efdeportes.com
Relacionamento não verbal na Educação Física

   
Mestranda em Educação Física e
Esporte pela Universidade de São Paulo.
Psicóloga do Esporte. Ex-Psicóloga da Equipe
Campeã Paulista de Futebol Série A 1 - 2002 - Ituano.
Pesquisadora do Grupo de Estudos e
Pesquisa em Psicologia do Esporte - EEFEUSP
 
 
Ana Maria Capitanio
anacapitanio@uol.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    A comunicação não verbal é um aspecto das relações humanas, que, embora de extrema importância não recebe a devida atenção pelos educadores, de forma geral. Pressupondo-se que o Movimento Humano pode ser analisado em diferentes níveis, esse ensaio pretende levar o professor de Educação Física a refletir sobre uma outra perspectiva de leitura do Movimento Humano, a fim de contribuir para a melhoria de suas aulas e de seu relacionamento com seus alunos, bem como consigo mesmo.
    Unitermos: Comunicação não verbal. Movimento. Significado. Consciente e inconsciente.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 9 - N° 64 - Septiembre de 2003

1 / 1

"There are more things in heaven and earth,
Horatio, that are dreamt of
than in your philosophy."

William Shakespeare1

A Educação Física

    Segundo OLIVEIRA (1983), não há Educação Física sem movimento, sendo indiscutível que o seu papel é estudar o Homem em movimento e que a ginástica, a dança, o jogo e o esporte são instrumentos para cumprir seus objetivos. Acreditando que o ser humano existe como um ser total é impensável que o Professor de Educação Física trate apenas do físico das pessoas. Ainda, segundo este mesmo autor, a prática deste professor é sobre o corpo, entretanto os benefícios ou malefícios2 extrapolam o corporal, embora seja óbvio que não se pretende excluir o desenvolvimento da aptidão física das preocupações da Educação Física e de habilidades por intermédio dos jogos e esportes, sendo de extrema importância que se compreenda que essas atividades são meios e não fins e que a simples prática dessas atividades não caracterizam a existência da Educação Física. Enquanto processo individual, ela desenvolve potencialidades humanas. Enquanto fenômeno social, ajuda o homem a estabelecer relações com o grupo a que pertence.

    Para fins de discussão BORGES (1992), entende que Educação Física é uma prática pedagógica desenvolvida na Escola e que se ocupa de uma área de conhecimento chamada cultura corporal que são todas as manifestações corporais social e historicamente construídas. O movimento é percebido como expressão e manifestação corporal e é tema a ser desenvolvido nas aulas de Educação Física. MANOEL (1995, cit. por VERENGUER, 1997) propõe o entendimento da atividade motora como um conjunto de atos intencionais que visam melhorar e promover a capacidade para o Movimento, isto deveria ser o objeto de preocupação da Educação Física.

    Como educadores, se faz necessário à reflexão crítica da prática pedagógica, como professores de Educação Física muito mais3 , pois dentre as outras disciplinas envolvidas no processo da escolarização, é a Educação Física aquela que tem como objeto de estudo e como prática e privilégio profissional o movimento que é uma forma de expressão Humana. Sabe-se que através do trabalho do domínio motor, por parte da Educação Física, participará também os outros domínios cognitivo e afetivo social, conforme acima mencionado. BORGES (1992) e OLIVEIRA (1983) acreditam que o Homem é um ser total, porém o professor de Educação Física deve ter conhecimento do que geralmente ocorre na Escola: uma fragmentação dos saberes em que o pensamento é supervalorizado em detrimento do corpo (BORGES, 1992), a fim de que não se espelhe em sua prática a ideologia cartesiana (esse tema será abordado adiante). Difícil? Isto é Educação. A Educação deve ser transformadora, mesmo que demande tempo.(GADOTTI 1997).

    Sendo assim, não seria coerente o Professor de Educação Física ter um olhar diferenciado ao movimento humano? Será que suas aulas devem se reduzir a uma série de movimentos que o aluno deve executar da melhor maneira possível? O Professor de Educação Física tem conhecimento da importância dos processos da comunicação não verbal na sua interação com os alunos? Ele poderia ser mais bem preparado para uma leitura do movimento Humano visando melhorar a qualidade de suas aulas? Ele tem noção de sua própria imagem corporal? Há uma reflexão sobre sua formação pessoal e profissional?


Corpo, Movimento Humano, Intencionalidade e Significado da Ação

    Para os filósofos da Antigüidade o que definia o Homem era a razão, a consciência como intelecto sendo o Homem dividido entre corpo e mente, tendo o corpo um caráter animalesco. Após o Cristianismo, o Homem quer alcançar o Divino, a verdade, cabendo a razão a busca do conhecimento remetendo novamente o corpo a um plano inferior como fonte de sofrimento e pecado. Os filósofos da Idade Moderna começaram a repensar nesta forma de busca da verdade através de um modo transcendental, metafísico. Eles começaram defender que a verdade não estava fora do Homem e independente deste. O homem poderia conhecer por meio da razão o seu próprio pensamento e o mundo dos fenômenos. A partir disso, instala-se o saber, a ciência. (SEVERINO, 1992)

    VERGEZ & HUISMAN (1988) afirma que quando René Descartes declarou "Penso, logo existo" ele garantiu que o pensamento tem sua própria existência e que o conhecimento está dentro do próprio ser pensante, opondo-se aos antigos filósofos que buscavam a essência das coisas no Divino ou na Natureza. O conhecido termo cartesiano toma forma a partir de então, caracterizado pela dualidade material e espiritual. Para o pensamento cartesiano o corpo está sob o domínio da razão, valorizando essencialmente o intelecto4 .

    Embora, na Idade Contemporânea seja dada uma maior ênfase para corporeidade, muitos ainda supervalorizam o conhecimento racional. Com o nascimento da Fenomenologia uma outra visão de Mundo e de Homem é estabelecida por parte de alguns filósofos. (SEVERINO 1992)

    Do ponto de vista da fisiologia ou da biomecânica o entendimento do movimento é amplamente estudado pela Educação Física e segundo CANFIELD (2000) solicita-se uma relação causal. Mas, se refletir "o porque se fez aquilo", busca-se uma razão ou um significado para a ação. Em 1991, CANFIELD já se questionava em "por que" alguém executa um ato motor levando em conta a intencionalidade desse ato. Segundo REED (1982, cit. por CANFIELD, 2000), movimento para a abordagem motora é um deslocamento espaço-temporal do corpo ou de suas partes e Movimento para a abordagem da ação está para a conexão corpo-mundo.

    MERLEAU - PONTY (1994) diz que o conhecimento do Mundo se dá a partir da própria experiência do Homem: Homem e objeto se inter - relacionam. Razão e Corpo são agora indivisíveis. A consciência busca um contato mais direto com o Mundo. Através do corpo, do movimento que o Homem dá sentido e se coloca no mundo. Há uma intencionalidade. Para SEARLE (1983) só os seres humanos têm uma forma particular de intencionalidade associada com o significado. Para BEST (1978, cit. por CANFIELD, 2000) o significado de uma ação particular não pode ser explicado por uma análise de um movimento físico isolado. O significado é dado de acordo com o contexto em que a ação acontece onde o movimento é uma parte. Um mesmo movimento físico pode ter significados diferentes.

    Para LABAN (1978) o movimento do Homem tem um objetivo: satisfazer uma necessidade ou atingir algo que lhe é valioso. Perceber o objetivo parece fácil quando este é direcionado a algo tangível, como por exemplo o ato de agarrar um objeto. Porém, há valores intangíveis que levam ao movimento, como por exemplo um motivo subjetivo que leva a agarrar o objeto ou um estado de espírito. Há uma mecânica motora intrínseca ao movimento que opera o controle intencional do acontecimento físico chamado de esforço (impulsos internos a partir dos quais se originam os movimentos). Todos os movimentos humanos estão ligados a um esforço. O esforço e a ação podem ser inconscientes e involuntários, mas estão sempre presentes.

    "O movimento revela evidentemente muitas coisas diferentes. É o resultado, ou da busca de um objeto dotado de valor, ou de uma condição mental. Suas formas e ritmos mostram a atitude da pessoa que se move numa determinada situação. Pode tanto caracterizar um estado de espírito e uma reação, como atributos mais constantes da personalidade. O movimento pode ser influenciado pelo meio ambiente do ser que se move." (LABAN, 1978, p.20).

    TANI, MANOEL, KOKUBUN & PROENÇA (1988), diz que o movimento humano faz parte do domínio motor (ou psicomotor devido ao grande envolvimento do aspecto cognitivo nos movimentos) entretanto, no comportamento humano estão presentes também o domínio cognitivo e o domínio afetivo-social. Um determinado comportamento pode ser classificado num desses domínios, sabendo, embora que sempre existirá a participação de todos os três domínios. Portanto, necessita-se ter em mente a importância dos seguintes princípios: o da totalidade e o da especificidade. O primeiro propõe que, em qualquer comportamento, há sempre a participação de todos os domínios que atuam de forma integrada. O segundo propõe que cada domínio necessita ser analisado especificamente, dado à predominância sobre os outros.

    Quando os antropólogos ao iniciaram seus estudos sobre os movimentos corporais perceberam que eles não eram causais, mas poderiam ser tão legíveis como uma Linguagem.

    BIRDWHISTELL (1952 cit. por DAVIS, 1979), após uma exaustiva análise de filmes, fez uma analogia entre Cinésica e Linguagem. Segundo ele, o discurso pode ser dividido em sons, palavras, sentenças, etc., na Cinésica - Kinesis - há também unidades similares: a menor é a Kine (uma simples contração ou um imperceptível movimento), Kinemas (movimentos mais amplos e mais significativos, somente têm significado quando dentro de um contexto; mesmos aqueles que contêm um significado consciente e explícito, por exemplo, o gesto de cumprimentar ou do dedão do caronista são apenas gestos parciais e devem ser acompanhados de outros para se ter um significado).


Comunicação Não Verbal

    A comunicação é um processo: Uma pessoa emite uma mensagem para outra(s), a pessoa que envia codifica os pensamentos em uma mensagem. A mensagem é canalizada geralmente por palavras para o receptor. O receptor decodifica a mensagem, pensa sobre e responde internamente.

    BITTI (1984, cit. por MESQUITA, 1997) afirma que mensagem é o ato final. A produção da mensagem tem início em organizações interiores - conscientes ou inconscientes - até atingir a exteriorização podendo atingir uma série complexa de operações em nível cognitivo, afetivo, social ou motor.

    A mensagem é transmitida por via de um canal e que para se constituir em um sinal deve estar em conformidade com um código. O código permite a passagem do conteúdo da informação de um emissor para um receptor, graças a uma transformação determinada. A natureza dessa transformação serve do princípio de uma classificação de sinais, ou signos.(CORRAZE, 1982).

    A interpretação de signo para AMADO & GUITTET (1982), pode ser considerado como um suporte perceptivo e a menor unidade que tenha um sentido num dado código; ele se decompõe num elemento perceptível: o significante e num elemento conceitual não perceptível: o significado. A relação entre significante e significado é a significação. Um significante sem significado é somente um objeto, ele é mas não significa. Um significado propõe que o significante seja algo mais do que o objeto que ele evoca.

    Segundo WEINBERG & GOULD (2001), a comunicação ocorre de duas formas básicas: interpessoalmente e intrapessoalmente. Geralmente, estamos nos referindo à comunicação interpessoal. A pessoa que envia a mensagem pretende afetar a resposta de uma determinada pessoa ou pessoas. A mensagem pode ser recebida pela pessoa para quem ela foi planejada, por pessoas para as quais ela não foi planejada ou ambos. Às vezes a mensagem chega distorcida e a resposta pretendida pela pessoa que a envia não é transmitida. A comunicação interpessoal envolve a comunicação não verbal, essencial para partilhar e receber informações. A comunicação intrapessoal é a comunicação que o indivíduo tem consigo mesmo, de extrema importância e que ajuda a moldar ou prever o modo como se age ou se atua consigo mesmo, afetando a motivação e o comportamento.

    Neste ensaio se enfatizará a comunicação não verbal. A comunicação humana é aproximadamente 50% a 70% não verbal. (WEINBERG & GOULD 2001)

    DAVIS (1979) afirma que muito além das palavras está a comunicação não verbal. Elas não representam a mensagem total e nem parcial, embora sejam importantes. Para ela, as relações humanas se constroem através da comunicação não verbal.

    A comunicação não verbal segundo CORRAZE (1982), é o conjunto dos meios de comunicação existente entre os seres vivos que não usam a linguagem humana ou seus derivados não sonoros (escritos, linguagem dos surdos mudos, etc.).

    A comunicação não verbal pode ser dividida em dois grupos, (MESQUITA 1997)

  1. Aquilo que se refere ao corpo e ao movimento e representa unidades expressivas: a face, o olhar, os gestos, as ações, as posturas e a paralinguagem.

  2. Aquilo que é relativo ao produto das ações humanas e formas de expressão: a moda, os objetos do cotidiano e da arte, a própria organização dos espaços.

    CORRAZE (1982) afirma que a comunicação não verbal pode ser sonora e o que seu conceito exclui é o sistema lingüístico humano (este que é verbal). O termo comunicação não verbal é aplicado a gestos, as posturas, a orientação do corpo, a organização de objetos, a relação de distâncias entre os indivíduos.Este autor opõe-se a BIRDWHISTELL, (1952 cit. por DAVIS, 1979) porque ele afirma que a comunicação não é constituída exatamente como a linguagem (acima mencionado) e que atualmente este conceito e amplamente rejeitado.

    Segundo AMADO & GUITTET (1982) as primeiras interações entre mãe e filho são não verbais. Os primeiros comportamentos utilizam-se de códigos (não simbólicos), esses códigos são apreendidos por imitação entre a criança e seu meio humano. Posteriormente, pela importância dada à língua falada e escrita ignora-se o meio de comunicação não verbal. Raramente, na escola dá-se uma ênfase maior a sensibilização de sons, cores. Geralmente o que diz respeito ao corpo é ignorado ficando em segundo plano. Contudo, a linguagem sempre será marcada dessas outras formas de expressão, pois há uma relação intrínseca entre corpo e linguagem.

    O europeu perdeu o hábito e a capacidade de orar com movimentos. O ajoelhar-se dos religiosos são os vestígios de preces com o movimento. Os movimentos rituais de outras raças5 são muito mais ricos em expressividade. As civilizações contemporâneas se limitam às orações faladas, nas quais os movimentos das cordas vocais se tornaram muito mais importantes do que os corporais. (Laban, 1978).

    Às vezes pode não haver congruência entre o que se fala e o comportamento não verbal transmitindo uma mensagem dúbia. A tendência é acreditar no que se vê, sente ou intui sobre determinado comportamento, pois geralmente este comportamento não está sob controle consciente. AMADO E GUITTET (1982), afirma que há aspectos inconscientes de certos desejos reprimidos ao nível do discurso racional ressurgem na comunicação da pessoa sem que ele perceba, porque o corpo é mais difícil de censurar do que a palavra. Aquilo que não pode ser dito em nível consciente pode ser exprimido através do corpo.

    Se houver congruência entre o verbal e o não verbal, o impacto da mensagem é mais forte e melhor recebido.

    No que se concerne à comunicação não verbal, segundo CORRAZE (1982) o termo intenção consciente, o Homem tem muito pouco domínio sobre o seu comportamento. Tem-se consciência do conteúdo que se quer transmitir, mas os gestos escapam ao controle. Por outro lado, para aquele que observa e tenta definir a significação de um sinal não verbal, só se chega a prováveis conclusões.

    Atentar-se em como a(s) pessoas(s) se comporta(m) ao se comunicar próxima(s) a(s) outra(s) parece muito interessante. HALL (1977) fez as primeiras considerações sobre a percepção do espaço social e pessoal desenvolvendo uma nova área de estudo denominada Proxêmica. Proxêmica e definida por ele como o estudo da estruturação inconsciente do microespaço humano. Segundo este autor existe uma espécie de "dimensão oculta" pessoal que rodeia o corpo e ditada pela cultura. O grau de proximidade pode transmitir mensagens sutis e expressa muito bem a natureza de qualquer encontro.

    Os espaços diminuem à medida que a intimidade aumenta.

    McKAY et al. (1983, cit. por BECKER JR, 2000), define paralinguagem como todos os componentes verbais da fala, considerados separadamente: Tom de voz, Ritmo, Timbre da voz, Alternância da voz.


E a prática?

    Ver com outros olhos o Movimento Humano não é uma tarefa fácil e relacionar descobertas a partir desse olhar com a prática diária, muito menos.

    "Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que sonha a tua filosofia".

    É a frase que sugiro para que se comece a pensar na comunicação não verbal. As palavras podem ser fortes, sábias, persuasivas, interessantes, mas não são tudo em um processo de comunicação eficiente. Ao interagir com o outro, muitas vezes não temos uma percepção daquilo que está sub-liminar. Às vezes tomamos consciência rapidamente. Outras vezes, ficamos com aquela sensação estranha, do tipo: "Tem alguma coisa estranha na fala dele (a), ou por que não me sinto convencido (a) com o que ele (a) disse? ou, por que aquele aluno se dirige a mim sempre de cabeça baixa?", por exemplo.

    Aprender e ensinar requer necessariamente um processo comunicativo que vai das palavras aos gestos, expressões faciais, posturais, conscientes e inconscientes. Tanto por parte do próprio Professor em aprender a analisar seus próprios movimentos, tom e timbre da voz a fim de facilitar a emissão da mensagem e conseqüentemente o entendimento do conteúdo a receber os sinais não verbais dos alunos é um poderoso feedback para uma avaliação continuada de sua prática.

    A proposta desta reflexão se dirige especificamente ao professor de Educação Física, por ser ele, um profissional que tem uma atuação diferenciada dos outros dentro da Escola, em uma academia, num projeto social, em que qualquer espaço que se estabeleça à relação ensino/aprendizagem. Atuação esta de maior proximidade, de estar junto, diferente de, por exemplo na escola, do professor de Matemática, Português, História, etc., que têm entre eles objetos que o distancia dos alunos (carteiras, cadeiras, mesa do professor, etc.). ao contrário do que alguns podem pensar, estar próximo do outro é um privilégio. A favor disso está, por si mesmo, nossa cultura de contato. A favor do professor de Educação Física está um leque de possibilidades de analisar o movimento Humano que podem ir deste os movimentos mecânicos até o significado para si e para o outro desses movimentos.

    Ao se abordar os temas movimento, intencionalidade e significado da ação (consciente e inconsciente) e comunicação não verbal tudo pode parecer um tanto confuso. Sobretudo, quando dirigida a profissionais que têm em sua graduação uma grande parte de disciplinas das áreas biomédicas e técnicas esportivas. Segundo OLIVEIRA (1983), quando existem disciplinas como História e Filosofia elas são sempre relegadas a um segundo plano como assuntos irrelevantes fazendo-a a assumir uma postura dogmática, acrítica, onde o discurso sobre o Homem torna-se fragmentado e secundário. É obvio, que não se quer aqui descaracterizar o papel da Educação Física, porém enfatizar a importância que essas outras ciências e o quanto elas podem enriquecer a atuação do professor de Educação Física.

    A forma não verbal de comunicação é um fato. Fazem-se necessários que profissionais que lidam com grupos saibam de sua existência e aprendam a receber e a emitir sinais não verbais. Para MESQUITA (1997) as habilidades associadas ao conhecimento da comunicação não verbal fazem parte do desenvolvimento da competência social e profissional do indivíduo. Por exemplo, o professor que quer seus alunos motivados, necessariamente ele deve estar motivado. Caso contrário, os alunos irão perceber o tom de voz, a postura, a expressão do rosto, etc. que dizem o contrário. O professor estará passando uma comunicação dúbia. Um outro exemplo, é o trato diferenciado entre os alunos de uma forma inconsciente: em uma escola com alunos de classe média baixa, ao explicar os exercícios físicos, o Professor, sem perceber pode dar maior preferência às crianças mais "asseadas" com vestimentas limpas, narizes assoados, cabelos penteados, etc., é claro que aqueles que não tiveram a mesma atenção irão perceber a diferenciação. Quem apreenderá melhor?

    Falou-se muito sobre o papel da Educação Física, sobre seu objeto de estudo. Contudo, relacionamento entre professor e aluno, e aluno e professor é o foco de atenção deste tema. Como que um Professor de Educação Física pode querer lecionar sem querer se relacionar? Relacionar-se não quer dizer ter intimidade com o aluno, mas estar aberto a comunicar e a receber a comunicação do outro. Relacionar-se quer dizer interagir um com o outro. Assim, o processo ensino aprendizagem sai do âmbito tradicional e o professor passa a ensinar aprendendo. Imagine a seguinte situação: um aluno chega a sua aula com o semblante triste, ombros encolhidos, e ao perguntar como ele está, ele responde: - Bem..... Mas você percebe que há alguma coisa de errado. A seguir ele dá sinais de desatenção, desmotivação, preocupação, sem verbalizar uma palavra. Bem, você fez uma leitura. Uma leitura de seus movimentos durante a aula, uma interpretação subjetiva, mas que dentro de um contexto, tem sentido. Uma outra situação pode ser explorada: Imagine aquela criança "estabanada", ora chutando com a perna direita, ora agarrando com a mão esquerda, isto também é um tipo de leitura do movimento. Este ensaio não tem a pretensão de esgotar o assunto pois, mesmo porque a visão de leiga tem pontos positivos e no desenvolvimento desse, descobri os pontos negativos: não tenho a riqueza da prática do Professor de Educação Física e muito menos o conhecimento específico dessa maravilhosa área de conhecimento. Mas, fica aqui a contribuição de um Profissional de Psicologia que é pretensiosa a desejar levar o Professor a essa nova perspectiva.


Notas

  1. "Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que sonha a tua filosofia" - vide referências bibliográficas

  2. Nota: o termo maléfico foi adicionado pela autora deste ensaio, porque assim como a Psicologia, a Educação Física poderá ser benéfica ou maléfica, pois se a prática do professor é sobre o corpo e, segundo Tani (1988) e Oliveira (1983) esta prática extrapolam o corporal, ou seja, os outros domínios sempre estarão presentes, como já visto. Assim sendo, se a prática for inadequada afetará alem do físico, os aspectos afetivos, sociais e cognitivos. Ao passo que se o profissional de Psicologia ter uma prática inadequada, também afetará negativamente domínios psicológicos nem sempre revelados através do comportamento.

  3. Tani et. al. (1988), enfatiza a importância da relação entre movimento e cognição, pois as primeiras respostas de uma criança recém nascida são motoras. O seu desenvolvimento e medido através dos movimentos. A criança adquire suas primeiras experiências sensoriais através de explorações que, por sua vez dependem do movimento. As experiências motoras que se iniciam na infância são de fundamental importância para o desenvolvimento cognitivo: a integração das sensações provenientes de movimentos resulta na percepção, e toda aprendizagem simbólica posterior depende da organização destas percepções em forma de estruturas cognitivas.

  4. No mundo contemporâneo percebe-se ainda grande influência do pensamento cartesiano. Por exemplo, a ênfase que se dá para as Disciplinas "intelectuais" na grade curricular, concordando com BORGES (1992) ou o até mesmo o "pré - conceito" para com os estudantes que optam pela Educação Física como profissão, a super valorização dos profissionais ditos mais "intelectualizados", etc.

  5. O grifo é meu: o termo raça é discutível. Sabe-se que os seres humanos, biologicamente são iguais. Ao meu ver raça trem uma conotação pejorativa. É óbvio que não se aprofundará neste assunto. Trata-se somente de uma opinião. Uma reflexão.


Referências bibliográficas

  • AMADO, G.; GUITTET, A. A Dinâmica das comunicações nos grupos. Trad. Ana Lucia T. Ribeiro. 2.ed. Rio de Janeiro, EPU, Zahar, 1982.

  • BECKER JR., B Manual de psicologia do esporte e do exercício. Porto Alegre NOVAPROVA, 2000.

  • BORGES, C. M. F. A educação física na vida das crianças: significados. Revista da Educação Física/UEM, Belo Horizonte, v.3 n.1, 1992.

  • CANFIELD, J. T. A intencionalidade e os sistemas dinâmicos. Kinesis, Santa Maria, v.7, p.31-40, 1991.

  • ______. Aprendizagem e habilidades motoras II: o que muda com a prática? Revista Paulista de Educação Física, São Paulo, p. 72-78, 2000. Supl. n.3

  • CORRAZE, J. As comunicações não verbais. Trad. Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro, Zahar, 1982.

  • DAVIS, F. Comunicação não verbal. Trad. Antônio Dimas. São Paulo, Summus, 1979.

  • GADOTTI, M. Lições de Freire. Revista da Faculdade de Educação. São Paulo, v.23, n.1-2 jan/dez., 1997.

  • HALL, E.T. A dimensão oculta. Rio de Janeiro, Francisco Alves,, 1977.

  • LABAN, R. Domínio do movimento. Ed. org. Lisa Ullmann. Trad. Ana M. B. Vecchi e Ma. Sílvia de M. Netto. São Paulo, Summus, 1978.

  • MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo, Martins Fontes, 1994.

  • MESQUITA, R.M. Comunicação não verbal: relevância na atuação profissional. Revista Paulista de Educação Física, São Paulo, v.11, n.2 p.153-163. jul/dez. 1997.

  • OLIVEIRA, M. V. O que é educação física. São Paulo, Brasiliense, 1983.

  • SEARLE, J. R. Intentionality. Cambridge, Cambridge University Press, 1983.

  • SEVERINO, A. J. Filosofia. São Paulo, Cortez, 1992.

  • SHAKESPEARE, W. A tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca. [online] Disponível na Internet via
    http://ngarcia.org/nel/shake/hamlet.htm arquivo capturado em 20 de Junho de 2002.

  • TANI, G.; KOKUBUN, E.; MANOEL, E.J.; PROENÇA, J. E. Educação física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo, EPU, 1988.

  • VERENGUER, R.C.G. Dimensões profissionais e acadêmicas da educação física no Brasil: uma síntese das discussões. Revista Paulista de Educação Física, São Paulo, v.11, n.2, p.164-75, jul./dez, 1997.

  • VERGEZ, A.; HUISMAN, D. História dos filósofos ilustrada por textos. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1988.

  • WEINBERG, R. W.; GOULD, D. Fundamentos da psicologia do esporte e do exercício. Trad. Maria Cristina Monteiro. 2.ed. Porto Alegre, Artmed, 2001.

Outro artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
http://www.efdeportes.com/ · FreeFind
   

revista digital · Año 9 · N° 64 | Buenos Aires, Septiembre 2003  
© 1997-2003 Derechos reservados