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Atenea (Concepción)

versión On-line ISSN 0718-0462

Atenea (Concepc.)  no.525 Concepción jul. 2022

http://dx.doi.org/10.29393/at525-4gpcd10004 

ARTÍCULOS

GEISEL, PINOCHET E AS TRANSFERÊNCIAS DE ARMAMENTO BRASILEIRO PARA O CHILE, 1974-1979: GEOPOLÍTICA, NEGÓCIOS, E COOPERAÇÃO TÉCNICO-MILITAR

GEISEL, PINOCHET Y LAS TRANSFERENCIAS DE ARMAS BRASILEÑAS PARA CHILE, 1974-1979: GEOPOLÍTICA, NEGOCIOS Y COOPERACIÓN TÉCNICO-MILITAR

GEISEL, PINOCHET AND THE TRANSFER OF BRAZILIAN WEAPONS TO CHILE, 1974-1979: GEOPOLITICS, BUSINESS, AND MILITARY-TECHNICAL COOPERATION

CARLOS FEDERICO DOMÍNGUEZ AVILA1 
http://orcid.org/0000-0003-2377-276X

1 Doctor em Historia. Investigador colaborador del Departamento de Estudios Latinoamericanos (Instituto de Ciencias Sociales) de la Universidad de Brasilia, Brasilia, Brasil. Correo electrónico: carlos.dominguez.avila@gmail.com.

Resumo:

O artigo discute as relações brasileiro-chilenas durante os governos de Ernesto Geisel e Augusto Pinochet, entre 1974 e 1979. O ensaio concentra a sua atenção nos processos de tomada de decisão que resultaram em massivas transferências de material de emprego militar - inclusive de grandes sistemas de armas ou major weapons - de fabricação brasileira para o Chile, transformando o país andino num dos principais receptores de armas brasileiras no continente e no mundo. O manuscrito é resultado de pesquisa com fontes primárias consultadas no Arquivo Nacional e no Arquivo do Ministério das Relações Exteriores. Conclui-se que as relações de segurança entre as partes foram alicerçadas em afinidades eletivas, convergências geopolíticas, interesses comerciais, e cooperação técnico-militar.

Palavras-chave: Brasil; Chile; história das relações internacionais; Guerra fria latino-americana; autoritarismo

Resumen:

Este artículo discute las relaciones entre Brasil y Chile durante los gobiernos de Ernesto Geisel y Augusto Pinochet, entre 1974 y 1979. Se concentra la atención en los procesos de toma de decisión que resultaron en masivas transferencias de armamento -incluso de grandes sistemas de armas o major weapons- de fabricación brasileña a Chile, transformando al país andino en uno de los principales importadores de armas brasileñas en el continente y el mundo. Este trabajo es el resultado de una investigación con fuentes primarias consultadas en el Archivo Nacional y en el Archivo del Ministerio de Relaciones Exteriores. Se concluye que las relaciones de seguri dad brasileño-chilenas fueron fundamentadas en afinidades electivas, convergencias geopolíticas, intereses comerciales, y cooperación técnico-militar.

Palabras clave: Brasil; Chile; historia de las relaciones internacionales; guerra fría latinoamericana; autoritarismo

Abstract:

The paper discusses Brazilian-Chilean relations during the governments of Ernesto Geisel and Augusto Pinochet, between 1974 and 1979. The essay focuses on the decision-making process that resulted in massive transfers of material for military use -including major weapons- made in Brazil to Chile, making the Andean country one of the main recipients of Brazilian weapons in the world. The manuscript is the result of research using primary sources consulted at the National Archives and the Archives of the Ministry of Foreign Affairs. It is concluded that the security relations between the actors were based on elective affinities, geopolitical convergences, commercial interests, and military-technical cooperation.

Keywords: Brazil; Chile; History of International Relations; Latin America's Cold War; Authoritarianism

INTRODUÇÃO

Em 15 de março de 1974, o general Ernesto Geisel assumiu a presidência do Brasil. A sucessão presidencial em Brasília contou com a presença do general Augusto José Ramón Pinochet Ugarte. Poucos meses antes daquele encontro, e com expresso apoio político-diplomático brasileiro e de outros governos, o general Pinochet tinha encabeçado um violento golpe militar que derrocou o governo de Salvador Allende, passando a exercer o poder político do país andino nos anos subsequentes (Moniz Bandeira, 2008; Simon, 2021; Domínguez, 2014).

Com alta probabilidade, teria sido nesse encontro Geisel-Pinochet que se acordaram os alicerces de sucessivas e massivas transferências de material de emprego militar de fabricação brasileira para o Chile. O assunto era sumamente importante para o regime militar chileno, sobretudo levandose em consideração o crescente isolamento internacional do governo de Pinochet, acusado de graves violações aos direitos humanos, bem como as tensões com países vizinhos provocadas por divergências territoriais (Muñoz, 1986). Assim, o Brasil de Geisel erigiu-se em um dos poucos países dispostos a transferir armamento ao regime militar chileno - e tudo isso em condições preferenciais de financiamento.

Cumpre destacar que no início do governo de Geisel, a indústria de defesa brasileira estava em franca expansão e transformação, com destaque para uma diversificação, renovação e disponibilidade de novos produtos. Eis o caso de grandes sistemas de armas ou major weapons; isto é, blindados, artilharia, navios, aeronaves, mísseis, radares, telecomunicações, dentre outros. A expansão deste incipiente complexo industrial-militar brasileiro foi impulsionada por empresas públicas e privadas, com destaque para corporações tais como Engesa-Engenheiros Especializados, Avibrás, Embraer, Arsenal de Guerra do Rio (Moraes, 2012; Conca, 1997).

Todavia, ainda no final do governo do general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) tornou-se evidente a necessidade de uma crescente vinculação entre a indústria de defesa, a exportação de armamento e a política externa brasileira, bem como a criação de um novo mecanismo de controle e regulação de transferência de armas de fabricação brasileira a outros países. Eis a origem da denominada Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar-Pnemem, aprovada em 1974. Destarte, considerações geopolíticas, económicas e de cooperação técnico-militar foram identificadas como critérios determinantes pelos gestores civis e militares da Pnemem -especialmente para os servidores do denominado Conselho de Segurança Nacional e do Ministério das Relações Exteriores (Magalhães, 2016). Agora se sabe que essa vinculação entre indústria de defesa, exportação de armas e política externa tinha implicações muito significativas em termos de inserção internacional de segurança do Brasil (Brooke, 1981a; Gaillard, 1980).

Nesse diapasão, e seguindo o clássico trabalho de Andrew Pierre (1982), aqui se entende que "As vendas de armamentos são muito mais do que uma ocorrência económica, um relacionamento militar, ou um desafio ao controle de armas - as vendas de armamento são política externa no sentido mais obvio e claro" (p. 3). Também se aceitam, como pontos de partida teórico-metodológico e empírico, as ponderações de Barry Blechman (1990) no sentido de que "A motivação fundamental que impulsiona as exportações de armas não é económica, ela é política - política internacional" (p. 116); e que "A decisão de exportar armamento a um determinado país sugere uma implícita aprovação das políticas públicas do importador, ou ao menos de seu posicionamento no cenário internacional, e assim é entendido tanto pelos amigos quanto pelos adversários" (p. 116).

Assim, a pergunta central que orienta o presente ensaio de interpretação é a seguinte: como e por que o Chile comandado pelo general Augusto Pinochet se erigiu, entre 1974 e 1979, no principal destino de grandes sistemas de armas de fabricação brasileira na América do Sul? A hipótese de trabalho sugere que as massivas transferências de grandes sistemas de armas ou major weapons de fabricação brasileira ao Chile teriam sido alicerçadas em afinidades eletivas e convergências geopolíticas, no pragmatismo comercial da indústria de defesa, na cooperação técnico-militar e na concessão pelo governo brasileiro de inédito financiamento para a exportação de material de emprego militar. Em outras palavras, o argumento deste manuscrito procura demostrar a existência de uma vinculação entre indústria de defesa, exportação de armas e política externa brasileira para o Chile durante o governo do general Ernesto Geisel.

O artigo é resultado de pesquisa com documentação primária, consultada no Arquivo Nacional - mais especificamente na Coordenação Regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal. Foi auscultado o denominado Acervo da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional. Também foram consultados documentos do Arquivo do Ministério das Relações Exteriores. Em geral, trata-se de documentos burocrático-administrativos e diplomáticos. Eles são autênticos, legítimos, razoáveis, recentemente desclassificados - até pouco tempo eles eram considerados Secretos e Confidenciais - e diretamente correlacionados ao problema-objeto deste ensaio de interpretação.

TRANSFERÊNCIAS DE ARMAS PARA O CHILE COM FINANCIAMENTO PÚBLICO BRASILEIRO

Entre 1974 e 1985, o Brasil se transformou em um dos dez mais importantes exportadores de grandes sistemas de armas ou major weapons do mundo1. Sob a perspectiva da política e da segurança internacional, as massivas transferências de armamento de fabricação brasileira a numerosos países - sobretudo a países em desenvolvimento - foi um fato muito significativo, tanto em termos hemisféricos como globais (Hoge, 1981).

Nesse contexto, para os fins deste artigo é particularmente significativo constatar a convergência entre um fornecedor brasileiro procurando afirmar-se num mercado altamente competitivo, de um lado, e um importador chileno interessado em adquirir o armamento para atender às suas necessidades de segurança interna e externa. Adicionalmente, as transferências de armamento para o Chile acabaram sendo engrandecidas a partir da concessão de um inédito financiamento público - isto é, de uma linha de crédito especial disponibilizada pelo governo brasileiro em junho de 1974, e que após sucessivas ampliações chegou a US$100 milhões de dólares estadunidenses no final do governo de Geisel.

Com efeito, o caso chileno é de particular relevância pela introdução de um mecanismo de financiamento público brasileiro para a exportação de armamento. Estabelecido a partir de entendimentos entre o Estado Maior das Forças Armadas brasileiras e do Ministério da Defesa do Chile, uma linha de crédito especial de US$40 milhões de dólares estadunidenses foi ofertada pelo governo de Geisel para a compra de material de emprego militar brasileiro, em junho de 1974. Observe-se que as condições desse financiamento público eram particularmente generosas para os clientes chilenos. A documentação consultada sugere que se tratava de um crédito especial com quinze anos para amortização, com carência de 30 meses, juros de 8% e cobertura total de cada operação.

A disponibilização de uma linha de crédito especial para aquisição de material de emprego militar, numa época de crescente isolamento político-diplomático chileno, foi altamente valorizada em Santiago. Todavia, em pouco tempo, o governo de Pinochet solicitou uma ampliação da referida linha de crédito especial, para atender necessidades especificas de Carabineiros de Chile e da Aviação Naval. Novamente, a solicitação chilena foi acatada pelas autoridades do governo de Geisel. Assim, em poucos meses, a referida linha de crédito incrementou-se até a significativa quantia de US$65 milhões de dólares. Outrossim, petições realizadas por oficiais chilenos, em 1978, acabaram elevando essas facilidades creditícias a mais de cem milhões de dólares - montante muito alto para os padrões da época.

O considerável apoio militar e político-diplomático brasileiro ao regime militar chileno foi registrado por inúmeras autoridades civis e militares. Com motivo das comemorações do dia da Independência chilena em 1975, uma alta autoridade castrense brasileira informou ao chanceler António Francisco Azeredo da Silveira, por exemplo, o seguinte: "tive a oportunidade de observar que a ajuda militar brasileira ao Chile tem sido muito bem recebida e constitui fator importante no estreitamento das relações entre os dois países."2 Em uma outra oportunidade, e diante da surpresa de certas autoridades brasileiras pelo uso do crédito concedido para a compra à General Motors do Brasil de mais de 200 automóveis e peças - com um valor de mais de milhão e duzentos mil dólares -, o embaixador em Santiago esclareceu que,

a compra de veículos e peças mencionadas se destina a ao uso do corpo de Carabineiros, para fins de patrulhamento em Santiago e no interior do país. Aquela força paramilitar se encontra subordinada ao Ministério da Defesa e [estaria] extremamente desguarnecida de equipamento para o desempenho de suas funções básicas de manter o policiamento e a ordem no país, razão pela qual solicitou o crédito especial adicional de US 10,000.00 [...] e igualmente pela qual lhe foi destinada pelo Ministério da Defesa a referida parcela de US 1.261,098.63, a fim de levar a cabo sua tarefa compatível com as atividades de defesa.3

Para além das implicações éticas e morais implícitas no respaldo às atividades de repressão interna naquela nação, é evidente que o financiamento público concedido pela administração Geisel ao Chile pinochetista transformou o país andino num dos principais importadores de material de emprego militar de fabricação brasileira no hemisfério ocidental. Em consequência, carros blindados da Engesa - isto é, 140 EE-9 Cascavel e 16 EE-11 Urutu, além de 25 caminhões pesados EE-15 -, aviões da Empresa Brasileira de Aeronáutica-Embraer, mísseis da Avibrás, munição de diferente calibre da Companhia Brasileira de Cartuchos, explosivos, equipamento da Fábrica de Material de Comunicações, lanchas de patrulha marítima, armas leves (pistolas, metralhadoras, granadas), e até viaturas policiais acabaram sendo transferidos para o Chile - reforçando as capacidades de defesa e de repressão interna daquele regime.

Nessa linha de pensamento, parece evidente que afinidades eletivas, considerações geopolíticas e interesses econômico-comerciais foram particularmente relevantes na concessão de autorização de transferências de armamento brasileiro. Destaca-se, novamente, a inovação introduzida pela concessão de uma generosa linha de crédito especial - isto é, de financiamento público brasileiro -, que acabou estreitando ainda mais as relações entre as partes. Cumpre acrescentar que linhas de crédito semelhantes foram concedidas por Brasília aos governos da Bolívia, Paraguai e Uruguai - isto é, a aliados brasileiros no cenário geopolítico sul-americano.

EMBARGOS DE ARMAS DE TERCEIROS PAÍSES AO CHILE E IMPLICAÇÕES NAS RELAÇÕES BILATERAIS

Em 20 de julho de 1976, no contexto da chegada ao país andino dos primeiros quatro caças Northrop F-5E Tiger de fabricação estadunidense encomendados ainda durante o governo de Salvador Allende, a embaixada em Santiago informou ao Itamaraty sobre o esforço chileno em expandir e modernizar o equipamento das suas forças armadas e de segurança pública. Para o diplomata brasileiro, "A ameaça latente do revanchismo peruano, não obstante o clima ora reinante, está obviamente por detrás da preocupação de Santiago em modernizar seu equipamento militar e diversificar suas fontes fornecedoras de material bélico". A mesma fonte concluiu seu arrazoado ponderando o seguinte: "Existe aqui, conforme acentuei, a esperança de que as restrições à ajuda militar ao Chile sejam levantadas no ano vindouro"4 A citação é importante já que, dois meses antes do mortal atentado terrorista contra o ex-ministro chileno Orlando Letelier na capital dos Estados Unidos, era possível perceber a existência de crescentes dificuldades de importação de armamento encontradas pelos oficiais chilenos em mercados tradicionais de fornecimento de armas - particularmente em países da Europa ocidental.

Evidentemente, após a morte de Letelier, em 21 de setembro de 1976, no marco de um operativo da polícia secreta chilena, o isolamento do regime comandado pelo general Pinochet aprofundou-se (Domínguez, 2017; Muñoz, 1986). Com efeito, a documentação consultada e a literatura especializada confirmam a imposição de expressos embargos de armas por numerosos governos de países ocidentais ao Chile, em virtude das grosseiras violações aos direitos humanos. Destarte, em poucos meses, o Brasil de Geisel passou a ser um dos poucos fornecedores de armamento convencional avançado ao regime imperante em Santiago (Brooke, 1981b).

Dentre as consequências desse isolamento e dependência chilena em relação ao Brasil destacou-se o surgimento de novos e surpreendentes pedidos de oficiais andinos. Validamente, as autoridades brasileiras teriam recebido sondagens e até pressões de Santiago para frustrar os embargos de terceiros países, mediante irregulares triangulações, intermediações ou reexportações. Em agosto de 1976, isto é, um mês antes do atentando contra Letelier, por exemplo, o chanceler Antônio Francisco Azeredo da Silveira informou à embaixada em Santiago que, por intermédio da empresa En-gesa, o governo chileno estava tentando adquirir canhões franceses de 90 milímetros. Na época, o governo francês tinha implantado um embargo de armas ao regime de Pinochet. Nesse sentido, a tentativa de importar os canhões franceses via Engesa - como se fossem a ser utilizados pela empresa brasileira construtora de viaturas blindadas - "Tratar-se-ia, na verdade, de uma operação triangular: o Chile desejaria adquirir por intermédio do Brasil armamento que não logra obter diretamente da França, em virtude de embargo aplicado pelo Governo de Paris aos fornecimentos de material de emprego militar às Forças Armadas chilenas"5.

Outrossim, em abril de 1978, o embaixador em Santiago informou ao Itamaraty sobre - inusual - petição do então diretor de Logística do Exército chileno, general Humberto Gordon, na véspera de uma missão ao Brasil para examinar novas aquisições, nos seguintes termos,

O general Gordon, antigo adido militar em Brasília, acaba de visitar-me e confidenciou-me que, além de gestionar a concessão de novos créditos, como antecipei em meu telegrama anterior, tentará obter no Brasil a extensão dos créditos já existentes de maneira a abranger também material bélico proveniente de outros países. O general Gordon exemplificou não apenas o caso de componentes importados de produtos fabricados no Brasil em sua maior parte, mas englobou também em suas pretensões itens isolados como a munição importada da Bélgica - e produtos montados no Brasil como as metralhadoras Beretta. O Diretor de Logística invocou a tradicional amizade entre os dois países para justificar a venda armamento produzido em terceiros países ao Chile pelo Brasil, o qual, segundo aquele militar, já os importaria habitualmente, não causando, assim, nenhuma estranheza aos países produtores - Bélgica e Itália - que poderiam não ver com muito bons olhos a projetada operação.6

Em geral, essas sondagens e pressões chilenas acabaram sendo peremptoriamente recusadas em Brasília. A documentação consultada sugere que existia o entendimento e a constatação de que nesse tipo de transações "de imediato apareceria o Governo brasileiro como mera 'ponte' em triangulação que lhe poderia afetar a credibilidade internacional e comprometer a confiança de Governos de países em que também adquire material militar" - em particular, com a França e com os Estados Unidos.7 Mesmo assim, no documento em apreço também ponderou-se que essas demandas reprimidas de terceiros países - eis o caso de Chile, Líbia e outros países sujeitos a embargos expressos - poderiam erigir-se em mercados potenciais para a instalação de indústrias porventura interessadas em produzir esse tipo de armamento desde território brasileiro, conseguindo economias de escala e reduzindo os custos unitários (Proença, 1994; Miguens, 1987). No caso específico da sondagem realizada pelo general Gordon citada no parágrafo anterior, a resposta correspondente procedente do Itamaraty informou à embaixada em Santiago o seguinte,

[Existiria o] imperativo de evitar-se venha o Brasil a ser envolvido nos riscos de triangulações, pelas quais o Chile se abasteceria do que não tem como adquirir diretamente [do] fabricante original; o Itamaraty entende que a disposição de compra manifestada pelos chilenos, somada às perspectivas de outros fornecimentos ao exterior, poderia contribuir para que mais adequadamente se definisse a demanda potencial para a munição [e canhão] 90 [milímetros] e, consequentemente, sua fabricação no Brasil, já em estudo; ao invés de aceitar papel de intermediário, que colocaria em risco a alta credibilidade internacional de suas Forças Armadas, o Brasil tiraria proveito das eventuais compras chilenas para acrescentar escala a uma produção nacional até o momento inviável pelas limitações de mercado interno (...).8

Possivelmente o caso mais transcendente e de particular interesse para os fins deste estudo resultasse do embargo expresso do governo dos Estados Unidos de transferência para o Chile de componentes - isto é, de radares de longa distância e de instrumentos de navegação inercial de fabricação norte-americana - que inicialmente deveriam ser incorporados em um lote de seis aviões EMB-111 Bandeirante (patrulha marítima); aviões que, na época, estavam sendo construídos pela Embraer para a Armada do Chile. Com efeito, em 21 de junho de 1976, a Armada do Chile e a Embraer assinaram um contrato para o fornecimento dos seis EMB-111 (patrulha marítima), inclusive com os componentes norte-americanos supracitados. Tratava-se de um contrato orçado em US$ 11 milhões dólares a serem descontados do crédito especial concedido pelo governo brasileiro.

Contudo, em 29 de setembro de 1976, uma semana após o mortal atentado em Washington contra o ex-ministro Letelier, o governo de Gerald Ford foi praticamente obrigado pelo Congresso de seu país a impor um rigoroso embargo expresso de armas de fabricação estadunidense ao Chile de Pinochet, o que incluía os radares e instrumentos de navegação inercial originalmente propostos pela Embraer aos aviões em construção para os chilenos. Segundo a documentação consultada, teria sido o comandante da Armada do Chile e membro da Junta Militar, almirante José Toribio Merino Castro, quem alertou a embaixada brasileira em Santiago e à Embraer sobre o tema dos componentes de fabricação norte-americana embargados.

Nessa esteira, entre outubro de 1976 e janeiro de 1977, teve lugar um tenso e pouco conhecido debate entre o comando da Armada do Chile, a Embraer e o Itamaraty com relação aos aviões em construção com financiamento brasileiro. Em termos operativos, a alternativa apresentada pelo comando da Armada chilena propunha, resumidamente, que componentes de fabricação norte-americana porventura disponíveis no estoque da Força Aérea Brasileira fossem utilizados e instalados nos aviões que estavam sendo construídos pela Embraer. Evidentemente, essa alternativa implicava uma triangulação, uma violação do certificado de usuário final dos componentes supracitados concedido ao governo brasileiro e uma eventual frustração de embargo imposto por um terceiro governo ao Chile. Assim siendo, tratava-se de uma tentativa de iludir o embargo implantado pelo governo dos Estados Unidos, um parceiro extremamente importante para o governo de Geisel, situação que poderia desembocar em uma eventual crise nas relações bilaterais com aquele país.

A Embraer propôs um aditivo ao contrato com os chilenos, procurando a autorização para viabilizar a entrega dos aviões EMB-111 Bandeirantes (patrulha marítima) sem os equipamentos norte-americanos. Acrescido o compromisso brasileiro de procurar alternativas no mercado internacional para substituir os equipamentos, especialmente na Suécia, na França, na Itália, ou na Holanda. Destarte, em 19 de novembro de 1976, o referido aditivo foi incorporado ao contrato. Contudo, o comando da Armada chilena continuou pressionando à Embraer e ao próprio governo brasileiro, ameaçando inclusive com uma quebra do contrato, na hipótese de não ter satisfeitas suas reivindicações.

E o governo brasileiro, através do Itamaraty, arrolado na controvérsia pelo financiamento público envolvido na transação, tentou conseguir uma desclassificação dos equipamentos embargados. Nessa linha, gestões diplomáticas de alto nível foram realizadas. A documentação sugere que o chan celer Azeredo da Silveira tratou pessoalmente do assunto com o secretário de Estado Henry Kissinger e com o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, John Hugh Crimmins. Mesmo assim, e diante de enérgicas e até desaforadas reclamações de altos oficiais da Armada chilena, o chanceler brasileiro, em concordância com outras instâncias do governo - em particular com a Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional -, bem como da Embraer, acabou determinando a convocatória do embaixador chileno em Brasília, Héctor Bravo Muñoz, para tratar de resolver uma controvérsia que, na opinião do chefe da diplomacia brasileira, "só pode ser atribuíd[a] a persistentes mal-entendidos ou insuficiente compreensão pela Armada chilena do empenho que o Brasil vem pondo em alcançar solução satisfatória para os problemas surgidos na transação com o Bandeirante-patrulha".9

Com efeito, em 20 de janeiro de 1977, o chanceler Azeredo da Silveira recebeu ao embaixador Bravo e sua comitiva. Na oportunidade, além de entregar ao embaixador chileno cópia da documentação referente ao processo de tomada de decisão sobre a construção dos aviões, e de explicitar numerosos outros casos de cooperação técnico-militar brasileira com o governo daquele país - em momento de evidente isolamento internacional do regime pinochetista, particularmente após o atentado contra Letelier e do início da administração de James Earl Carter nos Estados Unidos -, o chanceler brasileiro teria manifestado e questionado "certas atitudes de oficiais da Armada chilena [que] parecem desmerecer a magnitude do esforço que o Brasil vem empreendendo para, nos mais diversos setores, colaborar em tudo a seu alcance para que sejam contornadas as dificuldades de abastecimento surgidas nas relações do Chile com terceiros países". Também, "Pro-curou-se mostrar que a EMBRAER vem agindo com a melhor disposição e irrecusável boa-fé".10

O embaixador chileno teria ficado "sensível" diante dos argumentos que lhe foram apresentados. O adido naval chileno, que participou na reunião, atribuiu o rigor dos comandantes da Armada ao fato de que "a Aviação da Armada é pequena, dispõe de poucos recursos e aviões, deseja por isso mesmo obter sempre o melhor e mais eficiente". Segundo o mesmo documento, "Aos participantes brasileiros pareceram satisfatórios os resultados do encontro, sobretudo por haver este realçado a boa disposição do Governo brasileiro e da EMBRAER e sua justificada surpresa ante iniciativas que tendem a colocar em questão essa aberta e fraterna atitude."11

Mutatis mutandis, agora se sabe que os equipamentos embargados pelo governo dos Estados Unidos acabaram sendo substituídos por similares da empresa francesa Thompson-CSF.12 A documentação consultada não esclarece se o próprio governo francês teria aprovado a transação - que evidentemente era contraria ao embargo que o governo de Paris mantinha em relação ao regime imperante em Santiago. Como quer que seja, a transferência desses seis aviões EMB-111 Bandeirante (patrulha marítima) - junto com outros três aviões da mesma categoria encaminhados no primeiro semestre de 1976 -, todos eles financiados com a linha de crédito especial disponibilizada pelo governo do presidente Geisel, foram muito bem recebidos pelo governo chileno, sobretudo num contexto de crescentes tensões limítrofes daquele país com a Argentina, bem como com o Peru e a Bolívia.

A QUESTÃO DO BEAGLE E A COOPERAÇÃO MILITAR BRASILEIRO-CHILENA

O ano de 1978 foi extremamente complexo para o regime burocrático-au-toritário encabeçado pelo general Augusto Pinochet. Para além de inúmeras controvérsias internas, hemisféricas e globais, o governo chileno teve que enfrentar uma grave disputa territorial com a Argentina, no extremo sul do continente americano - eis a denominada questão do Beagle. Ainda que por razões de espaço não seja possível abordar detalhadamente o referido diferendo territorial, consta que a questão do Beagle reduzia muito a cooperação do Chile com países vizinhos. Na prática, suas reivindicações só tinham alguma repercussão no Brasil, no Paraguai, no Equador e talvez na Colômbia. Igualmente, Brasília era importante para Santiago pela venda de armamentos, haja vista os embargos dos Estados Unidos e da Europa Ocidental. Algo similar ocorria com importações de outros bens industrializados brasileiros, especialmente automotores. Note-se que essas importações automotoras coincidiram em duas oportunidades com a proibição argentina de transporte por via terrestre de ônibus e de chassis de caminhões com destino ao Chile, sob o argumento de que se tratava de possível reforço das capacidades militares chilenas em face do conflito do Beagle (Vizentini, 1998).

A documentação consultada sugere que ao longo desse ano de 1978, o governo de Pinochet expressou em numerosas oportunidades interesse em adquirir armamento de fabricação brasileira, bem como novos créditos com essa finalidade - aproximadamente US$ 40 milhões de dólares adicionais. Todavia, num contexto de crescentes tensões limítrofes, as pretensões chilenas passaram a ter uma conotação de urgência e de dependência em relação aos fornecedores brasileiros.

Exemplo da dependência do Chile com o Brasil na época pode ser percebida a partir de pedido da Empresa Nacional de Telecomunicaciones (Entel) à Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel), em 14 de novembro de 1978. Na oportunidade, solicitou-se às autoridades brasileiras o início de conversações técnicas "a fim de obter facilidades de enlaces alternativos no caso de surgirem dificuldades nos sistemas principais de telecomunicações de Chile". Dois dias depois, a Embaixada do Chile teria esclarecido ao Departamento das Américas do Itamaraty que:

o desejo manifestado se prende à hipótese, que classificou de remota, da deflagração de um conflito armado entre o seu país e a Argentina, e a fim de encetarem os contatos pertinentes de natureza técnica com os meios competentes brasileiros seriam previamente necessários entendimentos em nível político.13

Na hipótese de confrontação direta, existia risco de virtual isolamento do Chile, a partir da iniciativa de bloqueio eletrônico da Argentina - e talvez do Peru. Nessa circunstância, linhas independentes de comunicação para a embaixada do Chile a partir de satélites de comunicações gerencia-dos por Brasília seriam vitais para Santiago. O pedido chileno foi objeto de debate entre o Itamaraty e o Ministério das Comunicações, instância à qual a Embratel se subordinava. Em 21 de novembro, o chanceler Azeredo da Silveira autorizou o prosseguimento das tratativas entre Embratel e Entel via embaixada chilena. Finalmente, em 21 de dezembro de 1978, no dia mais crítico da controvérsia do Beagle, o Departamento Econômico informou à Secretária-Geral da chancelaria que havia sido habilitado "um circuito de ondas curtas ligando os dois países, o qual já se encontra em operação." Acrescentando que era "provável que, em janeiro próximo, estejam em operação mais dois circuitos de ondas curtas"14. A informação em questão foi posta em consideração e depois seria aprovada pelo ministro brasileiro.

Deste modo, sob a perspectiva da estratégia dissuasória do regime pinochetista, o Brasil de Geisel erigia-se como ator significativo. Como importante potência sul-americana, o Brasil era um dos poucos países com capacidade real de agir no conflito do Beagle, fosse em termos bilaterais ou multilaterais. Assim sendo, a documentação consultada permite inferir um persistente esforço das autoridades chilenas para dinamizar e assim de elevar o patamar da relação com o Brasil. Esse esforço de angariar compreensão, aquiescência, e até apoio político-diplomático manifestou-se através da visita recíproca de autoridades civis e militares, com a predisposição santiaguense de cooperar com os incipientes programas antártico e nuclear do Brasil, e com frequentes consultas bilaterais. Assim, no relatório de 1978 da Embaixada do Brasil no Chile ao Itamaraty ponderou-se, por exemplo, que:

As relações entre o Chile e o Brasil mantiveram-se, em 1978, corretas e amistosas. Marcamos nossa presença com a expansão comercial, substituindo a Argentina no fornecimento de várias linhas de produtos, e financeira - hoje há em Santiago quatro agências bancárias brasileiras, duas do Banco do Brasil, que opera também em Antofagasta, Concepción e Valparaíso. Fiel à regra de não intervenção, o Itamaraty manteve posição de equidistância na pendência entre Santiago e Buenos Aires, intervindo somente quando parecia precipitar-se o conflito, e com o objetivo precípuo de evitá-lo, sem entrar no mérito das discussões bilaterais. Nossa atuação nos foros internacionais mereceu o reconhecimento do Governo chileno, cotejando-se favoravelmente com a posição da Espanha, por exemplo, que este ano votou contra o Chile nas Nações Unidas. É cada vez mais notória a presença brasileira no Chile, e parece inevitável que a evolução do nosso país repercuta, em vários níveis, na sociedade chilena. Sendo o chanceler Hernán Cubillos um admirador do Brasil e do Itamaraty, o exemplo brasileiro tende a crescer de importância também dentro da organização diplomática deste país.15

Ainda que o general Geisel não realizasse nenhuma visita ao Chile, as importantes relações bilaterais entre as partes continuaram bastante intensas após a sucessão presidencial brasileira, em 15 de março de 1979. O novo governante brasileiro, general João Figueiredo - antigo Secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional durante o governo de Médici, e certamente conhecedor do apoio brasileiro no golpe militar encabeçado pelo Pinochet, em setembro de 1973 (Simon, 2021) -, manteve os entendimentos brasileiro-chilenos. Essa afinidade eletiva entre os presidentes Figueiredo e Pinochet resultou em uma importante visita do governante brasileiro a Santiago, em outubro de 1980. Todavia, novas transferências de material de emprego militar de fabricação brasileira, em geral, e de grandes sistemas de armas ou major weapons, em particular, continuaram sendo autorizadas bem no início da década de 1980 (Guerreiro, 1992; Cervo e Bueno, 2002).

Portanto, em uma época de enormes dificuldades domésticas e de inserção internacional para o Chile de Pinochet, o apoio prático, aberto e generoso de três governos burocrático-autoritários brasileiros - isto é, os governos de Médici, Geisel e Figueiredo - configurou-se como um elemento extraordinariamente relevante. E no meio desse panorama de evidentes afinidades eletivas e de convergências geopolíticas, a política brasileira de transferência de armas acabou sendo verdadeiramente crucial, tanto no que diz à repressão interna, quanto às controvérsias internacionais do regime militar chileno. Em consequência, infere-se que, no marco da Guerra Fría Latino-americana, a geopolítica, os negócios e a cooperação técnico-militar tornaram-se fatores determinantes na evolução das relações bilaterais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando a pergunta-orientadora e a hipótese deste ensaio de interpretação, parece claro que, entre 1974 e 1979, as relações brasileiro-chilenas foram muito intensas. No campo da segurança internacional, da política de transferência de armas e da cooperação técnico-militar - assuntos de particular interesse para os fins deste trabalho -, as relações entre os regimes burocrático-autoritários encabeçados pelos generais Ernesto Geisel e Augusto Pinochet acabaram sendo particularmente significativas. Em consequência, entende-se que existe evidência documental para corroborar a hipótese, isto é, que as massivas transferências de armas de fabricação brasileira ao Chile teriam sido, efetivamente, alicerçadas em afinidades eletivas, em convergências geopolíticas, no pragmatismo comercial da indústria de defesa, e na concessão de inédito financiamento para a exportação de material de emprego militar.

Para o regime militar chileno, em geral, e especificamente para o presidente Pinochet e seu entorno imediato, a simpatia, compreensão e solidariedade do governo de Geisel acabou sendo sumamente relevante e até crucial para garantir a sua supervivência. Numa época de enormes dificuldades, de isolamento internacional e de persistente questionamento da legitimidade de seu regine, o governo encabeçado pelo general Pinochet descobriu em Brasília um aliado poderoso, efetivo e transcendente. A concessão de linhas de crédito para comprar armamento de fabricação brasileira - numa época em que em outros mercados fornecedores os chilenos tinham vedada até mesmo as compras à vista - era simplesmente alvissareiro e oportuno para os detentores do poder em Santiago. Todavia, o material de emprego militar de fabricação brasileira atendia muito bem, tanto em termos qualitativos quanto quantitativos, os requerimentos das diferentes ramas das forças armadas e de segurança pública chilenas. Essas vinculações e camaradagem do governo brasileiro, em geral, e de seu estamento militar, em particular, acabou dando espaço inclusive a contraproducentes, esdrúxulas e comprometedoras solicitações de - ilegais - triangulações, reexportações ou intermediações do governo brasileiro, procurando frustrar embargos expressos impostos por terceiros fornecedores, especialmente de Washington, Paris e Bruxelas. Assim, em pouco tempo, o Brasil de Geisel erigiu-se num dos principais fornecedores de armamento ao Chile de Pinochet.

Sob a perspectiva brasileira, a documentação consultada permite inferir que, em geral, as exportações de armamento eram alicerçadas numa série de critérios e ponderações correlacionadas à vinculação entre indústria de defesa e política externa. A esse respeito, parece pertinente registrar que em um importante documento de 1974, precursor da denominada Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar-Pnemem, já se entendia, por exemplo, o seguinte:

1.1. A indústria de armamentos e equipamento militar em geral não tem condições adequadas de desenvolvimento ao permanecer dependente apenas das compras internas. [...] A exportação terá repercussões favoráveis na consolidação e expansão da indústria, por tornar possíveis avanços quantitativos e qualitativos na respectiva escala de produção.

1.2. Proporcionando disponibilidade interna mais abundante, diversificada e a custo inferior por unidade do material de que carecem as Forças Armadas, os ganhos de escala na fabricação contribuirão para reforçar a capacidade militar do País. (... )

1.3. A exportação de material militar atende aos interesses da política externa e pode ser instrumento valioso de afirmação e defesa da soberania nacional. O aproveitamento das oportunidades criadas no mercado exterior, ao possibilitar a ampliação quantitativa e qualitativa da escala de produção interna, é fator de aumento da autonomia de abastecimento das Forças Armadas brasileiras e, consequentemente, de maior independência do país com relação aos fornecedores habituais de equipamento militar. Por outro lado, haveria importantes vantagens, políticas e económicas, na vinculação de países importadores a fabricantes brasileiros de material por natureza do mais alto valor estratégico. O incremento das exportações deverá fortalecer, por conseguinte, a posição internacional do Brasil.

1.4. (...) As vendas ao exterior, sobretudo a médio e longo prazo, poderão acrescentar contingentes não desprezíveis de receita na balança comercial do País. (...)

1.5. A exportação poderá conduzir ao estabelecimento de polo industrial de tecnologia avançada, efeito multiplicador elevado no desenvolvimento do parque industrial em geral e vetor de relacionamento industrial-militar importante para a mobilização do Poder Nacional. (...)

1.6. A exportação criará novas possibilidades de o Brasil passar a produzir material até o momento importado, mas que teria condições de fabricar uma vez assegurada sua colocação parcial no mercado externo. A exportação poderá igualmente encorajar a associação à produção nacional (...) de recursos de capital e/ou estrangeiros para a ampliação da capacidade da indústria de material bélico, tirando-se partido da faixa adicional de demanda que venha a criar a utilização de oportunidades de comercialização no mercado externo.16

Para além dessas considerações e dispositivos gerais, infere-se da documentação e da literatura especializada que afinidades e convergências geopolíticas, bem como o pragmatismo comercial da indústria de defesa, a cooperação técnico-militar e a concessão de inédito financiamento para a exportação de armamento também foram elementos importantes na redefinição das relações brasileiro-chilenas, entre 1974 e 1979. Assim sendos em pouco tempo o Chile se erigiu no principal importador de armamento brasileiro no hemisfério ocidental.

Evidentemente, à boa disposição brasileira corresponderia um reconhecimento mais ou menos explícito no governo militar chileno de uma liderança de Brasília no cenário geopolítico sul-americano. Nesse mesmo sentido, o Chile de Pinochet, bem como o Paraguai de Alfredo Stroessner ou a Bolívia de Hugo Banzer, era um aliado, cliente e companheiro de armas dos governantes brasileiros. Nesse sentido, e mesmo reconhecendo a ausência de referências às sociedades civis em ambos os países, então submetidas aos rigores do autoritarismo e do militarismo, entende-se que a temática em questão é relevante sob a perspectiva da inserção internacional brasileira e chilena, hemos como dos estudos e pesquisa acerca da Guerra Fría Latino-americana.

REFERÊNCIAS

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1Conferir: "Brazil: A Major Contender in the Arms Business", Business Week, 31.7.1978, pp. 45-46.

2Ministério das Relações Exteriores - doravante MRE - a Embaixada em Santiago, Minuta de Telegrama 462 (Secreto), Brasília, 21.6.1976, Arquivo Nacional - doravante AN/CSN -: SNA AMG 11, f. 136-137/289.

3Antônio Cândido Câmara Canto ao MRE, Telegrama 377 (Secreto-urgente), Santiago, 16.7.1975, AN/CSN: SNA AMG 10, f. 162/259.

4Rezende ao MRE, Telegrama 625 (Confidencial), Santiago, 20.7.1976, AN/CSN: SNA AMG 11, f. 167/289.

5MRE a Embaixada em Santiago, Minuta de Telegrama 594 (Secreto), Brasília, 18.8.1976, AN/CSN: SNA AMG 11, f. 186-190/289.

6De Vincenzi ao MRE, Telegrama 374 (Secreto-urgentíssimo), Santiago, 6.4.1978, AN/CSN: SNA AMG 13, f. 137-138/161.

7MRE a Embaixada em Santiago, Minuta de Telegrama 594 (Secreto), Brasília, 18.8.1976, AN/CSN: SNA AMG 11, f. 186-190/289.

8MRE a Embaixada em Santiago, Minuta de Telegrama 415 (Secreto), Brasília, 26.5.1976, AN/CSN: SNA AMG 13, f. 125-128/161.

9MRE a Embaixada em Santiago, Minuta de Telegrama 38 (Secreto), Brasília, 21.1.1977, AN/CSN: SNA AMG 12, f. 40-43/180.

10Ver nota 9.

11Ver nota 9.

12Hugo de Andrade Abreu a Antônio Francisco Azeredo da Silveira, Aviso n. 74/77 da Secretaria-geral do Conselho de Segurança Nacional (Secreto), Brasília, 21.3.1977, AN/CSN: SNA AMG 12, f.96/180.

13João Hermes Pereira de Araújo ao Secretário-Geral do Ministério das Relações Exteriores, Memorando DAA/119 (Secreto), Brasília, 16.11.1978, Arquivo do Ministério das Relações Exteriores -doravante AMRE.

14Carlos Augusto de Proença Rosa ao Secretário-Geral do Ministério das Relações Exteriores, Despacho ao Memorando DAA/119 (Secreto), Brasília, 21.12.1978, AMRE.

15De Vicenzi ao MRE, Telegrama 78 (Confidencial), Santiago, 23.1.1979, AMRE.

16Grupo Interministerial sobre Política de Exportação de Armamentos e Equipamentos de Uso Militar em Geral, Relatório Final (Secreto), Brasília, 8.10.1974, disponível em Magalhães (2016, pp. 243-249).

Recebido: 01 de Março de 2021; Aceito: 02 de Setembro de 2021

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