INTRODUÇÃO
No Brasil, o avanço tecnológico veio acom panhado de modelos de produção pautados na competitividade, produtividade e lucro, o que reflete em mudanças nos modos de organização e gestão que, por consequência, impactam diretamente na saúde do trabalhador1. A maneira como o trabalho é desenvolvido e organizado impõe ao profissional diferentes cargas de trabalho que podem potencializar desgastes à saúde física e mental2. Nos serviços de saúde, a equipe de enfermagem está exposta às diferentes cargas de trabalho que, somadas ao convívio constante com situações de morte, sofrimento e dor, impactam diretamente em sua saúde, interferindo na sua relação com o trabalho, acometendo suas condições de vida e com isso, potencializando desgastes3-5.
Entre os estabelecimentos de saúde, destaca-se o Serviço de Medicina Nuclear (SMN) que utiliza radionuclídeos, emissores de radiação ionizante, com propósito terapêutico6 e diagnóstico7. O SMN deve ser constituído por um número mínimo de profissionais de nível técnico ou superior qualificados8 entre os quais está o profissional da enfermagem. O processo de trabalho da equipe de enfermagem no Brasil, acontece na administração do radionuclídeo ligado a um fármaco (radiofármaco), e na assistência prestada aos usuários ao longo do procedimento. As potenciais ameaças à saúde do trabalhador, referem-se ao contato próximo e prolongado com o usuário que é o emissor de radiação ou, na contaminação pelo radiofármaco, no momento da aplicação no usuário9.
As cargas de trabalho estão diretamente relacionadas às especificidades do processo de trabalho, no caso dos SMN, somam-se as cargas de trabalho intrínsecas a natureza do trabalho da enfermagem às demandas específicas dessa especialidade. Cita-se sobretudo à exposição à radiação, contaminação e mudanças necessárias à assistência, onde realiza-se uma assistência mais rápida e fisicamente afastada do usuário que recebe os cuidados, em função das doses de radiação10.
O conceito de cargas de trabalho discutidos no Brasil10-13 está além do tempo dispendido no trabalho e está relacionado a fatores organizacionais, condições, natureza e processos de trabalho4. As cargas de trabalho podem ser compreendidas como a relação dinâmica entre os elementos do trabalho e o corpo do trabalhador. As adaptações geradas em resposta a esse processo se traduzem em desgastes no trabalhador e dependem das capacidades biológicas e psíquica deste14. Os trabalhadores de enfermagem representam uma das maiores forças de trabalho nas instituições de saúde e pela característica do trabalho realizado estão expostos às diferentes cargas de trabalho4,5.
A enfermagem possui uma vasta área de atuação em diferentes contextos de assistência e especialidades, logo, as cargas de trabalho estão diretamente relacionadas às especificidades do processo de trabalho. Ao trabalhar em SMN, somam-se as cargas de trabalho intrínsecas a natureza do trabalho da enfermagem às demandas específicas dessa especialidade, principalmente quanto à exposição à radiação, contaminação e mudanças necessárias à assistência ao usuário, realizando uma assistência mais rápida e fisicamente mais afastada do usuário que recebe os cuidados, em função das doses de radiação10.
Nesse sentido, é importante que os profissionais de enfermagem em SMN reconheçam as cargas de trabalho a que estão expostos. Os desgastes são proporcionais às cargas de trabalho que atuam sobre seu corpo5, e quanto maior o desgaste maior o comprometimento da organização, da assistência prestada e da saúde do trabalhador. O trabalhador de enfermagem precisa compreender as singularidades do processo de trabalho em SMN para minimizar os desgastes. Assim, objetivou-se identificar as cargas de trabalho geradoras de desgastes em trabalhadores de enfermagem em SMN.
MATERIAL E MÉTODO
A pesquisa foi balizada pela ferramenta qualitativa COREQ. Consiste em um estudo descritivo, conduzido pela Psicodinâmica do Trabalho (PT) de Christophe Dejours2 que possibilita investigar cenários de trabalho com ênfase nos aspectos qualitativos15. Essa abordagem teórica privilegia a compreensão das relações do trabalhador com o trabalho, bem como todos os aspectos subjetivos que permeiam essa relação2.
A pesquisa foi aprovada no Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos (código: 1.147.328). O estudo ocorreu em dois SMN, um público e um privado, localizados na região sul do Brasil, no período de fevereiro 2015 a janeiro de 2016. A coleta de dados foi executada por meio de observação não participante, entrevistas individuais e coletivas de forma a caracterizar a triangulação dos dados por três instrumentos, com objetivo de compreender os processos do trabalho em enfermagem de forma articulada com a Psicodinâmica do Trabalho. Como critério de seleção dos sujeitos da pesquisa adotou-se: profissionais da enfermagem atuantes no SMN. A abordagem dos participantes foi realizada em duas reuniões, em ambos os serviços, na oportunidade foi elucidado a metodologia da pesquisa e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os participantes da pesquisa contemplou todo o universo de trabalhadores de enfermagem atuantes em SMN dos locais pesquisados. Caracterizando, desse modo, um recrutamento por conveniência de 12 profissionais, ou seja, todos os profissionais de ambos os serviços constituíram os participantes do estudo. Dentre esses trabalhadores havia 4 enfermeiros (2 em cada serviço) e 8 técnicos em enfermagem (4 em cada serviço), formando o coletivo de trabalhadores ad hoc. Dejours2) utiliza essa nomenclatura, pois em PT o foco não é quem é o porta voz da situação, é a situação relatada, que deve ser debatida e acolhida16. A amostra corresponde a aproximadamente 50% da força de trabalho da enfermagem em SMN17) da região. Portanto, infere-se que o resultado da pesquisa poderá ser aplicado em outras populações com características laborais semelhantes, já que a natureza do trabalho e a categoria profissional são homogêneas.
A observação não participante consistiu um total de 80 h e teve o foco em todos os trabalhadores e turnos de trabalho, realizada em dias e horários distintos, englobando todos os períodos. A observação seguiu um instrumento que buscou compreender o ambiente, os profissionais envolvidos, e os tópicos relacionados ao trabalho: condições, relações interpessoais, divisão, procedimentos executados, jornada, escala e horário, além disso, uso de monitoramento e equipamento individual, e a disponibilidades destes equipamentos e por último, avaliação das atividades que contribuem para o desgaste. As impressões dos pesquisadores foram registradas em um diário de observação.
As entrevistas individuais aconteceram após o período de observação, com duração aproximada de uma hora, contou com a participação de todos os sujeitos e buscou-se compreender, sob o ponto de vista dos trabalhadores, os desgastes vivenciados e os impactos na saúde. Foi aplicado um roteiro pré-estruturado que buscou acessar as dimensões visíveis e invisíveis, formais e informais do trabalho apreendido, a dualidade entre prazer e sofrimento, organização e condições do trabalho, e também sobre práticas realizadas sob a ótica do prescrito e real. Por último, as entrevistas coletivas serviram para realizar a validação das primeiras impressões e constituírem novo material de pesquisa, gerando novas interpretações o que conduziram para a saturação teórica dos dados.
Todas as entrevistas foram gravadas, transcritas e organizadas no software QualiQuantSoft®. Para análise utilizou-se o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), técnica onde diferentes depoimentos, com sentidos semelhantes, são reconstruídos de forma a representar um determinado grupo e/ou coletivo18. Os resultados foram organizados em categorias que emergiram de acordo com a natureza dos desgastes manifestados nos discursos dos profissionais, oriundos das interações das diferentes cargas de trabalho.
RESULTADOS
Desgastes advindos das cargas de trabalho de materialidade externa: As cargas de trabalhado se manifestam de acordo com a tarefa desempenhada, as circunstâncias que ela ocorre, as competências do trabalhador e sua percepção sobre o trabalho e sobre si19. As cargas de trabalho de materialidade externa são assim denominadas, pois podem ser evidenciadas sem envolver o trabalhador, elas são inerentes a atividade e irão interagir, durante a atividade laboral com o corpo desse profissional. Nos SMN observou-se a presença das cargas de trabalho de materialidade externa: biológicas, físicas, mecânicas e químicas.
As cargas biológicas correspondem à interação e exposição a agentes biológicos como bactérias, fungos e vírus. Trata-se de uma carga de trabalho inerente a natureza do trabalho da enfermagem, mas que pode desencadear importantes desgastes ao trabalhador. Nos SMN essa carga se apresenta no momento da assistência ao paciente, particularmente na realização da punção endovenosa para a injeção do radiofármaco o que foi constatado no período de observação e evidenciado no DSC 1: "Preocupo-me com as doenças silenciosas como o HIV ou a hepatite C, mas não costumo usar luva, a fixação do acesso venoso é protocolo e isso é muito ruim de fazer com luvas. Já aconteceu acidente com material perfuro cortante. Sei que é errado, mas não consigo usar luvas. São vícios e precisamos assumir, não adianta justificar. É o hábito" (DSC 1).
O DSC 1 mostra que os profissionais reconhecem as cargas ao qual estão expostos, porém isso é insuficiente para aderirem ao uso das luvas. Durante a observação constatou-se que as cargas de trabalho se agregam, havendo a interação das cargas biológicas e das cargas físicas, aumentando os riscos de desgastes ao trabalhador. Essas condições estão relatadas no DSC 2:
"Durante a jornada de trabalho acontece de ter algum descuido e ao invés de colocar a seringa contaminada com radiação direto na lixeira de chumbo coloco em cima da bancada, sem nenhuma proteção por baixo. Já aconteceu de pegar a seringa com material radioativo sem luva. Sei que contamina, mas na correria isso acontece. Também acontece do paciente que já foi injetado passar mal, vomitar e urinar na maca e esse material acaba contaminando a nossa pele, roupas e sapato" (DSC 2).
Nos serviços pesquisados e no DSC 2 demonstrase uma fragilidade no domínio desse instrumento de trabalho, a radiação ionizante, realiza-se manejo fora do que prescreve a organização do trabalho20) e as normas8. Durante as observações constatou-se que os trabalhadores têm dúvidas quanto aos procedimentos de descontaminação e, pelo ritmo acelerado de trabalho, acabam não tomando as medidas necessárias. Os trabalhadores pesquisados admitem no DSC 3 que é necessário uma mudança de olhar sob o próprio trabalho, posto que não estão acostumados com o elemento da radiação ionizante no processo de trabalho da enfermagem: "Acontece de estarmos com a seringa junto com o protetor de chumbo na mão e levantarmos a seringa... o pessoal da radiologia avisa para baixar. Para mim é normal uma seringa com medicação levantada, e aí lembro que tem material radioativo. A visão da enfermagem em medicina nuclear precisa mudar. É uma mudança de prática que não é fácil" (DSC 3).
O coletivo de trabalhadores relatou dificuldades em utilizar os equipamentos de proteção individual (EPIs) de chumbo, principalmente o avental. Notase no DSC 4 que os EPIs não são ergonómicos, o que desestimula o uso, evidenciando uma carga mecânica:
"Os EPIs de chumbo são difíceis de usar, são pesados, imagina usar o avental e protetor de tireoide durante 20 minutos administrando o material radioativo no paciente... atrapalha muito! Sinto dores muito fortes nos ombros e na região lombar quando uso o avental de chumbo, ás vezes chego a pensar que a radiação não é tão prejudicial quanto esse avental" (DSC 4).
Durante a observação identificou-se que os aventais de chumbo não são confortáveis e limitam a atuação dos profissionais que precisam se curvar, às vezes se abaixar, conter pacientes e ainda, realizar a assistência com agilidade. Por outro lado, constatou-se uma maior adesão ao uso de protetores de tireoide. Além disso, as salas de preparo e injeção do radiofármaco são pequenas potencializando a carga mecânica, dificultando a movimentação dos profissionais. O DSC 5 enfatiza a interação com essa carga:
"O espaço físico é muito pequeno, atrapalha na realização do trabalho, pois você não consegue prestar uma assistência adequada. Se tem uma intercorrência é difícil agir, pois está tudo aglomerado com risco inclusive de acidentes" (DSC 5).
Ressalta-se ainda, que o serviço público não possui uma copa e/ou área de descanso para os trabalhadores, potencializando ainda mais os desgastes advindos das cargas mecânicas. Já as cargas químicas não foram valorizadas pelos profissionais em seus discursos, possivelmente pela normalidade da presença dessas cargas no cotidiano do trabalho da enfermagem. Durante a observação identificou-se as cargas químicas presentes na administração de medicamentos e no uso de produtos específicos para a descontaminação de equipamentos e/ou superfícies.
Desgastes advindos das cargas de trabalho de materialidade interna: As cargas de trabalho de materialidade interna correspondem às cargas fisiológicas e cargas psíquicas, ambas manifestadas no trabalho dos serviços pesquisados. Essas cargas expressam-se diretamente no corpo do trabalhador, de forma a dificultar sua percepção externamente19.
As cargas fisiológicas estão relacionadas aos sintomas físico do corpo ao executar o trabalho, dentre as quais se cita: levantamento de peso, postura inadequada, esforço físico e permanência de longos períodos em pé21. Sendo que os trabalhadores em SMN são submetidos a grandes demandas de trabalho, executam suas atividades prioritariamente em pé durante toda a jornada e por vezes assumem posturas incorretas para cumprir com a finalidade da atividade; o DSC 6 enfatizam essa realidade:
"Trabalho muito, alguns dias não consigo parar nem para fazer xixi. Sinto dores no corpo, na coluna, tenho dor no punho e artrose. É difícil comprovar que você desenvolveu alguma doença por trabalhar com radiação, porém, os coletes de chumbo são muito pesados, somado a isso a posição e a altura para realizar a punção não são adequadas e as salas são muito pequenas. O chumbo que envolve a seringa com material radioativo também é pesado e precisamos carrega-lo várias vezes ao dia. As pernas ficam inchadas, a cabeça dói..." (DSC 6).
Observa-se a sobreposição das cargas de trabalho, trata-se de um ciclo onde uma carga de trabalho acaba por influenciar a manifestação de outras cargas, culminando em sérios desgastes. As cargas mecânicas oriundas do uso dos EPIs de chumbo se sobrepõem as condições de trabalho, o que dão origem as cargas fisiológicas. No SMN a carga fisiológica é reconhecida pelos profissionais de enfermagem, mas pouco prevenida, na medida que incorporam essas situações desgastantes como inerentes ao trabalho realizado. Outrossim, um fator que se mostrou relevante no desgaste dos trabalhadores dos SMN advindos das cargas fisiológicas refere-se a dupla jornada, ou duplo vínculo. Nos serviços pesquisados metade dos trabalhadores possuem outro vínculo empregatício em enfermagem, como visto no DSC 7:
"Trabalhar em dois empregos é muito cansativo, alguns dias não consigo dormir, descanso apenas uma ou duas horas por dia. As pernas doem muito por ficar o dia inteiro em pé. Ao terminar o meu trabalho estou estressado, com dores nas pernas e até sem fome. Por isso, pela responsabilidade que tenho e o trabalho que desenvolvo a valorização salarial deveria ser melhor, tenho dois empregos, pois com um emprego não consigo sustentar a minha família" (DSC 7).
Em outra perspectiva, a radiação é um elemento gerador de estresse durante o processo de trabalho, propiciando desgastes mentais que se manifestam pelas cargas psíquicas. O DSC 8 demostra que a fragilidade no conhecimento sobre a radiação no SMN gera insegurança e preocupação relacionada a probabilidade de desenvolverem doenças:
"Quando percebo passei 8 horas, recebendo radiação, isso cria uma preocupação, é todos os dias. Tenho medo de ficar doente futuramente, pois dizem que a radiação é cumulativa. Eu questiono o médico, mas ele diz que não tem como provar nada. Apesar da importância que a enfermagem tem na medicina nuclear a falta de conhecimento fragiliza o trabalho, tenho dificuldade com o EPI e sinto insegurança para tomar decisões relacionadas à contaminação ou exposição" (DSC 8).
Outra situação que influencia a ação das cargas psíquicas é trabalhar com usuários portadores de câncer, doenças terminais ou com criança, conforme evidenciado no DSC 9:
"Cuidar de pacientes com câncer não é fácil, especialmente crianças, todos os dias sofro em ver o sofrimento do outro, às vezes até choro. Alguns dias estão mais estressado e passo ao menos 15 dias ruim, demoro a me recuperar, parece que não sou eu. Me sinto mal, com vontade de chorar, falo pouco... não me reconheço" (DSC9).
O impacto das cargas de trabalho psíquicas advindas dessas situações atinge diretamente o corpo do trabalhador, a ponto de desestabiliza-lo. As falas, durante as entrevistas, foram interrompidas algumas vezes por uma forte emoção e choro.
DISCUSSÃO
Os desgastes relatados pelos trabalhadores, oriundos das cargas de trabalho de materialidade externa, observados no DSC 1, evidencia a exposição a cargas biológicas, e a não utilização de luvas no exercício do trabalho. Entretanto, espera-se que o profissional da enfermagem utilize os equipamentos de proteção sempre que houver risco de transmissão de patógenos, como na manipulação de sangue e fluídos corporais que poderão estar contaminados por agentes infecciosos22. No Brasil, entre 2010 e 2016 foram notificados 23.621 acidentes com material biológico entre os profissionais de saúde. O sangue foi o material biológico mais envolvido nos acidentes (74,93%) por intervenção da via percutânea (75,33%), com a agulha sendo o principal agente causador (57,59%), e 29,71% dos pesquisados não utilizavam luvas no momento do acidente23. Já na Região Sul do Brasil, de acordo com informações do Instituto de Seguridade Social (INSS) entre os anos de 2013 a 2015 foram notificados 166 acidentes de trabalho envolvendo profissionais da enfermagem, destes, 32 aconteceram em Santa Catarina24.
O uso das luvas durante a assistência de enfermagem é importante para segurança do trabalhador e do usuário. É obrigatório sua utilização ao manipular materiais, sendo que após o uso deve ser descartada25. A responsabilidade pelo uso é compartilhada pela organização do trabalho26 e pelo próprio profissional que possui os saberes técnicos. Embora reconheçam a necessidade em utilizar as luvas no sentido de diminuir as cargas de trabalho biológicas e por consequência, o desgaste advindo da atividade laboral, os trabalhadores nos serviços pesquisados associam o não uso pela falta de hábito.
No DSC 2 é notória a preocupação frente ao risco físico da contaminação pelo material radioativo oriundo do paciente. Isto ocorre porque após a injeção do radiofármaco o paciente passa a ser a fonte da exposição a radiação e existe a possibilidade dos fluídos por ele excretados se apresentar como uma fonte de exposição a radiação ionizante10. A exposição do trabalhador a estas situações pode trazer implicações à sua saúde, que poderão repercutir diretamente na sua vida financeira, social e familiar, na situação de haver um afastamento em virtude de algum acidente com material biológico contaminado22.
O DSC 3 comprova a necessidade de mudanças da prática de trabalho no SMN dos profissionais da enfermagem. O instrumento de trabalho desta equipe difere-se do instrumento comumente utilizado no ambiente hospitalar e exige o uso de EPIs distintos. Todavia, o uso dos EPIs nos serviços pesquisados representa uma carga de trabalho importante para os profissionais, a carga mecânica. Estas são responsáveis por provocar desgastes manifestados em lesões que podem inclusive incapacita-lo10-12.
No geral, os aventais de chumbo possuem alto peso atómico, são confeccionados de chumbo e borracha e reduzem a radiação em até 90%27. O uso do avental colabora com a saúde do trabalhador, entretanto retrata o desgaste por dores lombares e articulares, advindas do uso da vestimenta de proteção por tempo prolongado27,28. Observou-se adesão ao uso do protetor de tireoide fato que pode estar relacionado ao menor tamanho e peso do material, bem como trata-se de uma região que não restringe as habilidades corporais no momento da assistência. Ademais, os serviços pesquisados realizam o tratamento do câncer de tireoide por iodoterapia e o contato constante com pacientes afetados por esse tipo de câncer pode servir como sensibilizador para o uso do EPI. Ainda sobre o carga mecânica, o DSC 5 aponta os ambientes físicos impróprios para o trabalho. A adequação ergonómica dos ambientes se fazem necessárias em especial para prevenir e reduzir os desgastes, essas ações devem ser elaboradas pela organização do trabalho em conjunto com os profissionais a fim de contribuir para as condições de saúde do indivíduo12. O espaço limitado representa uma ameaça na ocorrência de acidentes de trabalho, percebe-se que as ações de conforto e cuidados dos pacientes ficam limitadas pelas condições físicas o que, para os trabalhadores limitam um bom atendimento. Quando o ambiente de trabalho é insatisfatório os desgastes psicológicos podem aumentar29.
A segunda categoria de análise supracitada descreve os desgastes dos trabalhadores em SMN advindos das cargas de materialidade interna, aquelas que materializam-se no corpo do trabalhador, que correspondem a transformações nos processos interiores5. O cotidiano do trabalho da enfermagem é permeado por demanda de esforço físico, elevação de peso, e limitações físicas nos ambientes, estes aspectos refletem em posturas inadequadas, fadiga e estresse. O DSC 6 indica estes desgastes, ratificando o discurso, estudo30) relaciona dor lombar inespecífica dos profissionais da enfermagem com as condições e organização do trabalho, tais como tarefas repetitivas, ritmo de trabalho excessivo, e ambiente físico de trabalho inadequado. Destaca-se que estas condições entre os profissionais reflete diretamente na capacidade para o trabalho, por isso sugere-se que os níveis de fadiga sejam monitorados a fim de prevenir efeitos deletérios a longo prazo31.
O DSC 7 aponta a realidade dos profissionais possuírem dupla jornada de trabalho, sendo os fatores económicos os principais motivos para tal32.
A valorização salarial surge como um mecanismo de motivação para superar as dificuldades e fragilidades encontradas no trabalho, o trabalhador sujeitando-se a essas condições acaba por potencializar as situações geradoras de desgaste13. Altos níveis de fadiga, conforme relatado pelos DSC 6 e 7, estão diretamente relacionados com o aumento na probabilidade de erros durante a assistência ao paciente33. Destaca-se ainda que a sobrecarga de trabalho, advindas do duplo vínculo, reflete na saúde do profissional, havendo insatisfação com o trabalho e consequentemente o indivíduo fica mais propenso ao sofrimento psíquico, o que pode prejudicar o desempenho profissional e a qualidade da assistência prestada ao paciente34.
Em relação a preocupação descrita pelo DSC 8, Dejours2 afirma que esta é desenvolvida principalmente por trabalhadores que possuem pouca formação ou conhecimento sobre a tarefa que será executada, já que geralmente, essas habilidades são conquistadas ao longo da experiência no trabalho. O autor associa a preocupação à interação das cargas de trabalho que progressivamente vão conduzindo os trabalhadores ao esgotamento e desgastes. Além disso, o medo representa uma importante fonte de desgaste, já que o medo é parte integrante da carga de trabalho psíquica, seja ele proveniente do ritmo ou das condições de trabalho2. As cargas psíquicas influenciam negativamente no nível de satisfação do profissional da enfermagem35. Finalizando essa categoria, o relato do DSC 9 revela as cargas psíquicas vivenciados no atendimento do paciente oncológico, o fato corrobora com estudo que relaciona as cargas de trabalho na assistência oncológica com a ansiedade e depressão36, ou ainda desgaste emocional e baixa realização pessoal em seu trabalho35. Tal fato revela a importância do trabalhador receber preparo para lidar com as situações de dor e sofrimento do outro, além de apoio e acompanhamento psicológico.
Baseado no tamanho da amostra e no estudo regional em apenas dois serviços identifica-se a limitação relacionada à característica regional, de modo que pesquisas futuras possam abranger mais estados com vistas a confrontar os resultados obtidos. Aponta-se também como limitação a dificuldade em atribuir o nexo causal da carga de trabalho física em relação a exposição à radiação ionizante aos prováveis desgastes vivenciados pelos trabalhadores da enfermagem.
CONCLUSÕES
O trabalho da enfermagem em SMN é complexo e cercado de diferentes cargas de trabalho, principalmente a carga física da radiação ionizante. Observou-se uma sobreposição das cargas de trabalho proporcionais as demandas da organização entre elas as cargas mecânica, biológica, química, fisiológica e psíquica. As cargas física, fisiológica e psíquica estão relacionadas a especificidades do pro cesso de trabalho e manifestam-se principalmente quanto ao uso da radiação ionizante, utilização de equipamentos de proteção individuais, medo e ansiedade gerados pelo trabalho com a radiação.
Os desgastes manifestados pelos profissionais pesquisados impactam no corpo do trabalhador de duas formas, por meio de manifestações físicas e de desgastes psíquicos estes mais difíceis de identificar. É importante salientar que a sobrecarga física acaba por gerar também desgaste psíquico, levando ao cansaço extremo. Os desgastes incapacitam o trabalhador e podem levar ao afastamento temporário ou permanente do trabalho o que causa contratempos, não somente a vida íntima e familiar do trabalhador, como impacta diretamente na organização e acaba por onerar os sistemas de saúde em função das internações, medicamentos e tratamentos.
A enfermagem, enquanto categoria deve se em-poderar de forma mais assertiva dessa especialidade, uma vez que se trata de uma área de atuação carente de regulação e de capacitação. Por isso, a educação continuada e pesquisas sobre essa temática são essenciais para um processo de trabalho menos desgastante, além do reconhecimento por parte dos trabalhadores e da organização das cargas de trabalho dessa especialidade.
O estudo possibilitou a interface de conhe cimento por pesquisadores de categorias profissionais distintas -técnica radiológica e enfermagem-proporcionando um distanciamento entre os sujeitos da pesquisa e, por consequência, análise dos dados com menos vieses.