação e Mídias Sociais: um caminho para
a democracia participativa no âmbito da
convergência digital
Jéssica Amorim do Nascimento - UNESP
Ângela Maria Grossi de Carvalho - UNESP
1 Introdução
A preocupação com a estruturação, representação e organização de
conteúdos informacionais acompanha o desenvolvimento cultural da
humanidade há séculos. Contudo, é na contemporaneidade, com a ruptura
das barreiras de tempo e espaço propiciadas pelas tecnologias de informação
e comunicação (TIC), que essa preocupação conta com uma importância
ainda maior, principalmente após o aparecimento da Internet e do ambiente
World Wide Web (Web).
Essas tecnologias possuem interfaces computacionais que interferem
nos modos de produzir e acessar informação e propiciam o surgimento de
um novo sistema hibridizado, em que homens e máquinas, direcionados por
suas formas de interação, modificam o fluxo informacional, trazendo
aumentos exponenciais. Assim, realizam ações que favorecem o efetivo
acesso à informação e ao conhecimento – matérias primas indispensáveis
para o desenvolvimento global da humanidade.
Na Internet e na Web, a informação não está mais unida à estrutura
característica da obra impressa. A informação passou por diversas
transformações, e atualmente sua morfologia pode ser textual, sonora,
imagética estática ou em movimento em um mesmo ambiente - chamado de
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
multimidiático, permitindo que cada usuário interaja com o conteúdo
informacional de acordo com o seu interesse, construindo seu próprio
caminho de navegação pelos documentos e/ou parte deles utilizando-se dos
links que ele próprio realiza.
A mudança no modo que às pessoas se relacionam com a informação
e seu impacto na sociedade se baseia na essência da Internet: sua dinâmica e
sua capacidade de extinção das fronteiras para possibilitar o acesso global a
diversos tipos de informação.
A personalização tecnológica proporcionada pela Web Colaborativa
– chamada também de Web 2.0 e que permite ao usuário novas maneiras de
interagir com o conteúdo encontrado, deixando apenas de ser ator para se
tornar autor dos conteúdos – abriu novas possibilidades para o
desenvolvimento de produtos e serviços agregados e, dessa forma, ampliou a
presença do usuário comum na coordenação de ações de produção,
organização e difusão de informações voltadas a públicos segmentados pela
natureza das redes sociais aos quais pertencem.
Visualizamos a globalização em todas as esferas e o emergir do
cidadão como criador de conteúdo. Com o objetivo de atingir esse propósito
de mundo globalizado, as estruturas e processos de governo têm sido cada
vez mais transformados. Dessa forma, observamos que esses processos já
influenciaram, inclusive, na formulação de políticas públicas, como é o caso
do Marco Civil da Internet, Lei 12.965/14. Dessa maneira, é possível analisar
que as velhas formas centralizadoras da formulação dessas políticas - que
devem atender a dois elementos essenciais: (1) como resolver, de forma eficaz
e eficiente os problemas sociais e (2) responder ao controle popular - vem
sendo substituídas por novos formatos, principalmente no que se tangem as
estratégias de governança compartilhada e de colaboração.
Com as novas estratégias, é possível observar que a era colaborativa
assumiu seu papel inclusive na política, e cada vez mais é possível que a
atuação popular incentive a formulação e implantação de políticas públicas
– mais que os próprios instrumentos de comando e controle operados pelas
instituições formais e, portanto, oferecem elementos potenciais para
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
promover uma melhor governança. Esse processo de formulação
compartilhada é chamado de policy network (rede de políticas), que está
emergindo como uma nova conformação descentralizada no marco da
governança.
A policy network é baseada na interdependência das relações
(formais e informais), a confiança e a negociação entre interesses
governamentais e não governamentais, possibilitando ações colaborativas
entre diversos agentes.
A teoria de redes sociais permite conhecer e analisar os elementos e
atores ou agentes que podem interagir no processo de formulação de
políticas públicas, assim como as relações que emergem dessa interação,
oferecendo informações relevantes para o planejamento e implementação de
estratégias destinadas ao fortalecimento da participação e da ação coletiva
entre os diferentes agentes envolvidos - que também é a metodologia da
policy network.
Assim, correlacionar as redes sociais, se torna mais eficaz se
pensarmos em sua definição. De acordo com Recuero (2009, p. 23), podemos
defini-la da seguinte forma:
Um conjunto de dois elementos característicos que servem de base para
que a rede seja percebida e as informações a respeito da mesma,
compreendidas: atores, os quais podem ser pessoas, instituições ou
grupos; e suas conexões (interações ou laços sociais).
Cardozo (2008) aponta a grande questão desse tipo de rede: a
valorização dos elos criados, por meio de estruturas hierárquicas. De forma
bastante concisa, podemos afirmar que uma rede social é um conjunto de
usuários, que unem ideias e interesses em prol de um grande interesse
comum e compartilhado.
Com os avanços da web, principalmente pós-emergência da web 2.0,
as redes sociais tornaram-se cada vez mais presentes dos processos sociais.
Sites de redes sociais, aplicativos, fóruns de discussão: as ferramentas
passaram a ser usadas com afinco, a fim de maximizar as possibilidades de
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
colaboração e compartilhamento de informações, principalmente na era da
convergência digital.
Costa (2008) afirma que as Redes Sociais são sites agregadores de
pessoas, onde o seu funcionamento se dá de forma bastante simples: o
usuário cria um perfil com informações pessoais, possui uma rede de amigos
e pode participar de comunidades de interesse comum. Dessa forma, os
participantes podem trocar mensagens e conteúdo entre si, ou seja,
funcionam através da interação social, tendo como principal objetivo
conectar pessoas e proporcionar sua comunicação e, portanto, sendo
utilizados para forjar laços sociais.
Da mesma forma, a policy network busca, a partir dos estudos das
redes sociais, tornar as políticas públicas comuns aos indivíduos,
pressupondo que o os mesmos não atuam de maneira isolada, mas sim
condicionados pelas relações que conseguem desenvolver. Assim, a estrutura
da rede social condiciona os recursos disponíveis, favorecendo a ação
coletiva e com isso, pode afetar a governança - que sendo também parte dos
atores, deverá agir e propiciar aos outros atores uma decisão coletiva e
resoluções baseadas na coletividade.
Questionamos assim, como a web colaborativa e as redes sociais
nessa fase da convergência dos dados podem influenciar e intensificar o
processo de democracia participativa na formulação de políticas públicas de
informação?
Para que se compreenda o processo de formulação de políticas e sua
relação com a web colaborativa, é necessário visualizar essa relação sobre a
perspectiva da policy network, e seus diversos atores. Essa pesquisa busca
entender essa relação e propor uma maior difusão da democracia
participativa, pensando sobre a ótica da Ciência da Informação (CI) e da
teoria das redes sociais.
Nesse processo, é necessário que se justifique a importância da
relação da web colaborativa com os processos democráticos e políticos. Em
sua primeira geração, Primo (2008, p. 58) afirma que a principal
característica da web sempre foi ser simples, tanto na recuperação de suas
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
informações, quanto na disponibilidade e difusão dos dados em rede. Essa
simplicidade no fator difusão também se refletiu na interação dos seus
usuários.
Nessa fase, as funções do usuário eram deveras básicas e se resumiam
em acessar uma página e clicar em algum conteúdo que lhe interessasse,
podendo apenas consumir esse conteúdo, sem muitas possibilidades de
interagir com o ambiente. Isso se deve, segundo Berners-Lee (2001), ao fato
de os computadores possuírem uma forma automatizada de representar o
conhecimento através dos seus dados e metadados.
Com esse aprimoramento, o que se pode observar é uma mudança
gradativa em como a Web passou a ser construída e também consumida.
Quanto mais avançada a tecnologia, mais avançadas se tornam as atividades
do usuário. O que anteriormente se resumia a clicar num conteúdo em algum
portal ou home page e apenas consumir a informação, passou a se tornar
basicamente obsoleto, já que as tecnologias de informação estão diretamente
ligadas a comunicação e sua difusão.
De acordo com o Primo (2007), o momento onde a colaboração
passou a ser parte da Web foi nessa segunda geração, chamada de web
colaborativa. Nesse fenômeno, todas as maneiras de compartilhar, publicar e
organizar as informações online passa a ser potencializada, visto que todos
os usuários têm a possibilidade de consumir, construir e disseminar as
informações disponíveis.
Essas possibilidades criadas pela nova geração da Web trouxeram a
necessidade de interpretar, entender e estudar a forma como esses usuários
compartilham e constroem conteúdos.
A Ciência da Informação inicia seu papel nesse ponto – onde é
necessário entender como o usuário faz uso da sua possibilidade de colaborar
com o ambiente virtual em que está inserido. Destacamos aqui, então, a
importância dos estudos da CI sobre a Web.
Para melhor entender esse contexto, expomos as três características
gerais da CI, segundo Saracevic (1996, p.42):
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Primeira, a CI é, por natureza, interdisciplinar, embora suas relações com
outras disciplinas estejam mudando. A evolução interdisciplinar está
longe de ser completada. Segunda, a CI está inexoravelmente ligada à
tecnologia da informação. O imperativo tecnológico determina a CI,
como ocorre também em outros campos. Em sentido amplo, o imperativo
tecnológico está impondo a transformação da sociedade moderna em
sociedade da informação, era da informação ou sociedade pós-industrial.
Terceira, a CI é, juntamente com muitas outras disciplinas, uma
participante ativa e deliberada na evolução da sociedade da informação.
Dessa maneira, esse estudo justifica-se pela responsabilidade dos
estudos da Ciência da Informação para a difusão da formulação das políticas
públicas de informação, ao ponto que cabe ao gestor da informação a
capacitação, difusão e propagação destas políticas, podendo usar da teoria
das redes sociais para a democracia participativa, tendo em vista que no
cenário atual, a participação nos processos de âmbito público, se dão de
maneira pouco divulgada, o que gera participação apenas dos indivíduos que
conhecem ou já possuem alguma participação política.
Entendemos a participação social como um processo que é resultado
da ação intencionada de grupos ou indivíduos que buscam por metas
específicas, em função dos mais diversos interesses um contexto de tramas
concretas de relações sociais e de poder (VELÁZQUEZ;GONZÁLEZ, 2003).
Quando visualizamos, então, a participação social efetiva em meios
decisórios, é necessária que a informação seja disseminada através de meios
mais acessíveis e participativos.
Para isso, visualizamos as políticas públicas desde a perspectiva
relacional das redes sociais, apresentando os principais aspectos
metodológico-conceituais embasados na abordagem da policy network, de
modo a contribuir para o debate sobre participação, formulação,
disseminação, democracia e políticas públicas, desde o reconhecimento da
importância das relações sociais.
2 Ciência da Informação e a Web Colaborativa
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
No seu surgimento, em 1969, criada pela Advanced Research Project
Agency (ARPA), e conhecida como ARPANET, a internet tratava-se de uma
rede de comunicação flexível e descentralizada baseada em comutação por
pacote (packet switching), e seu principal objetivo era garantir que a
informação não se perdesse em caso de falha no sistema que usavam, ou
destruição do mesmo.
A grande razão para a criação deste projeto foi a preocupação gerada
pelos conflitos da Guerra Fria, onde era necessário desenvolver um sistema
de telecomunicações que fosse descentralizado e, dessa forma, imune a
ataques localizados.
Para Castells (2007, p. 44)
[...] a ARPANET, rede estabelecida pelo Departamento de Defesa dos
EUA, tornou-se a base de uma rede de comunicação horizontal global
composta de milhares de redes de computadores. [...] Essa rede foi
apropriada por indivíduos e grupos no mundo inteiro e com todos os tipos
de objetivos, bem diferentes das preocupações de uma extinta Guerra Fria.
Em sua primeira geração, a web, segundo Primo (2008, p. 58) tinha
a principal característica de ser simples, tanto na recuperação de informações
quanto na disponibilização e publicação dos dados em rede. A simplicidade
de sua representação era vastamente observada na simplicidade de sua
interação.
Durante esse período, o usuário possuía recursos bastante escassos
para sua interação nos websites. Sua função principal era de consumidor dos
conteúdos, sem a possibilidade de interagir com os conteúdos. Isso se deve,
segundo Berners-Lee (2001), ao fato de os computadores possuírem uma
forma automatizada de representar o conhecimento através dos seus dados e
metadados.
Após a evolução e aprimoramento dos computadores, seguido da
criação de novos meios de acessar a web, a informação passou a tramitar de
outra forma na rede:
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Popularizado na segunda metade dos 1970, o seu uso criou processos de
inovação tecnológica que se reinventam e se desdobram de maneira
polivalente como tecnologias cotidianas. De acordo com esse
desdobramento, nos últimos 50 anos testemunhou-se um crescimento
exponencial, tanto na capacidade computacional quanto na sua
disseminação propriamente dita - os computadores e seus subprodutos e
sistemas estão praticamente em todos os lugares como inovação
emblemática dos séculos XX e XXI. (JORENTE; NAKANO, 2012, p. 3).
Com esse aprimoramento, o que se pode observar foi uma mudança
gradativa na maneira com que a web passou a ser construída e seus conteúdos
consumidos. Quanto mais avançada a tecnologia, mais avançadas se tornam
as atividades do usuário. O que anteriormente se resumia a clicar num
conteúdo em algum portal ou home page e apenas consumir a informação,
passou a se tornar basicamente obsoleto, já que as tecnologias de informação
estão diretamente ligadas a comunicação e sua difusão.
De acordo com o Primo (2007), o momento onde a colaboração
passou a ser parte da Web passa a ser a segunda geração, chamada de web
colaborativa. Nesse fenômeno, todas as maneiras de compartilhar, publicar e
organizar as informações online passa a ser potencializada, visto que todos
os usuários tem a possibilidade de consumir, construir e disseminar as
informações disponíveis.
Para Berners-Lee, em entrevista ao portal ComputerWorld (2007),
essa nova geração da Web pode ser chamada também de Web Semântica:
A Web Semântica é sobre a colocação de arquivos de dados na Web. Não
é apenas uma Web de documentos, mas também de dados. A tecnologia
de dados da Web Semântica terá muitas aplicações, todas interconectadas.
Pela primeira vez haverá um formato comum de dados para todos os
aplicativos, permitindo que os bancos de dados e as páginas da Web
troquem arquivos.
Para representar essa mesma geração, a empresa estadunidense
O’Reilly Media criou em 2004 o termo Web 2.0. Com o novo termo, surgiram
também novas características a serem apontadas nessa forma de acessar as
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
informações. Segundo os criadores do termo, “2.0” não refere-se a questões
ou especificações técnicas de seu desenvolvimento, mas a forma como é
encara pelos usuários, através da possibilidade de interação e contribuição,
através de Wikis, aplicações baseadas em folksonomia e a criação das Redes
Sociais.
Com a colaboração, outro fator que começa a chamar a atenção e
rende pesquisas acadêmicas é a simultaneidade de acesso às informações.
Qualquer pessoa, de qualquer lugar do mundo – que possua acesso à web –
pode visitar o mesmo website no mesmo instante.
Diversos veículos importantes de comunicação fazem uso dessas
ferramentas de construção de conhecimento e compartilhamento de
informações. Grandes jornais como a Folha de São Paulo e O Estado de São
Paulo possuem meios para o leitor interagir com a notícia – usando
comentários via redes sociais, juntamente com a possibilidade de
compartilhar as informações em rede – o que traz a reflexão de que essa é
uma característica constante e marcante na web 2.0.
Essas possibilidades geradas pela nova geração da web trouxeram a
necessidade de interpretar, entender e estudar a forma como esses usuários
compartilham e constroem os conteúdos.
A Ciência da Informação inicia seu papel nesse ponto – onde é
necessário entender como o usuário faz uso da sua possibilidade de colaborar
com o ambiente virtual em que está inserido. Destaca-se, então, a
importância dos estudos da Ciência da informação sobre a web.
Dessa forma, é possível afirmar que é essencial para a Ciência da
informação os estudos sobre a nova geração da Web e seus fenômenos, pois
a transformação da maneira como a informação tem sido disseminada é
proveniente desses fenômenos. Além de analisar melhor como inserir os
mesmos em ambientes de atuação social, como no caso da formulação de
políticas públicas de informação.
2.1 Políticas Públicas de Informação
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Podemos entender as políticas públicas como um conjunto interrelacionado de decisões, cujo foco é uma área determinada de conflito social.
Assim, trata-se de decisões, tomadas formalmente pelas instituições públicas,
precedidas por um processo conhecido como formulação - ou elaboração,
onde é necessária a participação de um vasto número de atores públicos e
privados (VALLÉS, 2002).São, portanto, decisões tomadas pelos governos
para resolver ou não problemas que atingem a sociedade. Uma política,
então, é o resultado da participação de atores.
A diversidade dos atores que participam do seu desenvolvimento,
juntamente com seu grau de influência que demonstram o interesse da
sociedade em determinados assuntos e problemas políticos. Falar de política
pública envolve referir-se a processos participativos, decisões e resultados
(LINDBLOM, 1991) - no entanto, isso não pode ser entendido como decisão
harmoniosa e sem conflitos.
A participação social é entendida como um processo social que
resulta da ação intencionada de indivíduos e grupos que procuram metas
específicas, em função de interesses diversos, em um contexto de tramas
concretas de relações sociais e de poder (VELÁZQUEZ; GONZÁLEZ, 2003).
Conhecendo os diversos atores que participam e as relações que se
estabelecem, é possível revelar a estrutura social que estaria respondendo às
necessidades sociais, impactando diretamente na capacidade das instituições
e, portanto, na eficácia e eficiência da gestão pública e de sua difusão
(VELÁZQUEZ; GONZÁLEZ, 2003).
Dessa maneira, visualizamos como o processo de formulação das
políticas, que é um fenômeno complexo, composto por diversos objetivos,
interesses, valores e atores cercados por restrições que tentam compatibilizar
os objetivos políticos com os meios para alcançá-los (HOWLETT et al.,
2013), envolve decisões e interações constante entre indivíduos, grupos ou
instituições.
Assim, quando asseguramos que diversos atores participem deste
processo, então também, assegurando os passos para garantir a democracia.
Inclusive, estes são elementos essenciais nos atuais discursos para a
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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fomentação de políticas públicas (MILANI, 2007).Porém, é necessário que
os instrumentos da participação dos atores sejam cuidadosamente avaliados,
bem como a necessidade de avaliar como se dá o processo de participação e
sua comunicação:
A comunicação pública é comunicação formal que se aplica à troca e ao
compartilhamento de informações de utilidade pública, assim como à
manutenção do vínculo social, e cuja responsabilidade incumbe às
instituições públicas. (ZEMOR, 1995 apud JARDIM, 1999, p. 59).
Mediante a participação as diferentes partes envolvidas poderiam
realizar um processo de acompanhamento constante na formulação e
discussão sobre o desenvolvimento. Além de que, também é útil para
diminuir os conflitos do processo político e ajudar a implementação da
política (RYDIN; PENNINGTON, 2000).
2.2 Teoria das Redes Sociais
A Web colaborativa é uma transformação da chamada Web 1.0 cuja
finalidade é possibilitar uma web resignificada, tanto do ponto de vista
tecnológico quanto, sociocultural. Nessa Web, o internauta assume novo
papel; o de produtor de conteúdos que interagem com outros conteúdos,
uma vez que suas tecnologias proporcionam maior liberdade e sociabilidade
informacional.
Primo (2006, p.2) destaca que “Se na primeira geração da Web os
sites eram trabalhados como unidades isoladas, passa-se agora para uma
estrutura integrada de funcionalidades e conteúdo”.
Dessa forma, é possível observar toda a nova formatação da Web:
Web 2.0, essencialmente, não é uma Web de publicação textual, mas uma
Web de comunicação multisensitiva. Ela é uma matriz de diálogos, e não
uma coleção de monólogos. Ela é uma Web centrada no usuário de
maneira que ela não tem estado distante de ser. (MANESS, 2007, p.43).
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Nessa nova perspectiva, a maioria não quer apenas ser consumidor
de conteúdos produzidos pela minoria. O que movimenta esse novo
momento da Web é a criação de conteúdos e interações próprios.
Essa geração da Internet é caracterizada, principalmente, pelo
surgimento das Redes Sociais. Alguns exemplos de sites típicos são os blogs
(e as variações fotologs e videologs), sites de compartilhamento de arquivos,
Wikis (Wikipedia, Wiki Web, Webopedia), Comunidades Virtuais
(Facebook, VK, Twitter, Instagram) e Fóruns de discussão.
Diante dos novos métodos de publicação e circulação de
informações, a web colaborativa também se apossa de processos coletivos
para a organização e recuperação de documentos eletrônicos, através da
folksonomia e a influência do usuário e seu vocabulário próprio na
classificação dos conteúdos (PRIMO, 2006).
O fenômeno das redes sociais e a troca de informações por milhares
de pessoas, mudou a forma de relacionamento socialDe acordo com Recuero
(2009, p. 23), podemos definir uma Rede Social da seguinte forma:
Um conjunto de dois elementos característicos que servem de base para
que a rede seja percebida e as informações a respeito da mesma,
compreendidas: atores, os quais podem ser pessoas, instituições ou
grupos; e suas conexões (interações ou laços sociais).
Cardozo (2008) aponta a grande questão desse tipo de rede: a
valorização dos elos criados, por meio de estruturas hierárquicas. De forma
bastante concisa, podemos afirmar que uma Rede Social é um conjunto de
usuários, que unem ideias e interesses em prol de um grande interesse
comum e compartilhado.
Costa (2008) compartilha desse pensamento quando afirma que as
Redes Sociais são sites agregadores de pessoas, onde o seu funcionamento se
dá de forma bastante simples: o usuário cria um perfil com informações
pessoais, possui uma rede de amigos e pode participar de comunidades de
interesse comum. Dessa forma, os participantes podem trocar mensagens e
conteúdo entre si, ou seja, funcionam através da interação social, tendo como
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
principal objetivo conectar pessoas e proporcionar sua comunicação e,
portanto, sendo utilizados para forjar laços sociais.
Para entender melhor o fenômeno das Redes Sociais e seu papel
nessa questão de disseminação da informação, é importante buscar o grande
responsável e protagonista dessa história. Quando foi que os usuários
puderam realmente participar da criação de conteúdo informacional na
Web?
De acordo com Mika (2007), podemos apontar como responsável
dessa primeira onda de socialização e criação de conteúdo na Web o
aparecimento dos primeiros blogs. Sua principal característica era a
diminuição de requisitos técnicos para adicionar informações na rede.
Dessa forma, observamos que:
Os blogs podem ser considerados como softwares sociais por permitirem
a interação e o compartilhamento de informações entre usuários, tendo
como foco a utilização da tecnologia no estímulo de interação entre
pessoas e grupos. Dessa forma, os blogs adquirem importância no
contexto da sociedade atual, por seu aspecto integrador, característica que
justifica a importância de seu uso por usuários e instituições,
especialmente bibliotecas. (VECHIATO; INAFUKO; VIDOTTI, 2010, p.
5).
Por trazer essa maneira de interação bastante simples, os blogs
passaram a crescer a partir de 2003. Porém, para que sua popularização fosse
realmente eficiente, e os blogs chegassem a esse patamar, foi necessário que
as plataformas se transformassem, tornando mais agradável técnica e
visualmente.
Com alguns anos no mercado da informação digital, os blogs –
apesar de numerosos, ainda eram vistos como meros diários online:
A progressão geométrica do número de blogs é uma recorrente ilustração
da Web 2.0. Muito embora a imprensa insista em descrevê-los como
meros diários online, reduzindo os a uma ferramenta de publicação
individual e de celebração do ego, os blogs transformaram-se em um
importante espaço de conversação (PRIMO; SMANIOTTO, 2006).
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Porém, é necessário destacar que alguns autores, como Primo (2008,
p.122), discordam dessa vertente que assume os blogs como diários pessoais.
O autor aponta que blogs e diários pessoais apresentam características muito
distintas – ainda que ambos sejam considerados formas de registros que
seguem organização cronológica.
A principal característica que diferencia um do outro é a forma
intrapessoal e particular que o diário pessoal se volta, vendo que é
considerado que o destinatário é o próprio autor; enquanto que nos blogs, a
abordagem escrita é interpessoal, tendo como leitor outras pessoas
conectadas na Web.
Nessa mesma vertente, Clyde (2004) aponta que os blogs podem se
apresentar de diversas formas. Podemos encontrá-lo como um diário
pessoal, um jornal de uma expedição, um serviço de notícias, uma coleção de
links para outros websites, uma série de resenhas de livros, um relatório de
um projeto, dentre outros. Assim, mediante a evolução sofrida pelas
tecnologias de informação e comunicação, os processos de difusão e
colaboração das informações foram completamente modificados.
Dessa forma, visualizamos a preocupação em estruturar, representar
e organizar os conteúdos, como citado na introdução deste projeto.
As Tecnologias de Informação e Comunicação possuem interfaces
computacionais que interferem nos modos de produzir e acessar informação
e propiciam o surgimento de um novo sistema hibridizado, em que homens
e máquinas, pelas suas formas de interação, modificam, o fluxo
informacional, trazendo aumentos exponenciais.
Assim, tornam prementes ações que favorecem o efetivo acesso à
informação e ao conhecimento, matérias primas indispensáveis para o
desenvolvimento global da humanidade.
Na Internet e na Web, a informação não está mais unida à estrutura
característica da obra impressa. A informação passou por diversas
transformações, e atualmente, sua morfologia pode ser textual, sonora,
imagética estática ou em movimento em um mesmo ambiente - chamado de
multimidiático, permitindo que cada usuário interaja com o conteúdo
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
informacional de acordo com o seu interesse, construindo seu próprio
caminho de navegação pelos documentos e/ou parte deles utilizando-se dos
links que ele próprio realiza.
A mudança no modo como as pessoas se relacionam com a
informação e seu impacto na sociedade se baseia na essência da Internet: sua
dinâmica e sua capacidade de extinção das fronteiras para possibilitar o
acesso global a diversos tipos de informação, inclusive na formulação de
políticas públicas de informação.
Referências
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Onde estão as celebridades? A (falta de)
conformação entre a internet e os meios de
comunicação tradicionais
Marina Darcie - UNESP
Maria Cristina Gobbi - UNESP
Introdução
Diversas possibilidades surgem com a Internet a cada dia, e uma
delas é a grande teia de relações e o advento de novos personagens no sistema
comunicativo que detêm, de forma tão semelhante quanto os veículos de
comunicação tradicionais, o poder de influenciar e modificar a opinião do
seu público. Essa realidade trouxe novas configurações para as relações e
sociabilidades, além de colocar em pauta debates sobre a reconfiguração das
tecnologias de comunicação na atualidade e o consumo ilimitado de imagem.
Carreira (2015a, p.2) mostra que "os avanços tecnológicos mudaram
os paradigmas na forma de produzir conteúdo audiovisual, de transmiti-lo e
de acessá-lo"85, e salienta que "alteraram também o comportamento de quem
o consome". Essa mesma questão é tratada por Sibília (2008) quando diz que
o século XXI é extremamente globalizado e audiovisual, tendo criado um
culto a imagem e à personalidade jamais visto em tempos anteriores. A
autora acredita que as celebridades, que considera sendo essas
personalidades extremamente vistas e expostas (daí a defesa e reiteração de
que na rede qualquer pessoa possa ser detentora de um discurso visível),
tenham saído do cinema para pertencerem a todos os tipos de telas, "inclusive
85
Disponível em http://www.labcomdata.com.br/wpcontent/uploads/2015/12/CarreiraKCPaperVersa%CC%83oFinal.pdf Acesso em 12 de janeiro de 2016.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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às dos ubíquos telefones celulares [...] Hoje como nunca, qualquer um
realmente pode - e habitualmente quer, e talvez daqui a pouco inclusive deva
- ser um personagem como aqueles que incansavelmente se mostram nas
telas" (SIBILIA, 2008, p.245). Nesse sentido, defendemos que "formas de agir,
de pensar, de se expressar e de se relacionar, são medidas pelos modernos
meios de comunicação. A mídia [...] 'fabrica' mitos e ídolos, porém, tudo isto
é realizado, de certa forma, em 'comum acordo' com o público que a assiste"
(HEDAL, 1997, p.1).
O mundo moderno está cheio de referências chamadas de heróis,
ídolos ou celebridades. Esta relação entre sociedade e mídia é permeada pelo
princípio básico de vender e consumir imagem. "Sejam heróis das conquistas
políticas e sociais dos países, heróis das histórias em quadrinhos, heróis do
cinema, ou heróis do esporte, a presença deles nos remete ao pensamento de
que eles são referenciais às nações modernas" (HELAL; MURAD in HEDAL,
1997, p.4).
Essas relações, somadas ao contexto atual, trouxeram para a rede
online o costume de acompanhar um ídolo e consumir imagens em tempo
recorde e de forma ilimitada. A internet é mostrada como canal mais
utilizado para essas novassociabilidades no artigo de Carreira (2015a, p.3),
que cita em seu trabalho a pesquisa Interactive Adversiting Bureau (IAB)86:
[os internautas] consomem, em média, por semana, 8 horas de conteúdo
audiovisual. Uma pesquisa da Interactive, Advertising Bureau (IAB)
revela que 50% dos brasileiros acessam este tipo de conteúdo quando estão
conectados à rede wi-fi e 22% veem menos TV porque preferem assistir o
que desejam via celular.87 (CARREIRA, 2015a, p.3)
Além disso, Jenkins (2009) afirma que o Youtube se destaca como
ferramenta de acesso ao audiovisual na rede conectada. Nessa mídia social
86
Disponível em: http://iabbrasil.net/guias-e-pesquisas/mercado/uso-de-video-mobile-perspectivaglobal. Acesso em 4 de fevereiro de 2015.
87
Disponível em http://www.labcomdata.com.br/wpcontent/uploads/2015/12/CarreiraKCPaperVersa°/oCC°/o83oFinal.pdf Acesso em 12 de janeiro de
2016.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
um número substancial de vídeos é carregado todos os dias e qualquer
pessoa, com o mínimo de tecnologia (um celular e acesso à Internet, por
exemplo) pode subir seus vlogs88 e se tornar uma pessoa bastante conhecida
na rede, através da quantidade de visualizações em seus vídeos e o
compartilhamento destes em outras redes por uma cadeia de pessoas. Muitas
pessoas comuns transformaram esta plataforma em um ambiente de
trabalho, criando conteúdo para seu público online. Carreira (2015a, p.4)
afirma que esses personagens "estão em constante conversação com uma leal
base de fãs que atua ativamente neste novo ecossistema midiático"89. Esses
personagens, os youtubers, devido ao grande número de seguidores na rede,
se tornaram tão famosos quanto atores e cantores, ou seja, celebridades que
foram evidenciadas através de um canal midiático tradicional.
Aqueles "quinze minutos de fama" previstos por Andy Warhol nos
longínquos anos 1960, como um direito de qualquer mortal na era
midiática, exprimiam uma intuição visionária, mas ainda imersa num
ambiente dominado pela televisão e pelos demais meios de comunicação
unidirecionais. [...] Cabe concluir, então, que as redes informáticas e os
meios interativos talvez estejam cumprindo essa promessa que nem a
televisão nem o cinema conseguiram satisfazer. E, talvez, consigam fazêlo de uma maneira tão radical que aqueles pensadores do século XX jamais
poderiam ter previsto.90 (SIBILIA, 2010)
A celebridade: conceitos e contextos
As celebridades, como as entendemos hoje, surgem no apogeu
hollywoodiano. Nesse período, observa Marshall (1997), alguns atores e
atrizes do cinema passam a transcender seus filmes e a criar uma "aura".
Com a emergência do close-up na linguagem cinematográfica, a relação
entre a audiência e os personagens passou a ser mais "íntima". Para
90
88
Diário em formato de vídeo que são carregados no Youtube. Seu conteúdo é semelhante ao de um
blog, mas em formato audiovisual.
89
Disponível em http://www.labcomdata.com.br/wpcontent/uploads/2015/12/CarreiraKCPaperVersa%CC%83oFinal.pdf Acesso em 12 de janeiro de 2016.
Disponível em http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci arttext&pid=S0009-67252010000200022
Acesso em 12 de janeiro de 2016.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Marshall, essa é uma das raízes do crescente interesse da audiência pelo
artista. (PRIMO, 2009, p.107)
Se unirmos, então, a fala anterior de Primo (2009) aos demais autores
trabalhados aqui, perceberemos que a tecnologia tratou de modificar uma
relação histórica entre personagens que unem representação, admiração e
exposição máxima. O comportamento que observamos através de fã-clubes
e mesmo fanzines91, entre outros, não sustentam, sozinhos, um ídolo e, mais
do que isso, não fideliza o público. Esse contexto é resumidamente exposto
na fala seguinte de Bauman (2001, p.46): "o 'público' é colonizado pelo
'privado'; o 'interesse público' é reduzido à curiosidade sobre as vidas
privadas de figuras públicas e a arte da vida pública é reduzida à exposição
pública das questões privadas e a confissões de sentimentos privados (quanto
mais íntimos, melhor)".
Neste momento, é importante problematizar e relacionar conceitos
(que acreditamos se referirem sempre ao mesmo personagem, ao longo da
história) de mito, herói e ídolo ou celebridade, objeto deste trabalho. Desses
termos tratados o mito é o personagem mais antigo e que deu origem aos
outros dois: a figura era conhecida nas sociedades da Roma e Grécia antigas
como divindades que possuíam determinadas características que
representava a sociedade. Eram adoradas por explicar para a população
aqueles fatos que não eram ainda demonstrados cientificamente e,
principalmente, por impor alguma conformação social. O herói e o ídolo,
derivados das figuras mitológicas, são construídos, o primeiro por atos
heroicos superestimados socialmente e o segundo por conter características
adoradas em determinado contexto. O herói é considerado diferente dos
ídolos ou celebridades por alguns autores (HELAL, 1997; PRIMO, 2009)
porque o herói precisa ter uma jornada, enquanto o ídolo é imagem.
A personificação de atributos simbólicos parece converter a persona
midiática numa espécie de Midas, ou santo. Afinal, através do artifício da
91
Revistas produzidas de fã para fã sem intenção comercial (algumas vezes vendidas a preço de custo)
como uma forma de trocas simbólicas de conhecimento acerca de um produto midiático.
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simbolização, transforma em ouro, ou sacraliza, tanto aquilo que toca,
como o lugar onde pisa, e tudo o mais que se associar a si, ao menos
enquanto estiver vivendo a condição de 'celebridade'. (PIMENTEL, 2005,
p.200)
Todas as três figuras citadas possuem em comum o fato de serem
representações sociais de adoração. Percebemos, no entanto, que com o
desenvolvimento das sociedades e modificações econômicas, políticas,
culturais, a imagem considerada um arquétipo (o mito da bravura, da
coragem, do poder, enfim) foi progressivamente transformada em
estereótipo. Muito dessa mudança ocorreu devido à cultura de massa e a
eleição de imagens pelas mídias massivas de comunicação. Sibília (2010)
mostra que "assim se projetam, por toda parte, esses fragmentos de vidas
supostamente privadas que, mesmo sendo triviais — ou talvez precisamente
por causa disso? —, parecem fascinantes diante da avidez dos olhares
alheios"11. Com um olhar complementar, Pimentel (2005, p.194) mostra que
a mídia cria estratégias "que fixem uma imagem 'pública' do seu 'eu',
construindo-o [...] como uma espécie de personagem alegórico, ou um
estereótipo. A demanda por aparição vem, inclusive, criando múltiplas
oportunidades de negócios e trabalho em torno da fama".
A palavra 'celebridade' virou termo corrente para indicar aqueles
indivíduos que se transformam em alvo privilegiado das mídias. É
importante, contudo, observar que o valor vinculado à fama, na forma
como ela vem sendo percebida hoje por uma parcela considerável da
população e das mídias, tem residido muito mais na exposição do
indivíduo do que na sua substância acerca de algum saber. (PIMENTEL,
2005, p.194)
Entretanto, nesta realidade da Galáxia da Internet (CATELLS, 2003),
a celebridade precisa cada vez mais se apoiar em uma comunidade atuante
de fãs que alimenta um forte sistema de recomendação e de divulgação
online. Percebemos, a cultura participativa está fortemente ligada ao
sentimento de reverência que os fãs nutrem por seus objetos de interesse, e
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
defendemos que esse sentimento e a relação entre ídolo-fã é refletida
principalmente para o espaço online devido às facilidades proporcionadas
pela tecnologia, apesar de ainda existirem exemplos analógicos dessas
relações mencionadas.
Jenkins (2006) discorre em seu livro sobre o impacto que as
tecnologias digitais causaram e o processo pelo qual os fãs estiveram
incluídos para aprender a "usar esses novos artifícios mediáticos para
incrementar, expandir, aumentar a visibilidade de suas comunidades de fãs"
(NATAL, 2009, p.3) e de estar mais próxima e poder dialogar diretamente
com seus ídolos e se fazer visto. Em contrapartida, as digital influencers que
surgiram com as diversas redes sociais conectadas precisaram aprender a
lidar com linguagem e conteúdo, mas, principalmente, a como cativar seu
próprio público para ser propagado na rede em que se disponibilizou e, como
consequência, fora dela em forma de nova celebridade.
Existe conformação entre os meios de comunicação?
[...] A internet oferece um outdoor com espaço para todos: nessas vitrines
mais populares, qualquer um pode ser visto como tem direito. As opções
são inumeráveis e não cessam de se multiplicar: blogs, fotologs, Orkut,
Facebook, MySpace, Twitter, Youtube e um longo etcétera. Graças à rede
mundial de computadores, enfim, parece que o acesso à fama tem se
democratizado. [...] Embora não deixe de ser verdade que agora "qualquer
um" pode ser famoso [...]. Porque cabe às telas, ou à mera visibilidade, essa
capacidade de conceder um brilho extraordinário à banalidade exposta no
rutilante espaço midiático.12 (SIBILIA, 2010)
Retomamos o tópico com a fala da autora para problematizarmos a
relação entre Internet e mídia tradicional e mostrar que novas ferramentas
podem tirar os holofotes da fama de conformidade. A criação de conteúdos
distintos para diversas ferramentas pode ser denominada de
"intermidialidade ou interrelação de mídias. É um dos mais eficazes recursos
para garantir a transmissão de informação, porque estimula uma variedade
maior de percepções sensoriais que as simples mídias, atraindo, portanto,
mais os leitores" (SILVA, 2010, p.55). Devido a essa nova modalidade de
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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disponibilizar conteúdo em diversas plataformas, são geradas diversas
ferramentas online que contém essa característica como finalidade principal.
Dentre várias outras mídias sociais (Facebook, Twitter, Snapchat,
Instagram e mesmo os blogs, entre tantas outras) o Youtube parece ser aquele
que mais fideliza o público devido à proximidade e linguagem bastante
informal. Foi criado em 2005 como um repositório de vídeos pessoais e, em
apenas dez anos de existência, transformou o público e a forma de consumir
audiovisual.
O que era um sonho para os modelos tradicionais de mídia, como
emissoras de televisão, está se tornando uma ameaça aos modelos de
negócios desses conglomerados. Dentro desse novo contexto, foi criado o
YouTube, em 14 de fevereiro de 2005, uma plataforma que transformou o
conteúdo audiovisual online em um fenômeno de massas. (CARREIRA,
2015b, p.1)
Nessa mídia é criado um diálogo entre "[...] pessoas comuns que
através de seus canais, comentários, vídeos amadores e vlogs estão inseridas
em uma imensa e complexa rede social que tem a sua própria lógica [...]"
(HOLZBACH, 2010, p.232) e propagam seu conteúdo e aquele
disponibilizado por outros usuários, dentro e fora da plataforma. Primo
(2009) traz o conceito de "do it yourself celebrity", termo utilizado para
definir pessoas que ganham notoriedade através do compartilhamento de
conteúdo online e veem, nas comunidades virtuais, a possibilidade de se
sobressair. Para o autor, "nas comunidades virtuais que emergem na internet,
as expressões identitárias são discutidas e negociadas" (p.110) e, portanto, o
contato imediato criaria contratos entre consumidores e produtores
impossíveis sem esse tipo de tecnologia.
Um outro estudo, intitulado "4 tipos de consumidores de vídeo" e
publicado em novembro de 2014, pela empresa Google, aponta que das 30
horas médias semanais que vemos vídeo, 22 são gastas na TV e 8 na web.
Foi neste rico ambiente, impulsionado por várias inovações tecnológicas
com profundos impactos sociais, políticos e culturais, que o YouTube
ganhou força desde 2005. O canal é acessado por mais de um
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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1.000.000.000 de usuários por mês, 300 horas de conteúdo audiovisual são
enviadas por minuto e a plataforma está disponível em 75 países.92
(CARREIRA, 2015a, p.4)
Devido ao crescente uso e popularidade, os conglomerados
midiáticos provavelmente não puderam ignorar a força que a plataforma
possuía e, principalmente, alguns personagens bastante propagados.
Com a crescente popularização do site e sua consequente apropriação por
diversas instituições midiáticas, a mídia passou a ver o Youtube como um
legítimo meio de comunicação de massa. Questões que permeiam as
mídias "tradicionais", como a cultura das celebridades, e questões que
tencionam esses elementos, como os vídeos amadores que transformam
usuários da plataforma em celebridades, também são rapidamente
analisados. (HOLZBACH, 2010, p.233)
Atualmente, nessa plataforma existem conteúdos produzidos por
pessoas consideradas "comuns" e também aqueles encomendados por
emissoras e conjuntos midiáticos mais influentes. Além de vídeos
contratados como publicidade que utilizam a influência de alguns youtubers.
No YouTube existem desde conteúdos produzidos por grandes empresas
de comunicação como outros feitos por amadores que, através do sucesso
conquistado na plataforma, construíram seu próprio império de
comunicação. Estes últimos [... ] com pouca estrutura e totalmente fora
do modelo tradicional de mídia, ganharam, em pouco tempo, tamanha
força que levou alguns inclusive para emissoras de televisão ou mesmo
para Hollywood. (CARREIRA, 2015b, p.4)
Um exemplo da força desse fenômeno que pode ser citado é o fato
de que três desses youtubers (Hank Green, GloZell e Bethany Mota) foram
selecionados para uma entrevista com o presidente Barack Obama na Casa
Branca e transmitida ao vivo pelo YouTube em 2015.
92
Disponível em http://www.labcomdata.corri.br/wpcontent/uploads/2015/12/CarreiraKCPaperVersa°/oCC°/o83oFinal.pdf Acesso em 12 de janeiro de
2016.
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Além desse, é impossível deixar de citar o canal "PewDiePie" que fala
sobre jogos e tem mais de quarenta e dois milhões de seguidores, o maior do
mundo todo. Felix Arvid Ulf Kjellberg, dono do canal, foi convidado em 2015
para lançar um livro, que chegou, neste ano, ao topo da lista dos mais
vendidos. Seu canal ganha, em média, um novo assinante a cada 5 minutos.
O canal "5incominutos", de Kéfera Buchmann (atualmente
considerada atriz, apresentadora e escritora), existe há cinco anos no
YouTube e conquistou, desde então, sete milhões e meio de assinantes. É,
atualmente, o canal nacional mais influente. Desde que criou o
"5incominutos", Kéfera já liderou um programa na Rádio Jovem Pan e outro
na MTV, além de participar de um filme e lançar um livro (que na primeira
semana em que foi liberado, alcançou recorde de vendas).
Neste ponto vale ilustrar o que estamos abordando com uma simples
comparação entre os números que envolvem, no YouTube, Felix Kjelberg
do canal PewDiePie com a cantora Lady Gaga. Enquanto ele tem
37.000.000 de inscritos, a popular estrela do mundo offline tem 6.000.000
de inscritos. A performance dela, que possui a estrutura de uma gigantesca
indústria de marketing por trás, é seis vezes menor do que o youtuber Felix
que começou no YouTube em 2009. Fizemos mais uma comparação.
Desta vez dele com a cantora Rihanna, outra cantora de sucesso. Ela tem
mais do que 16.600.000 inscritos, o que corresponde a menos da metade
do que o youtuber PewDiePie possui na plataforma. (CARREIRA, 2015b,
p.9-10)
Uma das possíveis razões para o sucesso dos youtubers é a
propagabilidade do conteúdo que cria e veicula: esse conceito envolve o
conteúdo, a linguagem, a proximidade e presença em outras mídias sociais e
a atualização constante do canal. Quanto maior a nível de propagabilidade
do canal, mais
os fãs e internautas que o acessam aumentam a eficiência e o impacto do
canal sem serem obrigados a tal, pois se identificam com o que ele faz. O
youtuber sabe como o que produz é usado pelos fãs e como os mesmos
- 423 -
Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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fazem o conteúdo circular, pois eles são nativos digitais e compartilham
com eles este mundo. (CARREIRA, 2015b, p.12)
Considerações
Este trabalho mostra brevemente que, com o avanço tecnológico e o
desenvolvimento de mídias sociais digitais, o consumo de imagens mudou.
Holzbach (2010, p.231) problematiza a questão quando diz que precisamos
repensar o "papel do videoclipe na cultura contemporânea e a perda de seu
status exclusivamente televisivo, sobre a maior participação da audiência no
processo de criação de conteúdo midiático e sobre a popularização de novos
fenômenos sociais".
O surgimento de plataformas como o Youtube (mais intensamente
trabalhado nesse momento) tensionam a relação da produção de vídeos entre
o público de "pessoas comuns" com a mídia institucionalizada, forçando
conglomerados a agregar personagens que surgiram na internet. Não atoa a
indústria cinematográfica e literária lançam incansavelmente produtos que
contam com a participação e muitas vezes levam o nome de celebridades
nascidas no espaço online.
Observamos também o importante papel que os fãs desempenham
nessa cadeia produtiva porque eles são os maiores propagadores de conteúdo
disponibilizado na rede e reforçam o status dos produtores independentes.
O conjunto de fãs (fandom) tem papel fundamental porque desempenha
um papel mais ativo e, por ser mais engajado, recomenda mais o conteúdo
e colabora voluntariamente para a propagação. A indicação é uma espécie
de farol que joga luz sobre algo que pode interessar ao internauta. Os fãs
alimentam o ciclo que beneficia a exposição do canal e ajudam a criar a
reputação, que "pode ser convertida em outras coisas de valor: trabalho,
estabilidade, público e ofertas lucrativas de todos os tipos" (ANDERSON,
2006, p. 71).93 (CARREIRA, 2015a, p.8)
93
Disponível em http://www.labcomdata.com.br/wpcontent/uploads/2015/12/CarreiraKCPaperVersa%CC%83oFinal.pdf Acesso em 12 de janeiro de 2016.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Atualmente e nesse contexto tratado, Primo (2009, p.114) mostra que
essas celebridades gozam de reputação cada vez maior nos seus círculos e
muitos "utilizam sua popularidade e o conhecimento adquirido sobre a
dinâmica de redes sociais para gerar negócios e outras oportunidades
comerciais", como os vários exemplos mostrados nesse trabalho.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
La influencia del streaming y la interactividad
en redes sociales en los nuevos formatos
radiofónicos en España
Paloma López Villafranca - Universidade de Málaga / Andalucia Tech
Introducción
La radio ha evolucionado en los últimos años, aunque quizás no al
mismo ritmo que otros medios de comunicación. Desde la irrupción de
internet como configurador del nuevo marco mediático, son muchas las
voces que disertan sobre crisis en el medio. García- Lastra (2012: 168)
concreta esta crisis en la no evolución de la producción frente a los cambios
que se producen en la emisión. Para autores como Rodero (2005:134) , la
crisis se centra en los contenidos:
La radio actual ha olvidado no sólo los contenidos, sino especialmente las
fórmulas más creativas de presentación, en favor de una información de
actualidad presentada de la forma más sencilla y, si puede ser, siempre en
directo, es decir, de la manera más económica y fácil posible.
Esta crisis de creatividad que acusaban los estudiosos en la materia,
poco a poco desaparece gracias a nuevos elementos y herramientas que
pretenden captar la atención de otros públicos. Aunque ciertos programas en
radio permanecen inamovibles y siguen la misma fórmula de antaño, (como
los magazines, programas estrellas de la parrilla de programación), aparecen
nuevos espacios influenciados por la aplicación de las nuevas tecnologías.
Martínez y Martínez (2013) considera que existen cinco generaciones de
cibermedios, desde los inicios de internet a la generación de cibermedios para
dispositivos móviles (smartphones y tabletas) y los cibermedios de pago. La
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
radio ha ido incorporándose paulatinamente a la aplicación de estas nuevas
tecnologías gracias a las herramientas 2.0. Cebrián (2009:13) destaca la
importancia de la incorporación del correo, foros, chat y la locución de radio
en internet:
Son dos líneas de desarrollo que caminan, por un lado, en paralelo con
enriquecimientos mutuos y, por otro, hacia una convergencia que se une
en la ciberradio como una nueva concepción en la que se supera el origen
de ambas procedencias para aportar un medio nuevo que exige otros
planteamientos.
La incorporación de las nuevas tecnologías determinan una nueva
forma de hacer radio y la conformación de nuevos espacios. Estos nuevos
formatos pretenden captar la atención de los públicos “nativos digitales”, tal
y como podemos comprobar en la presente investigación.
1.1. La radio viral y la contribución a la interactividad de los usuarios en
las redes sociales
El fenómeno de las redes sociales en la radio española se produce
entre los años 2009 y 2010. Según Peña y Pascual (2013), a través de internet
se producen estrategias de captación de audiencia y cambian la relación con
los oyentes que opinan, votan, etiquetan e incluso distribuyen los contenidos.
Los autores subrayan la importancia de las redes sociales en la conformación
de los espacios radiofónicos y la participación de los oyentes:
La radio se encuentra en un momento iniciático en su experiencia de
simbiosis con las redes sociales. Pese a ello, se constata el plus que estas
plataformas aportan a la radio convencional, multiplicando las vías de
participación de los oyentes y potenciando el clima de comunidad.
Según Videla y Piñeiro (2013:85), con las tecnologías 2.0 el usuario
se convierte en “un prosumidor, usuario activo que no sólo accede y consume
contenidos, sino que los produce y los difunde”. Estamos ante un periodo en
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
el que oyente-usuario está al mismo nivel que el profesional del espacio.
Las redes sociales se convierten en la vía principal para participar en
los espacios radiofónicos y dar a conocer los mismos al resto de usuarios,
sean o no oyentes habituales de los programas. Estar presentes en las redes
forma parte de una estrategia para promocionar espacios y captar oyentes a
través de la viralización de los contenidos. Los internautas han conocido la
existencia de espacios radiofónicos y de conductores de programas a través
del posicionamiento del hashtag, la lucha por alcanzar Trending Topic, los
perfiles de Facebook, Twitter e incluso Instagram.
La incorporación de los Social Media a la radio ha propiciado además
que se multipliquen los canales, a través de los cuales periodistas y medios
pueden interactuar con el público, puesto que según Gallego (2012:220), se
generan “nuevas dinámicas en la relación emisor- oyente que los
profesionales del medio radiofónico están tratando de entender”.
1.2. La radio visual. La aparición del streaming visual marca un nuevo
concepto del medio
A la interacción en redes sociales, se suma la cada vez más prolífera
utilización del streaming, que permite una evolución a lo que actualmente
conocemos como Radio 2.0. Para García Lastra (2012: 2012) el streaming
permite la transmisión en directo, sin las ataduras tecnológicas de la radio
analógica y sobre todo, la radio a demanda a través del podcasting “libera al
oyente de la descarga y al emisor de ciertos problemas de manipulación de la
obra”. El oyente “prosumer” ya no tiene una actitud passiva y es, como
señalamos anteriormente, productor y consumidor de produto. Con la
incorporación del streaming visual, incluso el oyente puede compartir la
emisión en plataformas como Youtube.
El podcasting se diferencia de la descarga normal, en que permite al
usuario sindicar su mensaje, suscribirse al contenido y consumirlo en el
momento que le resulte más adecuado. Es la fusión entre radio digital y RSS,
que permite la distribución y recepción automatizada de archivos de audio
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
contenido tras una suscripción por parte del usuario a un software o web que
lo permita (Gallego, 2010:14).
La conjugación de podcasting y redes sociales parece la fórmula
perfecta para llegar a un usuario con hábitos de escucha muy diferentes al de
los radio-oyentes de hace una década. Hay diversos estudios, entre los que
destacan los de López Vidal et al (2014: 47) que confirman que los jóvenes
entre 14 y 24 años son los que menos escuchan el medio radiofónico por su
carácter de “nativos digitales”, acostumbrados a recibir de forma instantánea
información. Los autores detectan la necesidad de pensar una radio para los
jóvenes que:
supone favorecer la interactividad frente al consumo pasivo del medio que
hacen sus mayores, generar más y mejores aplicaciones digitales de forma
que el medio venga a satisfacer nuevas necesidades y, sobre todo, ofrecer
contenidos variados que vayan dirigidos expresamente a esa franja de
población muy olvidada en las emisoras generalistas.
Para López Vidales (2011: 7), la radio actual está “en internet, en el
móvil, en el transistor convencional, en la televisión digital y en los pequeños
soportes de reproducción que pueblan los bolsillos”. Pero no se trata de una
cuestión exclusiva basada en un cambio tecnológico, puesto que esos nuevos
usuarios digitales requieren de nuevos contenidos, que se asoman de forma
tímida a las parrillas de programación de la radio en España. Es por ello, que
la incorporación del streaming o la participación a través de las redes sociales
configuran estos nuevos espacios en el medio. La interactividad es lo que que
Cebrián (2009: 12) destaca de la ciberradio:
La ciberradio incorpora éstos y otros elementos a su concepción interna
de los contenidos y, además, incluye los podcasting, los audioblogs y otras
manifestaciones interactivas. Si la radio apostaba por la participación, la
ciberradio da entrada a la plena interactividad e incluso en alguna de sus
manifestaciones se llega a la creación de las ciberradios personales y
ciberradios cívicas construidas por la sociedad civil.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Costa Sánchez (2012:244) incluso hace referencia a nuevas
herramientas, como el teléfono móvil que “transforma los hábitos
comunicativos de las personas”.
En el caso del panorama radiofónico en España es habitual la
difusión en streaming visual de entrevistas en directo relevantes realizadas a
políticos o personalidades de interés, además de programas deportivos o
campañas electorales y debates radiofónicos. La incorporación de esta
herramienta permite reforzar el lenguaje en géneros como el humor, es el
caso del programa Oh my LOL o Nadie sabe nada o en programas musicales
donde el disc-jockey se convierte en actor principal en la interacción con el
público a través del multimedia.
Objetivos
El objetivo general de esta investigación es analizar la influencia del
streaming y la interactividad en la creación y difusión de nuevos espacios
radiofónicos y nuevas relaciones con los públicos.
Este objetivo general de la investigación se divide, a su vez, en los
siguientes objetivos específicos:
1. Realizar un análisis descriptivo de los contenidos de los programas
seleccionados que utilizan streaming visual y redes sociales.
2. Comprobar cuál es el canal a través del que realizan interacción de
forma más frecuente con los usuarios: en redes sociales, mail, llamadas
telefónicas.
3. Analizar los perfiles de Facebook y comprobar la interacción de
los perfiles con sus oyentes.
Metodología
Unidad de análisis
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Se emplearon como unidades de análisis diez programas que se
emiten en emisoras con mayor difusión y cuyo contenido puede descargarse,
se emite en streaming visual y se comparte en las redes sociales.
Mediante la selección se pretende ofrecer una muestra de programas
que pueden escuchar oyentes fieles de la emisora y oyentes ocasionales a
través de las redes sociales. Además, este formato se puede compartir tanto
en Facebook, Twitter como Youtube.
En esta selección se han tenido en cuenta espacios que forman parte
de la programación comercial, pública y otros formatos independientes que
se emiten únicamente en la red, como es el espacio Carne Cruda.
Por otra parte, se ha tenido en cuenta número de oyentes y número
de fans en Facebook para comprobar si existe relación con los datos del
Estudio General de Medios y números de seguidores en la red social en la que
se crea de forma usual una fanpage del programa, Facebook. La interacción
se tendrá en cuenta en el resto de redes sociales, pero teniendo muy en cuenta
la red social Facebook, por este motivo, y Youtube por la posibilidad de
mostrar contenidos compartidos en la propia red y comentarios acerca del
espacio radiofónico.
La muestra se recoge en la siguiente tabla:
Tabla 1. Muestra de la investigación
Cadena
Programa
/
Número
oyentes
de
Cadena Ser/
Oh my lol!
Cadena Ser/
Nadie
sabe
nada
Cadena Ser/ A
vivir que son
dos días
Cadena Cope/
254.000
Número
fans
Facebook
7.118
581.000
de
en
Seguidores en
Twitter
Suscriptores en
Youtube
9.418
7.896
2.839
15 K
57.534
1.930.000
24.516
27,2 K
12.572
(emisora)
1.000.000
523.664
32 K
9.141
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
Buenos días
Javi y Mar
Carne Cruda
RNE/ Ficción
Sonora
M80/
Ya
Veremos
Melodía Fm /
Lo mejor que
te puede pasar
Cadena Cope/
Tiempo
de
juego
Cadena Ser/ El
Larguero
2016
-----------913.000
72.968
2.469
99,1 K
----
5.945
1.128*
91.000
12.475
9.200
699
109.000
4.567
14,8 K
361
(emisora)
1.229.000
220.948
330 K
4.450
(emisora)
939.000
90.199
151K
12.567
(emisora)
*El canal no es de la emisora, es de la Casa Encendida, donde se
interpreta el programa.
(emisora)- hace referencia a que son los suscriptores de la emisora, no
del programa.
Fuente: EGM de 2015 y Facebook, Twitter y Youtube en febrero de 2016.
Las variables que se tendrán en cuenta obedecen a la siguiente
tipología:
1. Variables descriptivas: nombre del programa, franja horaria,
contenido, redes sociales utilizadas para promocionar el espacio.
2. Variables de interacción: número de seguidores en las distintas
redes sociales (Facebook, Twitter y Youtube), likes y dislikes,
compartidos en redes sociales, retuits, comentarios en Facebook y
Youtube (positivos, negativos, neutros), otras formas de interacción
(e-mail, teléfono, whatsapp, lectura en redes sociales de los
mensajes).
RESULTADOS
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Análisis descriptivo
En primer lugar vamos a mostrar un estudio descriptivo de estos
espacios mediante escucha (análisis de los programas). Comenzamos con los
dos programas más rompedores, que se caracterizan por la utilización del
streaming visual de forma exclusiva, puesto que utilizan decorados, espacios
adaptados al multimedia, formatos parecidos a un late night televisivo. Estos
dos programas pertenecen a la Cadena Ser, Oh my LOL!, formato de humor
junto a Nadie sabe nada, del mismo estilo.
Oh my LOL!, (nombre que juega con la expresión laughing out loud,
reírse a carcajadas), es un late night show, que engloba cinco programas
diferentes según el día de la semana, dirigido y presentado por un humorista
distinto. Se emite de lunes a viernes, de 1:30 a 2:30 de la madrugada y está
disponible en Cadenaser.com y en dispositivos móviles a las 23:00 horas,
antes de la emisión. El lunes se emite La vida Moderna en la sala Galileo
Galilei, en Madrid. El martes se emite Antonio Castelo domina el mundo,
basado en monólogos y sketches, además de estar acompañado de una banda
de blues. El night show de Especialistas Secundarios se emite los miércoles,
de humor surrealista se preocupan por la estética, puesto que uno de sus
personajes es un peluquero de la NASA que lleva una peluca. El jueves se
emite El Palomar, en la azotea de la Cadena SER, con secciones y sketches
que pueden verse en streaming. Y el viernes finaliza con Las noches de
Ortega, una parodia de programas nocturnos, con llamadas de los oyentes
disparatadas, acompañado del público.
Puesto que son programas de humor, pero dispares, para el análisis
hemos escogido uno de los espacios, el del lunes, La Vida Moderna, que tiene
un formato eminentemente audiovisual y se desarrolla en un espacio
diferente.
Imagen número 1. Programa Oh my LOL!
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Fuente: Cadenaser.com
El programa Nadie sabe Nada está basado en la complicidad de dos
humoristas, Buenafuente y Berto Romero, y se emite en la Cadena Ser, los
sábados de13:00 a 14:00 horas. Es un formato con participación del público
en la emisora y a través de las redes sociales. Basado en la dinámica teatral y
la improvisación. Es similar en su estética a Oh my LOL!.
Imagen 2. Programa Nadie sabe nada
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Fuente: Cadenaser.com
Otros programas eminentemente radiofónicos pero que han
incorporado el streaming visual como complemento, son:
A Vivir que Son Dos Días, es un programa de la Cadena Ser, que se
emite de 8:00 a 12:00 horas los fines de semana y dirige y presenta Javier del
Pino. Es un formato de fin de semana, que recupera la radio de
acompañamiento y entretenimiento, con tertulias con expertos .
Buenos Días Javi y Mar!, es un programa de Cadena 100 (COPE),
que se emite de lunes a sábado, de 6 a 11 de la mañana. Basado en la
radiofórmula, con humor y la interacción a través de redes sociales y teléfono
con el oyente.
Carne Cruda es un programa independiente, obtuvo el Premio
Ondas al Mejor Programa de Radio español en 2012. Se emitió en Radio 3 de
RNE (2009-2012) y en la Cadena SER (2013-2014) con éxito de audiencia.
Dejó ambas emisoras por su línea editorial crítica.
Ficción Sonora de RNE es un formato que recupera el radioteatro, se
emite sin periodicidad fija en RNE dentro del programa 'Abierto hasta las 2'
(domingo de 0:00 a 2:00h) y en Radio 3 dentro del programa 'En la Nube de
Radio 3' (lunes a jueves de 22:00 a 24:00h).
Imagen número 3. Ficción Sonora de RNE
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Fuente: RNE
Ya Veremos se emite en la emisora de radiofórmula M80, de lunes a
viernes, de 20 a 22 horas. Basado en humor, música y la selección de la
actualidad desde un punto de vista desenfadado.
Lo mejor que te puede pasar de Melodía FM es un Morning Show, se
emite de 06:00 horas a 10:00 de la mañana. Está basado en el entretenimento,
humor, entrevistas desenfadadas, bromas telefónicas.
Los programas deportivos también tienen lugar en la selección.
Tiempo de Juego de la Cadena Cope, se emite los sábados, de 15:00 a 02:00
horas y los domingos de 12:00 a 14:00 horas y de 15:00 a 02:00 horas de la
madrugada.
El Larguero es un espacio deportivo de la Cadena Ser, con éxito de
audiencia desde hace casi dos décadas. Se emite de lunes a sábado, de 00:00 a
01:30 de la madrugada y los domingos, de 23:30 a 01:30 de la madrugada.
Redes sociales utilizadas
Las red social más utilizada es Facebook. Todos estos espacios
utilizan la fanpage de esta red social. El 90% tiene seguidores en Twitter y el
70% tiene canal propio en Youtube, dond puede visualizarse el programa,
además de en la propia página de la emissora o del espacio.
Sin embargo, apreciamos que la presencia en Facebook es
complementaria en el caso de la interactividad, cuando la audiencia
interactúa lo suele hacer a través de Twitter. El único programa que no
establece esta relación con el público a través de Twitter es el programa de
RNE, Ficción Sonora, que lleva el radioteatro a la audiencia, es muy visual,
pero al ser un formato ocasional no se basa en la interactividad a través de la
red social Twitter.
El número de seguidores en Youtube, como podemos apreciar en la
Tabla 1, que aparece en el apartado de metodología, es muy díspar y está
relacionado también con los índices de audiencia. El programa con mayor
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
número de seguidores en Facebook es de la Cadena Cope, Buenos Días Javi
y Mar!, que interactúa de manera habitual con su público a través de redes
sociales, donde se comparten fragmentos del programa y otros temas
curiosos que se tratan en el espacio. Le sigue en número de seguidores en esta
red social el espacio deportivo de la misma emisoria, Tiempo de Juego. En
Facebook todos los espacios tienen me gusta y la media, el 88%, tienen menos
de 10 me gusta por publicación.
En Twitter el mayor número de seguidores se registra en los dos
espacios deportivos de la Cadena Cope y la Cadena Ser, Tiempo de Juego y
El Larguero. Y destaca, por otra parte, la interacción de los usuarios en la red
social Twitter del programa Carne Cruda, un formato que se considera
independiente por su manera de financiarse a través del crowfunding de los
propios oyentes. Es un formato que genera contenido sin presiones ni
directrices empresariales y, por lo tanto, quienes lo escuchan en la red es
porque comparten su visión crítica e irónica y su compromiso e ideología.
Del 66% de los espacios retuiteados, se retuitean como media unas
10 veces.
En Youtube destacan los nuevos formatos, sobre todo el programa
Nadie Sabe Nada, que tiene canal del programa y que es un claro ejemplo de
espacio donde el streaming visual es tan importante como el sonoro. Es un
programa que bien podría pasar por ser televisivo, puesto que la puesta en
escena es parecida, aunque respeta el lenguaje radiofónico y las
características del medio. Tiene características similares Oh my LOL!,
aunque este espacio se descarga más en la aplicación móvil que se ha creado
para ello y en la propia web de la emisora, Cadenaser.com, que en el canal de
Youtube. En esta plataforma aún no llega a los 10.000 suscriptores y lleva
menos de un año en antena, pero tiene gran éxito como nuevo formato y es
uno de los más comentados.
En Youtube el 40% de los vídeos se comparten entre 100 y 500 veces
y el 60% menos de 10 veces. El 86% de los espacios tienen comentarios
positivos y el 14% son tanto positivos como negativos.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
Interacción con el público
La interacción con el público, además de en las redes sociales, se
establece en el 60% de los espacios analizados por vía telefónica. En el 80% se
interactúa mediante las redes sociales y en el 50% de estos espacios, el público
acude en directo a estos programas y pueden verse vía streaming visual o en
Youtube.
Hay un 50% de programas dirigidos a un público joven entre los
seleccionados y otro 50% dirigido a un público más adulto.
En streaming sonoro y visual podemos descargarnos todos los
programas y consumirlos a la carta.
Conclusiones
Apreciamos un cambio en el consumo de los formatos radiofónicos
que se adaptan a los nuevos públicos. Se trata de llegar a los nativos digitales,
a nuevo oyentes que no tienen hábito de escucha y que consumen estos
contenidos en internet. Por la muestra selecionada, podemos afirmar que se
trata de programas en los que lo visual cada vez tiene mayor presencia e
importancia y se cuida tanto el lenguaje radiofónico como la puesta en
escena. El hecho de que se consuman a la carta y se compartan en redes
sociales aumenta los oyentes potenciales, que pasan de ser oyentes a
consumidores de un espacio multimedia. Igual que ocurriera con los diarios
digitales, la radio en España se consume de una forma diferente y la muestra
más clara es que incluso hay formatos que se elaboran de forma específica
para los nativos digitales, como es el caso de Nadie Sabe Nada y Oh my LOL!
de la Cadena Ser. Las emisoras poseen además una aplicación para que se
consuman estos espacios en el móvil e indican a los usuarios cómo llevar a
cabo la descarga de estos espacios.
Aunque la comunicación con los usuarios se sigue estableciendo por
vía telefónica, las redes sociales se consolidan como el médio de interacción
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
2016
más importante. La relación con el público de manera directa la establecen a
través de Twitter. La mayoría de estos programas leen en el espacio los
mensajes de los oyentes-usuarios en la red. Además, a través del hashtag
llegan a otros usuarios que no son los oyentes habituales, que pueden
incorporarse en la interacción y son un reclamo importante para captar la
atención de la audiencia que consume los mensajes en redes sociales. Aunque
sólo un 40% de estos programas tiene canal propio de Youtube, también
podemos confirmar que en distintas cuentas, no sólo de la emisora, se
comparte el contenido de estos espacios.
En definitiva, esta muestra refleja una tendencia en el cambio de
formatos que evoluciona acorde a las nuevas tecnologías, el consumo de los
espacios a través de aplicaciones móviles y los hábitos de nuevos
consumidores de los espacios a través de la red.
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O jornalismo de desacontecimentos no
ambiente digital: uma análise das colunas de
Eliane Brum para o portal El País Brasil no ano
de 2015
Tayane Aidar Abib - UNESP
Introdução
Desde o início de sua carreira jornalística, como repórter no jornal
gaúcho Zero Hora, em 1989, Eliane Brum experimenta diferentes dinâmicas
produtivas dentro do cenário noticioso. Como repórter, Brum atuou onze
anos no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, e dez anos na revista Época, em
São Paulo. Desde 2010, ela trabalha como jornalista freelance, dedicando-se
à escrita de colunas de opinião, inicialmente para o site da revista Época e há
quase três anos para o portal brasileiro do jornal El País.
Ao longo de todo esse percurso profissional, seu fazer jornalístico
marcou-se por valores e técnicas de reportagem específicos, distintos
daqueles verificados na mídia tradicional. Trata-se do Jornalismo de
Desacontecimentos: uma concepção que define a escolha de Brum em narrar
o cotidiano de pessoas anônimas, fundamentada em uma relação de
transparência e dialogia com suas fontes e leitores, cujas características serão
aprofundadas adiante.
Para este artigo, objetiva-se traçar uma análise sobre o trabalho de
Brum no universo online, na busca por identificar as possíveis divergências
entre suas produções e os registros digitais da mídia convencional. Esperase, também, demonstrar que a presença de elementos fundantes do
Jornalismo de Desacontecimentos contribui para o amplo alcance dos
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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escritos de Brum na web, que atingem uma média de 38 mil
compartilhamentos por coluna. Em última instância, quer-se evidenciar que
o jornalismo de Brum continua a fugir do lugar-comum da pauta, de
assuntos e personagens que estão nas agendas das redações, insistindo em
exergar um mundo recluso pela emergência da notícia. Mesmo inserida em
um novo ambiente - o digital - e tomada por uma proposta narrativa
diferente - a opinião o que se percebe é que a escrita de Brum ainda se faz
calcada em seu posicionamento como repórter de desacontecimentos.
Para tanto, divide-se este trabalho em três etapas: na primeira,
desenvolve-se um estudo sobre as características do webjornalismo,
considerando os apontamentos de Palacios (1999), Mielniczuk (2003) e
Canavilhas (2001), a fim de melhor compreender o fazer jornalístico em
ambientes digitais; na segunda, apresentam-se reflexões sobre as propostas
do Jornalismo de Desacontecimentos a partir da prática de Brum e, por fim,
realiza-se uma análise de conteúdo das 28 peças de Eliane para o portal El
País Brasil no ano de 2015, de modo a ressaltar os aspectos que as diferenciam
dos registros convencionais e indicar os caminhos que podem ser explorados
pelo jornalismo na produção de conteúdos para a plataforma online.
O jornalismo na Web: características e apontamentos teóricos
O interesse em compreender as novas configurações do jornalismo
em plataformas digitais tem fomentado estudos em diferentes linhas de
investigação. Em conformidade com o que propõe Pavlik (2001, p.49):
"advances in new media technology are transforming these technical tools,
which offer new ways to process raw news data in all its forms, whether
handwritten notes, audio interviews, or video contente". Do mesmo modo,
para Canavilhas (2001, p.01), "o aparecimento de novos meios de
comunicação social introduziu novas rotinas e novas linguagens
jornalísticas". Discute-se, portanto, sobre as possíveis rupturas e
continuidades geradas pela internet na produção jornalística e sobre as
inovações a que se pode chegar com a aplicação dos recursos deste novo
ambiente.
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Narrativas Imagéticas, Diversidade e Tecnologias Digitais
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Considerando a proposta do presente artigo, este item se dedicar a
realizar apontamentos teóricos sobre as características do webjornalismo e
sobre a linguagem jornalística no universo online. Com isso, buscamos
fundamentar, adiante, uma reflexão acerca do fazer jornalístico de Eliane
Brum na web, ou seja, investigar de que maneira seus valores e técnicas se
diferenciam do que se tem feito em termos de conteúdo digital, com a
finalidade não de criticar ou fazer oposição às potencialidades da web, mas
sim de analisar a importância do resgate da profundidade em textos
jornalísticos como um recurso a ser priorizado nas produções.
Pensando nas características do jornalismo desenvolvido para a web,
recorre-se às formulações de Palacios (2002) acerca das seis potencialidades
oferecidas pela internet, a saber: multimidialidade ou convergência,
interatividade,
hipertextualidade,
personalização,
memória
e
instantaneidade ou atualização contínua. De maneira simplificada, elas assim
se apresentam:
- Multimidialidade ou convergência: segundo Palacios (2002, p.18),
trata-se de uma conjugação dos formatos das mídias tradicionais (imagem,
texto e som) na narração do fato jornalístico. Para Murad (1999, p.5), as
diversas possibilidade de combinação desses recursos, reunidos em uma
mesma mensagem e conectados através de hiperlinks, incrementam a
produção jornalística e gera novos parâmetros de redação aos jornalistas. No
mesmo sentido, Canavilhas (2001, p.2) sustenta que a introdução desses
novos elementos não somente cria uma escrita não-linear, mas também uma
leitura não-linear:
Se, para o jornalista, a introdução de diferentes elementos multimédia
altera todo o processo de produção noticiosa, para o leitor é a forma de ler
que muda radicalmente. Perante um obstáculo evidente, o hábito de uma
prática de uma leitura linear, o jornalista tem de encontrar a melhor forma
de levar o leitor a quebrar as regras de recepção que lhe foram impostas
pelos meios existentes. O grande desafio feito ao webjornalismo é a
procura de uma "linguagem amiga"que imponha a webnotícia, uma
notícia mais adaptada às exigências de um público que exige maior rigor
e objectividade (CANAVILHAS, 2001, p.3).
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Canavilhas ainda aborda um estudo realizado pelo Media Effects
Research Laboratory, cuja conclusão ressalta o fato de que os recursos
multimídia e a interatividade melhoram a percepção do leitor acerca do
conteúdo. Outro estudo, realizado por Nielsen e Morkes (1997), apontam
que 79% dos usuários de internet não leem as notícias palavra por palavra,
mas por uma leitura por varrimento visual, denominada scan the page,
buscando palavras e frases.
Desta forma, a orientação dos pesquisadores aos jornalistas que
escrevem para a web é a produção de textos "esquadrinháveis", isto é, que
sigam essas regras: usar hipertextos para segmentar informações longas,
escrever tendo em vista a facilidade da leitura, através de parágrafos curtos,
subtítulos e listas com bullets, ser suscinto e não escrever mais de 50 por
cento do texto que escreveria para tratar do mesmo assunto em uma
publicação impressa e usar listas sempre que possível.
-Hipertextualidade: permite que blocos de informação se conectem
através de links. Na visão de Suanno (2003), as páginas online se constituem
como uma construção de hiperlinks e hipertextos, conferindo maior
dinamicidade aos escritos e rompendo com a linearidade, na medida em que
se faz possível disponibilidade ao internauta um número ilimitado de
informações, assim potencializando o seu papel na rede.
-Interatividade: Mielniczuk (1998) e Palacios (2003) concordam na
utilização do termo multi-interativo para se referir ao conjunto de processos
que envolvem a situação do leitor de um jornal na Web que, "ao acessar um
produto jornalístico, estabelece relações: a) com a máquina; b) com a própria
publicação, através do hipertexto; e c) com outras pessoas - seja autor ou
outros leitores -através da máquina" (MIELNICZUK, 1998, p.4).
Personalização: refere-se à customização de conteúdos que
os usuários podem fazer de acordo com seus interesses
individuais.
Memória: destaca Palacios (1999, p.6) o espaço
praticamente ilimitado que a Web oferece "para
disponibilização de material noticioso, informação
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anteriormente produzida e armazenada, através da criação
de arquivos digitais, com sistemas sofisticados de indexação
e recuperação da informação".
Instantaneidade: diz respeito à agilidade de atualização de
material na web, o que possibilita o acompanhamento
contínuo das informações por parte dos leitores.
Conforme ressaltado anteriormente, não há um consenso nos
estudos sobre webjornalismo. Para este trabalho, buscou-se sintetizar as
considerações de alguns estudiosos sobre características relevantes para a
produção de textos online. De fato, tais potencialidades vêm sendo aplicadas
por diferentes meios de comunicação, alcançando êxito entre os usuários. O
que nos chama atenção, no entanto, é que os escritos de Eliane Brum
parecem não se valer de tais ferramentas e, ainda assim, alcançam expressiva
visibilidade - em termos de acesso e compartilhamento - na rede.
A seguir, portanto, aprofundaremos a reflexão sobre a prática
jornalística de Brum, de modo a evidenciar seus valores e técnicas para que
se possa, então, partir para análise de conteúdo de suas colunas para o portal
El País Brasil em 2015.
O Jornalismo de Desacontecimentos: proposições para um novo fazer
Em cada etapa da produção noticiosa - percurso que envolve a
escolha da pauta, a apuração, entrevista e redação -, o jornalismo de Eliane
Brum revela elementos singulares que o diferem do fazer midiático
tradicional. Desde o início de sua carreira jornalística, como repórter no
jornal gaúcho Zero Hora, em 1989, a escolha de Brum definiu-se por narrar
o cotidiano das pessoas anônimas, de modo a centrar sua prática na
apropriação de fatos não-marcados, isto é, "fatos não imediatamente
relevantes para o cânone da cultura jornalística, normalmente
desconsiderados pela marcação (pauta) da grande mídia" (SODRÉ, 2009,
p.76),assim rompendo com o código de produção dos acontecimentos,
definido por Tuchman (1978, p.74) como a unidade de análise privilegiada
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pelo jornalismo e por Sodré (2009, p.98) como um "pacto implícito na
comunidade jornalística sobre os valores-notícia". Por não partilhar da
cultura profissional da comunidade jornalística 94, consideramos - neste
trabalho e na pesquisa da qual este resulta - a prática de Brum desvinculada
do fazer midiático convencional, de modo a instaurar uma nova
noticiabilidade: a do cotidiano ou a do desacontecimento:
A carne da minha reportagem são os 'desacontecimentos', palavra que dá
conta de uma escolha: escrevo sobre a extraordinária vida comum, sobre
o cotidiano dos homens e das mulheres que tecem os dias e também o país,
mas nem sempre são contados na história. Sobre aquilo que se repete e,
por equívoco ou por miopia, é interpretado como banal. Ao empreender
essa narrativa, busco subverter o foco, embaralhando os conceitos de
centro e de periferia. Sou uma repórter de desacontecimentos (BRUM,
2013, p.13).
Por acreditar que a narrativa é "a chave para alcançar a complexidade
– ou as várias versões - da vida do outro" (BRUM, 2013, p.75), defende-se
que a prática jornalística de Brum fundamenta-se no diálogo dos afetos
(MEDINA, 2008), indissociável do nível da sensibilidade e capaz de
consolidar o jornalismo como instituidor da vinculação humana na
pluralidade do comum.
O jornalista, o comunicador como agente cultural, ocupa um lugar
privilegiado na sociedade - não pode se contentar em exercer a função
administrativa dos sentidos já estabelecidos em qualquer instância de
poder. Para renovar e criar uma narrativa rigorosa, sutil e solidária, é
preciso contato e o movimento: o corpo por inteiro abre a sensibilidade
para a intuição criadora que, por sua vez, mobiliza a razão complexa para
uma intervenção transformadora (MEDINA, 2008, p.109).
94
Segundo Traquina (2005, p.190), a comunidade jornalística é uma tribo em que se partilham os
saberes específicos de reconhecimento (critérios de noticiabilidade), procedimento (técnicas de
reportagem e entrevista) e narração (técnicas textuais de lead e pirâmide invertida) - fatores cruciais na
elaboração do produto jornalístico.
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Essa ideia de movimento e abertura está presente em Buber (1982,
p.56) como um "voltar-se-para-o-outro" e na técnica de apuração e de
entrevista de Brum como um despojar-se para se preencher pelos
significados do outro:
Antes de chegar em qualquer mundo, a gente pede licença. E a minha
forma de pedir licença é fazer um processo de entrega, em que eu me
esvazio. Eu só posso ser preenchida por aquela realidade se eu me esvaziar.
E esse processo não é fácil, porque tu tem que ir para o mundo do outro,
sem os teus preconceitos, sem os teus dogmas e, principalmente, sem as
tuas certezas, com a coragem e o respeito de se arriscar a uma realidade
que não é tua, e se espantar com essa realidade (BRUM, 2008, p.14).
É neste sentido que Caco Barcellos afirma, no prefácio do livro "O
olho da rua - uma repórter em busca da literatura da vida real", que
"reportagem, para Eliane, é um ato de entrega, de envolvimento intenso entre
quem fala e quem escuta, por meio de uma relação preciosa de confiança
mútua entre repórter e personagem" (BRUM, 2008, p.10). Está-se diante,
assim, de um encontro que simboliza a palavra-princípio Eu-Tu - cerne do
pensamento de Buber (1979) -, fundamento da relação de dois parceiros na
reciprocidade e na confirmação mútua. Nesta filosofia do diálogo, o Tu se
apresenta ao Eu como a sua condição de existência, já que não há um Eu em
si, independente. "Em outros termos, o si-mesmo não é substância, mas
relação. O Eu se torna Eu em virtude do Tu" (p.48).
Por isso, o fazer jornalístico de Eliane Brum também se dispõe à arte
do olhar e do escutar, mobilizando os órgãos do sentido para a apreensão das
significações do universo do outro, assumindo a reivindicação de Restrepo
(1998, p.19) ao direito à ternura e rompendo com o analfabetismo afetivo deformação e empobrecimento sofridos pelos cidadãos ocidentais - para o
qual alerta o psiquiatra.
É isso o que me fascina. Eu sou repórter, eu sou escutadeira, eu me
movimento por causa disso. Me dá uma dor profunda, porque se eu
pudesse eu queria escutar todas as pessoas. Porque é isso, são tantas e
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tantas pessoas, tantos e tantos universos, com uma forma extremamente
criativa de se reinventar. No sentido não de se inventar como algo
definitivo, estático e imutável, porque isso seria cada um se tornar um
morto vivo, mas se inventar de forma a permitir que, em uma vida só, se
tenha vários nascimentos, várias vidas numa vida só (BRUM, 2014,
arquivo digital4).
Sob esta perspectiva, acredita-se que o Jornalismo de
Desacontecimentos, ao articular sensibilidade, dialogia e afetos em sua
prática, amplia a possibilidade da experiência de compreensão do outro em
sua totalidade, seja no nível da relação entre jornalista e fonte, como também
da relação entre o leitor e o personagem narrado. Isso porque esses dois
níveis coexistem em um plano de interdependência: é somente ao estabelecer
uma relação de reciprocidade entre jornalista e fonte - nos moldes da
palavra-princípio Eu-Tu, de Buber (1979) -, que se pode gerar no leitor a
compreensão humana (MORIN, 2002) acerca da presença do outro em simesmo (RICOEUR, 1913), tal qual manifesta Brum em seu fazer noticioso:
"não existiria esse eu sem todos esses outros"5.
Fundamentados nessas premissas, partimos para o item seguinte
deste artigo, cujo objetivo é analisar as colunas quinzenais de Eliane Brum
para o portal El País Brasil em 2015. Com isso, nossa busca é evidenciar que
os valores apontados acima - que sustentaram o trabalho de Brum como
repórter de jornalismo impresso desde o início de sua carreira, em 1989 permanecem em suas narrativas digitais e podem fomentar reflexões sobre
novas possibilidades de fazer jornalismo no universo online.
O Outro nas produções jornalísticas de Eliane Brum: análise de suas
colunas para o portal El País Brasil no ano de 2015
Atuando na editoria de opinião do portal El País Brasil desde o final
de 2013, Eliane assina uma coluna quinzenal no periódico, que também é
traduzida para a versão espanhola e latino-americana. Seus textos, apesar de
agora analíticos, ainda carregam muito das valorações de Brum como
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repórter: sua busca por narrar os desacontecimentos - ou aquilo que não é
evidenciado pela mídia convencial - e por alcançar a complexidade do outro,
através do diálogo e da abertura para a compreensão de seus sentidos. Como
ela mesma afirma, ao comentar sua experiência: "assim começou minha
coluna, desde o início marcado pelo fato de que sou uma repórter escrevendo
uma coluna de opinião" (2013, p.14). Seus escritos resguardam a intenção de
qualificar as questões de seu tempo histórico, ampliando as vozes nas
narrativas, enxergando os detalhes que permeiam nossos cenários, sempre
interessada em preservar uma relação de transparência para com suas fontes
e seus leitores.
Meu pacto com quem me lê parte de algumas regras pessoais, e estas eu
não transgrido: 1) tenho de estar tomada pelo assunto, porque essa é a
primeira verdade que ofereço; 2) preciso acreditar ter algo a dizer que
ainda não foi dito por outros articulistas, ou pelo menos não da forma
como eu gostaria de dizer, evitando tomar o tempo das pessoas com um
texto que elas poderiam ler em outro lugar; 3) tenho de ter estudado muito
antes de escrever, porque o olhar e a ideia são apenas pontos de partida
para a investigação que vai permitir a construção de um texto consistente,
ainda que algumas vezes essa investigação seja uma trajetória acidentada
pelos meus interiores ou memórias" (BRUM, 2013, p.15).
Para tanto, suas colunas resgatam o recurso mais importante que a
internet pode oferecer, na visão de Brum: a profundidade. Seus textos
raramente apresentam elementos multimídia e, quando isso acontece,
tratam-se de imagens e hiperlinks. Sua escrita também, em geral, não se
divide por subtítulos ou blocos de informação. Na análise do corpus
selecionado para este trabalho, as peças de Brum atingem, em média, 20 mil
caracteres, sendo que uma delas, "Um negro em eterno exílio", tem 66 mil
caracteres e conta como uma entrevista de 59 mil. "Existe um pensamento no
jornalismo online de que o leitor não lê textos compridos, de que o seu tempo
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de atenção é mais limitado na internet, e com as colunas da Eliane a gente
confirmou que não é assim, a recepção é muito boa" (SECO95, 2015).
Minha coluna também foi uma provocação a isso (de que a internet é para
textos curtos e instantâneos), porque parecia um contrassenso do que os
arautos determinavam que era para a internet. Eu acho esse um grande
equívoco, porque se o jornalismo ficar disputando banalidades, ele vai
perder a importância e aquilo que faz a diferença. E no jornalismo o que
faz a diferença é a profundidade, é a capacidade de fazer o movimento da
reportagem (BRUM, 2014) 96.
A partir de uma análise de conteúdo das 28 colunas produzidas por
Brum para o El País Brasil no ano de 2015, fez-se possível verificar que seus
escritos alcançam, em média, 38 mil compartilhamentos diretos através do
portal. Nesses dados, não estão contabilizados os compartilhamentos feitos
através da página brasileira, latino-americana e espanhola do El País no
facebook. A seguir, apresenta-se um quadro com os resultados desta análise:
95
Trecho de entrevista com Raquel Seco, editora online do portal brasileiro El Pais, concedida à Tayane
Abib, no dia 27/05/2015.
96
Trecho de entrevista de Eliane Brum concedida a Tayane Aidar Abib no dia 21 de maio de 2014.
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Ao confeccionar o quadro acima, teve-se por objetivo evidenciar as
temáticas mais recorrentes nos textos de Brum, assim como sua repercussão.
Destaca-se, no entanto, que todos os seus escritos apresentam análises
complexas, em que se abordam questões políticas, sociais e culturais
concomitantemente. Para efeito de análise, na coluna "Temas" do quadro,
optou-se por manter o tema mais evidente na leitura dos escritos. Sendo
assim, no texto "Os índios e o golpe na constituição", por exemplo, discutese não apenas sobre o meio ambiente, mas também sobre o descaso político
e social para com a população indígena.
Da mesma forma, a coluna "Personagens" do quadro, traz quem ou
aquilo sobre o que se comenta: em alguns momentos, Brum trata de histórias
específicas - famílias que vivem em torno do Xingu (João e Raimunda, Otávio
das Chagas), lideranças ambientais ou sociais (Antonia Melo, Carlos Moore),
catador de lixo (Ailton dos Santos), a mulher que 'abandonou' seu bebê
(Sandra Maria dos Santos) -, em outros, aborda a sociedade e as relações
sociais como um todo e, muitas vezes, as minorias.
Talvez como colunista, eu seja então uma das desidentidades. Eu escrevo
sobre a vida misturada, para além dos escaninhos das editorias, e com
mais de um estilo, porque cada história pede um ritmo diverso e palavras
próprias. E acho que nunca me misturei tanto quanto ao escrever essa
coluna, na qual pude incluir minha paixão por literatura e por cinema e
também meu gosto por política. Se as divisões arbitrárias de cultura,
comportamento, economia, politica etc - ou variações similares - servem
para organizar a publicação, qualquer jornalista sabe que uma boa
reportagem ou um bom ensaio ou uma boa coluna é misturada, porque a
vida não se deixa compartimentar (BRUM, 2013, p.15).
Com este quadro, quer-se demonstrar que Eliane continua a
caminhar sob o eixo do Jornalismo de Desacontecimentos, tanto na escolha
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de seus temas e personagens, como nos valores aplicados em seus textos. Essa
se define em sua busca para "dar voz aos que estão à margem da narrativa"
(BRUM, 20148). Do mesmo modo, uma leitura atenta às suas colunas permite
evidenciar seu interesse em compreender os significados do outro, à luz do
que fala Medina (1990, p.18), quando propõe um diálogo interativo entre os
sujeitos, ou o diálogo dos afetos: "mergulha no outro para compreender seus
conceitos, valores, comportamentos, históricos de vida", ou, então, do que
diz Kunsch quando trata de complexidade e compreensão no jornalismo:
Há que se fazer do próprio ato de produção simbólica uma prática de
justiça, igualdade, democracia e participação, de respeito ao outro, de
diálogo com o diferente: no contato com as fontes, na reprodução de
palavras, no modo de contar histórias etc. (KUNSCH, 2000, p.22).
Em "A boçalidade do mal", Eliane discute um episódio em que Guido
Mantega, ex-ministro da Fazenda dos governos Lula e Dilma Rousseff, é
hostilizado com sua mulher na lanchonete do Hospital Israelita Albert
Einstein, em São Paulo. A partir disso, Brum discorre sobre um conceito
complexo de Hannah Arendt e dá um passo a mais ao falar em 'boçalidade
do mal'. Trata-se da nossa incapacidade de compreender o outro: "em que
momento a opinião ou a ação ou as escolhas do outro, da qual divergimos,
se transforma numa impossibilidade de suportar que o outro exista?".
Também em "Mãe, onde dormem as pessoas marrons?" a questão do
Outro é debatida. Entre tanto assuntos, Brum escreve sobre um Brasil
representado como um condomínio, no qual encerramos nossas vidas para
escapar da 'ameaça' do diferente: "a rua, o espaço público, é onde ela não pode
estar. E por quê? Porque lá está o outro, o diferente. E ela só pode estar segura
entre seus iguais, no lado de dentro dos muros". E propõe que se reconheça
a humanidade que existe neste outro: "hoje, é urgente estar de fato com o
outro e se arriscar ao que isso significa".
Em outras colunas, nas quais Eliane não discorre especificamente
sobre a figura do outro, deixa transparecer a sua busca em compreender suas
razões, os significados que movem sua vida, para que então possa repassá-las
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ao seu leitor. Em "Vítimas de uma guerra amazônica" - de 52 mil caracteres e em "O pescador sem rio e sem letras" - de 22 mil caracteres -, Brum reporta
a história das famílias que perderam suas casas, foram removidas, por conta
da obra da usina de Belo Monte, e questiona: "à beira de Belo Monte, uma
história pequena numa obra gigante. Que tamanho tem uma vida humana?".
Ao conviver com João, Raimunda, Otávio das Chagas, sua esposa e seus
filhos, Eliane busca compreender o valor do rio e de um pedaço de terra para
cada um deles, assim como a dificuldade de se descobrir analfabeto para a
linguagem jurídica. E ao compreender, compartilhar. Pois nas
singularidades, reside também a coletividade que nos faz.
As colunas de Brum parecem apontar, portanto, para o convite que
nos faz Kunsch (2000, p.17) para "assumir o gesto humilde e corajoso da
compreensão, a aventura do encantamento e a busca solidária" capaz de
renovar a possibilidade de "reencantamento do ato humano de conhecer e
contemplar as coisas, a vida, a sociedade e o mundo, a partir de uma visão
complexa, que tece em conjunto, que soma. Visão que faz do signo da
compreensão um imperativo" (KUNSCH, 2000,
p.292).
Considerações finais
À guisa de conclusões, este artigo teve por objetivo desenvolver um
estudo sobre a configuração do Jornalismo de Desacontecimentos no
ambiente digital. Nosso interesse foi evidenciar, a partir de uma análise de
conteúdo das 28 colunas produzidas por Brum para o portal El País Brasil, as
divergências entre a produção jornalística de Brum e os registros digitais da
mídia convencional.
Para tanto, realizamos apontamentos teóricos sobre o
webjornalismo, suas características e pontencialidades e constatamos que
Brum não utiliza recursos multimidiáticos em todos os seus textos: apenas
12 contam com imagens, nenhum apresenta vídeos ou outros elementos de
convergência; seus escritos têm em média 20 mil caracteres, alguns alcançam
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22 páginas e, no entanto, a média de compartilhamentos diretos através do
site é de 38 mil, com alguns textos atingindo a marca de 320 mil ("Parabéns,
atingimos a burrice máxima") e 124 mil ("A mais maldita das heranças do
PT").
Desta forma, o jornalismo de Brum parece não caminhar dentro dos
padrões do que, em teoria e em prática, convenciona-se e faz-se em termos
de conteúdo jornalístico. Há, no entanto, que se destacar que o trabalho de
Brum tem um cunho analítico e que a jornalista trabalha com um prazo
(deadline) maior para publicação. Entretanto, mesmo como colunista, entre
o corpus, é possível identificar 5 reportagens, entre outros textos que se
misturam com entrevistas. Por tudo isso, faz-se necessário refletir sobre a
repercussão do trabalho de Brum online. Nossa intenção não é desvalorizar
ou refutar as teorias que tratam da convergência digital ou descreditar
produções que se valem de recursos multimidiáticos. Ao contrário, o que se
quer é fomentar o debate sobre a necessidade de se resgatar a profundidade
no jornalismo:
Agora, com a internet, tu prova que leitor gosta sim de textos longos, tu
sabe qual é a audiência que tu tem, quantas pessoas leram teu texto e
quanto tempo elas ficaram no teu texto. Então, agora a gente pode
responder essa pergunta. E a resposta é que sim, o leitor gosta de texto
longo desde que respeite sua inteligência, que ecoe, que faça a diferença e
valorize seu tempo. A gente precisa trabalhar melhor para esse leitor que
agora é muito mais exigente, e agora tem muito mais voz do que antes
tinha (BRUM, 2014, arquivo pessoal).
Acredita-se, desta forma, que a busca de Brum por compreender o
Outro, a complexidade de seu universo, suas teias de significações e sentidos,
fundamenta o percurso do Jornalismo de Desacontecimentos no ambiente
digital e diferencia os seus escritos dos demais textos da mídia convencional,
de modo a contribuir para o amplo alcance - visibilidade e compartilhamento
- de suas colunas na rede. Ao se interessar pela realidade do Outro, firmando
com seus personagens e fontes uma relação de diálogo e compreensão, Brum
permite que seus leitores também partilhem da mesma experiência.
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Em consonância com o pensamento de Brum, Pavlik identifica na
internet a possibilidade de o jornalista estabelecer uma conexão mais ampla
entre eventos, circunstâncias e contextos. Com o maior volume de
informações, o autor acredita que há a necessidade de aumentar a capacidade
de interpretação do jornalista na construção textual e na edição e que este
profissional tem o papel de reconectar comunidades e instituições, tanto em
nível local quanto transnacional, exercendo uma forma de 'jornalismo
contextualizado' (PAVLIK, 2001 apud FRANCISCATO, 2005, p.221).
Referências bibliográficas
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BUBER, Martin. Do diálogo e do dialógico. São Paulo: Perspectiva,
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. Eu e tu. 2a edição revista. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.
CANAVILHAS, João. WebJornalismo: Considerações gerais sobre o jornalismo na web. Publicado em
2001. Disponível em: < http://www.bocc.ubi.pt/pag/canavilhas-joao-webjornal.pdf> Acesso em: 26 de
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FRANCISCATO, C. E. A fabricação do presente. Aracaju: Editora UFS, 2005.
KUNSCH, Dimas. Maus pensamentos: os mistérios do mundo e a reportagem jornalística. São Paulo:
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O Profissional da Informação e as
contribuições sob o ciclo de vida políticas
públicas de Informação e Tecnologia
Thabyta Giraldelli Marsulo - UNESP
Ângela Maria Grossi de Carvalho - UNESP
1 Introdução
A preocupação com a estruturação, representação, organização,
disseminação e uso de conteúdos informacionais acompanha o
desenvolvimento cultural da humanidade há séculos. Contudo, é na
contemporaneidade, com a ruptura das barreiras de tempo e espaço
propiciadas pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) que essa
preocupação adquire importância ainda maior, principalmente, depois do
aparecimento da Internet e do ambiente World Wide Web (WWW ou Web).
Essas tecnologias, cujas interfaces computacionais interferem nos
modos de produzir e acessar informação propiciando o surgimento de um
novo sistema hibridizado, em que homens e máquinas, pelas suas formas de
interação,
modificam,
o
fluxo
informacional
aumentando-o
exponencialmente, tornam prementes ações que favorecem o efetivo acesso
à informação e ao conhecimento, bens indispensáveis para o
desenvolvimento global da humanidade.
Segundo Davenport e Prusak (1998) O conhecimento é a informação
agregada, pois existe diante do contexto vivenciado por alguém, que deu a
aquela informação sua interpretação e significado de modo a tornar-se mais
valioso.
A sociedade da informação abarca todas as ferramentas e todas as
oportunidades que as tecnologias vem proporcionando as pessoas nos
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últimos anos, colocando à disposição uma grande quantidade de
informações e múltiplas formas de acesso a elas.
A mudança no modo como as pessoas se relacionam com a
informação e seu impacto na sociedade se baseia na essência da Internet: sua
dinâmica e sua capacidade de extinção das fronteiras para possibilitar o
acesso global a diversos tipos de informação e onde encontrar a informação
relevante é fundamental para que a mesma possa ser utilizada.
Com o apoio das TIC é possível criar sistemas e serviços avançados
de informação e de prevenção de riscos sobre o meio ambiente como alerta
e suporte ás políticas públicas, estratégias empresariais e ações sociais.
A sociedade do conhecimento se baseia no uso compartilhado de
recursos, na construção coletiva de conhecimento, na interação livre de
restrições de espaço e tempo e, na valorização do direito à informação, às
tecnologias de informação e comunicação e à educação, como um bem
comum, assim a população passa a ter mais poder diante da reivindicação de
seus direitos, uma vez que, a informação e o conhecimento, matérias-primas
indispensáveis para a construção da nova sociedade.
Dziekaniak e Rover (2011, p. 7) apontam que a
evolução das tecnologias da informação e comunicação e a sua invasão
nos países periféricos, sem um compromisso sério dos Governos em
repensar a nova economia, ou proposição e aplicação de novas formas de
manutenção e gestão da sociedade como um todo, levando em
consideração o grande impacto que as tecnologias da informação e
comunicação trazem (principalmente na geração de empregos e
desenvolvimento social), faz com que os inúmeros aspectos negativos
ganhem terreno e coloquem a Sociedade da Informação em crise. Uma
crise sem precedentes na história, dado que os aspectos que a
desencadearam tendem a crescer exponencialmente e se desenvolverem.
Enquanto por outro lado se percebe, senão a estagnação, pelo menos não
a mesma preocupação dos governos frente à proposição de projetos e
incentivos relativos à educação e à inserção da população neste novo
contexto digital.
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Nessa nova sociedade, as políticas públicas deviam traduzir em seu
processo de elaboração e implantação e, sobretudo, em seus resultados as
formas de exercício do poder político desta população, envolvendo a
distribuição e redistribuição de poder (e do conhecimento), o papel do
conflito social nos processos de decisão e a distribuição de custos e benefícios
sociais. (TEIXEIRA, 2002)
Entretanto, para que isso ocorra, Lévy (2010) aponta que na
sociedade do conhecimento as pessoas devem ser preparadas e educadas para
a interação com as informações, não se deve fabricar pessoas que consomem
informação previamente empacotadas por terceiros. Para o autor, a
população tem de ser formada e habilitada para a interação crítica, a fim de
compreender qual informação possui fonte fidedigna e ser capaz de
encontrar a informação que procuram enquanto produzem informação para
ser consumida, através da inserção do material contida nas fontes em seu
contexto social específico, resultando em um movimento de troca,
colaboração e complementação de conhecimentos, que alimenta o sistema.
Contudo, como o poder é uma relação social que envolve vários
atores com projetos e interesses diferenciados e até contraditórios, há
necessidade de mediações sociais e institucionais, para que se possa obter um
mínimo de consenso e, assim, as políticas públicas possam ser legitimadas e
obter eficácia.
No âmbito da mediação o profissional da informação apresenta-se
qualificado para atuar, sendo assim o presente projeto busca inserir o
profissional da informação e suas habilidades mediadoras no processo de
formulação e avaliação de políticas públicas, aproximando governantes e
governados em uma discussão produtiva de melhoria da sociedade em que
estão locados.
2 As políticas públicas e a ciência da informação.
As políticas públicas vêm sendo definidas historicamente como um
campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, cobrar ações de
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governos democráticos e constantemente avalia-las propondo mudanças e
adequações sempre que necessário.
Considera-se que este ramo do conhecimento contou com quatro
grandes fundadores: H. Laswell (1958), H. Simon (1957), C. Lindblom(1959)
e D. Easton (1965), que apresentaram conceitos norteadores dos estudos de
ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder
público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado, nesse
caso, políticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos
(leis, programas, linhas de financiamentos) que orientam ações que
normalmente envolvem aplicações de recursos públicos).
Os objetivos das políticas têm uma referência valorativa e exprimem
as opções e visões de mundo daqueles que controlam o poder, mesmo que,
para sua legitimação, necessitem contemplar certos interesses de segmentos
sociais dominados, dependendo assim da sua capacidade de organização e
negociação.
Para associar o profissional da informação ao contexto das políticas
públicas é importante ressaltar que
as formas de atuação do Estado com relação aos elementos estruturais da
Sociedade são cruciais, uma vez que suas políticas podem traçar o
horizonte e definir os modos de interação dos indivíduos, grupos,
organizações e instituições públicas e privadas, tanto no interior do Estado
quanto fora de seus limites institucionais. (MIRANDA, 2000,p.4).
A Ciência da informação não nasce como uma ciência social, mas
acaba adquirindo uma bagagem nesse contexto ao se importar com o registro
e recuperação das informações.
Entre os primeiros autores a destacar a posição social desse campo
da ciência estão Borko (1968), Wersing e Neveling (1975), apontando que a
melhora na transferência do conhecimento por meio de um processo de
disseminação e compartilhamento preciso de conteúdo, auxiliando o
desenvolvimento de outras áreas.
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A partir das observações apontadas, tornar-se-ia necessária, sob o
olhar da Ciência da Informação como ciência transdisciplinar que se propõe
encontrar soluções aos conflitos sociais entre ciências e tecnologias, a
elaboração de métodos que proponham modelos teóricos capazes de
produzir resultados de arquiteturas da informação simples o bastante para
serem compartilhadas por todos, dadas as características de interatividade
presentes na Web, e que, assim, venham a ser úteis em sua aplicação e
contribuam para uma melhor condução da informação, elemento precioso
em uma sociedade em que o conhecimento interativo é o seu caracterizador
e o poder efetivamente usufruí-lo constitui condição essencial para a
construção dos saberes e para o desenvolvimento de indivíduos no poder.
Nesse aspecto a atuação de um profissional capacitado para mediar
informações e construir uma cultura para compartilhar conhecimento, criar
ambientes para transferência de conhecimento tácito (Sveiby, 2000) de
acordo com a necessidade de um público específico se torna essencial.
Os profissionais da informação usam diariamente essas habilidades
nas suas atividades, como esclarecem Tarapanoff, Suaiden e Oliveira (2002)
ao afirmar que que o profissional da informação ou do conhecimento tem a
habilidade de lidar com a informação e conhecimento, agregando valor aos
mesmos, a fim de trabalhar com pessoas incentivando-as a participar da
sociedade e exercer a cidadania.
2.1 Metodologia
A pesquisa caracteriza-se como de tipo exploratória, descritiva
bibliográfica e analítica, possuindo uma abordagem qualitativa, abordando
investigações do campo teórico e metodológico da Ciência da Informação
que contribui para as politicas publicas : teorias, princípios, processos da
Ciência da Informação, em especial da Organização da Informação,
Representação da Informação, Mediação da Informação, Estudo de Usuários
e de Comunidades e das Tecnologias de Informação e Comunicação no
contexto da World Wide Web. Com relação à pesquisa aplicada, serão
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analisadas e identificadas nos ciclos de desenvolvimento de políticas públicas
de informação e tecnologia a as características e habilidades dos profissionais
da informação que podem ser exploradas nesse contexto.
3 Resultados: Apresentação e discussão
Diante do importante e desafiador momento que nos encontramos
no cenário das mudanças nos setores econômicos, tecnológicos e políticosociais, inquietou-nos pensar a respeito das extensões das políticas científicas
brasileiras para atender as demandas de novas produções optadas pelos
pesquisadores.
As atividades de produção de indicadores quantitativos em ciência,
tecnologia e inovação vêm se fortalecendo no país na última década, com o
reconhecimento da necessidade, por parte dos governos federal e estaduais e
da comunidade científica nacional, de dispor de instrumentos para definição
de diretrizes, alocação de investimentos e recursos, formulação de programas
e avaliação de atividades relacionadas ao desenvolvimento científico e
tecnológico no país.
Na área de ciência e tecnologia, o maior desafio no Brasil é a
elaboração e a implementação de uma política de longo prazo que permita
ao desenvolvimento científico e tecnológico alcançar a população e que
efetivamente tenha um impacto determinante na melhoria das condições de
vida da sociedade.
As políticas públicas são um processo dinâmico, com negociações,
pressões, mobilizações, alianças ou coalizões de interesses. Assim as políticas
públicas se desenvolvem através de um ciclo deliberativo, formado por vários
estágios e constituindo um processo dinâmico e de aprendizado.
O ciclo da política pública é constituído segundo Howlett e Ramesh
em 1993, e tem como objetivo criar uma visualização e interpretação
organizada da vida de uma política pública em fases sequenciais:
identificação do problema, definição de agenda, identificação de alternativas,
avaliação das opções, seleção das opções, implementação e avaliação.
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Figura 1 – Representação do ciclo da política pública ( Howlett e Ramesh,
1993).
O diagrama cíclico apresenta o processo político e sua realidade
empírica, a separação em etapas se presta aos objetivos de evidenciar, ao
longo do processo, ênfases diferenciadas no planejamento, operação ou
avaliação dos programas.
Talvez a principal contribuição da ideia do ciclo da política seja a
possibilidade de percepção de que existem diferentes momentos no
processo de construção de uma política, apontando para a necessidade de
se reconhecer as especificidades de cada um destes momentos,
possibilitando maior conhecimento e intervenção sobre o processo
político. Já as desvantagens estão por conta da inevitável fragmentação
que a ideia de fases provoca em qualquer análise a ser empreendida. Por
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mais que haja um cuidado do analista em não isolar uma fase e seus efeitos,
há sempre o risco de tratá-la de forma estanque. Além disto, a aplicação
deste (s) modelo(s) carrega consigo o perigo de se imaginar que a política
se comporta de forma previsível. Imagina que é possível fazer um estudo
das políticas que seja neutro ou que abstraia totalmente das disputas e
intenções dos analistas. Ou seja, há dificuldade de se discutir as
implicações políticas na afirmação deste ou daquele modelo. No entanto,
esta é uma questão que se apresenta para todo o campo de análise da
política e não apenas para o uso específico deste modelo. (RESENDE,
2011, p.3).
Justifica-se ainda para fins didáticos e para orientar o recorte
analítico na pesquisa acadêmica na área de forma heurística, ou seja,
possibilitando a organização das ideias facilitando a comparação entre casos
heterogêneos (RESENDE, 2011).
A primeira fase focaliza os problemas, isto é, problemas entram na
agenda quando se assume que algo deve ser feito a respeito destes. O
reconhecimento e a definição dos problemas afetam a definição da agenda,
apresentada como a segunda fase. A terceira fase se baseia na formulação de
alternativas que o governo local aceita como provável solução para os
problemas apontados, a quarta fase focaliza a política propriamente dita, ou
seja, como se constrói a consciência coletiva sobre a necessidade de se
enfrentar um dado problema.
Essa construção se daria via processo eleitoral, via mudanças nos
partidos que governam ou via mudanças nas ideologias (ou na forma de ver
o mundo), aliados à força ou à fraqueza dos grupos de interesse. Segundo
esta visão, a construção de uma consciência coletiva sobre determinado
problema é fator poderoso e determinante. A quinta fase se pauta nos
possíveis efeitos que essa política apresenta, através da avaliação de sua
eficiência e eficácia.
Enxergamos assim, nesse projeto a intensa participação do
profissional da informação nas fases de identificação do problema (1ª fase),
onde verifica-se a necessidade de habilidades de inteligência competitiva
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para perceber os focos de conflitos e transformar dados avulsos em
informação, assim apontando a direção a ser seguida.
Na fase do ciclo sociais no momento de finalização e implementação
desta política (4ª fase) emprega-se a gestão da informação e suas capacidades
e recursos informacionais para que o Estado administre as informações como
um recurso estratégico fundamental para uma eficaz adaptação às mudanças,
já no processo de avaliação (5ª fase), o monitoramento informacional é de
extrema importância para o processamento de informações na forma de
experiências e práticas documentadas e explicitadas, tanto no ponderamento
de processos quanto no de resultados concretos alcançados tais etapas
necessitam da mediação entre os agentes formadores das políticas e a
população beneficiada
Figura 2 – Representação da atuação do profissional da informação no ciclo
de política pública.
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Entendem-se aqui como partes envolvidas as profissões que
procuram tratar a informação, ou seja, bibliotecários, arquivistas, cientistas
da computação, engenheiros de softwares dentre outros.
A organização de serviços de informação para fazer frente a
requisitos específicos é, na verdade, o ponto crucial do manejo da
informação, e é de responsabilidade básica dos especialistas da informação
constantemente inovar produtos e serviços para prover o conhecimento de
direito a todo cidadão.
4 Considerações Finais
O crescimento da área de políticas públicas na pesquisa acadêmica
que se realiza atualmente no Brasil é evidente. Várias áreas do conhecimento,
e não só a ciência política, vêm realizando pesquisas sobre o que o governo
faz, ou deixa de fazer. Portanto, a academia, juntamente com órgãos
governamentais e centros de pesquisa, estes últimos com tradição mais
antiga na área, têm ampliado sua presença nos estudos e pesquisas sobre
políticas públicas.
Ao entender as políticas públicas como diretrizes, princípios
norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as
relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da
sociedade e do Estado é necessário um caminho de mão dupla entre os
discursos de ambos os interessados o que, porém, nem sempre ocorre, devido
a incompatibilidade entre as intervenções e declarações de vontade e as ações
desenvolvidas.
Observa-se que o desenho de muitas políticas públicas são
verdadeiras caixas pretas, no sentido de abstração. Para se entender como
certos bens e serviços são obtidos e como os atores estão envolvidos no
processo é necessário que opere uma transparência para que a população
entenda como os produtos e serviços anunciados correspondem as
transformações do meio.
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A atuação do profissional da informação no planejamento das
atividades de gestão pública e na avaliação permite essa ponte, trazendo
consigo a presença cada vez mais ativa da sociedade civil nas questões de
interesse geral, tornando fundamental a necessidade do debate público, da
transparência, da sua elaboração em espaços públicos e informacionais e não
somente nos gabinetes governamentais.
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