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Consumo de drogas lícitas e ilícitas por praticantes
do esporte de aventura escalada em rocha

   
*Mestrando do Programa de Mestrado em
Ciências do Movimento Humano do CEFID / UDESC.
** Professor Doutor do Programa de Mestrado em
Ciências do Movimento Humano do CEFID / UDESC.
 
 
Andrey Portela*
Alexandro Andrade**

andreyportela@hotmail.com
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    O estudo teve como objetivo descrever e analisar o uso de drogas lícitas e ilícitas entre os praticantes da escalada em rocha na Grande Florianópolis e em outros estados brasileiros, tendo como justificativa as indicações de Andrade e Portela (2000), sobre o grande número de praticantes que utilizam drogas ilícitas durante a escalada. A revisão de literatura abrangeu os tópicos "escalada em rocha, as drogas e o doping nos esportes". Utilizou-se uma metodologia descritiva, aplicada, elaborando-se uma entrevista estruturada para ter um contato direto com os praticantes, com perguntas abertas, evitando inibir ou limitar suas respostas. A amostra não-probabilística intencional contou com 73 escaladores, com idades entre 15 a 45 anos, de ambos os sexos, sem restrição ao tempo de prática. Como principais resultados: 80,8% (59) dos escaladores são usuários de drogas, sendo que a maconha é a droga mais utilizada durante a escalada. Isto causa várias alterações físicas e psicológicas. Os principais motivos que os levaram ao uso foram à influência de amigos, familiares e a curiosidade, onde 13,5% (8) deles tiveram contato com a maconha no ambiente da escalada. Concluiu-se que o uso de drogas lícitas e ilícitas entre escaladores ocorre, encontrado-se um grande número de usuários. Os motivos para o uso estão relacionados ao prazer que a droga lhes concede, e para a minoria, o benefício a sua performance.
    Unitermos: Escalada em rocha. Performance. Consumo de drogas.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 99 - Agosto de 2006

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Introdução

    A Escalada em Rocha é cada vez mais praticada por pessoas de diferentes classes sociais, idades, sexos e regiões do Brasil, pelos mais diversos motivos (GUEDES, 1998; PORTELA, 2000).

    O uso de drogas destinadas a melhorar o desempenho do atleta tem motivado uma ação intensa das autoridades esportivas, visando preservar não apenas os aspectos éticos da competição mas, sobretudo, à saúde dos esportistas (FEDER, CARDOSO e DE ROSE, 2000).

    Numerosos casos de uso de drogas em competições levam países a apertar o cerco com exames antidoping. Os casos se sucedem em todos os esportes, tratando-se de um assunto da maior relevância, tomando uma proporção epidêmica, um problema social (ARTRAND e RODHL, 1980).

    Este estudo teve sua origem a partir da pesquisa de Andrade e Portela (2000), verificando o uso da maconha, por um grande número de escaladores no momento da prática deste esporte na Grande Florianópolis, mesmo com todas as qualidades físicas que o esporte requer.

    Depoimentos como: "Todo escalador é um maconheiro em potencial, porém nem todo maconheiro é um escalador", indicam que o consumo da maconha na escalada é reconhecido por todos os escaladores, mesmo os não usuários.

    Estudos como os de Oliveira e Yamamoto (1998), Raimundo (1998), CEBRID (1997), apontam a maconha como a droga mais utilizada e de fácil acesso para jovens brasileiros.

    Diante do exposto questionou-se: qual é a relação entre os escaladores e o uso de drogas lícitas e/ou ilícitas ao praticarem o esporte na Grande Florianópolis?

    O estudo teve como objetivo descrever e analisar a relação dos praticantes de Escalada em Rocha com o uso de drogas lícitas e/ou ilícitas na prática do esporte buscando verificar o contexto em que fazem uso de drogas na escalada, identificando e esclarecendo os motivos que levam os escaladores a utilizarem tais substâncias no momento da prática, descrevendo os benefícios e/ou malefícios que cada indivíduo sente ao utilizar estas drogas, além de analisar os problemas decorrentes do uso de drogas na prática dos esportes de aventura.


Método

    Trata-se de uma pesquisa descritiva de campo, aplicada (RUDIO, 1986).

    A população investigada foram os praticantes de escalada em rocha, de ambos os sexos, com idades entre 15 e 45 anos, da Grande Florianópolis e de outros estados brasileiros, não levando em conta o tempo de prática.

    A amostra não-probabilística intencional contou com 73 escaladores obtidos em duas etapas: a 1ª etapa foi realizada com o estudo de Portela (2000) e contou com a participação de 33 escaladores no período de agosto de 1999 a agosto de 2000. Nesta 2ª etapa foram entrevistados 40 escaladores no período entre junho 2002 e agosto de 2003.

    O instrumento utilizado na segunda etapa foi o mesmo aplicado por Portela (2000), acrescentado uma pergunta ao final da entrevista estruturada onde os escaladores deveriam dar sua opinião quanto aos resultados do primeiro estudo.

    As categorias investigadas foram: Caracterização dos praticantes; Histórico dos praticantes; A prática da escalada em rocha; O uso de drogas entre os praticantes da escalada em rocha.

    Após a análise dos depoimentos, os dados foram distribuídos em tabelas de frequência simples e percentuais, de forma descritiva, bem como a descrição dos principais depoimentos. Os dados da 2ª etapa da pesquisa foram analisados juntamente com os dados da 1ª etapa.

Análise e interpretação dos resultados

    Percebemos que a maioria dos escaladores, 80,8% (59), são usuários de drogas, onde 78% (57) são usuários de drogas lícitas ou permitidas, e 54,7% (40) utilizam também drogas ilícitas ou proibidas, onde 2 destes só utilizam drogas ilícitas sendo esta a maconha. Os catorze escaladores que afirmaram negativamente para o uso de drogas fizeram parte da massa de dados deste primeiro estudo que não investigou o uso de drogas lícitas.

Tabela 1. Tipos de drogas lícitas e ilícitas utilizadas pelos escaladores em rocha


* Os participantes se enquadraram em mais de um motivo
** Dados pertinentes ao número total de escaladores que utilizam drogas

    Quanto às drogas lícitas utilizadas pelos escaladores, encontramos a ocorrência no uso do álcool, de cafeína e do tabaco. Estas drogas apesar de serem liberadas para a comercialização e o consumo, são substâncias que causam sérios riscos a saúde física e mental. São drogas que apesar do seu efeito maléfico estão sendo largamente utilizadas por adolescentes que iniciam prematuramente este consumo. Os usuários de álcool não raramente estão envolvidos em acidentes de trânsito ou agressões, além de estarem suscetíveis à dependência física e psicológica. A importância de investigar o uso de cafeína não se aplica tanto a malefícios ou alterações psicológicas que esta substância possa causar no usuário, até porque quando os escaladores assumem-se consumidores de cafeína, esta é absorvida de fontes como o café, ou seja, fontes que disponibilizam de pouca quantidade desta substância de fácil adaptação e tolerância. Porém, é importante ressaltar que a World Anti-Doping Agency - WADA, vinculada ao COI, proíbe o consumo ergogênico da cafeína por atletas federados.

    Com relação às drogas ilícitas, a tabela nos mostra a utilização de drogas proibidas como maconha, cocaína e lança-perfume. A maconha continua sendo a droga mais utilizada pelos escaladores, confirmando os dados da DEIC, do CEBRID (1997) e de Andrade e Portela (2000), indicando esta como a droga mais utilizada no país.

    É quase certo que o motivo para um maior número de escaladores utilizarem a maconha se dá por ser uma droga mais fraca, que prejudique menos o organismo, não comprometendo de forma acentuada seu desempenho no dia-a-dia e na rocha, sendo uma droga mais barata e popular, o que também favorece o seu uso.

    A frequência com que os escaladores utilizam as drogas constantemente é alto quando comparado à freqüência de uso rotineira e rara. Quanto ao uso constante, as drogas lícitas apresentam uma frequência de uso maior com relação ao uso de drogas ilícitas. Este já era um resultado esperado devido à legalização destas drogas e sua presença social. A facilidade para obter essas substâncias e a liberação do seu uso no meio social, principalmente o álcool e o tabaco, faz com que estas sejam muito utilizadas e causadoras de muitos problemas sociais como gastos na saúde e segurança pública. Em vista a esses problemas, alguns países estão fazendo restrições ao consumo destas drogas lícitas com o objetivo de diminuir seu consumo e conseqüentemente diminuir os gastos públicos, pois estes estão superando a arrecadação de impostos com a venda destas drogas.

    Quanto o uso das drogas ilícitas, é preocupante o uso da maconha que apresenta uma alta frequência de uso constante e rotineiramente. Costa e Gontiès (1997), afirmam que o uso diário da cannabis em dose moderada não leva a tolerância, entretanto, quando utilizada em doses elevadas constata-se uma adaptação aos efeitos do THC, tanto a nível mental quanto físico, não estando provado se a maconha mesmo utilizada durante um longo prazo, causa danos aos seus usuários. O maior problema procedente do uso destas drogas ilícitas, além do efeito físico e psicológico, se dá justamente pelo fato da sua proibição social que predispõe o usuário à utilização em lugares não adequados ou seguros, consumindo drogas sem um controle de qualidade podendo proporcionar danos bem maiores a sua saúde, além do contato com traficantes que por comercializarem drogas mais pesadas, podem estimular ao consumo de outras drogas e se envolver com o crime organizado.

    Os escaladores que citaram fazer uso de lança-perfume e cocaína fazem seu uso raramente em festas e disseram utilizar pouca quantidade durante estes momentos. Apenas um escalador relatou consumir de maneira rotineira a cocaína, dizendo utilizá-la somente em festas que frequenta todas as semanas, afirmando saber fazer uso desta droga e que nunca teve nenhum problema.

Tabela 2. Situações em que os escaladores costumam fazer o uso da droga


* Os participantes se enquadraram em mais de um motivo
** Dados pertinentes aos dados da tabela 1 quanto aos tipos de drogas utilizadas pelos escaladores em rocha

    A análise destes dados é preocupante, pois o número de escaladores que utilizam a maconha na escalada 64,1% (25), é muito alto, e estes indicaram usar a droga rotineiramente e constantemente conforme a tabela 3. As outras drogas ilícitas só são utilizadas fora da prática da escalada, porém um dos consumidores de cocaína disse já ter experimentado esta droga na escalada uma única vez, relatando ter a mesma performance de quando escala sem o efeito desta droga. Quando questionado ao motivo de não utilizar por outras vezes cocaína na escalada, este participante afirmou ser perigoso.

    Segundo Weineck (1991), o uso de drogas ocorre em todos os esportes pelos mais variados motivos e a escalada com certeza está incluída nesta realidade.

Tabela 3. Momento que a droga é usada pelos escaladores na escalada


* Os participantes se enquadraram em mais de um motivo
** Dados pertinentes aos valores da tabela 4 quanto às situações em que os escaladores costumam fazer o uso da droga

    O uso de drogas que alterem o equilíbrio físico e mental na escalada em rocha coloca em risco a segurança dos escaladores, pois se trata de um esporte com alta periculosidade que exige muita atenção e concentração de seus praticantes. O uso da maconha ocorre durante a escalada por muitos praticantes. Os escaladores que utilizam a maconha somente depois da escalada, podem estar mais protegidos dos riscos que este esporte apresenta, porém se este uso ocorre em lugares remotos como o cume de uma montanha, mesmo depois da escalada, este atleta pode correr algum risco de acidente devido aos efeitos que a droga provoca na maioria dos usuários, como a desatenção ou a diminuição da resistência muscular, dentre outros efeitos afirmados por escaladores e por autores como Raimundo (1998), Costa e Gontiès (1997), Figueiredo (2000). A maior parte deles utiliza a droga somente após a escalada, afirmando como motivo principal os efeitos provocados pela droga, que os atrapalha, sendo para muitos como uma "champanhe para comemorar o fim do dia de escalada" (Part.09).

    Já o uso da maconha antes e durante a escalada, aumentam ainda mais as chances do escalador sofrer algum tipo de acidente, pois nesses dois momentos a atenção do escalador para a montagem dos equipamentos e subida na rocha devem ser mais elevadas.

    Alguns dos indivíduos que afirmaram usar a droga antes da escalada, dizem que este uso ocorre bem antes do início da prática, durante o trajeto até a base da rocha ou enquanto preparam o material para a subida e planejam a escalada. Os escaladores que afirmaram o uso da droga durante a escalada, dizem que isto ocorre quando a escalada não precisa de tanta atenção, ou é algo irrelevante, afirmando também já estarem acostumados com os efeitos da maconha.

    Já o uso de drogas lícitas não é um fator tão preocupante, pois, nenhum dos escaladores as utilizam para melhorar sua performance. O tabaco que é utilizado tanto antes, durante e depois, não causa alteração física que comprometa o sistema motor ou psicológico que altere percepção, atenção, concentração ou outros fatores importantes. O acentuado uso do tabaco nestas três situações pode ser explicado por ser uma droga que não altera o equilíbrio psicofísico e que em contra partida provoca uma alta dependência física e psicológica. O consumo de cafeína pelos escaladores é insignificante, pois estes absorvem esta substância a partir da utilização de bebidas como o café ou energéticos que alguns praticantes habitualmente levam quando ficam o dia todo escalando. Os participantes que consomem álcool relataram que este consumo na escalada ocorre raramente e sempre no final do dia de prática com o intuito de comemorar a subida.

    Quanto ao tempo de uso das drogas, é grande o número de indivíduos que já utilizam drogas como maconha, álcool, e tabaco num período de 7 a 15 anos. Estes indivíduos também são os que apresentam maior tempo de prática neste esporte e que apresentam idades mais avançadas.

    Alarmante é o alto número de adolescentes que fazem de drogas e que iniciaram muito cedo neste universo. O problema maior é que muitos destes adolescentes além de iniciarem o uso destas drogas juntamente com sua pouca experiência de vida, estão também iniciando no esporte escalada, e consequentemente, também pouco experientes nesta prática. A soma destes dois fatores pode predispor estes jovens a um maior risco de acidentes.

    Quanto a maconha, droga mais utilizada pelos escaladores durante a prática, Costa e Gontiès (1997), afirmam que não está provado que esta droga mesmo utilizada a longo prazo cause danos aos seus usuários.

    A cafeína foi apresentada como a droga utilizada por mais tempo pelos escaladores. Esta afirmação se deve ao hábito das famílias brasileiras acrescentarem desde cedo o café e outros alimentos ricos em cafeína na alimentação de seus filhos, sendo esta uma substância muito popular.

Tabela 4. Motivos que levaram os indivíduos a iniciarem o uso da droga


* Os participantes se enquadraram em mais de um motivo
** Dados pertinentes ao número total de escaladores que utilizam drogas

    Os resultados demonstram que a maioria dos escaladores iniciaram o uso de drogas por influência de amigos, familiares, etc., seguido pela curiosidade dos efeitos das drogas. Qualitativamente pode-se dizer que estes dois motivos juntamente com as justificativas para iniciar o uso como o "efeito da droga" e a "descontração", apresentam o mesmo valor para esta população. Autores citados nesta pesquisa como Raimundo (1998) e Figueiredo (2000), afirmam que a natural curiosidade dos jovens, a influência e a aceitação, a necessidade de novas descobertas, desafio aos perigos, levam o jovem ao mundo das drogas. Outro motivo apresentado pelos escaladores para o uso das drogas foram os efeitos provocados por elas.

    A afirmação de 54,2% (32) dos escaladores justificando como motivo para o uso de drogas a necessidade de seus efeitos psicológicos e físicos é algo preocupante, pois apesar de se tratar de drogas lícitas como o cigarro e a cafeína que não causam variações agudas no equilíbrio psicológico e físico, o uso contínuo destas drogas a longo prazo causa sérios problemas orgânicos a maioria dos seus usuários. O cigarro, por exemplo, quando utilizado por muitos anos, causa malefícios físicos como respiratórios, cardíacos, e psicológicos como ansiedade, irritabilidade pela abstinência a droga, causando dependência e maior procura pelo seu uso.

    É significativo o número de escaladores, 20,5% (8), que iniciaram o uso da maconha na escalada, por motivos como a influência dos escaladores. Esta informação só reafirma os dados da tabela 6, referente aos motivos que levaram os indivíduos a iniciarem o uso da drogas que indicou a influência de amigos e familiares como o principal motivo.

    Dos 59 usuários, 49,1% (29) disseram não ter nenhum contato com drogas ilícitas antes de iniciar a prática da escalada; 40,6% (24) disseram que antes de iniciar a prática da escalada usavam com menor frequência a maconha e outras drogas ilícitas, como também álcool e tabaco com exceção da cafeína; e 10,1% (06) afirmaram que antes de iniciar na escalada o uso era mais frequente, após o início da prática esta frequência diminuiu, mas não por influência da escalada em rocha.

    Podemos considerar, com base nos dados quer a prática do esporte escalada em rocha pode estar influindo no consumo ou no aumento do consumo de drogas ilícitas, porém, dos 24 escaladores que disseram ter uma menor frequência de uso da droga antes da escalada, 18 destes estão incluídos nos que possuíam menor idade, e recentemente adquiriram uma maior independência financeira, juntamente com o início da prática da escalada. Este fato pode ter sido um facilitador para um consumo de drogas mais frequente. Os outros 6 que disseram diminuir a frequência do uso, não souberam dizer o motivo para isso, mas alguns alegaram ter adquirido uma maior maturidade. Nesta tabela em especial, a cafeína não foi considerada pelos escaladores por ser uma substância consumida pela maioria desde a infância em produtos como o café, o guaraná, entre outros.

Tabela 5. Existência ou não de diferença entre o indivíduo escalar sob o efeito da droga e sem o uso da mesma

    Estes dados revelam que para os escaladores 96,6% (57), escalar sob os efeitos de drogas lícitas como a cafeína e o tabaco não diferenciam de escalar sem o consumo destas substâncias, com exceção do álcool que pode diminuir o equilíbrio, a agilidade, a resistência e força, a concentração, percepção e atenção, e o tempo de reação, aumentando as chances de acidentes.

    Já para o uso de drogas ilícitas, 59,3% (35) dos escaladores disseram haver diferença entre escalar sob o efeito destas drogas e sem o efeito delas, mais precisamente a maconha. Citaram efeitos negativos semelhantes aos dos sentidos quando em efeito do álcool, sendo que dois destes indivíduos também citaram um aumento do medo, efeitos estes, citadas por autores como Raimundo, Costa e Gontiès, Katzung e Silva. Um outro escalador relatou mais duas diferenças, porém positivas, sendo elas o aumento da resistência e da força, e a diminuição do medo.

    Em relação aos que escalam sobre o efeito da maconha e disseram não haver diferença, 8,48% (5), justificaram este fato relatando já estarem acostumados com os efeitos da droga, estando estes indivíduos incluídos na tabela 13 como os que apresentam um maior tempo de uso da droga e que a utilizam constantemente, de acordo com a tabela 10. Costa e Gontiès (1997), afirmam que pode ocorrer uma adaptação aos efeitos do THC, tanto ao nível mental quanto ao físico, quando o uso é diário.

    Analisando todos os depoimentos com relação a esta questão, verificou-se contradições nas respostas de alguns escaladores, que disseram não utilizar a maconha durante a escalada, porém tinham ricos subsídios para responder com detalhe esta questão. Talvez o uso da droga seja mais comum do que parece. Os escaladores que não responderam se havia ou não diferença entre escalar sob o efeito de drogas lícitas e ilícitas, afirmaram não ter experiência com essas drogas e por isso não tinham subsídios suficientes para opinarem.

    Os relatos dos escaladores com relação aos efeitos das drogas lícitas e ilícitas sentido por eles quando em uso destas, são citados por autores encontrados na revisão de literatura, como Raimundo (1998), Costa e Gontiès (1997), Katzung (1994), Silva (1994), e Rang e Dale (1993). Efeitos como uma menor percepção, concentração, atenção, perda do equilíbrio, da resistência cardiopulmonar e muscular, diminuição dos reflexos, prejuízo no tempo de reação, na tomada de decisão, uma embriagues e mal estar geral e perda da memória, são efeitos comentados que variam de indivíduo para indivíduo.

    Os efeitos de drogas como o tabaco e a cafeína não são preocupantes por serem drogas dito fracas, com controle de qualidade, sem uma alteração do tropismo psicológico, apesar de influenciarem no equilíbrio orgânico como comentado pelos escaladores.

    Já as drogas ilícitas e incluindo o álcool, são substâncias que para a maioria, quando utilizadas, seus efeitos não condizem com a disponibilidade física e psicológica para tarefas como dirigir, estudar, trabalhar e principalmente a prática de qualquer esporte de aventura como a escalada.

    Um pequena parte dos escaladores, relataram que apesar de sentirem os efeitos de drogas como o álcool e a maconha, já estão acostumados com a drogas e apenas utilizando uma grande quantidade destas, não conseguiriam realizar tarefas como dirigir ou praticar algum esporte em que já teriam um certo domínio.

    Dois escaladores, 8% (2), disseram sentir benefícios com o uso da maconha como uma melhora da resistência muscular, do nível de ativação e ansiedade, proporcionando uma maior concentração no momento da subida. Estes efeitos também foram apresentados por autores como Costa e Gontiès (1997), e Katzung (1994), afirmando que a maconha pode sim melhorar a resistência física, diminuir a ativação psicológica e aumentar a concentração. Porém para esta última colocação pode haver um risco para os escaladores, pois os autores indicam um aumento excessivo na atenção específica e um prejuízo na atenção global, o que contraria uma das características deste esporte que exige de seus praticantes uma atenção global e específicas equilibradas e simultâneas.

    Deve-se então dar mais créditos aos riscos que os escaladores correm ao escalarem sob o efeito da droga, devido às exigências físicas e psicológicas deste esporte, e as debilidades provocadas pela droga em muitos escaladores.

    Quando perguntado aos escaladores se este poderiam indicar aproximadamente o percentual de praticantes deste esporte usuários de drogas ilícitas na grande Florianópolis, obteve-se o percentual de 71% a 90% como o maior número de sugestão para a quantidade de escaladores usuários de drogas ilícitas na grande Florianópolis. A maconha foi afirmada por todos os participantes, como a droga utilizada pelos escaladores usuários de drogas ilícitas. Estes dados indicam que o fato da maconha ser utilizada na escalada é reconhecido por quase todos os participantes, mesmo os não-usuários de drogas, fato este explícito a quase todos os praticantes deste esporte.

    Do total da amostra, 23,2% (17) dos escaladores não responderam a esta questão alegando não morarem em Florianópolis ou região, praticando o esporte na grande Florianópolis apenas em alguns períodos do ano.

    Questionou-se a todos os escaladores entrevistados, se estes poderiam descrever como ocorria o uso de drogas pelos indivíduos usuários no momento da escalada e se poderiam dizer por quais motivos isto ocorreria.

    As opiniões dos escaladores não usuários de drogas, baseiam-se em informações sobre drogas que estes tiveram conhecimento nas escolas, em suas casas, pela mídia, etc, e experiências que eles já tiveram com as mesmas; mais principalmente pela experiência que eles tem no esporte e por observarem como agem os escaladores que utilizam a droga na escalada, até por manterem contato com alguns deles. Notou-se que entre esse grupo as justificativas apresentadas para que os escaladores usassem a droga, em nenhum momento levou em conta os possíveis efeitos positivos que esta substância poderia proporcionar aos praticantes. Este autor acredita que este seja um reflexo das campanhas educacionais que condenam o uso de drogas fazendo com que as pessoas criem aversão a estas substâncias.

    Os escaladores que utilizam a maconha somente fora da escalada, além de saber dos efeitos da droga, 10 destes indivíduos escalam ou já escalaram com escaladores que utilizam maconha durante a escalada, justificando suas respostas.

    Os escaladores que escalam utilizando a maconha justificam esta prática argumentando principalmente a inalteração da sua performance, o hábito de utilizar a droga em qualquer ocasião, por já esta acostumado e adaptado com os efeitos da droga e pela maconha lhe proporcionar um prazer físico e psicológico.

    Nas opiniões dos escaladores em relação ao uso de drogas na escalada em rocha, muito diz respeito a sua realidade, onde os escaladores não-usuários, na sua maioria acham este fato incompatível à prática da escalada em rocha, por motivos como o risco de acidentes, a popularidade da escalada, e a própria essência do esporte, sendo que muitos afirmam que se forem respeitados, também respeitaram os atletas usuários.

    Escaladores usuários da maconha somente fora da escalada, acham este fato normal, porém alguns deles não se sentem bem escalando com uma pessoa sob o efeito da droga, por possíveis acidentes. Esta preocupação em escalar com alguém chapado coloca em cheque o fato deste afirmarem como normal esta situação.

    Os escaladores que usam a maconha na escalada acham normal, e que cada um deve ter consciência do que faz e do que pode fazer, o que segundo Rang e Dale (1993) e Silva (1994), com o uso da maconha não é possível discernir com precisão o certo do errado, ou riscos que possam surgir pro usuário. Ressalta-se que a maioria deles utilizam a droga depois da escalada, onde alguns têm receio de escalar com alguém sob o efeito da droga e sugerem seu uso bem antes ou depois da escalada em um local seguro.

    Na primeira etapa deste estudo que verificou o uso de drogas ilícitas entre praticantes de escalada em rocha, constatou-se que 57,5% (19) dos escaladores de um total de 100% (33) participantes, utilizavam somente maconha antes, durante e após a escalada. Para finalizar a entrevista nesta segunda etapa do estudo, perguntou-se a cada participante qual era a sua opinião pela razão do uso apenas da maconha.

    Os participantes elegeram como principais motivos o fácil acesso a esta droga que hoje é utilizada em larga escala por jovens e adultos. Um outro motivo alegado foi o baixo preço na qual esta droga é comercializada por traficantes e a influência social que esta droga sofre e causa na atualidade.

    Acredita-se que uma outra razão para o uso da maconha se deve aos baixos ou ausentes malefícios sentido por seus usuários e os prazeres físicos e psicológicos que a droga proporciona.

    Na opinião de alguns entrevistados, um outro fator que pode estar motivando o uso da maconha por escaladores durante sua prática é a existência de uma relação desta droga com a natureza, relação esta elaborada pelos próprios escaladores que praticam seu esporte no meio natural.

    Um depoimento concebido durante a primeira etapa deste estudo, via correio eletrônico por um dos maiores escaladores do Rio de Janeiro que não quis ser identificado na pesquisa e não fez parte da amostra, conta: "Aqui no Rio a galera que escala tá meio com o filme queimado, pois todo mundo associa o escalador a maconha"; como a figura dos surfistas em todo o Brasil, que já foram conhecidos como maconheiros, generalizando até os atletas que não fazem uso de nenhum tipo de droga.

    Este ocorrido é muito prejudicial à escalada em rocha, pois dificulta no seu crescimento quando na busca de patrocínios para expedições e/ou campeonatos, pois a população passa a ver o esporte com outros olhos. Isto ainda não ocorre na grande Florianópolis talvez pelo esporte ainda não ser tão popular, e sua prática ainda ocorrer em locais pouco acessíveis, sendo pouco apreciado pelos moradores destas cidades.


Conclusões

    O número de usuários de drogas lícitas e ilícitas entre os escaladores é significativo, considerando o número de 59 usuários de drogas entre os 73 escaladores pesquisados.

    As drogas lícitas utilizadas pelos escaladores no momento da prática são o álcool, a cafeína e o tabaco.

    Os motivos que levam os escaladores a consumirem estas drogas, é o hábito de utilizarem tais substâncias como a cafeína em bebidas como o café ou energéticos, o cigarro pela dependência e o prazer proporcionado, juntamente com o fato de tais substâncias não alterarem o equilíbrio psicofísico e consequentemente não proporcionarem malefícios a sua performance. O uso do álcool na escalada foi citado por dois escaladores, porém com uma baixa frequência e sempre depois da escalada.

    A droga ilícita utilizada pelos escaladores no momento da prática deste esporte é a Maconha.

    Os motivos para o uso da maconha durante a escalada, é a sensação de bem-estar que a droga lhes proporciona, como o relaxamento e o ambiente favorável em que a escalada é praticada. Alguns escaladores utilizam a maconha para uma melhora no seu desempenho físico e psicológico.

    É importante considerar que a maioria dos escaladores que utilizam a maconha na escalada, fazem este uso com maior frequência depois da prática da modalidade, diminuindo as chances de um eventual acidente. Não se pode dizer também que a maconha possa ser responsável por eventuais acidentes que cada escalador está sujeito a vivenciar, pois acidentes fazem parte de qualquer atividade do dia-a-dia, porém, quando ocorre o uso da maconha ou de qualquer outra droga que altere a homeostase, antes e/ou durante a escalada, as chances destes eventuais acidentes acontecerem são bem maiores.


Referências

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Outro artigos em Portugués

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