Open Journal Systems

Discriminação estrutural e cotas raciais para candidaturas negras em partidos políticos: análise da decisão do Supremo Tribunal Federal na arguição de descumprimento de preceito fundamental 738/DF

Eliziane Fardin de Vargas, Mônia Clarissa Hennig Leal

Resumo


O presente estudo tem como objetivo analisar os fundamentos utilizados pelo STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 738/DF para decidir pela impossibilidade de reconhecimento das cotas de candidatura para negros na política por equiparação às cotas de gênero na política. Levando-se em consideração que na ADPF 738/DF o STF reconheceu a responsabilidade prioritária do Congresso Nacional para a estipulação de ações afirmativas direcionadas à promoção de uma maior inclusão da população negra na política e, diante do fato de que essa maioria que compõe a atual conjuntura do Congresso Nacional — composta, majoritariamente, por representantes não negros (atualmente, a população negra representa 22,22% da composição do Senado Federal e 24,16% da Câmara de Deputados) — não tem demonstrado empenho na articulação de ações afirmativas nesse sentido, o estudo pretende destacar a atuação da jurisdição constitucional em prol da correção dos défices de representação democrática numa perspectiva inclusiva e igualitária, justamente pelo fato de permanecer exclusivamente ao encargo da maioria política a responsabilidade pela articulação de ações afirmativas de estímulo à candidatura da população negra a cargos políticos. Para tanto, utilizar-se-á o método de abordagem dedutivo e o método de procedimento analítico. Da análise, concluiu-se que, na ADPF 738/DF, a inexistência de previsão legal definindo a ação afirmativa de reserva de vagas para candidatura de pessoas negras nos pleitos eleitorais foi o principal fundamento para o reconhecimento da impossibilidade de equiparação com as cotas de gênero na política, reafirmadas na decisão da ADI 5617/DF. No tocante à proteção das minorias politicamente sub-representadas, se constatou que não só a atuação contramajoritária opera como um mecanismo de proteção das minorias por intermédio da atuação da jurisdição constitucional, assim como a articulação de litígios estratégicos pode atuar como importante ator de mudanças sociais significativas, reivindicando que a jurisdição constitucional profira decisões estruturantes direcionadas a suprir os défices democráticos e possa corrigir as situações de desigualdade estrutural.

Palavras-chave


cotas na política; jurisdição constitucional; poder contramajoritário; litígios estratégicos; sub-representação política.

Texto completo:

PDF

Referências


ALVES, Fernando de Brito; OLIVEIRA, Guilherme Fonseca de. Democracia e ativismo judicial: atuação contramajoritária do judiciário na efetivação dos direitos fundamentais das minorias. Revista Argumenta – UENP, n. 20, p. 33-45, 2014.

ARAUJO, Luiz Henrique Diniz. Os efeitos do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão: a evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal até a ADO nº 26/DF. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 21, n. 86, p. 131-155, out./dez. 2021.

BAZÁN, Víctor. Control de las omisiones inconstitucionales e inconvencionales. Bogotá: Fundación Konrad Adenauer, 2014.

BITENCOURT, Caroline Müller; RECK, Janriê Rodrigues. Políticas públicas de Governo e de Estado – uma distinção um pouco complexa: necessidade de diferenciação entre modelos decisórios, arranjos institucionais e objetivos de políticas públicas de Governo e Estado. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 12, n. 3, p. 631-667, set./dez. 2021.

BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Anmerkungen zum Begriff Verfassungswandel. In: Staat, Nation, Europa: Studien zur Staatslehre, Verfassungstheorie und Rechtsphilosophie. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1999, pp. 141-156.

BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Grundrechte als Grundsatznormen: zur gegenwärtigen Lage der Grundrechtsdogmatik. In: Staat, Verfassung, Demokratie: Studien zur Verfassungstheorie und zum Verfassungsrecht. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1991, pp. 159-199.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição n. 116, de 30 de novembro de 2011. Autor da proposta: Luiz Alberto (PT/BA). Disponível em:. Acesso em: 01 abr. 2022.

BRASIL. Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Brasília, DF, 10 de novembro de 1999. Disponível em: . Acesso em: 12 set. 2022.

BRASIL. Senado Federal. Mulheres na política: ações buscam garantir maior participação feminina no poder. 27 de maio de 2022. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2022.

BRASIL. Senado Federal. Negros representam 56% da população brasileira, mas representatividade em cargos de decisão é baixa. 11 de outubro de 2020. Disponível em: . Acesso em 01 abr. 2022.

BRASIL. Senado Federal. Observatório Equidade no Legislativo. 26 de novembro de 2021. Disponível em: . Acesso em: 01 abr. 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 41/DF. Relator: Min. Roberto Barroso, 08 de junho de 2017. Disponível em: . Acesso em: 01 ago. 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 738/DF. Relator: Min. Ricardo Lewandowski, 05 de outubro de 2020. Disponível em: . Acesso em: 01 abr. 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 186/DF. Relator: Min. Ricardo Lewandowski, 26 de abril de 2012. Disponível em: . Acesso em: 01 ago. 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 635/DF. Relator: Min. Edson Fachin, 27 de maio de 2022. Disponível em: . Acesso em: 01 ago. 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direita de Inconstitucionalidade n. 5617/DF. Relator: Min. Edson Fachin, 16 de março de 2018. Disponível em: . Acesso em: 08 jun. 2022.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Consulta n. 0600306-47.2019.6.00.0000/DF. Relator: Min. Roberto Barroso. Disponível em: . Acesso em: 01 abr. 2022.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Estatísticas sobre as eleições de 2020. Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2022.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. TSE lança campanha para incentivar mais mulheres na política nas Eleições 2022. 21 de junho de 2022. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2022.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. TSE promove audiência pública sobre “Desigualdade Racial e Sistema Eleitoral”. 18 de maio de 2022. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2022.

BUCCI, Maria Paula Dallari. As ações afirmativas no Supremo Tribunal Federal: conexões entre direito e política na difícil promoção da equidade racial no Brasil. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 21, n. 83, p. 51-74, jan./mar. 2021.

CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores?. Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sério Antonio Fabris Editor, 1993.

CARDOSO, Evorah Lusci Costa. Litígio estratégico e sistema interamericano de direitos humanos. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

CARVALHAES, Rafael Bitencourt; MIRANDA NETTO, Fernando Gama de. Questioning our faith in the judiciary: from institutional entrenchment to the monopoly of constitution. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 9, n. 2, p. 347-370, maio/ago. 2022.

CASTILHOS, Ângelo Soares. O procedimento de consulta ao Tribunal Superior Eleitoral: o novo Código de Processo Civil e a segurança jurídica. Estudos Eleitorais, Brasília, v. 13, n. 2, p. 55-78, 2019.

DUARTE, Evandro Piza; BERTÚLIO, Dora Lucia de Lima; QUEIROZ, Marcos. Direito à liberdade e à igualdade nas políticas de reconhecimento: fundamentos jurídicos da identificação dos beneficiários nas cotas raciais. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 20, n. 80, p. 173-210, abr./jun. 2020.

DWORKIN, Ronald. O império do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1999.

ELY, John Hart. Democracia e desconfiança: uma teoria do controle judicial de constitucionalidade. Tradução de Juliana Lemos. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.

GARDIN, Silia. Representación politica y equilibrios de género en Italia. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 22, n. 89, p. 37-56, jul./set. 2022.

GARGARELLA, Roberto. La justicia frente al gobierno: sobre el carácter contramayoritario del poder judicial. Quito: Corte Constitucional para el Período

de Transición, 2011.

GARGARELLA, Roberto. La revisión judicial en democracias defectuosas. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 9, n. 2, p. 153-169, 2019.

HALTERN, Ulrich R. Verfassungsgerichtsbarkeit, Demokratie und

Misstrauen: das Bundesverfassungsgericht in einer Verfassungstheorie zwischen Populismus und Progressivismus. BerlIn: Duncker

& Humblot, 1998.

HIRSCH, Fábio Periandro de Almeida; SILVA, Jailce Campos e. O princípio da juridicidade e o controle judicial sobre o mérito dos atos administrativos discricionários na implementação das políticas sociais. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 22, n. 89, p. 113-141, jul./set. 2022.

LANDA ARROYO, Cesar. Estudios sobre Derecho Procesal Constitucional. México: Editorial Porrúa, 2006.

LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional Aberta. Reflexões sobre a legitimidade e os limites da jurisdição constitucional democrática. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.

LIMA, Sabrina Santos; LEAL, Mônia Clarissa Hennig. O controle de constitucionalidade e a atuação do Supremo Tribunal Federal na proteção das minorias: análise crítica da ADC nº 41 (cotas raciais em concursos públicos). Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 8, n. 2, p. 507-528, maio/ago. 2021.

MARTINS, Argemiro Cardoso Moreira; MITUZANI, Larissa. Direito das Minorias Interpretado: o compromisso democrático do direito brasileiro. Revista Seqüência, n. 63, p. 319-352, dez. 2011.

MORAES, Maria Valentina de; LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Nova constituição chilena, paridade de gênero e regulamentação de direitos sexuais e reprodutivos: uma mirada para os standards interamericanos. Estudios constitucionales, Santiago, v. 20, n. especial, p. 264-290, 2022. Disponível em: . Acesso em: 06 jul. 2022.

NÓBREGA, Flavianne Fernanda Bitencourt; FRANÇA, Eduarda Peixoto da Cunha. Litígio estratégico x litígio estrutural (de interesse público): Ao fim e ao cabo, denominações de um mesmo instituto para a defesa de direitos fundamentais? Revista Pensar, Fortaleza, v. 27, n. 1, p. 1-12, jan./mar. 2022.

OLSEN, Ana Carolina Lopes; KOZICKI, Katya. O constitucionalismo transformador como instrumento de enfrentamento do racismo estrutural: o papel do STF. Suprema: revista de estudos constitucionais, Brasília, v. 1, n. 1, p. 82-118, jan./jun. 2021.

OSÓRIO, Letícia. O litígio estratégico pressupõe um judiciário independente e criativo. In: FUNDO BRASIL DE DIREITOS HUMANOS. Litigância Estratégica em Direitos Humanos: experiências e reflexões. São Paulo: FBDH, 2016. p. 14-17.

ROA ROA, Jorge. El rol del juez constitucional en el constitucionalismo transformador latinoamericano. Max Planck Institute for Comparative Public Law & International Law (MPIL), n. 2020-11, p. 01-16, 2020.

RODRIGUES, Carla. Análise da ADPF nº 738: avanço histórico para a participação de negros e pardos na política brasileira. Revista Brasileira de Direito Eleitoral – RBDE, Belo Horizonte, ano 13, n. 24, p. 43-57, jan./jun. 2021.

SAGÜES, María Sofía. Discriminación estructural, inclusión y litígios estratégicos. In: FERRER MAC-GREGOR, Eduardo; MORALES ANTONIAZZI, Mariela; FLORES PANTOJA, Rogelio (Coord.). Inclusión, Ius Commune y justiciabilidad de los DESCA en la jurisprudencia interamericana. El caso Lagos del Campo y los nuevos desafíos. Colección Constitución y Derechos. México: Instituto de Estudios Constitucionales del Estado de Querétero, 2018. p. 129-178.

SALGADO, Eneida Desiree; GABARDO, Emerson. The role of the Judicial Branch in Brazilian rule of law erosion. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 8, n. 3, p. 731-769, set./dez. 2021.

SANTIAGO NINO, Carlos. La constitución de la democracia deliberativa. Tradução de Roberto P. Saba. Espanha: Editorial Gedisa, 1997.

VARGAS, Eliziane Fardin de; LEAL, Mônia Clarissa Hennig. O Direito à igualdade e não-discriminação das mulheres na política: a decisão da ADI 5617/DF e a doutrina das categorias suspeitas. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, v. 22, n. 2, p. 85-114, 9 maio 2022.

YOUNG, Iris Marion. La justicia y la política de la diferencia. Madrid: Catedra, 2000.




DOI: http://dx.doi.org/10.5380/rinc.v10i1.88132

Apontamentos

  • Não há apontamentos.